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porviseu60s-web

Retratos de Viseu nos 60's e a carreira musical da Banda POP Os Tubarões de Viseu, Portugal.

Retratos de Viseu nos 60's e a carreira musical da Banda POP Os Tubarões de Viseu, Portugal.

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Eduardo Pinto<br />

porViseu 60s.<br />

retratos de Viseu e<br />

da vida musical do<br />

conjunto académico<br />

os tubarões (1963-1968)


2 porViseu ’60s.


3<br />

retratos de viseu nos anos 60<br />

Eduardo Pinto<br />

retratos de viseu<br />

e da vida musical do<br />

conjunto académico<br />

os tubarões (1963-1968)<br />

Aos Tubarões<br />

e aos que, como eu,<br />

amam Viseu,<br />

desde os tempos da escola,<br />

desde os tempos do liceu.


ficha técnica<br />

título<br />

porViseu’60s.<br />

retratos de Viseu e da vida musical<br />

do conjunto académico<br />

os tubarões (1963-1968).<br />

©texto<br />

Eduardo Pinto<br />

©design<br />

Gisela Pinto<br />

design@arq-des.com<br />

www.arq-des.com<br />

arq-des.blogspot.com<br />

coordenação editorial<br />

Eduardo Pinto<br />

revisão<br />

By the Book, edições especiais<br />

impressão e acabamento<br />

António Coelho Dias S.A.<br />

ISBN<br />

978-989-97317-5-2<br />

depósito legal<br />

331954/11<br />

edição<br />

By the Book, edições especiais<br />

©arquivo fotográfico<br />

Foto Germano, Viseu<br />

www.fotogermano.com<br />

geral@fotogermano.com<br />

tratamento de imagem<br />

Carlos Cunha<br />

Gisela Pinto<br />

Rua das Pedreiras, 16-4º<br />

1400-271 Lisboa<br />

T. + F. 213 610 997<br />

bythebook@sapo.pt<br />

www.bythebook.pt


5<br />

retratos de viseu nos anos 60<br />

prefácio<br />

Éramos aqueles jovens dos<br />

anos 60 de quem Viseu tanto<br />

se orgulhou… e ainda orgulha!<br />

Aqueles jovens para quem<br />

a MÚSICA foi o despoletar<br />

de um sonho!<br />

E a palavra SONHO, traz-nos<br />

à memória os nomes de Fernando<br />

Pessoa e António Gedeão.<br />

O primeiro afirmou:<br />

Deus quer. O homem sonha.<br />

A obra nasce.<br />

Então, com certeza que Deus quis,<br />

porque nós sonhámos e…<br />

«Os Tubarões» nasceram!<br />

O segundo escreveu:<br />

Eles não sabem que o sonho<br />

é uma constante da vida<br />

tão concreta e definida<br />

como outra coisa qualquer.<br />

Mas nós… SABÍAMOS e<br />

compreendemos que o sonho<br />

é uma constante da vida / tão<br />

concreta e definida / como outra<br />

coisa qualquer.<br />

Por isso, avançámos com três<br />

violas, uma caixa de sapatos e<br />

uma bateria emprestada, mesmo<br />

só com a tarola e um prato,<br />

e concretizámos o sonho:<br />

“Os Tubarões”!<br />

As páginas seguintes contam uma<br />

história que aconteceu nos anos<br />

60, a história de seis jovens que,<br />

neste segundo milénio, já são pais<br />

de outros jovens, uns mais novos<br />

e outros já mais velhos do que<br />

eles eram naquela época: a nossa<br />

história.<br />

Uns naturais de Viseu, outros de<br />

S.Pedro do Sul, de Moçambique,<br />

da Figueira da Foz ou até dos<br />

Açores, encontrámo-nos, um dia,<br />

em Viseu e, unidos pela música,<br />

tivemos, durante uns anos, um<br />

percurso de vida comum, ao longo<br />

do qual criámos os alicerces<br />

de uma profunda AMIZADE<br />

que prevaleceu até hoje e que irá<br />

prevalecer para além do tempo.<br />

Olhando para trás e recordando<br />

uma vez mais as palavras de<br />

António Gedeão, nós soubemos<br />

que o sonho comanda a vida /<br />

e que sempre que o homem sonha<br />

/ o mundo pula e avança / como<br />

bola colorida / entre as mãos<br />

duma criança.<br />

Bem-hajas, Eduardo, por<br />

trazeres ao PRESENTE tão bons<br />

momentos do nosso PASSADO!<br />

Os Tubarões


6 porViseu ’60s.<br />

.Viseu ’60s.<br />

.retratos.de.Viseu.nos.anos.60.


7<br />

retratos de viseu nos anos 60<br />

9<br />

10<br />

11<br />

13<br />

16<br />

19<br />

20<br />

22<br />

24<br />

26<br />

30<br />

32<br />

34<br />

36<br />

37<br />

38<br />

40<br />

42<br />

44<br />

.a.rua.formosa.<br />

.o.café.rossio.<br />

.o.rossio.<br />

.a.rua.do.comércio.<br />

.teatros.e.cinemas.<br />

.a.estação.<br />

a.feira.franca.<br />

.o.salão.de.chá.dos.bombeiros.voluntários.<br />

.o.hóquei.em.patins.<br />

.ambientes.<br />

.a.primeira.vez.<br />

.os.bailes.<br />

.a.juventude.<br />

.depoimento.serafim.matos.silva.<br />

.depoimento.manuel.maria.carrilho.<br />

.os.bailes.do.clube.de.viseu.<br />

.west.side.story.<br />

.grupos.e.clubes.de.garagem.<br />

.os.tubarões.conjunto. académico.


8 porViseu ’60s.


9<br />

retratos de viseu nos anos 60<br />

.a.rua.formosa.<br />

1<br />

1.<br />

Rua Formosa à noite<br />

(foto Germano)<br />

2.<br />

Rua Formosa, cruzamento<br />

com a Rua do Comércio<br />

(foto Germano)<br />

2<br />

A Rua Formosa era a artéria<br />

principal da cidade: a rua do<br />

poder financeiro com os Bancos<br />

de Portugal, Pinto & Sotto Mayor,<br />

Agrícola e Industrial Viseense<br />

e Nacional Ultramarino.<br />

Era também a rua das principais<br />

lojas, dos jornais, dos encontros<br />

de negócios, do futebol,<br />

e dos Cafés. A Pastelaria mais<br />

chique era O Horta com as suas<br />

empadas acompanhadas por<br />

chá ou vinho branco em chávena,<br />

os doces de ovos e demais<br />

pastelaria tradicional, incluindo<br />

os caramujos. Quem visitava<br />

Viseu tinha de passar pelo Horta<br />

para marcar ponto. Rivalizava<br />

com O Horta a Pastelaria Santos,<br />

localizada nas quatro esquinas<br />

(Rua Formosa com a Rua dos<br />

Andrades) a quem chamavam<br />

“O Aquário” devido à sua montra<br />

toda em vidro e que permitia<br />

que se soubesse quem lá estava<br />

dentro. Para além destes, ainda<br />

havia o Café Santa Cruz,<br />

a Pastelaria Bijou, o Café Guarany<br />

e o Café Rossio.<br />

O Café Rossio era uma instituição<br />

na cidade de Viseu por onde<br />

passava toda a opinião. Situado<br />

no final da Rua Formosa, esquina<br />

frontal ao Banco de Portugal, era<br />

o verdadeiro centro de informação<br />

da cidade.<br />

Lá, tudo se sabia, da cidade,<br />

do país ou da região, do poder<br />

ou da oposição, dos intelectuais<br />

ou desportistas, de quem<br />

chegava, de quem partia,<br />

ou de quem não aparecia.


10 porViseu ’60s.<br />

Vazio, vazio,<br />

só nas noites de verão.<br />

Quando o calor apertava,<br />

a cidade passeava<br />

horas a fio,<br />

num louco rodopio,<br />

nesse grande salão<br />

que era o Rossio.<br />

Cada um na sua mão,<br />

quase todos num sentido,<br />

e poucos na contra-mão.<br />

E o Bilhar!!!<br />

Quem não se lembra da atmosfera<br />

daquele 1.º andar?<br />

Pelas janelas abertas,<br />

de par em par,<br />

saía fumo, um palavrão,<br />

e entrava o ar.<br />

.o.café.<br />

rossio.<br />

1<br />

1.<br />

Café Rossio<br />

(foto Germano)<br />

O Lugar!<br />

O Café, a conversa, o estar,<br />

os do Contra, os do Poder,<br />

os das tricas, e os do morder,<br />

os do bem e do mal dizer,<br />

e os do comer...<br />

e os do fino, e os da televisão.<br />

Tudo era redondo naquele r/c,<br />

as mesas até aos pés,<br />

as travessas dos cafés,<br />

as cadeiras e o corrimão,<br />

até a esquina e o Balcão.<br />

Por aquele chão de madeira<br />

passava a cidade inteira.<br />

O Doutor e a menina,<br />

o “Formidável” e a Flausina,<br />

o Liceu e a Escola,<br />

a Política e a Bola.<br />

Muitos tacos, muito giz,<br />

os candeeiros mesmo em cima<br />

do nariz<br />

do entendido que ensinava<br />

o aprendiz,<br />

só concentrado nas palavras<br />

do seu juiz.<br />

Na mesa ao lado, já com as bolas<br />

a rodar,<br />

o fumo, os nervos, o silêncio,<br />

e o rezar,<br />

para esta jogada vir a confirmar,<br />

aquela aposta que estava mesmo<br />

a ganhar,<br />

não fora a última tacada espirrar.<br />

Ah,<br />

que aventura era lá entrar!!!<br />

O estado adulto antes de lá chegar!<br />

Valeu a pena por lá passar!


11<br />

retratos de viseu nos anos 60<br />

.o.rossio.<br />

1<br />

1.<br />

Rossio com o Coreto,<br />

anos 50<br />

(foto Germano)<br />

O Rossio era a praça central<br />

de Viseu, os automóveis podiam<br />

circular a toda a volta mesmo<br />

pela frente da porta da Câmara<br />

Municipal. Esta linda praça estava<br />

rodeada por belos edifícios como<br />

o do Banco de Portugal,<br />

a Garagem Lopes ligando a Rua<br />

da Paz com a Rua Vitória e, nesta,<br />

o da Caixa Geral de Depósitos<br />

com bonitos painéis graníticos<br />

que representavam as riquezas<br />

da Região (Agricultura, Comércio<br />

e Indústria). O Rossio já tinha as<br />

suas frondosas tílias e, desde<br />

1931, o bonito painel de azulejos<br />

fronteiro ao Jardim das Mães.


