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A poética maquinista

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A poética maquinista

Publicado em 20/03/2011 por Silvio Colin

As vanguardas

O Movimento Moderno na arquitetura amadureceu por volta de 1920, como uma resposta

tardia a grandes questões formuladas no século XIX a respeito da relação criativa do

homem com máquina, com a cidade, com o novo modo de viver da sociedade. Quatro são

as suas principais vertentes. Vamos alinhá-las sem ter em mente nenhum julgamento de

prioridade ou valor, quer cronológico ou ideológico. Chamemos a primeira

de purismo, aceitando a denominação dada por Le Corbusier ao movimento que criou,

juntamente com Amedée Ozanfant. Apoiado em slogans futuristas e seguindo os passos

de Adolf Loos na aversão deste ao ornamento, Corbusier construiu uma fundamentação

bem clara e objetiva para o edifício, falando de pilotis, janelas, terraços, espaços

centrífugos, promenades. A nossa casa deveria ser uma “máquina de morar”. Para a

cidade estabeleceu as célebre funções (habitar, trabalhar, cultivar o corpo e o espírito,

circular), o zoneamento e a verticalização, que devem muito à Cité Industrielle de Toni

Garnier.

Purismo. Edifício no Bairro Weissehof. Stuttgart, 1927. Le Corbusier.

Outro movimento muito próximo do purismo era o Neoplasticismo de Mondrian e Theo van

Doesburg, a mais abstrata das quatro vertentes, a menos arquitetônica, porém a que nos

deu a mais clara carta de princípios, os “Dezessete pontos da arquitetura neoplástica”,

publicado em 1925 na revista De Stjil. O seu excessivo abstracionismo nos deixou poucas

obras, mas muitas polêmicas, e até mesmo motivou uma greve na Bauhaus. Aliás, talvez

a mais importante destas obras, além do edifício canônico de Gerrit Rietveld – a Casa

Schöeder, seja o Pavilhão da Alemanha na Exposição de Barcelona, assinada por Mies

van der Rohe, que não era um neoplástico de raiz, mas era sem dúvida o arquiteto mais

equipado para estes altos voos abstratos.


Neoplasticismo. Casa Schröeder. Utrecht, 1924. Gerrit Rietveld.

Estes dois movimentos, o purismo e o neoplasticismo constituíam o viés pictórico do

movimento moderno. Eram ideias formuladas por pintores de formação, e que, por isso

mesmo, valorizavam o aspecto visual da arquitetura. Os outros dois movimentos,

formulados por arquitetos, comprometiam-se mais com o dado construtivista, com os

materiais, com as estruturas. Obviamente que esta separação entre o lado pictórico e

construtivista dos movimentos não pode ir muito adiante, pois todos os movimentos de

vanguarda devem seu tributo à pintura, do suprematismo ao elementarismo, do

expressionismo à nova objetividade, mas deixaram marcas importantes na arquitetura.

Dos movimentos que chamamos construtivistas, citemos, em primeiro lugar, a Bauhaus.

Não falamos aqui da escola, um cadinho de experimentações, de influências diversas e

contraditórias, mas da obra dos arquitetos a ela ligados: Mies, Gropius, Breuer, Hannes

Meyer, Mart Stam. Vista sob este aspecto, a produção é tão homogênea quanto se pode

esperar de um movimento, a partir do próprio edifício da Bauhaus de Dessau e do conjunto

de edifícios para o bairro Weissenhof, em Stutgard. Este conjunto reuniu obras dos mais

importantes arquitetos progressistas daquela época: Oud, Poelzig, Behrens, Stam,

Scharoun, Hilberseimer, Bruno e Max Taut, Mies, Gropius, Corbusier. A Bauhaus, ou

qualquer de seus membros, em nome da instituição jamais proclamou princípios claros de

sua poética, daí a importância dos outros movimentos contíguos. Era, entretanto, o melhor,

ou o único ponto de encontro e cruzamento de ideias.


