Boletim da Dor - Dezembro 2010, N.º 40 Equipa funcional: Enfª Carmo Torres, Dra Marisol Nogueira, Enfª A<strong>de</strong>lina Fra<strong>de</strong> e Dra Filipa Teixeira.
Introdução e Objectivos: A dor lombar é <strong>de</strong>finida como dor, tensão ou rigi<strong>de</strong>z muscular, localizada abaixo da gra<strong>de</strong> costal, e acima dos glúteos, com ou sem irradiação para o membro inferior. 1 A etiologia é multifactorial, sendo atribuída a alterações estruturais ou neurológicas, directamente relacionadas com estruturas da coluna vertebral ou com patologias, cuja dor lombar não tem origem directa nestas, nomeadamente, tumores, neuropatia diabética, entre outros. 2,3 A maioria dos casos são auto-limitados, com recuperação após 6 semanas em 90% dos casos. Contudo, 3 a 7% ultrapassam os 3 meses <strong>de</strong> duração, sendo a dor lombar classificada como crónica, por vezes incapacitante. A taxa <strong>de</strong> recorrência é elevada, po<strong>de</strong>ndo reaparecer em 50 a 80% dos casos, no período <strong>de</strong> um ano. A lombociatalgia crónica é uma das condições clínicas mais frequentes e uma das principais causas <strong>de</strong> incapacida<strong>de</strong> e absentismo laboral. É uma condição com gran<strong>de</strong> impacto social e emocional, pela morbilida<strong>de</strong> e custos económico-sociais que acarreta. A sua elevada prevalência é conhecida em vários países, havendo mesmo estudos que <strong>de</strong>monstram uma tendência a aumentar. A duração da incapacida<strong>de</strong> laboral é o factor preditivo mais importante – a probabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> retorno à vida profissional é inversamente proporcional ao tempo da doença. 1,3 O doente com lombociatalgia crónica <strong>de</strong>ve ser abordado <strong>de</strong> forma cuidadosa e criteriosa. Não existe uma abordagem terapêutica i<strong>de</strong>al, e as recomendações que existem têm baixo grau <strong>de</strong> evidência, com pouco grau <strong>de</strong> progresso nos últimos 10 anos. 1 A abordagem terapêutica <strong>de</strong>ve ser individualizada ao doente, e engloba uma estratégia multimodal e multidisciplinar, com recurso a técnicas invasivas quando as opções terapêuticas conservadoras são insuficientes. A técnica epidural com administração <strong>de</strong> corticoesterói<strong>de</strong>s, associados ou não a anestésico local, po<strong>de</strong> ter indicação na sua abordagem. Este trabalho tem como objectivo realçar o papel das técnicas invasivas, mais concretamente da epidural, como componente <strong>de</strong> uma abordagem clínica multimodal, no tratamento da Técnica epidural na abordagem da lombociatalgia crónica Daniela Araújo, Raquel Caetano, Cristina Duarte, Fernando Pousa Serviço <strong>de</strong> Anestesiologia e Emergência Intra-Hospitalar / Unida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Tratamento da Dor, Centro Hospitalar <strong>de</strong> Vila Nova <strong>de</strong> Gaia/Espinho, EPE Resumo: A lombociatalgia constitui uma gran<strong>de</strong> causa <strong>de</strong> incapacida<strong>de</strong> e absentismo laboral e, um dos motivos frequentes <strong>de</strong> consulta nas Unida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Tratamento da Dor. A sua prevalência é conhecida em vários países atingindo valores elevados, atingindo os 25 a 45% na Europa. A proporção <strong>de</strong>stes casos que evolui para dor lombar crónica é significativa. 1 Sugere-se que a abordagem terapêutica <strong>de</strong>va ser individualizada, multimodal, com recurso a técnicas invasivas, nomeadamente a epidural, quando as opções terapêuticas conservadoras se revelam insuficientes. Este estudo retrospectivo <strong>de</strong>stina-se a caracterizar e avaliar os doentes com lombociatalgia crónica seguidos na Unida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Tratamento da Dor, submetidos a epidural no <strong>de</strong>curso do seu tratamento. lombociatalgia crónica, avaliando as características da população, a metodologia da técnica epidural e os benefícios associados no que diz respeito à intensida<strong>de</strong> da dor e capacida<strong>de</strong> funcional. Metodologia: Realizou-se um estudo observacional retrospectivo, em que foram avaliados os doentes com lombociatalgia crónica seguidos na