12 porViseu ’60s.<br />

O Rossio era a Sala de Visitas<br />

de Viseu, local de encontros, e da<br />

principal Praça de Táxis da cidade.<br />

A partir de fins de Maio, as noites<br />

aqueciam e os viseenses saíam<br />

depois do jantar até ao Rossio.<br />

Às quintas-feiras havia concerto<br />

com Banda do Quartel, Ranchos<br />

Folclóricos ou os Pauliteiros de<br />

Abraveses no Coreto central da<br />

Praça. Nos outros dias formava-<br />

-se um enorme picadeiro à volta<br />

do Rossio com duas filas em<br />

sentidos opostos. Todos viam<br />

todos, conversavam, caminhavam,<br />

conviviam, e durante umas horas<br />

faziam um saudável exercício.<br />

O Rossio enchia em Junho e em<br />

Julho lotava. Era uma multidão<br />

nas noites quentes do Verão<br />

a apanhar o ar fresco da noite.<br />

O Rossio era um bonito picadeiro!<br />

2 3<br />

2.<br />

Rossio, anos 60<br />

(foto Germano)<br />

3.<br />

Edifício da Garagem Lopes<br />

(foto Germano)


13<br />

retratos de viseu nos anos 60<br />

.a.rua.do.<br />

comércio.<br />

1<br />

1.<br />

Estátua de Camões com o pedestal<br />

que hoje está na Praça Sta. Cristina<br />

(foto Germano)<br />

2.<br />

Praça de Camões, hoje de D. Duarte<br />

(foto Germano)<br />

2<br />

A Rua do Comércio era a outra<br />

artéria de capital importância<br />

na cidade, continuação da Rua<br />

Alexandre Herculano que nos<br />

anos 50 era a via da entrada<br />

sul da cidade, desembocando<br />

no Largo Marechal Carmona,<br />

hoje Largo General Humberto<br />

Delgado, um nó central de<br />

distribuição do tráfego rodoviário<br />

e pedonal. A Rua do Comércio<br />

fazia jus ao seu nome. Tudo se<br />

podia encontrar: a Praça em dois<br />

pisos, com o mercado do peixe<br />

no piso superior, e o dos frescos<br />

no piso inferior ladeado pelas<br />

Ruas do Comércio e Formosa,<br />

com talhos em volta, a Fábrica<br />

do Gelo e várias mercearias por<br />

perto como a do Sr. Celestino,<br />

onde muitos clientes pagavam ao<br />

mês, os Correios, o Café Lisboa e<br />

o seu anexo Cova Funda, a Casa<br />

Agrícola, a Casa Africana, lojas<br />

de fazendas e de pronto-a-vestir,<br />

sapatarias, barbearias, farmácia<br />

e papelaria.<br />

Terminava na Praça de Camões<br />

com a sua elegante estátua<br />

posta no alto de um grande<br />

pedestal (este pedestal encontra-<br />

-se actualmente no jardim do<br />

Seminário, em Santa Cristina),<br />

Praça que hoje se chama de<br />

D. Duarte, onde se realizava a<br />

sempre concorrida Feira Semanal<br />

das terças-feiras, e de tempos a<br />

tempos serenatas dos estudantes<br />

de Coimbra.


14 porViseu ’60s.


15<br />

retratos de viseu nos anos 60<br />

A RTP iniciou as suas emissões<br />

em 1957. Em Viseu, na Rua do<br />

Comércio n.º 100, a prestigiada<br />

loja de electrodomésticos Casa<br />

Pascoal, representante da<br />

RTP, disponibilizava nas suas<br />

montras vários aparelhos de TV,<br />

possibilitando ao público assistir<br />

às emissões da RTP em pé, à<br />

noite, depois do jantar, mesmo<br />

nos dias mais frios. E a Rua do<br />

Comércio ficava completamente<br />

cheia de gente frente às várias<br />

montras da loja. Ao tempo<br />

havia pouco trânsito, o que<br />

muito facilitava assistir a este<br />

espectáculo.<br />

3<br />

4<br />

3.<br />

Rua do Comércio, cruzamento<br />

com a Rua Formosa<br />

(foto Germano)<br />

4.<br />

Público a assistir às primeiras<br />

emissões de televisão frente às<br />

montras da Casa Pascoal


16 porViseu ’60s.<br />

.teatros.e.<br />

cinemas.<br />

No princípio do Século XX<br />

Viseu chegou a ter cinco casas<br />

de espectáculo: Teatro da Rua<br />

Escura, Teatro Viriato, Teatro<br />

Paraíso, Avenida Teatro e o<br />

Cine-Rossio.<br />

Em 1959 já só estavam activos<br />

o Avenida Teatro, o Teatro Viriato<br />

e o Cine-Rossio.<br />

O Avenida Teatro foi inaugurado<br />

em 1921, dispunha de 2.000<br />

lugares com duas Plateias<br />

e Geral, dois andares com<br />

Camarotes, jardins exteriores,<br />

uma iluminação única com<br />

mais de 1.500 lâmpadas. Era<br />

considerado o melhor teatro da<br />

sua época a par com o S. Carlos.<br />

Nos anos 50 passavam no<br />

Avenida Teatro peças de Teatro,<br />

números de Revista, os grandes<br />

artistas nacionais da época<br />

acompanhados pela Orquestra do<br />

Maestro Mário Costa, os Serões<br />

para Trabalhadores da Emissora<br />

Nacional e os espectáculos da<br />

Volta a Portugal. Mas no final da<br />

década já era o cinema que tinha<br />

maior destaque nesta imponente<br />

casa de espectáculos de Viseu<br />

localizada na Avenida Emídio<br />

Navarro, sensivelmente no local<br />

onde hoje se encontra<br />

o restaurante Casablanca.<br />

Acabou por fechar as suas portas<br />

no início da década de 60, vindo<br />

a ser demolido em 1971.<br />

Nos anos 60 o Teatro Viriato a) ,<br />

inaugurado em 1883 com o<br />

nome de Theatro Boa União, já<br />

tinha encerrado as suas portas


17<br />

retratos de viseu nos anos 60<br />

e dava lugar a um Armazém de<br />

Mercearias de Alberto Rodrigues<br />

e Filhos, Lda. Felizmente voltou<br />

a ser reconstruído respeitando<br />

a traça original, reiniciando as<br />

suas actividades em 1998 graças<br />

ao esforço conjugado de dois<br />

ilustres Viseenses, Dr. Fernando<br />

Ruas, Presidente da Câmara, e<br />

Professor Manuel Maria Carrilho,<br />

então Ministro da Cultura.<br />

A partir de 1961 Viseu tinha uma<br />

única casa de espectáculos<br />

activa: o cinema Cine-Rossio<br />

localizado nas traseiras da<br />

Câmara, que iniciou as suas<br />

actividades em 1952.<br />

O edifício dispunha de três pisos<br />

e, dizia-se, tinha sido construído<br />

para albergar uma garagem:<br />

o piso -1, ao nível do actual<br />

Mercado, era um Salão de eventos<br />

onde se realizavam os bailes de<br />

Finalistas; no piso 0 situava-se<br />

a sala de cinema em anfiteatro,<br />

com um palco com boca de cena<br />

a toda a largura da sala mas com<br />

uma pequena profundidade de<br />

cerca de 2,5m, o que era uma<br />

grande limitação para outros<br />

espectáculos, com uns camarins<br />

rudimentares. Tinha 2.ª e 1.ª<br />

Plateias, e ao fundo da sala um<br />

conjunto de doze frisas de seis<br />

lugares extensíveis a oito.<br />

No Piso 1 tinha o bar e a cabine de<br />

projecção.<br />

Havia cinema às terças –<br />

normalmente cowboys ou filmes<br />

de pancadaria –, quintas, sábados<br />

e domingos.<br />

a)<br />

www.teatroviriato.com/pt/menu/<br />

teatro-viriato/historia/).<br />

2<br />

3<br />

1<br />

4<br />

1.<br />

Avenida Teatro<br />

(foto Germano)<br />

2.<br />

Avenida Teatro, planta da sala<br />

(foto Germano)<br />

3.<br />

Avenida Teatro, programa<br />

de um filme de 1957<br />

4.<br />

Teatro Viriato<br />

Armazém de mercearias<br />

(foto Germano)


18 porViseu ’60s.<br />

.o.cine.rossio.<br />

5<br />

5.<br />

Cine-Rossio, filme de inuguração<br />

“O Preço da Juventude”<br />

(foto Germano)<br />

Muitas noites e soirés<br />

muitas tardes e matinés,<br />

de cowboys e rufiões,<br />

de polícias e ladrões,<br />

de heróis e matulões,<br />

de boazonas e mandriões<br />

de amor e muitas canções,<br />

de namorados e paixões.<br />

Lá na frente os glutões,<br />

nas cadeiras, uns empurrões,<br />

no escuro, alguns beijões,<br />

nas frisas, uns encostões,<br />

e o lado a lado,<br />

cúmplice,<br />

combinado,<br />

com a mão na mão,<br />

ou noutro lado !<br />

Fumar?<br />

Só no 1º. andar,<br />

Ou nos Bailes da cave,<br />

Com toda a cidade ali,<br />

a dançar.<br />

O Cine-Rossio era mesmo<br />

de pasmar!


