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Do trabalho pela
sobrevivência
ao sucesso
Mariana Floriano*
Ao virar a esquina da Rua Oscar Vidal, no
Centro de Juiz de Fora, e descer até o número
150, a paisagem fria do asfalto dá lugar a tons
dourados e luzes brilhantes do salão de Jael
Pifano. “Pode subir, a Jael está esperando por
você no andar de cima”, diz uma das moças
no hall de entrada. Uma escada caracol nos
leva até o segundo piso. Lá, mais secretárias:
“a Jael está na sala de tintura, pode subir as
escadas”. Mais um lance e o olhar admirado
entre salas para lavagem de cabelo, para corte,
tintura, maquiagem, conversas animadas e
mulheres com brilho nos olhos e papel na cabeça.
Já no terceiro andar está Jael. A mulher que
dá nome à equipe de mais de 40 funcionárias
conversa, se movimenta com rapidez, e fica por
dentro de tudo o que acontece nas inúmeras salas.
“Nunca cheguei a contar quantas são, dá até
um desespero”, afirma rindo. Para conversar, vamos
até o espaço reservado para arrumação de noivas, onde,
segundo ela, “é mais calmo”. De fato, fica difícil definir se o
ritmo agitado do salão toma conta de Jael ou se ela contagia
o ambiente, já que na opinião de suas filhas, “ela é a alma do
lugar”.
Quem hoje entra na empresa construída por Jael Pifano não
imagina que há 40 anos tudo o que possuía eram duas cadeiras
e um espelho. “Tenho 59 anos de idade e 45 de profissão”,
diz ao contar a história de quando tudo começou. A primeira
função de Jael dentro de um salão de beleza foi na limpeza,
varria os cabelos que caíam no chão, mas sempre com olhos e
ouvidos atentos a tudo o que acontecia em cima das cadeiras.
“Sou filha de imigrantes italianos, meus pais eram muito
pobres. Minha mãe, que não sabia ler nem escrever, lavava
mais de 30 trouxas de roupa por dia e, nos fins de semana, fazia
comida para vender no bairro.” Foi observando a condição
humilde da família que Jael, com apenas 14 anos, se dispôs a
ajudar. Nenhum parente era cabeleireiro, e o sonho de ter um
salão próprio nunca tinha passado pela sua cabeça. “O meu
sonho mesmo, desde pequena, era ser química.”
Sem ter como bancar os estudos, Jael agarrou a primeira
oportunidade que surgiu. “Uma vizinha trabalhava no Ediza,
que já foi um dos maiores salões de Juiz de Fora, e ela me disse
que estavam precisando de alguém para limpeza. Na mesma
hora eu aceitei.” Dez anos mais tarde, ela viria a montar
seu primeiro salão.
“Eu não tenho vergonha de falar, no meu primeiro salão,
só tinha um lavatório, duas cadeiras e um espelho. Já almocei
muitas vezes no banheiro, porque não tinha outro lugar para
almoçar.” Os primeiros anos da profissão foram de muita luta,
trabalhava de segunda a sexta e, nos fins de semana, cortava o
cabelo de todos os moradores do Bairro Borboleta, onde nasceu.
“Já trabalhei muito de graça, mas era importante para que
eu aprendesse.”
Jael sabe fazer de tudo. “Sempre fui assim. A primeira vez
que fiz maquiagem foi quando a maquiadora do salão passou
mal, não pode ir e tinham várias clientes marcadas para um
casamento. Minha chefe à época, que sempre me percebeu
observando o trabalho da maquiadora, perguntou se eu sabia
fazer maquiagem. Eu não sabia, mas disse “sei”. A partir daí,
eu virei maquiadora.”
Coragem, vontade de aprender e muita determinação foram
os componentes que, segundo Jael, deram vida ao seu salão.
Do pequeno cômodo na galeria Constança Valadares, ela teve
que se mudar para outro prédio na Rua Halfeld. “A sala não me
comportava mais, depois de um tempo, a mulherada ficava de
papel nos cabelos pelos corredores da galeria.”
Na Rua Halfeld, ela alugou duas salas no Edifício do Banco
Mineiro da Produção, lá ficou por seis anos, mas logo surgiu a
necessidade de expandir. “A primeira vez que vim visitar esse
apartamento aqui na Oscar Vidal, eu não queria pegar de jeito
nenhum. Falei com a proprietária que ela estava louca, aqui era
grande demais para mim. Hoje já estou com quatro.”
Se quisesse, afirma Jael, poderia ser ainda maior, mas afirma
estar satisfeita com a empresa que construiu. “Me sinto realizada
porque fiz uma empresa da forma como eu queria, uma
empresa humana.” O salão, antes da pandemia, recebia cerca de
duas mil clientes por mês e, nos últimos tempos, tem retornado
ao ritmo intenso de trabalho. “Nós tivemos que reduzir a equipe
durante a pandemia por conta de espaço. Para obedecer as normas
de distanciamento, não pude ficar com a capacidade máxima
de funcionários que eu tenho.”
Atualmente, o salão de Jael conta com 42 funcionárias, entre
cabeleireiras, manicures, esteticistas e outros profissionais.
E há ainda um homem na equipe, o primeiro depois de
muitos anos. Gerar empregos e dar oportunidade de crescimento
é uma das coisas que mais motiva a empresária. “Se
eu pudesse, contratava muito mais. Assim como eu comecei
muito nova, vejo meninas seguindo os mesmos passos, com
muita garra, se aperfeiçoando e traçando um rumo na vida.”
Para ela, o diferencial do salão passa também pela qualidade
das funcionárias. “Para trabalhar comigo precisa ser uma
pessoa boa, não digo nem profissional bom, porque profissional
a gente molda, mas caráter, não.”
Se eu pudesse, contratava muito mais. Assim
como eu comecei muito nova, vejo meninas
seguindo os mesmos passos, com muita garra,
se aperfeiçoando e traçando um rumo na vida
Aspiração de ensinar jovens
meninas e adolescentes
O sonho para o futuro é poder retribuir um pouco de sua
sorte às próximas gerações. Jael planeja fundar uma escola
técnica para jovens meninas e adolescentes, com o objetivo
de ensinar um ofício e consequentemente as tirar das ruas.
“Gostaria de dar a oportunidade para se descobrirem em
um tipo de profissão. Se você encontra uma direção com 14,
15 anos, a chance de ter um futuro melhor aumenta demais.
Eu ficaria muito realizada em saber que fui parte disso.”
Mas no momento, os planos ainda são apenas planos, as
prioridades de Jael são outras, como cuidar da mãe de 93
anos. “Minha mãe é minha maior inspiração. Fui criada por
uma mulher à frente do seu tempo, não tinha como eu ser
diferente. Mesmo sem ter dinheiro ou educação, ela nunca
abaixou a cabeça, pelo contrário. Sempre batalhou demais
para conseguir o que é dela.”
Quando questionada sobre o que gosta de fazer quando
não está trabalhando, Jael logo responde “viajar”. Mas até
nisso sua profissão ganha espaço. “Adoro viajar, conhecer
novas culturas, já fiz curso em oito países na área de coloração.
Sempre que dá, tento unir essas duas paixões, viajar
e aprender.” Outra paixão recém descoberta é seu sítio,
“nunca gostei de roça, mas agora tenho um sítio onde
gosto de ir para cuidar das minhas plantas. Eu também
faço crochê, tenho meus grupos de estudo, de religião.
Minha vida é bem movimentada, mas eu gosto assim”,
afirma, rindo.
*Sob supervisão da editora Luciane Faquini
6 | março | 2022
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