Unida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Tratamento da Dor e que, no <strong>de</strong>curso da sua abordagem terapêutica, se recorreu à técnica epidural, num período <strong>de</strong> 6 anos. Foram avaliados o género, ida<strong>de</strong>, técnica e número <strong>de</strong> epidurais realizadas por doente, fármacos administrados e resposta ao tratamento. A resposta ao tratamento foi avaliada com base na Escala <strong>de</strong> Visual Analógica <strong>de</strong> dor e no Teste <strong>de</strong> Lettinen que permite uma valorização, ainda que subjectiva, da dor e do grau <strong>de</strong> incapacida<strong>de</strong> funcional que acarreta. Ambos foram realizados <strong>de</strong> forma sistemática a todos os doentes, a partir da primeira consulta, o que permitiu avaliar o maior ou menor grau <strong>de</strong> eficácia da terapêutica instituída. Resultados: Dos 523 doentes com lombociatalgia crónica seguidos na Unida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Tratamento da Dor no período estudado, 51 (9,8 %) forma submetidos a técnica epidural como estratégia <strong>de</strong> abordagem terapêutica. Na sua maioria são do sexo feminino (31; 60,7%), com ida<strong>de</strong> média <strong>de</strong> 57, 4 anos (ida<strong>de</strong> mínima 36 anos e máxima 89 anos). Foram realizadas 71 procedimentos epidurais, com 37,3% dos doentes a realizarem tratamento repetido. (Gráfico - página 41) Em todas as situações foi realizada a epidural lombar (L1-L2, L2-L3, L3-L4), abordagem mediana, com a administração <strong>de</strong> bólus único <strong>de</strong> anestésico local, em 51 dos casos (76%) associado corticoesterói<strong>de</strong> (metilprednisolona). A técnica foi realizada na Unida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Tratamento <strong>de</strong> Dor, após o consentimento do doente, sob monitorização Standard da ASA, doente com acesso venoso e com estudo da coagulação prévio ao procedimento. (Figura 1 - página 41) Verificou-se diminuição da intensida<strong>de</strong> da dor em 92,2% dos doentes com lombociatalgia crónica estudados. Discussão e Comentários: A tendência terapêutica actual da lombociatalgia crónica baseia-se numa abordagem multimodal e multidisciplinar. Neste contexto, as técnicas invasivas, nomeadamente a técnica epidural com administração corticoesterói<strong>de</strong>s (metilprednisolona) associados ou não a anestésico local em dose analgésica, são consi<strong>de</strong>radas nos algoritmos da abordagem da lombociatalgia crónica, embora os resultados dos estudos existentes sejam <strong>de</strong> difícil valorização pelo seu baixo grau <strong>de</strong> evidência e pela complexida<strong>de</strong> <strong>de</strong>ste síndrome clínico. O uso <strong>de</strong> corticoesterói<strong>de</strong>s por via epidural como terapêutica adjuvante no alívio da dor e melhoria da capacida<strong>de</strong> funcional, baseia-se no efeito anti-inflamatório local na dor radicular e, a sua eficácia está <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte da etiologia e da duração da lombociatalgia. A lombociatalgia associada a lesões estruturais, como espondilolistesis, escoliose ou canal estreito lombar, têm menor taxa <strong>de</strong> resposta à terapêutica <strong>de</strong>vido à fibrose secundária à resposta inflamatória prolongada e recorrente. Por outro lado, a dor <strong>de</strong>vida a hérnias discais ou abaulamento dos discos intervertebrais, tem, <strong>de</strong> um modo geral, resposta favorável. No que concerne à duração da lombociatalgia, 60-70% dos pacientes com lombociatalgia há menos <strong>de</strong> 6 meses têm resposta positiva à terapêutica, diminuindo 40-50% nos pacientes com lombociatalgia há mais <strong>de</strong> 12 meses. Na nossa prática, verificamos que na abordagem da lombociatalgia o recurso à técnica epidural verificou-se em 9,8 % dos doentes. Foi opção nas situações <strong>de</strong> radiculopatias associadas e em agudizações da lombociatalgia. Na maior parte dos casos, foi usado anestésico local (ropivacaína, levobupivacaína ou bupivacaína) em concentração analgésica, associado com Dezembro 2010 | December 2010 <strong>Revista</strong> <strong>de</strong> <strong>Anestesia</strong> <strong>Regional</strong> e Terapia da Dor | Journal of <strong>Regional</strong> Anaesthesia and Pain Treatment 39 4