Edifício da Bauhaus. Dessau, 1925-6. Walter Gropius.

O Construtivismo soviético foi também de grande importância. Não fez, como Corbusier,

uma leitura abstrata do Messaggio de Sant’Elia [Manifesto da Arquitetura Futurista]. Ao

contrário, dela tirou indicações concretas, recomendações para se fazer a arquitetura do

seu tempo: expor as máquinas, elevadores, antenas de rádio, elementos estruturais, e

explorar ao máximo as possibilidades dos novos materiais e técnicas, distendendo as

estruturas até o seu limite. A sua ousadia, e o forte colorido ideológico, melhor articulado

que nos outros movimentos, vão ser a sua marca.

Sede do Jornal Pravda Leningrado. 1924.

Irmãos Vesnin.


A poética maquinista

Nos movimentos que acabamos de descrever há uma nítida convergência; tudo se passou

como se o pensamento anterior fosse um feixe amplo de ideias cujas radiações mais

poderosas convergiam em um feixe mais concentrado. O pensamento múltiplo vindo do

século XIX condensou-se, no imediato após guerra, gerando as quatro correntes descritas.

Podemos ainda ir adiante e analisar o que estas quatro correntes têm em comum, ou ainda

destacar as características de cada uma usadas com maior frequência nos tempos que se

seguiram.

Em primeiro lugar devemos destacar as duas orientações paralelas. A primeira, que

poderemos chamar de orientação pictórica, inspirada nas poéticas ligadas à pintura, como

o Purismo de Le Corbusier e o Neoplasticismo, e a orientação construtivista, esta inspirada

nos movimentos ligados à edilícia, às práticas construtivas, como a Bauhaus, o

Construtivismo Russo, a Nova-Objetividade, etc. Estas tendências, não absolutamente

dissociadas, caminharão em paralelo, contaminando-se mutuamente, porém respondendo

de maneiras diversas aos problemas práticos, como no caso da fenestração, no trato do

espaço, da estrutura e outros. Queremos com isto destacar a existência de uma tensão

interna no pensamento arquitetônico, a qual ao mesmo tempo que o vivifica, contém o

germe de transformações futuras.

Economia, Objetividade, Anti-individualismo

A economia é procurada de diversas maneiras, seja materialmente, pois o mundo se

tornara maior e os recursos mais exíguos, seja simbolicamente, pois se a “nova ordem” era

prática, o homem moderno assim deveria ser.

Escolha um apartamento menor do que aquele a que foi acostumado por seus pais, pense

na economia dos seus gestos, de suas palavras, de seus pensamentos. [1]

Exortava Le Corbusier, em coro Van Doesburg e Mondrian.

A nova arquitetura é econômica, […] utiliza os meios elementares sem desgaste de

recursos materiais. [2]

De fato, tudo o que se dirá sobre estrutura, decoração, separação de funções, etc. terá

como pano de fundo a ideia de economia.

A objetividade ataca impiedosamente e o gongorismo plástico, comum no ecletismo. Além

das conotações de seu uso vulgar, a palavra “objetividade” (sachlichkeit), adquire um novo

status ao significar uma atitude oposta à subjetividade, marca do movimento

expressionista; evocava, nos anos trinta, uma atitude ligada à realidade imediata, quer seja

política, social ou estética. No que se refere à arquitetura, designava uma constante

vigilância para evitar evasões historicistas, decorativistas ou sentimentais, centrando a

atenção no objeto arquitetônico e seus determinantes mais pragmáticos.

Quanto ao anti-individualismo, possui também aspectos práticos, estéticos e éticos.

Significava a ruptura com o fazer artesanal, impregnado do gosto pessoal,

da maniera. Enquanto as obras de pintura até agora foram tão fugidias que não podiam ser

duplicadas, agora podem ser multiplicadas ao infinito, quer pelos artistas que as criaram,

quer por intermediários escrupulosos […] de modo que nenhuma cópia é mais “original” do

que outra. [3]


Bairro Weissenhof. Stuttgart, 1927. Edifícios de Hans Scharoun (E), J. J. P. Oud (C)

e Mies van der Rohe (D). O melhor exemplo de uma linguagem coletiva e antiindividualista

que representam a poética maquinista.