19<br />

retratos de viseu nos anos 60<br />

.a.estação.<br />

1<br />

1.<br />

Estação de Caminhos de Ferro,<br />

anos 60 (onde hoje está<br />

a fonte cibernética)<br />

(foto Germano)<br />

Viseu tinha uma Estação dos<br />

Caminhos de Ferro com duas<br />

Linhas Ferroviárias de via estreita<br />

(1m entre carris): a linha do Dão,<br />

entre Santa Comba Dão e Viseu<br />

num total de 49km inaugurada em<br />

1889 por D. Maria Pia e D. Luís, e<br />

a Linha do Vale do Vouga, entre<br />

Espinho e Viseu, num total de<br />

140km inaugurada em 1914.<br />

A Linha do Dão fazia a ligação<br />

com a via férrea nacional em<br />

Santa Comba Dão onde passa a<br />

linha da Beira Alta, de via larga<br />

(1,44m entre carris). Quem muito<br />

se empenhou na construção<br />

da Linha do Dão foi o nosso<br />

conterrâneo Tomaz Ribeiro<br />

(Parada de Gonta, 1831-1901) a) ,<br />

que além de poeta e escritor foi<br />

político, tendo sido Presidente da<br />

Câmara de Tondela, Deputado e<br />

Ministro das Obras Públicas entre<br />

1890 e 1891.<br />

A Linha do Vale do Vouga demorou<br />

muito tempo a ser construída por<br />

dificuldades do percurso. Nela<br />

circulava o comboio de alcunha<br />

“O Vouguinha” e as coloridas<br />

Automotoras Allan, uma só<br />

carruagem tipo autocarro<br />

a circular sobre carris, com<br />

1.ª Classe à frente e 2.ª atrás.<br />

O comboio era um meio de<br />

transporte muito popular na<br />

região e esteve activo durante<br />

100 anos. b)<br />

Para os destinos não ferroviários,<br />

empresas privadas asseguravam<br />

os transportes em autocarros –<br />

“a carreira”– que garantiam tanto<br />

as ligações dentro do Concelho<br />

como a ligação aos grandes<br />

centros urbanos de Lisboa,<br />

Coimbra e Porto.<br />

a)<br />

pt.wikipedia.org/wiki/<br />

Tom%C3%A1s_Ribeiro<br />

b)<br />

www.geocaching.com/seek/cache_<br />

details.aspx?wp=GC23VF9


20 porViseu ’60s.<br />

.a.feira.franca.<br />

1.<br />

Entrada da Feira Franca, ’60<br />

(foto Germano)<br />

2.<br />

Pavilhão<br />

(foto Germano)<br />

3.<br />

Comboio turístico puxado<br />

por um tractor (foto Germano)<br />

4.<br />

Feira Franca, planta de 1955<br />

5.<br />

Cartaz da Feira de São Mateus, 1963<br />

1<br />

2<br />

3<br />

4<br />

5<br />

Em Setembro chegava a Feira<br />

Franca de S. Mateus.<br />

De todos os cantos, dos arredores,<br />

das aldeias, das vilas e das<br />

cidades, vinha gente para a Feira<br />

Franca. E também de fora,<br />

do estrangeiro chegavam<br />

emigrantes novos ou antigos.<br />

A cidade inteira ia p’rá Feira!<br />

A Feira, rainha da tradição,<br />

tinha quase tudo para quase<br />

todos. Imbatível no comércio<br />

tradicional, com produtos de<br />

todo o país e rifas de tachos e<br />

panelas, exuberante no colorido<br />

dos barros, para todos os sabores,<br />

músicos da banda, bonecos<br />

de presépio e o pretinho da<br />

sorte, atenta ao artesanato de<br />

cestaria, bordados e ferraria tão<br />

bem tratados pelo Sr. Celestino<br />

Soares, inimitável na gastronomia<br />

com caldo verde, enguias e rancho<br />

do Zé Povo, farta nas guloseimas<br />

com farturas do Pavilhão Lúcia,<br />

chocolates Regina da loja do<br />

Sr. Coutinho com furos, chupa-<br />

-chupas, rabanetes, novelos de<br />

algodão doce, e completa nas<br />

diversões com carrinhos de choque<br />

ou às voltinhas, carrocéis redondos<br />

ou em oito, espelhos mágicos,<br />

comboio-fantasma, poço da morte,<br />

matraquilhos e os sleepers.<br />

E a animação era diversificada.<br />

No palco, variedades, folclore<br />

nacional e regional, e artistas<br />

de nomeada nacional.


21<br />

retratos de viseu nos anos 60<br />

No terreiro, gincanas de todos<br />

os tipos e motores, automóveis,<br />

motos, karts e até camiões.<br />

No terreiro da Feira todos se<br />

cruzavam num vaivém contínuo<br />

por ruas em terra batida que<br />

ligavam as suas quatro portas:<br />

a Porta da Ribeira (Emídio<br />

Navarro) com a Porta da Estação,<br />

e Porta da Ponte de Pau com<br />

a Porta Viriato (Av. da Bélgica).<br />

O picadeiro principal fazia-se<br />

entre a Porta da Ribeira e a<br />

Ponte de Pau, paralelo ao rio,<br />

com uma zona rectangular até<br />

ao Pavia no meio da qual ficava o<br />

palco, de costas para o rio, e nas<br />

laterais a cabine de som, diverso<br />

artesanato nomeadamente de<br />

ferro, o Restaurante do Fernando<br />

Carvalho, o Pavilhão do Turismo,<br />

a tenda dos chocolates Regina,<br />

os únicos toilletes públicos<br />

do recinto e o Pavilhão dos<br />

Bombeiros Voluntários, este<br />

com duas frentes, uma virada à<br />

zona do palco e outra com vista<br />

para o picadeiro. Era ainda neste<br />

rectângulo que eram colocadas<br />

as baterias do famoso fogo<br />

preso, uma atracção única da<br />

Feira que aos fins de semana não<br />

dispensava uma boa sessão de<br />

fogo de artifício, com o melhor<br />

sempre reservado para o Domingo<br />

Franco.<br />

Neste dia não se rompia na Feira,<br />

sempre apinhada de gente que<br />

só saía depois dos três tiros de<br />

morteiro, o último dos quais,<br />

de tão forte, tudo fazia<br />

estremecer.<br />

Nos Bombeiros, à noite, era<br />

imperdível o Caldo Verde tardio<br />

com broa fresca de Vildemoinhos,<br />

e aos sábados os Bailes, com<br />

gente que vinha de todo o país.<br />

Quando se descia da Porta Viriato<br />

em direcção ao rio tinha-se a<br />

vista encantada da colina da Sé,<br />

que do alto, imponente, a todos<br />

observava.<br />

A Feira durava todo o mês de<br />

Setembro prolongando-se até<br />

ao feriado do 5 de Outubro,<br />

normalmente véspera do início<br />

do ano escolar.<br />

A Feira era um apelo natural<br />

a todos os encontros.


22 porViseu ’60s.<br />

.o.salão.de.chá.<br />

dos.bombeiros.<br />

voluntários.<br />

1.<br />

Salão de chá dos Bombeiros<br />

Voluntários, anos 40<br />

(foto Germano)<br />

2.<br />

“O Filho Pródigo”, pelo Grupo<br />

de Teatro dos Bombeiros<br />

1<br />

2<br />

3<br />

3.<br />

Pavilhão de Chá dos<br />

Bombeiros Voluntários<br />

Nos terrenos da Feira de<br />

S. Mateus foi construído nos<br />

anos 30 um bonito edifício de<br />

arquitectura modernista, cujas<br />

traseiras davam para a Central<br />

Eléctrica localizada na rua da<br />

Ponte de Pau. Tratava-se do<br />

Salão de Chá dos Bombeiros<br />

Voluntários de Viseu (BVV),<br />

seguramente o edifício de maior<br />

destaque e prestígio no recinto<br />

da Feira de S. Mateus, com um<br />

piso único elevado ao estilo de<br />

uma mezzanine. Tratava-se de um<br />

amplo Salão com duas frentes<br />

rasgadas para o recinto da Feira<br />

de S. Mateus e que durante o<br />

período da feira, era utilizado<br />

pelos Bombeiros Voluntários<br />

de Viseu para a prestação de<br />

serviços de restauração, servindo<br />

o montante apurado como reforço<br />

de fundos tão necessários ao<br />

suporte das suas actividades<br />

totalmente voluntárias.<br />

Os Bombeiros Voluntários de<br />

Viseu sempre tiveram muito<br />

valor, um enorme prestígio<br />

na cidade e eram um foco de<br />

entusiasmo e adesão de muita<br />

juventude que, voluntariamente<br />

e com grande orgulho, aderia<br />

a tão nobre e justa causa de<br />

ajuda à comunidade. Além das<br />

suas actividades de socorro às<br />

populações, os BVV tiveram no<br />

passado uma grande intervenção<br />

cultural, nomeadamente através<br />

de um Grupo de Teatro Amador<br />

que levou à cena no Teatro<br />

Viriato várias peças, algumas<br />

delas acarinhadas pela grande<br />

actriz nossa conterrânea Mirita<br />

Casimiro.<br />

Pois durante a Feira de S. Mateus,<br />

nos anos 60, o Salão de Chá<br />

dos Bombeiros Voluntários era<br />

o local mais bem frequentado<br />

e portanto o mais cobiçado da<br />

Feira. O espaço tinha atributos<br />

únicos como os disputadíssimos<br />

toilletes, equipamento escasso<br />

em todo o terreno da Feira, mesas<br />

de café viradas para a rua onde<br />

se podiam observar os<br />

passeantes e assistir aos<br />

espectáculos, gincanas e outras<br />

iniciativas como se se estivesse<br />

num camarote de um teatro.


23<br />

retratos de viseu nos anos 60<br />

Havia serviço de chá com torradas<br />

ou farturas, o branco a copo, ou<br />

o famosíssimo caldo verde com<br />

a broa fresca de Vildemoinhos<br />

a partir das 23h. Além destes<br />

serviços este Pavilhão também<br />

era o mais seguro refúgio sempre<br />

que a chuva pregava as suas<br />

partidas, o que não era tão raro<br />

quanto isso.<br />

Todo o serviço no Salão de Chá<br />

era feito pelos bombeiros nos<br />

seus tempos livres, com o traje<br />

azul e os seus reluzentes botões<br />

de latão amarelo. O Salão, à<br />

esquerda de quem entrava, tinha<br />

um enorme e altíssimo balcão de<br />

serviço, com vista e controlo de<br />

todo o espaço. À direita deste, no<br />

canto frontal à entrada, o estrado<br />

para a Orquestra. À esquerda<br />

uma entrada que dava acesso<br />

aos famosos toilletes e ainda a<br />

uma copa mais recatada e só<br />

para “Maiores” onde se podia<br />

beber um copo (branco, tinto,<br />

cerveja, Bussaco ou pirolito),<br />

acompanhado por um petisco<br />

(pasteis de bacalhau, panados,<br />

enguias, empadas ou rissóis…).<br />

Nos dias principais da Feira<br />

havia uma cerrada disputa pelas<br />

mesas viradas à rua e não era raro<br />

assistir-se à marcação presencial<br />

com horas de antecipação.<br />

E aos sábados? Aos sábados<br />

havia “Chá Dançante” no Salão<br />

de Chá dos Bombeiros Voluntários<br />

de Viseu (tempos houve que eram<br />

às quartas e sábados).<br />

Eram quatro bailes com grande<br />

procura, quase sempre esgotados<br />

que punham a cidade numa<br />

grande agitação.<br />

Os cabeleireiros não tinham<br />

mãos a medir, os sapateiros<br />

engraxavam, os perfumes<br />

esgotavam e as mais jovens<br />

debutavam numa grande<br />

comoção.<br />

Ir ao Baile dos Bombeiros era<br />

uma grande emoção!!!<br />

No início os bailes eram animados<br />

pelas orquestras locais como<br />

a Orquestra do Cine Jazz,<br />

a orquestra do Mário Costa,<br />

“Os Diamantes”, entre outras.<br />

Na época de maior sucesso já<br />

eram as principais Orquestras<br />

Nacionais como a de “Shegundo<br />

Galarza”, “Toni Hernandez”, “Costa<br />

Pinto”, e até o “Conjunto Italiano<br />

Manino Marini”, que fez várias<br />

épocas em Portugal interpretando<br />

os grandes sucessos românticos<br />

e únicos da música italiana.


24 porViseu ’60s.<br />

.o.hóquei.<br />

em.patins.<br />

1.<br />

Ringue do Fontelo<br />

(foto Germano)<br />

2.<br />

Ringue do Parque da Cidade<br />

(foto Germano)<br />

1<br />

2<br />

a)<br />

www.francisco-velasco.com/<br />

category/albums/<br />

No desporto internacional<br />

Portugal dava cartas no hóquei<br />

em patins. Ganhávamos<br />

os Torneios de Montreux,<br />

os Campeonatos do Mundo<br />

e os ídolos da juventude eram<br />

os jogadores de hóquei em patins:<br />

Edgar, Moreira, Perdigão, Vaz<br />

Guedes, Adrião, Velasco, Bouçós,<br />

Rendeiro, Domingos e tantos<br />

outros virtuosos da patinagem<br />

com stick. a)<br />

Nas ruas da cidade eram audíveis<br />

os emocionantes relatos de<br />

Artur Agostinho transmitidos<br />

pela Emissora Nacional que<br />

prendiam todos os portugueses<br />

aos aparelhos de rádio. Este facto<br />

e as vitórias da Selecção Nacional<br />

popularizaram este desporto<br />

muito praticado por clubes locais<br />

que disputavam campeonatos<br />

emotivos com rivalidades<br />

regionais muito saudáveis.<br />

O hóquei em patins tornou-se um<br />

desporto popular entre os jovens.<br />

No campo do Fontelo e no campo<br />

do Parque da Cidade praticava-se<br />

este desporto que também era<br />

fomentado nos estabelecimentos<br />

de ensino (Liceu e Escola<br />

Comercial), facultando tempo,<br />

equipamentos e outros meios.<br />

Às quartas-feiras e sábados<br />

tínhamos obrigatoriamente<br />

que frequentar a Mocidade<br />

Portuguesa nos nossos<br />

estabelecimentos de Ensino.<br />

Constava de sessões de


25<br />

retratos de viseu nos anos 60<br />

educação para-militar com<br />

desfiles, marchas e comandos<br />

de organização militar e muito<br />

desporto. No Liceu já existiam<br />

vários praticantes de hóquei com<br />

bom nível destacando-se<br />

os manos Pais (Zé e Fernando),<br />

o Biscoito Lima e o (Joaquim)<br />

Quim Inácio, candidato ao difícil<br />

lugar de guarda-redes onde se fez<br />

notar muito mais pela coragem<br />

do que pela patinagem, e que<br />

conseguiu que fosse criada<br />

a secção de hóquei em patins,<br />

tendo sido adquirido diverso<br />

equipamento e acessórios como<br />

caneleiras, máscaras, sticks,<br />

patins e bolas, utilizando-se<br />

o ringue de patinagem do Parque<br />

da Cidade. E da Escola Comercial<br />

aparecia um dos melhores<br />

hoquistas de Viseu, o Cartuxo, que<br />

chegou a jogar em Lisboa no SLB.<br />

Começámos a praticar este<br />

desporto com aulas de patinagem<br />

à volta do ringue e seguros<br />

ao corrimão. Mal dávamos os<br />

primeiros passeios sem queda<br />

e logo pegávamos no stick.<br />

Os patins estavam na moda<br />

e havia modelos para todos os<br />

gostos e preços. Os mais caros<br />

eram botas acopladas aos patins<br />

com rodas de madeira e travões,<br />

seguiam-se os patins com rodas<br />

de madeira e travões e os patins<br />

mais vulgares de rodas metálicas<br />

em que os mais populares eram<br />

os da marca Glória.<br />

A Casa Sérgio, na Rua Direita,<br />

era o principal fornecedor de<br />

equipamento e dos acessórios<br />

deste desporto, além dos de<br />

pesca e caça.<br />

Foi aí no ringue de patinagem<br />

do Parque da Cidade que se<br />

conheceram amigos como:<br />

Oliveira Martins, manos Matos<br />

Pereira (Zé e Tójo), manos Alberto<br />

Rodrigues (Zé e Júlio), Camané<br />

Serpa, Horta Coelho, Pitaitas, Abel<br />

Boavida, Norberto Antunes, Ilídio<br />

Henriques, Costa Santos, Victor<br />

Barros (Vitó), Luís Dutra,<br />

eu próprio e um pouco mais tarde<br />

o Tó Fernandes (Fifas).<br />

E tantos eram os praticantes<br />

que até se organizavam renhidos<br />

Campeonatos Inter-Turmas logo<br />

nos primeiros anos escolares.<br />

Terá sido em meados de 61 que<br />

o nosso amigo Júlio, mais velho,<br />

forte, muito bonacheirão, culto<br />

e irrequieto, guarda-redes<br />

e treinador de hóquei, nos<br />

motivou e mobilizou para a<br />

criação do Hóquei Clube de Viseu.<br />

E lá andámos a formar o clube,<br />

a juntar os meios e a criar<br />

equipa para entrarmos no<br />

campeonato. Fizemos alguns<br />

jogos, o clube fez-se e a nossa<br />

amizade solidificava. Pois foi o<br />

hóquei em patins o berço onde<br />

nasceu a amizade que mais tarde<br />

conduziu à formação do Conjunto<br />

Académico “Os Tubarões”.<br />

Lá nos encontrámos o Victor<br />

Barros (Vitó), o Tó Fernandes<br />

(Fifas), o Luís Dutra e eu, quatro<br />

dos cinco elementos que mais<br />

tarde fundaram o conjunto.<br />

O hóquei em patins era um<br />

desporto praticado ao ar livre,<br />

na primavera e no verão.<br />

No outono e no inverno<br />

praticávamos desportos de<br />

interior como o bilhar e pingue-<br />

-pongue.<br />

Começámos então a conviver e a<br />

frequentar o Clube de Viseu onde,<br />

durante as férias, passávamos<br />

as tardes na conversa, na<br />

brincadeira, no bilhar ou no<br />

pingue-pongue.


26 porViseu ’60s.<br />

.ambientes.<br />

1<br />

2<br />

3<br />

4 5<br />

No Rio Pavia, com um razoável<br />

caudal, alugavam-se barcos junto<br />

à Ponte das Barcas.<br />

Um pouco mais acima ficava<br />

o ponto mais fundo destinado<br />

aos mais destemidos nadadores<br />

e mergulhadores, o famoso Poço<br />

Nicolau. O Pavia era a grande<br />

lavandaria de Viseu, muito amigo<br />

de inúmeras lavadeiras.<br />

1.<br />

Rio Pavia<br />

(foto Germano)<br />

2.<br />

Rádio<br />

3.<br />

Anúncio da cerveja Sagres<br />

“A sede que se deseja”,<br />

slogan de José Carlos Ary dos Santos<br />

4.<br />

Laranjada Bussaco<br />

5.<br />

Pirolito


27<br />

retratos de viseu nos anos 60<br />

Em 1960 o Benfica de Bella<br />

Guttmann domina o Futebol<br />

Nacional, chega o Eusébio a<br />

Lisboa, e em 1961 vence a Taça<br />

dos Campeões Europeus.<br />

Em Viseu o derby Académico de<br />

Viseu - Lusitano de Vildemoinhos<br />

(Os Trambelos) esgota sempre<br />

o Estádio do Fontelo com<br />

o público muito exaltado.<br />

Ao tempo distinguiam-se<br />

claramente as quatro estações<br />

do ano e o que o Borda d’água<br />

dizia, o tempo cumpria. Não havia<br />

nem eram necessárias outras<br />

previsões. Cada fruta tinha a sua<br />

época para brilhar. Não havia uma<br />

mesma espécie todo o ano,<br />

e frutas tropicais conheciam-se<br />

a banana e o ananás.<br />

A Rádio era a grande companhia<br />

dos portugueses. As radionovelas<br />

mobilizavam o sector feminino<br />

com os folhetins radiofónicos<br />

transmitidos a seguir ao<br />

almoço sob o título: “Teatro Tide<br />

apresenta…”, enquanto os homens<br />

vibravam com os relatos de<br />

futebol.<br />

Chegava a Frequência Modulada<br />

(FM), lá fora apareciam as Rádios<br />

Piratas e por cá nasciam novos<br />

programas de rádio a promover<br />

a nova música anglo-saxónica<br />

como a “23.ª Hora” e o<br />

“Em Órbita”, entre outros.<br />

Nas cervejas liderava a Sagres,<br />

surgia o fino à pressão sempre<br />

com tremoços ou amendoins,<br />

bebiam-se pirolitos com berlindes<br />

a servirem de tampa, e uma<br />

picante e apreciada laranjada<br />

Bussaco, com bocadinhos de<br />

laranja e tudo. Embalagens,<br />

só de vidro.<br />

No Quartel do R.I.14 cozinhava-se<br />

o famoso rancho às quintas-<br />

-feiras que por vezes se podia<br />

encomendar, e que “A Viúva”,<br />

Restaurante da Rua da Cadeia,<br />

tão bem confeccionava.<br />

Na RTP Pedro Homem de Melo<br />

explicava e promovia de uma<br />

forma única o folclore nacional.<br />

E os nossos Pauliteiros de<br />

Abraveses, com a sua original<br />

apresentação e actuação, eram<br />

sempre cabeças de cartaz em dia<br />

nobre da Feira de S. Mateus.


28 porViseu ’60s.<br />

Os jovens conheciam-se através<br />

do convívio com os filhos dos<br />

amigos dos pais, nas escolas, nas<br />

festas de anos e nos bailes. E era<br />

tradição os finalistas dos Liceus,<br />

Escolas e Colégios organizarem<br />

Bailes de Finalistas.<br />

Os Estudantes procuravam<br />

nas suas terras angariar<br />

patrocinadores locais para<br />

conseguirem contratar os<br />

melhores conjuntos. Começava<br />

a moda das festas de aniversário<br />

ao som dos discos de vinil onde<br />

os jovens, sob o controlo dos pais<br />

do aniversariante, ensaiavam os<br />

seus primeiros passos de dança.<br />

Em Viseu já existiam três<br />

Associações Recreativas com<br />

algum destaque: o Orfeão de<br />

Viseu, o Instituto Liberal de<br />

Instrução e Recreio, na Rua<br />

Direita (n.ºs 149 e 58) e o Clube<br />

de Viseu, no Rossio. Estas<br />

Instituições promoviam a cultura<br />

através do Canto, do Teatro, da<br />

Poesia e das Variedades, e não<br />

descuravam o lazer com festas<br />

para os seus associados que não<br />

perdiam os bailes e matinés de<br />

Carnaval e do Fim do Ano, e as<br />

Festas dos Santos Populares.<br />

No dia-a-dia possibilitavam aos<br />

seus associados e familiares<br />

assistirem aos serões da RTP<br />

nos seus televisores ainda a preto 6<br />

7<br />

e branco, cujo preço era muito<br />

8<br />

9<br />

elevado para o poder de compra<br />

de então. 6.<br />

Salão do Instituto Liberal<br />

(foto Germano)<br />

7.<br />

Grupo de jovens no Rossio<br />

8.<br />

Porta Orfeão de Viseu,<br />

Rua Direita, 149<br />

(foto Germano)<br />

9.<br />

Clube de Viseu<br />

(foto Germano)