O individualismo era um obstáculo à reprodutividade mecânica, e, consequentemente, à

arte do século XX. A atitude morrisiana [referente à William Morris] deveria ser combatida,

e o foi. E talvez o aspecto mais difícil de superar pelas vanguardas tenha sido exatamente

este: substituir uma poética de egos fortes e manifestos por outra em que estes seriam

integrados ao pensar coletivo. Era necessário que esta prática estivesse fundamentada em

uma estética. Coube sobretudo ao Neoplasticismo construir esta ponte.

[…] A equação implícita entre arte abstrata e maquinaria… é apoiada ainda pelo fato de

que ambos eram vistos como instrumentos de outra coisa que foi erigida no programa do

De Stijl: a despersonalização da arte. [4]

O Manifesto da revista exortava a remover

[..] O caráter pessoal do edifício e assim [caminhar] em direção a uma arte de grupo[…]

com inter-relacionamentos rítmicos entre até mesmo as menores partes estruturais, e

nenhuma adição de decoração. [5]

Este lado estético será ainda complementado por uma justificativa ética, cuja ligação

começa a ser feita na vertente socialista alemã, com Mart Stam.

A visão dualista de vida, céu e terra, bem e mal, a ideia de que há um conflito interior eterno

acentuou o individualismo e o afastou da sociedade […] O isolamento do indivíduo o deixou

à mercê de suas emoções. Porém a perspectiva moderna vê a vida como extensão de uma

força singular. Isto significa que o que é especial e individual deve ceder ante o que é

comum para todos. [6]

E terá sua versão final, evidentemente, no pensamento socialista, como o retrata Moisei

Guinzburg.

Não se trata, obviamente, de ajustar-se ao gosto individual dos novos consumidores. Não

se trata de gosto. Trata-se de descobrir as particularidades dos novos consumidores

enquanto coletividade que constrói o socialismo e dar prioridade aos princípios de

planificação. [7]

Estes três predicativos, economia, objetividade e anti-individualismo, irão orientar as

formulações relacionadas ao fazer arquitetônico, como veremos a seguir.

Volume, não massa

Para Henry Russell Hitchcock e Philip Johnson, a distinção entre volume e massa, e a

opção pelo primeiro era um componente fundamental da arquitetura que alcunharam de

“Estilo Internacional”.


O efeito de massa, de solidez estática, até hoje considerado como a primeira qualidade da

arquitetura, desapareceu completamente. Em seu lugar há um efeito de volume, ou, para

sermos mais exatos, de planos de superfície que limitam um volume. O principal símbolo

da arquitetura já não é o denso tijolo, mas a caixa aberta. [8]

Fábrica Fagus, Alfeld. 1911-13. W. Gropius e A. Meyer.

Apesar de ainda conter elementos decorativos e de composição

clássicos, foi uma das primeiras utilizações da cortina de vidro

e uma das primeiras vezes em que se tira o ponto cego da construção.

A diferenciação deriva, sob o ponto de vista simplesmente estático, das novas

possibilidades estruturais. De fato, a estrutura tradicional, com paredes portantes, exigia

destas estarem firmemente plantadas no solo, envolverem o edifício, que se reforçassem

nos cantos, gerando o que Hitchcock e Johnson chamavam “efeito de massa”.

Simbolicamente evocavam arquiteturas tradicionais, o castelo medieval, o “palazzo”

renascentista e suas derivações. A alternativa moderna estava na estrutura independente,

econômica, nos “pilotis” de Le Corbusier, nos planos leves das paredes vedantes, ou nos

grandes panos de vidro.