29<br />

retratos de viseu nos anos 60<br />

Na vida académica da cidade<br />

era muito grande a rivalidade<br />

desportiva entre o Liceu e a<br />

Escola Comercial, acerrimamente<br />

vivida nos Campeonatos da<br />

Mocidade Portuguesa entre as<br />

equipas de andebol, de voleibol,<br />

pingue-pongue ou qualquer<br />

desporto em que as duas escolas<br />

tivessem representantes.<br />

No Liceu, o Dr. Sereno – de nome<br />

e no porte – dava-nos o tom com<br />

os primeiros acordes no Canto<br />

Coral ensinando-nos que havia<br />

uma Senhora que se chamava<br />

MISOLSIRÉFÁ e tinha FÁLÁDÓMI.<br />

Lenga lenga com todas as notas<br />

musicais que nunca mais se<br />

esquece, como aqui se prova.<br />

Embora muitos o tentassem,<br />

era muito difícil conseguir ficar<br />

excluído (dispensado) do Canto<br />

Coral.<br />

Na música ligeira o Maestro<br />

Mário Costa foi uma figura<br />

ímpar e incontornável da época.<br />

Músico completo, pessoa afável<br />

e empreendedora criou, entre<br />

outras, a Orquestra Cine Jazz<br />

que actuava no Café Rossio,<br />

animava Bailes e Variedades e<br />

acompanhava as grandes vedetas<br />

nacionais no Teatro Viriato ou<br />

no Avenida Teatro. Além da<br />

Orquestra, o Maestro dinamizou<br />

Coros e Orfeões e criou a Escola<br />

de Acordeões Mário Costa,<br />

um enorme sucesso local com<br />

projecção nacional que chegou<br />

a actuar em directo na RTP.<br />

Foi um verdadeiro Mestre Musical<br />

que influenciou várias gerações<br />

de músicos que emanaram das<br />

suas Orquestras e formaram<br />

conjuntos como “Os Condes”,<br />

“Os Diamantes”, “Os Tubarões”,<br />

“Os Ases” e “Os Corsários”, entre<br />

outros.<br />

10 11<br />

12 13<br />

10.<br />

Cine Jazz, anos 50<br />

11.<br />

Cine Jazz, anos 60,<br />

festa dos Santos Poulares<br />

12. 13.<br />

Escola de Acordeões Mário Costa<br />

No Cine-Rossio e na RTP


30 porViseu ’60s.<br />

.a.primeira.vez.<br />

1<br />

1.<br />

Nº. 54 da rua Escura<br />

(foto Germano)<br />

Não existiam boîtes nem cabarets<br />

mas Viseu tinha duas casas<br />

de Meninas, proibidas mas<br />

consentidas, e uma terceira<br />

especial, ao que se dizia<br />

mais elitista, selectiva e com<br />

modalidades diferentes que<br />

incluíam quartos para encontros<br />

secretos de casais. Esta ficava<br />

no n.º 69 da Rua da Prebenda<br />

e pertencia a uma figura ímpar da<br />

cidade, com a alcunha de Toninho<br />

Panelas, homossexual assumido<br />

que por vezes se passeava pela<br />

cidade de forma exuberante,<br />

muito pintado, badalando anéis<br />

e pulseiras, e comentando com<br />

altivez, para quem o queria ouvir,<br />

os assuntos que lhe ocorriam.


31<br />

retratos de viseu nos anos 60<br />

Quanto às duas primeiras, uma<br />

ficava no n.º 54 da Rua Escura,<br />

e outra no n.º 160 da Rua do<br />

Picadeiro na Cava do Viriato.<br />

Certo, certo, é que na época, um<br />

jovem, para ser Homem, tinha que<br />

ir às Meninas uma primeira vez.<br />

E era tamanha a aventura que<br />

valia por três.<br />

Programado o dia da sua primeira<br />

vez, o jovem preparava-se de<br />

forma mais cuidada, melhor<br />

lavado e cuidadosamente<br />

perfumado mesmo onde<br />

normalmente não entravam tais<br />

aromas. Quem o levava era um<br />

familiar ou um amigo protector<br />

mais velho. Tempos houve em que<br />

tal tarefa era mesmo assumida<br />

pelo próprio pai, pois era vital<br />

para a educação completa de um<br />

rapaz.<br />

Acompanhando o tutor que<br />

logo abria a porta que estava<br />

encostada, o imberbe seguia,<br />

subia as escadas e as pernas<br />

tremiam logo no primeiro degrau<br />

a caminho do verdadeiro exame.<br />

Sim, era mesmo um exame real e<br />

em que tudo era posto em causa e<br />

a nu: “Servirá o tamanho?<br />

E a espessura? Irá doer? E se não<br />

der? E o desempenho?”. Era uma<br />

angústia.<br />

Entrados na sala de recepção,<br />

algo aproximado a um consultório<br />

médico mas com menos luz,<br />

a dona atendia e distribuía logo<br />

o serviço a quem ela pensava ser<br />

a mais indicada para o prestar.<br />

Se o tutor fosse habitué podia<br />

opinar sobre a escolha da<br />

examinadora. Quando ela<br />

entrava na sala surgia a primeira<br />

surpresa: afinal muito mais<br />

mulher que menina, exalava um<br />

perfume a lavanda feminina,<br />

decote avançado, saia curtinha,<br />

e um cigarro rolando na mão como<br />

que a pedir lume. Um pouco de<br />

sala, conversa, e fumo, sorrisos<br />

estranhos, uns toques na mão,<br />

risadas e piscadelas e a primeira<br />

festa com um ligeiro apertão.<br />

Quando a mão colava na mão<br />

e não largava, já pouco faltava.<br />

Ela levantava-se, puxava a mão,<br />

encorajava, piscava o olho e dizia:<br />

“vamos matulão?”<br />

E lá ia o pequeno cheio de medo,<br />

alguns iam mesmo assustados,<br />

para a prova total.<br />

Nunca corria mal, pelo menos<br />

que se soubesse!<br />

E se o pequeno entrava<br />

principiante, já saía doutor.<br />

No dia seguinte o jovem inchado,<br />

com porte elevado, dava nas<br />

vistas e já se atrevia a subir<br />

ao 1.º andar do Café Rossio.<br />

E se o questionassem logo<br />

alguém esclarecia: “…ele ontem<br />

perdeu os três!<br />

Ah Ah Ah,” ouvia-se…


32 porViseu ’60s.<br />

.os.bailes.<br />

1<br />

2<br />

3<br />

1.<br />

Passagem do ano<br />

no Clube de Viseu, 1958<br />

(foto Germano)<br />

2. e 3.<br />

Baile de Finalistas<br />

do Liceu, 1963<br />

Quanto a folia, não faltavam<br />

festas, bailes, arraiais e romarias,<br />

onde se podia dançar. Para<br />

algumas raparigas estas festas<br />

eram a única ocasião em que se<br />

podiam mostrar, as primeiras<br />

vezes a medo, agarradas às saias<br />

da mãe ou coladas nas costas de<br />

alguma familiar, e aos poucos lá<br />

aprendiam com outras, a dançar.<br />

Por esta razão dançar era uma<br />

prática muito vulgar em todos<br />

os lugares. É que a brincar,<br />

a brincar, era mesmo a dançar<br />

que muitos conseguiam confirmar<br />

que o tal brilho do olhar não<br />

era a brincar. Dançar ajudava a<br />

desabrochar e permitia uma outra<br />

forma de comunicar, com ritual e<br />

códigos próprios.<br />

O ritual implicava o convite<br />

a dançar: aproximar, baixar<br />

a cabeça e soltar: “a menina<br />

dança?” Se ela dizia não, era<br />

a tampa, ele dava meia volta,<br />

tentava disfarçar e ia directo<br />

curar as mágoas para o Bar.<br />

Se começavam a dançar, logo<br />

ao pegar na mão e ao encostar<br />

calculávamos até onde<br />

poderíamos apertar. A técnica<br />

era, para não assustar, encostar<br />

devagar e, na primeira música,<br />

nunca apertar. Havendo segunda<br />

e terceira dança, numa música<br />

mais lenta, lá se começava a roçar<br />

(calão para descrever o dançar<br />

apertadinho que fazia vibrar).<br />

Com as mãos geríamos a<br />

navegação: o mexer da esquerda


33<br />

retratos de viseu nos anos 60<br />

evoluía do toque ao apertão,<br />

e com a direita, o pianar nas<br />

costas anunciava o encostar.<br />

E para muitos era a dançar que<br />

se sentia o primeiro arfar, que<br />

punha o olhinho a brilhar, o corpo<br />

a engordar e a cabeça a sonhar,<br />

ao sentir aquele ondular do outro<br />

corpo (a colar). Interpretar os<br />

sinais do par era uma tarefa por<br />

vezes complicada e até delicada.<br />

Por exemplo, dançar de seguida<br />

três músicas lentas, com a cara<br />

encostada, era um pequeno<br />

índício de intimidade, sinal<br />

muito favorável. Como também<br />

o era ficar de mão dada, mesmo<br />

escondida, entre a mudança de<br />

músicas. Beijo na boca era um<br />

grande indício de intimidade.<br />

Muito raro! De olho aberto, leve,<br />

sem comprometimento, mas de<br />

olho fechado, era namoro certo,<br />

quase casamento.<br />

Em Viseu as festas começavam<br />

logo no segundo fim de semana<br />

de Janeiro com o Baile dos<br />

Finalistas do Liceu de Viseu<br />

secundado com uma matiné no<br />

dia seguinte e com o Sarau duas<br />

semanas depois.<br />

A 5 de Janeiro de 1963 realizou-<br />

-se o Baile de Finalistas no<br />

Cine-Rossio, com os conjuntos de<br />

“Shegundo Galarza” a) e de “Mário<br />

Simões”. b)<br />

Seguiam-se as Festas do<br />

Carnaval, com bailes por todo o<br />

lado e algumas matinés para as<br />

crianças também se mascararem.<br />

A Rua Direita liderava na oferta<br />

dos acessórios de Carnaval<br />

como as máscaras em cartão,<br />

serpentinas, confetes, estalinhos,<br />

pirilampos, bombas de carnaval,<br />

algumas de mau cheiro, e<br />

começavam a aparecer as<br />

bisnagas de água, que se podiam<br />

comprar no Bazar do Porto ou nos<br />

Cesteiros.<br />

Nos Santos Populares havia<br />

arraiais e muito pó no ar.<br />

Cada povoação dos arredores da<br />

cidade comemorava o seu Santo.<br />

E lá iam os foliões da cidade<br />

petiscar, bebericar e bailar com<br />

as moças da terra. No S. João,<br />

as Cavalhadas de Vildemoinhos<br />

enchiam de dia a cidade para ver<br />

o cortejo, e à noite, no Largo de<br />

Vildemoinhos, havia arraial com<br />

sardinhas e bailarico.<br />

E no Fim de Ano realizavam-se<br />

festas que incluíam sempre o<br />

Baile da Passagem do Ano.<br />

a)<br />

pt.wikipedia.org/wiki/Shegundo_<br />

Galarza<br />

b)<br />

http://musicasdosanos60.blogspot.<br />

com/search/label/M%C3%A1rio%20<br />

Sim%C3%B5es%20e%20o%20<br />

Seu%20Conjunto


34 porViseu ’60s.<br />

.a.juventude.<br />

1<br />

1.<br />

Desfile da Mocidade Portuguesa<br />

(foto Germano)<br />

Após a instrução primária,<br />

abriam-se duas opções aos<br />

jovens que queriam/podiam/<br />

conseguiam continuar a estudar.<br />

O Ensino Liceal no Liceu Nacional<br />

de Viseu e o Ensino Profissional<br />

na Escola Comercial e Industrial.<br />

Em Viseu, quer o Liceu quer a<br />

Escola Comercial tinham grande<br />

prestígio e professores com<br />

grande talento e dedicação.<br />

Eram Escolas Públicas com<br />

alunas e alunos, mas nada de<br />

misturas com aulas mistas:<br />

raparigas para um lado e rapazes<br />

para o outro. O lado feminino<br />

do Liceu era toda a ala direita<br />

de quem entra e o masculino<br />

a ala esquerda. O Ginásio e<br />

outras salas comuns como os<br />

Laboratórios eram utilizados em<br />

horas desencontradas.<br />

Aulas mistas só a partir do<br />

3.º Ciclo (mais ou menos a partir<br />

dos 15 anos).<br />

Os Colégios eram ou femininos<br />

ou masculinos. Femininos como<br />

o Grande Colégio Português,<br />

Colégio da Imaculada Conceição<br />

(Colégio das Freiras), e<br />

Masculinos como o Colégio<br />

Santo Agostinho ou o Colégio<br />

da Via Sacra. Em complemento<br />

ao ensino oficial começavam a<br />

aparecer os explicadores, a quem<br />

os alunos mais mandriões e com<br />

mais recursos recorriam em<br />

regime pós aulas oficiais.<br />

Os jovens que vinham para o<br />

ensino oficial das redondezas<br />

da cidade hospedavam-se em<br />

quartos alugados ou ficavam<br />

como alunos externos nos<br />

Colégios. As raparigas, além<br />

destas opções, ainda dispunham<br />

do Lar situado na rua Alexandre<br />

Herculano. Os horários eram<br />

muito limitados e só a partir do<br />

3.º Ciclo do Liceu (6.º e 7.º anos,<br />

actuais 10.º e 11.º) era dada<br />

alguma autonomia.<br />

Chegava a idade dos primeiros<br />

namoricos. O amor começava<br />

a rondar, a pairar, sempre ao<br />

longe mas à vista. Namoriscar<br />

era bonito, solto, discreto e às<br />

vezes secreto; namorar era muito<br />

cerimonioso, oficial, contido e<br />

por vezes aparatoso. Manifestar<br />

interesse por uma rapariga nem<br />

sempre era fácil.


35<br />

retratos de viseu nos anos 60<br />

Muita ronda normalmente<br />

solitária, às vezes solidária, pelos<br />

lugares que eram dela. E por<br />

vezes, chegar lá, a ela, só com<br />

uma boa cunha ou cumplicidades<br />

intermediárias de primos, amigos<br />

ou amigas. Até ao momento de<br />

aproximação, se era conseguido,<br />

havia muito a sofrer. Até doía!<br />

Depois evoluía, e às escondidas<br />

um apertão na mão, a mão na<br />

mão, o beijo mais tarde, o primeiro<br />

sempre roubado e às vezes de<br />

raspão, e um beijo a sério, de olho<br />

fechado, só mesmo lá mais para o<br />

verão. O coração saltava, saltava,<br />

saltava com tamanha emoção.<br />

Quase rebentava.<br />

Os namorados do Liceu<br />

passeavam pelo Parque, e os<br />

mais crescidos procuravam um<br />

dos bancos excelentemente<br />

colocados nos caminhos<br />

paralelos à Avenida do Liceu.<br />

Os namorados da Escola<br />

passeavam pelos terrenos da<br />

Feira de S. Mateus, e os mais<br />

crescidos visitavam a Cava de<br />

Viriato. Fora isto, corpo mais<br />

perto, junto e às vezes juntinho,<br />

só num bailinho.<br />

Ritual importante era assistir<br />

às saídas das aulas, dos<br />

colégios e, aos domingos, da<br />

Igreja dos Terceiros. Ver as<br />

meninas com os pais, muito<br />

virgens, bem comportadinhas e<br />

muito arranjadinhas a descer a<br />

escadaria, era um desfile especial<br />

que não se podia perder.<br />

Domingo não era domingo sem<br />

fato, gravata e roupa lavada!<br />

No período de aulas todos<br />

eram obrigados a frequentar<br />

a Mocidade Portuguesa (MP),<br />

uma organização nacional que<br />

pretendia abranger toda<br />

a juventude – escolar ou não –<br />

“e atribuia-se, como fins,<br />

estimular o desenvolvimento<br />

integral da sua capacidade<br />

física, a formação do carácter e a<br />

devoção à Pátria, no sentimento<br />

da ordem, no gosto da disciplina,<br />

no culto dos deveres morais,<br />

cívicos e militares” a)<br />

Pois nas tardes das quartas-<br />

-feiras e aos sábados de manhã<br />

tínhamos actividades da MP, que<br />

incluíam instrução para-militar e<br />

muito desporto com campeonatos<br />

locais, distritais e nacionais. E era<br />

nestas actividades desportivas<br />

que se constatava a grande<br />

rivalidade entre as equipas do<br />

Liceu e da Escola Comercial.<br />

Fora das aulas popularizavam-<br />

-se os gira-discos de plástico<br />

preparados para os discos de<br />

vinil com dois formatos: os EP<br />

(Extended Play, 17cm diâmetro<br />

e sensivelmente 8 minutos de<br />

música por face) de 45 rotações<br />

e os LP (Long Play, 31cm de<br />

diâmetro e cerca de 20 minutos de<br />

música por face) de 33 rotações.<br />

Os mais vulgares eram os EP com<br />

quatro faixas, duas de cada lado.<br />

E era dada uma atenção especial<br />

às capas, algumas delas ainda<br />

hoje verdadeiras obras de arte.<br />

Um novo disco era motivo para<br />

uma audição especial na casa<br />

do seu proprietário.<br />

Os aniversários davam direito a<br />

um lanche, por vezes dançante,<br />

aos fins de semana. O ambiente<br />

musical era dominado pela<br />

canção francesa, italiana, algum<br />

rock americano, novidades do<br />

twist, Elvis, Pat Boone, Paul Anka,<br />

Trini Lopez, Chuby Checker, Otis<br />

Redding, Aretha Franklin, Roy<br />

Orbison… Da língua francesa<br />

ouvia-se a música jovem de<br />

Françoise Hardy, Richard Anthony,<br />

Adamo, Claude François, Sylvie<br />

Vartan, Johnny Halliday, Hervé<br />

Vilard… De Itália todos os<br />

êxitos do Festival S. Remo com<br />

destaque para a Rita Pavoni,<br />

Gianni Morandi, Gigliola Cinquetti,<br />

Adriano Celentano, e ainda os<br />

conjuntos de “Peppino di Capri”<br />

e “Marino Marinni”. E na língua<br />

inglesa Tom Jones, Sandy Shaw,<br />

Sheila nunca podendo faltar<br />

o Cliff Richard com os “The<br />

Shadows”, com a fórmula mágica<br />

de três violas eléctricas e uma<br />

bateria. Num ou noutro Domingo<br />

lá se ia ao Cinema ver um ou outro<br />

musical, uma comédia italiana,<br />

ou o 007 - Ordem para Matar.<br />

Os Bailes de Finalistas, os Saraus<br />

no Liceu, os Bailes de Carnaval<br />

nas Associações Colectivas ou<br />

algumas festas de bairro eram<br />

sempre uma oportunidade para<br />

o desabrochar dos jovens.<br />

a)<br />

pt.wikipedia.org/wiki/Mocidade_<br />

Portuguesa


36 porViseu ’60s.<br />

.depoimento.<br />

Serafim Matos Silva<br />

Em Portugal não eram permitidos<br />

os Partidos Políticos. Só a União<br />

Nacional e a assinatura política<br />

de então era: “Deus, Pátria<br />

e Família”. Quem tentava sair<br />

desta trilogia brincava com o<br />

fogo. Os do Leste eram todos<br />

feios, porcos e muito maus!!!<br />

Ainda estava fresco o assalto<br />

ao Santa Maria e em Viseujovem,<br />

no Café Arco-Íris (Av. 28<br />

de Maio, hoje Alberto Sampaio)<br />

já havia quem tivesse o livro<br />

vermelho do Mao e lesse as<br />

poesias de Vladimir Mayakovski.<br />

Ali, encontrava-se o núcleo mais<br />

intelectual de estudantes com<br />

interesses culturais e políticos,<br />

com o cinema, pintura e poesia<br />

e música de Jazz em destaque.<br />

Desse restrito grupo, salientaram-<br />

-se nomes que extravasaram<br />

o pequeno e isolado mundo que<br />

era Viseu, nessa época. Destes<br />

salientaram-se Carlos Almeida,<br />

que com António Barreto publicou<br />

“Capitalismo e emigração em<br />

Portugal”, Prelo, Lisboa 1970,<br />

um livro marcante que ainda<br />

hoje se pode encontrar nos<br />

escaparates das livrarias<br />

nacionais e internacionais.<br />

Na poesia, matemática e filosofia<br />

salientou-se um nome: António<br />

Franco Alexandre: viveu em<br />

França, de 1962 a 1969,<br />

na cidade de Toulouse, onde<br />

estudou Matemática. Viajou<br />

para os Estados Unidos, onde<br />

continuou a estudar. Em 1971,<br />

mudou-se para a cidade de Paris.<br />

Apenas depois da Revolução<br />

dos Cravos retornou a Portugal.<br />

B.Sc. em Matemática pela<br />

Universidade de Harvard e doutor<br />

em Filosofia pela Universidade<br />

de Lisboa, desde 1975 lecciona<br />

Filosofia na Faculdade de Letras<br />

da Universidade de Lisboa. A sua<br />

poesia tem conquistado cada vez<br />

maior reconhecimento crítico.<br />

“Quatro Caprichos” recebeu o<br />

Prémio APE de Poesia e o Prémio<br />

Luís Miguel Nava; “Duende”<br />

ganhou o Prémio D. Dinis da<br />

Fundação Casa de Mateus e o<br />

Prémio Correntes d’Escritas.<br />

Na pintura emergiu José Mouga.<br />

Licenciado em Pintura pela<br />

ESBAP (C/ Louvor e Distinção,<br />

Prémio legado de Desenho<br />

Rodrigues Júnior). Residiu em<br />

Londres; Pós-Graduação em<br />

Pintura na St. Martin’s School of<br />

Art (Londres); (Prémio Stwoells<br />

of Chelsea); Director da Hoya<br />

Gallery, Londres; Visiting<br />

Lecturer de Pintura na Escola<br />

Politécnica de Newcastle-upon-<br />

-tyne; foi vários anos membro<br />

do Conselho Técnico da SNBA.<br />

Entre 1980/93 foi responsável<br />

pelo Departamento de Pintura no<br />

Ar.co e membro da Direcção. Tem<br />

desde 1986 o título de Professor<br />

Agregado da Faculdade de<br />

Belas Artes da Universidade de<br />

Lisboa. Actualmente é Professor<br />

Efectivo de Ed. Visual e Professor<br />

/ Coordenador do Curso de Pintura<br />

e Desenho do Instituto de Artes<br />

e Ofícios, da UAL. Representado<br />

em vários museus nacionais e em<br />

colecções particulares estrangeiras<br />

e portuguesas, nomeadamente,<br />

Ministério da Cultura, Centro de<br />

Arte Moderna da F.C.Gulbenkian,<br />

fez, desde 1963, um número<br />

substancial de exposições<br />

individuais e colectivas de Lisboa<br />

ao Porto, ao Brasil e Reino Unido.<br />

Em Viseu expôs no Museu Grão<br />

Vasco, na Casa Museu Almeida<br />

Moreira e na “Galeria G”.<br />

Nos mais novos, os mais<br />

atrevidos passeavam boinas<br />

à Che Guevara (Carrilho, Sobral e<br />

Pessoa), enquanto em pleno Rossio<br />

o grande Sérginho e o Bergeron<br />

discutiam, perante o ar<br />

atento do fiscal dos isqueiros<br />

e informador da PIDE, os atributos<br />

e tácticas da bola, servindo-se<br />

da sua bíblia que era o jornal<br />

“A Bola”, onde grandes ensaístas<br />

e escritores aí floresceram. Deste<br />

grupo alguns acabaram, como<br />

seria inevitável, por ser presos e<br />

politicamente condenados. Alguns<br />

enlouqueceram e morreram, outros<br />

resistiram e sobreviveram, para<br />

testemunhar esse dramático, mas<br />

maravilhoso tempo. Uma palavra de<br />

simpatia para as raparigas desse<br />

tempo que também contribuiram<br />

com a sua beleza e inteligência<br />

para a riqueza espiritual e cultural<br />

desse Viseu, já tão longínquo.