Até agora parecia que uma casa deveria ficar fixada pesadamente no solo, pela

profundidade de suas fundações, pelo peso de suas paredes grossas […] A ciência da

construção evoluiu de maneira perturbadora em termos recentes. [9]

O assunto era também tratado pela tríade Mart Stam, Hans Schmidt e El Lissitzky, na sua

revista ABC, onde cunharam a fórmula construção + peso = monumentalidade.

Diversos são os procedimentos estéticos destinados a estabelecer a leveza desejada, e

destituir o edifício de sua característica massiva. O mais simples deles, depois,

obviamente, da elevação do solo pelos pilotis, era colocar uma janela ou abertura nas

esquinas do edifício. Deste procedimento, os exemplos mais emblemáticos são a fábrica

Fagus, de Gropius e Adolf Meyer, a casa Ozenfant, de Le Corbusier e Pierre Jeanneret e

a casa Tugendhat, de Mies. Nestes casos, o antigo “ponto cego”, marco lateral do edifício,

destituído de seu atributo portante, era desnudado em um gesto retórico.


Um outro recurso era o uso cada vez mais intenso dos panos de vidro, até chegar à cortina

total, marca registrada do Estilo Internacional tardio. O binômio vidro-estrutura tem uma

outra solução, utilizada pela primeira vez por Mies van der Rohe em 1922, para um edifício

de escritórios em Berlim, exposto pelo Novembergruppe, em que as vigas horizontais,

envolvendo todo o perímetro do edifício, alternavam-se com as faixas de vidro, solução que

se tornaria corriqueira, anos mais tarde.

A dualidade “massa-volume” é, possivelmente, um ponto por que Frank Lloyd Wright, que

nunca lhe deu muita atenção, foi encarado com reserva pelos modernistas europeus. Vejase

o Larkin Building[10] e a Unity Church, marcos significativos em tantos aspectos, e tão

admirados por Berlage, porém na contramão do princípio da leveza volumétrica, o qual,

apesar da unanimidade inicial, não contaria com a simpatia de um Alvar Aalto, de um Louis

Kahn, ou mesmo do Le Corbusier mais maduro, não o purista ligado a Ozenfant, mas o

brutalista ligado a Fernand Leger.

Edifício Larkin. Buffalo, 1906. Frank Lloyd Wright.

Um dos mais absolutos pontos de doutrina do modernismo era o antidecorativismo. Não

se admitiria nenhuma das maneiras de aplicação decorativa consagradas pelas

arquiteturas anteriores. Não aos relevos figurativos ou geométricos; não às modinaturas:

não às cornijas.

Continuava o credo modernista: naquele pensamento de filiação pictórica (neoplasticismo,

purismo etc.) não se admitiria qualquer indício de textura ou da materialidade dos muros,

como no caso da explicitação das alvenarias de tijolos ou pedras. Neste ponto falava mais

alto o platonismo neoplasticista:

Construir sem ornamentação enseja as maiores possibilidades de pureza e expressão

arquitetônica… Toda decoração é não essencial, mera compensação externa para uma

impotência interna. [11]

Considere-se que muito da ideologia da arquitetura moderna era o rebatimento de poéticas

pictóricas, como o Purismo, o Neoplasticismo, a Nova-Objetividade. As paredes lisas,


preferencialmente brancas constituíam-se, como sugere Banham [12] , no substrato ideal

do pintor. Le Corbusier escreveria, em 1922, para uma resenha do Salon d’Automne:

Se a casa é inteiramente branca, o desenho das coisas ressalta, sem qualquer possível

transgressão, os volumes aparecem claramente, cor é explícita. [13]

Posição semelhante podemos tirar de Mondrian:

Em arquitetura, o espaço vazio vale como uma cor. [14]

Casa do Diretor. Bauhaus Dessau. 1925. Walter Gropius.