37<br />

retratos de viseu nos anos 60<br />

.depoimento.<br />

Manuel Maria Carrilho a)<br />

Refere-se sempre, quando se<br />

evocam os finais nos anos 60<br />

em Viseu, o episódio das “boinas<br />

à Guevara” que eu e um grupo<br />

de amigos usámos durante<br />

algum tempo. Muitas vezes me<br />

interroguei porque é que, no meio<br />

de tantas coisas irreverentes<br />

que então se fizeram, essa se<br />

destacou. Mas a razão é simples,<br />

ela está no significado simbólico<br />

desse gesto: não só pela sua carga<br />

revolucionária, dada a ditadura em<br />

que então se vivia, mas sobretudo<br />

pelo facto de ele ter sido assumido<br />

publicamente por um grupo de<br />

jovens estudantes liceais.<br />

Este gesto é, contudo,<br />

indissociável de um contexto que<br />

se viveu em Viseu nesses anos, já<br />

muito marcados por uma rebeldia<br />

civilizacional a que, por exemplo,<br />

“Os Tubarões” tinham dado uma<br />

expressiva forma musical. Para<br />

mim, na altura, a opção pela<br />

boina “à Guevara” teve tanta<br />

importância como tinha tido o uso<br />

do cabelo “à Beatles”, a que só<br />

uma visita surpresa a minha casa<br />

do Senhor Filipe, barbeiro do meu<br />

pai, pôs transitoriamente termo.<br />

Ou o uso de jeans – calças e<br />

blusão “Lee” –, então inexistentes<br />

em Portugal, que eu tinha pedido<br />

secretamente a uma antiga<br />

costureira da minha Avó Georgina,<br />

que vivia nos Estados Unidos, para<br />

me mandar. Em todos os casos,<br />

do que se tratava era sempre<br />

de marcar uma ruptura e de<br />

expressar um desejo de revolução,<br />

cruzando diversos tipos de<br />

reivindicações: de costumes,<br />

de imaginários e de políticas.<br />

O resto viria depois: por um lado,<br />

com as inesquecíveis aulas e<br />

conversas com Osório Mateus,<br />

José Manuel de Melo, Augusto<br />

Saraiva, entre outros.<br />

Com Augusto Saraiva confirmei<br />

o pressentimento de uma vocação<br />

que tinha começado a descobrir<br />

num período de internato no<br />

Colégio dos Beneditinos, em<br />

Lamego, graças às conversas com<br />

um homem singular, o Padre Jorge.<br />

As aulas de Augusto Saraiva<br />

eram momentos de culto e de<br />

inesperados olhares sobre a<br />

realidade, por onde passava tudo,<br />

desde os textos dos filósofos aos<br />

problemas da actualidade.<br />

E, por outro lado, com a criação<br />

de um círculo de cumplicidades<br />

extraordinárias, com o José<br />

Manuel Sobral, o Carlos Pessoa,<br />

o Alfredo Franco-Alexandre, o Zé<br />

Almeida, o Licínio, o Alvarenga...<br />

e tantos mais, que se alimentava<br />

de leituras obsessivas e de<br />

discussões intermináveis.<br />

Aos 17/18 anos, além dos<br />

romancistas e ensaístas<br />

portugueses, devorávamos<br />

Althusser, Levi-Strauss, Barthes,<br />

Foucault, etc., seguindo de perto<br />

todas as indicações que o jovem<br />

Eduardo Prado Coelho dava no<br />

suplemento cultural do Diário de<br />

Lisboa, à quinta feira.<br />

Tudo isto conheceu um epílogo<br />

em 1969, com os acontecimentos<br />

de Coimbra. Mas é também nesse<br />

ano que todos partimos de Viseu<br />

para a Universidade e para outras<br />

aventuras – umas comuns, outras<br />

mais singulares.<br />

a)<br />

www.manuelmariacarrilho.com


38 porViseu ’60s.<br />

.os.bailes.do.<br />

clube.de.viseu.<br />

1 2<br />

1.<br />

Baile no Clube de Viseu<br />

(foto Germano)<br />

2.<br />

Matiné de Carnaval, 1963<br />

No limiar dos anos 60 o interesse<br />

musical da juventude crescia<br />

alimentado pela vulgarização dos<br />

discos de vinil e o aparecimento<br />

dos gira-discos portáteis.<br />

Na música ligeira moderna<br />

estávamos na época madura<br />

do Rock ’n Roll, na moda do Hula<br />

Hoop, e no início do grande êxito<br />

“The Twist” de Chubby Checker.<br />

E a animação repercutia-se em<br />

todos os extractos da sociedade.<br />

Vieram os bailes, alguns com<br />

datas fixas como a Passagem<br />

do Ano, o Carnaval, as Festas dos<br />

Santos Populares e os Bailes dos<br />

Bombeiros Voluntários durante<br />

a Feira de S. Mateus, e outros<br />

com motivos diversos como os<br />

Bailes de Finalistas, as Festas<br />

de Aniversário e, mais tarde,<br />

os Bailes de Garagem.<br />

No Clube de Viseu era êxito<br />

garantido o Baile do Fim do Ano<br />

e a Matiné do dia 1 de Janeiro,<br />

para os mais jovens. No Carnaval<br />

ganhava tradição o Baile de<br />

Máscaras (sábado magro), o Baile<br />

de Gala (sábado gordo) e o Baile<br />

de Carnaval, na terça-feira, além<br />

de uma ou duas matinés para os<br />

mais jovens.<br />

E terá sido inspirado por estas<br />

que, em 1961/62, um grupo de<br />

jovens liderados por E. Faro,<br />

T. Madeira, F. Peixoto e<br />

Q. Cavaleiro, todos na casa dos<br />

17/18 anos, conseguiu o apoio<br />

da Direcção do Clube para a<br />

realização de matinés dançantes,


39<br />

retratos de viseu nos anos 60<br />

de 15 em 15 dias, em que a<br />

música de dança era a dos êxitos<br />

dos discos de vinil que cada<br />

grupo levava para serem tocados<br />

no gira-discos da casa. O preço<br />

de entrada era de 2$50 e mais<br />

tarde 5$00 e as receitas serviam<br />

para a compra de discos, tendo<br />

mesmo em 1962 sido adquirido<br />

um magnífico gira-discos com<br />

duas colunas acopladas. Nestas<br />

matinés cada grupo tentava<br />

“mostrar” o que melhor sabia<br />

dançar em conjunto, do Slop ao<br />

Twist, com os passos estudados<br />

e ensaiados durante a semana<br />

para serem publicamente<br />

demonstrados na matiné<br />

seguinte. Célebre ficou a música<br />

“Baby Elephant Walk” do filme<br />

HATARI (1962) com John Wayne, a)<br />

que inspirou uma coreografia<br />

de dança própria que originou<br />

muitos ensaios e que era<br />

dançada em grupo com passes<br />

cuidadosamente sincronizados.<br />

Esta coreografia manteve-se no<br />

top durante várias matinés, sendo<br />

objecto de vários encore durante<br />

a mesma tarde, com todos os<br />

dançarinos alinhados em longas<br />

filas pelo salão do Clube.<br />

a)<br />

www.imdb.com/title/tt0056059


40 porViseu ’60s.<br />

.west.<br />

side.<br />

story.<br />

Em 1961 surgiu o filme West<br />

Side Story, a) que marcou toda a<br />

juventude dessa época de ouro<br />

e de referência chamada “os<br />

60’s” e criou hábitos e modas que<br />

se reflectiram no dia-a-dia dos<br />

jovens em todo o Mundo.<br />

O enredo do filme, o formato,<br />

a qualidade musical e o casting<br />

eram excepcionais como o<br />

comprovam os inúmeros prémios<br />

recebidos, nomeadamente<br />

10 Óscares e mais de 15 outros<br />

prémios. Com um formato de<br />

opereta musical, abordando<br />

de forma inovadora o tema da<br />

emigração e integração dos<br />

jovens Porto Riquenhos em<br />

Nova Iorque, uma banda sonora<br />

assinada pelo génio Leonard<br />

Bernstein b) maestro, compositor<br />

e educador, ao tempo de todos<br />

conhecido pela televisão com a<br />

transmissão dos seus célebres<br />

Concertos CBS para Jovens com a<br />

Filarmónica de Nova Iorque, onde<br />

com uma excitação e entusiasmo<br />

únicos explicava o ABC da música,<br />

de toda a música, de qualquer<br />

tipo de música.<br />

O filme, considerado um Romeu<br />

e Julieta moderno, retrata a luta<br />

pelo controlo do território entre<br />

dois grupos de jovens rivais<br />

–“gangs”, um de Nova Iorque, os<br />

Jets, e outro de Porto Riquenhos,<br />

os Sharks. E durante um baile, um<br />

dos líderes dos Jets (Tony) cruza-<br />

-se com a Maria, irmã do líder dos<br />

Shark (Bernardo) e nasce uma


41<br />

retratos de viseu nos anos 60<br />

paixão impossível e proibida entre<br />

“gangs” rivais.<br />

Do elenco fazem parte nomes<br />

como Natalie Wood, no papel de<br />

Maria, Richard Beymer, o Tony,<br />

Russ Tamblyn, como Riff, Rita<br />

Moreno como Anita e George<br />

Chakiris, como Bernardo. Eram os<br />

principais actores de um enorme<br />

grupo que dançava, representava<br />

e cantava obras imortais como<br />

“Maria”, “Tonight”, “I Feel Pretty”,<br />

“América” e tantos outros, tudo<br />

grandes músicas que fizeram<br />

sucesso e perduram até aos dias<br />

de hoje.<br />

Foi a 23 de Abril de 1963 que o<br />

filme West Side Story estreou<br />

em Portugal. E terá sido num<br />

dos primeiros fins de semana<br />

de Junho de 1963 que o filme<br />

chegou ao Cine-Rossio de Viseu.<br />

Lembro-me bem do muito que<br />

conversámos, discutimos e<br />

fantasiámos a propósito do filme,<br />

de Nova Iorque, dos personagens,<br />

das músicas, danças e gangs.<br />

a)<br />

www.imdb.com/title/tt0055614<br />

b)<br />

www.leonardbernstein.com


42 porViseu ’60s.<br />

.grupos.e.<br />

clubes.de.<br />

garagem.<br />

1<br />

2<br />

1. 2.<br />

Cartões de membros do Tic Tac<br />

Em Viseu, os cafés também<br />

eram os lugares privilegiados de<br />

encontro e convívio dos jovens<br />

estudantes com afinidades<br />

comuns. Assim havia o Café<br />