Por ser, talvez, um dos princípios mais abstratos do conjunto de formulações modernistas,

não teve vida longa. Aqueles arquitetos que não tinham a pintura como referência, logo lhe

abriram mão. É o que podemos constatar nas obras de Mies nos Estados Unidos, nas quais

abandona a parede branca e lisa do Weissenhof Siedlung, de 1927, pelas vibrantes

alvenarias de tijolos e pelo vidro, no Instituto de Tecnologia de Illinois. Mesmo Le Corbusier

abriria mão de seu purismo pictórico, trocando-o pelas acidentadas superfícies de concreto,

a partir de Marselha. De qualquer maneira, o princípio das paredes lisas e possivelmente

brancas teve seu momento, e, ao considerá-lo, não podemos deixar de falar de outra

questão, que lhe está atrelada: a fenestração.

Podemos diferenciar dois princípios igualmente importantes. O primeiro, no viés

neoplástico, é o da parede como substrato, onde os elementos (janelas ou aberturas)

ganhariam “valor de uma cor”, como ensinava Mondrian. Para esta solução, temos a

orientação de Le Corbusier das fenêtre en longeur e dos traçados reguladores.

De fato, a prática oitocentista somente conhecia janelas verticalizadas, que Le Corbusier

chamava de “tipo versailles”. A esta atitude tradicional a poética maquinista vai oferecer

duas alternativas: a primeira originária da vertente pictórica do movimento, -neoplasticismo

e purismo; a segunda pela vertente construtivista do racionalismo americano ou da

“objetividade” alemã. No primeiro caso temos a orientação da fenêtre en longeur, com valor

plástico suprematista, de Le Corbusier, ou a indicação de Van Doesburg:


[…] A nova arquitetura propõe: a relação equilibrada de partes desiguais, quer dizer, de

partes que são diferentes (em posição, medida, proporção) por seu caráter funcional. A

composição destas partes está dada pelo equilíbrio das diferenças, não das

igualdades. [15]

A outra orientação é aquela de teor construtivista, voltado não para os valores plásticos de

superfícies brancas rasgadas, mas para os elementos de iluminação e ventilação induzidos

pelos determinantes construtivos, vigas, pilares, maciços, etc. Neste caso a prioridade

histórica coube à grade fenestrada de Sullivan, cujo exemplo mais amadurecido e

emblemático é o edifício Carson, Pirie, Scott & Company, de 1904. O princípio conheceria

uma evolução, no já citado edifício de escritórios Mies, para o Novembergruppe, de 1922.

Edifício de escritórios. Projeto exposto pelo Novembergruppe. 1922.

Mies van der Rohe.

Vemos aí que o elemento janela passa por um processo de dessemantização, quantitativo,

enquanto é questionado pelas poéticas pictóricas. Quando atacado pelas poéticas

construtivistas, sofre mudança qualitativa, perde sua própria natureza quando passa a ser

a fita de Mies, ou a cortina de Gropius.

Estrutura

A arquitetura moderna tornou-se possível devido aos dois novos materiais que lhe foram

legados pelo século XIX. Assim sendo, nada mais certo do que a estrutura desempenhar

papel preponderante em sua concepção. Neste aspecto, as práticas de projetação e as

possibilidades do concreto armado e do ferro orientaram a concepção dos projetos. Nada

mais enfático a respeito do que o pensamento de Mies van der Rohe, expresso na revista

“G”:

Recusamo-nos a reconhecer problemas de forma; reconhecemos somente problemas de

construção. [16]

Os “problemas de construção” consistiam na disciplina projetual necessária para atender

aos requisitos estruturais. Le Corbusier atentou para o fato de que estes dados iriam

fatalmente se confrontar com as necessidades funcionais e estéticas, e apressou-se em


incluir em seus princípios aquele da estrutura independente, o qual ele levava às últimas

conseqüências nos projetos da primeira fase.

Uma conquista da abordagem estrutural do edifício, que cedo se tornará uma alternativa à

desmaterialização proposta pelas poéticas pictóricas, será a já mencionada grade

estrutural de fachada. A grande questão, no que toca a estrutura e que esta,

tradicionalmente, sempre fora um determinante formal, devido às limitações que impunha:

Foi nas sugestões de construção que o arquiteto das grandes eras artísticas encontrou a

sua inspiração mais verdadeira. [17]

Agora a questão se invertia: de tal maneira a estrutura facilitava as coisas para o arquiteto

que este orientou sua concepção por critérios de economia, funcionalidade, racionalidade.

Mas é na estrutura que se realizam os mais puros preceitos da Era da Máquina:

padronização, produção em série, divisão de funções, tudo enfim que se constitui em

predicado da industrialização encontrava pronta e inquestionável aplicação na estrutura,

embora nos outros sistemas da arquitetura pudesse eventualmente faltar.

O Espaço

O primeiro dado que se pode estabelecer a respeito do espaço arquitetônico moderno é

que este será funcionalmente determinado. No passado não pesava sobre os construtos

arquitetônicos o ônus de atender a tão severas limitações no que se refere ao custo do

terreno e da construção. Não somente este aspecto como também o dado simbólico:

[…] abolir o monumental e o decorativo […] sem estupidificarmo-nos com regras

vitruvianas […] equipados somente com uma cultura científica e tecnológica. [18]

Farão do espaço moderno funcional, restrito, sem tensões de orientação e horizontalizado.

Villa Savoye. Poissy, 1929. Le Corbusier. “Promenade” arquitetônico.

Esta abordagem espacial inicia-se no modernismo com o conceito da “Raumplan” de Loos,

mas suas características pragmáticas serão intensificadas pelo

determinismo sachlich [real] de Meyer e seus seguidores. Como consequência teremos

que o espaço moderno perderá, pelo menos em princípio, todas as suas características

simbólicas e representativas, seja do poder, seja da religiosidade, ou de qualquer

significante alheio à destinação funcional do edifício.

Existem, porém, propostas relativas ao trato do espaço que irão discordar do determinismo

funcional. De Le Corbusier nos vem duas delas. A primeira será a solução proposta para a


Villa Sayoye, na qual os espaços funcionais são deslocados para a periferia da casa,

ficando o centro ocupado pela rampa de ligação vertical: que promove o promenade. O

mestre recorreria a ela mais tarde em outros projetos, residenciais ou não, como a Villa

Shodam, de 1951, na índia, e o Visual Arts Center, em Cambridge, MA., de 1961-64, para

citarmos apenas os mais evidentes e conhecidos.

A segunda proposta será o espaço de dupla altura, cuja primeira aparição acontece na

Maison Citrohan, de 1920, mas percorrerá toda a sua obra, desde a Ville Radieuse até

as Unitée d’Habitation. A proposição destes espaços seguem motivação estética, não

funcional. Temos ainda, como solução divergente do espírito funcionalista, o caminho

indicado pelo Neoplasticismo, do espaço fluido, da planta aberta, promovendo a

comunicação entre interior e exterior, solução insistentemente usada por Mies van der

Rohe, desde o projeto de 1923, para uma casa de campo em tijolos ao emblemático

Pavilhão da Alemanha na Exposição de Barcelona, de 1929, e à Casa Tugendhat, de 1930.

Casa Ozenfant. Paris, 1922. Le Corbusier.

O espaço de dupla altura.

Estas soluções, entretanto, freqüentaram somente as obras primas; a orientação comum,

quer seja justificada pela necessidade da apropriação coletiva de bens, de inspiração

socialista, quer seja pela necessidade de menor investimento, de inspiração capitalista, foi

a de adotar para a determinação dos espaços critérios funcionalistas.

Anti-historicismo e dessemantização

Não se tratava simplesmente de substituir formas antigas por formas modernas; havia

também o problema da representação: nada que lembrasse a arquitetura tradicional

deveria ser utilizado, quer se tratasse de protocolos projetuais, quer se tratasse de formas

ou elementos arquitetônicos. Uma das grandes vítimas desse procedimento foi o telhado

de águas inclinadas. Que se utilizassem lajes planas, com ou sem o terraço-jardim de Le

Corbusier. A nova tecnologia autorizava que se abrisse mão desse elemento tradicional,

artesanalmente construído; em seu lugar, a solução-tipo: a laje impermeabilizada.


Não parava por aí. Qualquer elemento que estivesse ligado a outros períodos históricos,

ou trouxesse sua lembrança, estava condenado. Encabeçam a lista, obviamente, aqueles

elementos da poética clássica: frontões, cornijas, molduras, balaustradas…

A dessemantização (enfraquecimento da relação entre um objeto e seu referente) inclui-se

no projeto moderno por uma razão fundamental: toda a arquitetura do passado, próximo

ou remoto, baseava-se na utilização de elementos fortemente carregados

semanticamente. O Renascimento resgatara as formas da Antiguidade clássica; daí por

diante, toda arquitetura possuía como ponto de referência aquele repertório já estabelecido

de figuras, seja para repeti-los, ou para alterá-los.

No século XIX, tal procedimento chegou ao paroxismo, e consequentemente ao

esgotamento; fazia-se então necessário, no julgamento dos modernistas, para que novos

códigos comunicativos pudessem vingar, a atitude radical de expulsão de qualquer

elemento que trouxesse consigo os significados do passado.

[1] LE CORBUSIER. Por uma Arquitetura. São Paulo. Perspectiva, 1989, p. 85.

[2] VAN DOESBURG Theo. “Dezessete pontos de uma arquitetura Neoplástica”. Apud

FUSCO, Renato de. La Idea de Arquitectura. Barcelona, Gustavo Gili, 1976, p.123.

[3] GLEIZES Albert. Apud BANHAM, Reyner. Teoria e projeto na primeira era

da máquina. São Paulo. Perspectiva, 1979, p. 327.

[4] BANHAM, op. cit. , p.243.

[5] “Manifesto” do “De stijl”. Apud BANHAM, op. cit., p. 243.

[6] STAM, Mart. “Kollektive Gestaltung’. Apud FRAMPTON, Kenneth. Historia Crítica de la

Arquitectura Moderna. Barcelona: Gustavo Gili, 1994, p.136.

[7] Moisei Guinzburg. Apud KOPP, Anatole. Quando o moderno não era um estilo e sim

uma causa. São Paulo: Nobel / Edusp, 1990, p. 79-80.

[8] HITCHCOCK Henry Russell e JOHNSON, Phiip. O Estilo Internaciona1. Catálogo da

Exposição, Museum of Modem Art, Nova Iorque. Apud Frampton, op. cit., p. 252.

[9] LE CORBUSIER. Apud Banham, op. cit., p. 356.

[10] Ver Figura 1.10, capítulo 1.

[11] Jacobus J.P. Oud. Apud Banham, op. cit. , p.258.

[12] Op. cit., p. 350.

[13] “L’Esprit Nouveau”, 1922. Apud Banham, op. cit., p. 356.

[14] Piet Mondrian. Apud FUSCO, Renato de. La Idea de Arquitectura. Barcelona,

Gustavo Gili, 1976, p.124-125.

[15] DOESBURG, Theo van. “Dezessete pontos de uma arquitetura neop1ástica”. Apud

Fusco,1976,p. 124-125.

[16] Mies van der Rohe. Apud BANHAM, op. cit., p.428.

[17] Thomas Graham Jackson ,. “Reazon in Architecture” , 1906. Apud BANHAM, op. cit.,

p. 41.

[18] Sant ‘Eliia. “Messaggio”,1914. Apud Banham, op. cit., p. 195.

Texto extraído de:

https://coisasdaarquitetura.wordpress.com/2011/03/20/a-poetica-maquinista/, acesso em

17/03/2024.


Vídeo:

SUPREMATISMO E AS VANGUARDAS RUSSAS#VIVIEUVI

https://www.youtube.com/watch?v=9qmF5fsZRIQ&list=RDCMUCxIruXzvzmLkaH-a-

QGnnKQ&start_radio=1&rv=9qmF5fsZRIQ&t=3

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