Rossio (estudantes e bilhares),<br />

o Café Bijou (futebol), o Café das<br />

Beiras (estudantes da Escola<br />

Comercial), o Monte Branco<br />

(estudantes do Liceu), entre<br />

outros.<br />

Porventura inspirados no West<br />

Side Story alguns destes convívios<br />

deram origem a grupos com<br />

interesses específicos comuns e<br />

que eram catalogados com nomes<br />

próprios. Lembramos o grupo<br />

“Roça o tojo” do Café Rossio, com<br />

interesse nos bilhares e futebol,<br />

o grupo “Arranha Teddy Twist


43<br />

retratos de viseu nos anos 60<br />

Clube”, com a alcunha de “Os<br />

Xibos” por grande parte dos seus<br />

membros usarem pêra, sediado<br />

no Arranha-Céus onde se reuniam<br />

e ensaiavam danças como o Twist<br />

e o Slop que exibiam nas matinés<br />

do Clube de Viseu.<br />

O primeiro clube de garagem<br />

que formámos foi o “Só+2”. Teve<br />

origem durante as férias grandes<br />

num grupo de amigos de Viseu<br />

que conviviam diariamente e o<br />

local de encontro era a casa do<br />

A.A. na Avenida do Liceu frente à<br />

Rua Miguel Bombarda. Ali, numa<br />

vivenda com um grande quintal,<br />

havia muito espaço coberto e<br />

descoberto que nos permitia jogar<br />

futebol, às cartas, matraquilhos,<br />

Monopólio, entre outros. Ficava<br />

situada muito perto do Moinho<br />

de Vento, um descampado onde<br />

podíamos livremente jogar<br />

futebol e era o lugar predilecto<br />

para o início das caçadas aos<br />

gambuzinos, partida muito<br />

frequente que pregávamos aos<br />

alunos novatos recém-chegados<br />

à cidade. O Moinho de Vento<br />

situava-se numa zona que hoje<br />

seria demarcada pela Avenida<br />

do Liceu, Praça de Gôa, Rotunda<br />

Engrácia Carrilho, e a Igreja Nova.<br />

Terminadas as férias retomámos<br />

as aulas e deixou de ser possível<br />

continuar a vida de lazer que<br />

fazíamos até então. O Victor<br />

Barros veio viver para Viseu para<br />

uma casa no Massorim, na Rua<br />

Conselheiro Sousa Macedo,<br />

que dispunha de uma grande<br />

cave e a mãe do Victor, a<br />

D. Margarida Barros, sempre<br />

muito nossa amiga, permitiu que<br />

a passássemos a utilizar aos fins<br />

de semana. No meio dos primeiros<br />

fumos e catarros jogávamos à<br />

lerpa e ao King, ao Monopólio,<br />

e planeávamos as aventuras do<br />

assalto às capoeiras vizinhas,<br />

moda que começou a despontar<br />

na época.<br />

No Liceu e nos explicadores<br />

alargava-se o convívio com<br />

as raparigas. Nós, rapazes,<br />

começávamos a frequentar<br />

os cafés, lugares proibidos e<br />

impróprios para raparigas, que<br />

assim não tinham qualquer local<br />

onde pudessem estar. O seu lugar<br />

era em casa, no colégio, ou no lar.<br />

O convívio com as raparigas<br />

começou progressivamente a ser<br />

mais usual nas festas de anos, na<br />

audição de discos, ou em convívios<br />

combinados. E surge a primeira<br />

festa de aniversário de uma<br />

amiga deslocada na cidade. Logo<br />

organizámos uma festa na cave<br />

do Vitó, com baile, lanche e tudo.<br />

E nasceu a ideia de formarmos<br />

um clube só para os amigos,<br />

com algumas regras. Só podiam<br />

participar os sócios. Admissões<br />

de novos membros só se aceites<br />

por unanimidade. De modo a<br />

mantermos algum equilíbrio entre<br />

rapazes e raparigas, a admissão<br />

de novos membros só era<br />

permitida aos pares.<br />

Nasceu o “Só+2” com Sede na<br />

cave da casa do Victor Barros,<br />

que dispunha de um acesso<br />

independente através do Largo<br />

do Massorim, hoje Largo Tenente<br />

Miguel Ponces, o que nos dava<br />

alguma autonomia.<br />

Normalmente aos sábados<br />

à tarde, raparigas e rapazes<br />

encontrávamo-nos no clube,<br />

conversávamos sobre os mais<br />

variados temas, discutíamos<br />

assuntos escolares, trocávamos<br />

opiniões sobre alguma política,<br />

religião ou outros de interesse<br />

geral.<br />

Sempre que possível nós, os<br />

rapazes, arranjávamos um<br />

motivo para dançar: um novo<br />

disco que nos foi emprestado só<br />

para aquela tarde com o último<br />

êxito do Paul Anka ou do Cliff<br />

Richard, ou um novo passe de<br />

dança inventado na véspera e que<br />

deveria ser já testado.<br />

Tudo servia para quebrar o<br />

(falso) gelo (feminino) e começar<br />

a dança. Depois, com o tempo,<br />

dançar começou a ser mais fácil<br />

e chegou ao ponto de o fazermos<br />

mesmo sem gira-discos, ao som<br />

de um pequeno rádio sintonizado<br />

numa qualquer estação que<br />

transmitisse qualquer tipo<br />

de música.<br />

Começaram assim, para nós,<br />

os Bailes de Garagem.<br />

Vivíamos sempre em festa!<br />

Muito divertidos.


44 porViseu ’60s.<br />

.os.tubarões.<br />

conjunto.<br />

académico.<br />

1<br />

1.<br />

Formação Incial<br />

Setembro era o mês da Feira de<br />

S. Mateus, dos matraquilhos e<br />

das farturas, da gincana e dos<br />

preparativos para um novo ano<br />

escolar. Um mês em cheio!<br />

A mãe do Vitó (Victor Barros),<br />

a D. Margarida Barros, sempre<br />

muito nossa amiga e cúmplice,<br />

atenta aos constrangimentos<br />

que tínhamos no anterior clube<br />

“Só+2” com a utilização da cave<br />

de Massorim, decidiu mudar todo<br />

o espaço e ficar apenas com uma<br />

sala para as suas necessidades<br />

domésticas (estendal e arrumos).<br />

Assim cedeu-nos quase toda a<br />

cave da casa com duas salas e<br />

a entrada. Deu-nos a chave da<br />

porta das traseiras, o que nos<br />

permitia ter acesso directo ao<br />

espaço sem necessidade de<br />

entrarmos na habitação.<br />

Foi a nossa independência.<br />

Acabámos com o “Só+2” e<br />

criámos o “TIC-TAC”, um Clube<br />

de Garagem a sério com regras,<br />

quotas, cartão de admissão,<br />

e uma Direcção eleita com<br />

Presidente e tudo. Tratámos da<br />

decoração, criámos o bar onde<br />

servíamos bebidas e sandes e<br />

comíamos as galinhas roubadas<br />

aos fins de semana. Criámos o<br />

Cantinho, a sala mais pequena<br />

reservada às conversas mais<br />

privadas, e a pista de dança na<br />

entrada. Sempre que era possível<br />

os bailes eram às quartas e<br />

sábados à tarde ao som dos<br />

discos de vinil tocados num<br />

“fabuloso e resistente” gira-<br />

-discos portátil Teppaz-Óscar.<br />

O bar era o local de maior<br />

convívio, com lugares sentados,<br />

e onde o Fifas (António Nogueira<br />

Fernandes) dedilhava as<br />

sequências de Sol, Ré e Dó, e<br />

cantarolava o “Bye Bye Love”,


45<br />

retratos de viseu nos anos 60<br />

“Hello Mary Lou” e outros temas,<br />

e nós acompanhávamos a<br />

cantarolar uma ou outra música<br />

atrevendo-nos progressivamente<br />

a fazer segundas e terceiras<br />

vozes, à medida que aprendíamos<br />

e evoluíamos.<br />

A alcunha Fifas resulta da junção<br />

das palavras Bifas, nome dado<br />

às raparigas loiras da África do<br />

Sul, com a palavra fífias, nome<br />

dado a uma dissonância musical<br />

involuntária.<br />

O Fifas tinha regressado de<br />

Moçambique (Beira) e além de<br />

ser um grande ginasta, até fazia<br />

mortais e flic-flacs na rua, tinha<br />

muito ouvido, tocava viola e<br />

harmónica, solava e até cantava<br />

umas músicas giras, alguns<br />

êxitos recentes do Cliff Richard<br />

e dos “Shadows”, chegando a<br />

dar concertos após o jantar,<br />

para o Sr. Francisco Mendes de<br />

Barros (pai do Vitó) e todos os<br />

presentes, normalmente muitos,<br />

despertando a atenção e os<br />

aplausos de todos. Este facto<br />

foi mais um incentivo para o<br />

desenvolvimento do “TIC-TAC”<br />

pois traduzia o grande interesse<br />

cultural do nosso Clube, dando<br />

alento à criação do Conjunto.<br />

No “TIC-TAC” sempre que a viola<br />

estava livre lá aparecia um mais<br />

atrevido a tentar dedilhar um ou<br />

outro acorde. E a selecção dos<br />

músicos do conjunto foi natural<br />

e directamente proporcional<br />

ao interesse que cada um<br />

ia demonstrando com o seu<br />

envolvimento. Conseguiu-se<br />

outra viola emprestada e o Vitó<br />

começou a acompanhar o Fifas.<br />

Não tardou muito até surgir a<br />

ideia de formarmos um Conjunto.<br />

Primeira e importante tarefa foi<br />

definir quem tocava o quê. Com o<br />

saber inabalável dos 16 anos, lá<br />

se distribuíram as tarefas, duas<br />

das quais por moeda ao ar. O Fifas<br />

ficou naturalmente seleccionado<br />

como viola solo e Mestre. Para<br />

cantar foi seleccionado quem,<br />

além de uma boa voz, forte,<br />

quente ao estilo de um Tom Jones,<br />

tinha muito estilo,<br />

e mais aldrabava o inglês desde o<br />

célebre filme de West Side Story<br />

e as suas inesquecíveis melodias,<br />

que não parava de cantarolar. Tal<br />

tarefa foi atribuída ao José Merino<br />

(Zé). A viola acompanhamento<br />

ficou para o Vitó, que tinha muito<br />

ritmo, bom ouvido e facilmente<br />

descobria e fazia as segundas<br />

vozes. A viola baixo e a bateria<br />

foram distribuídas por moeda<br />

ao ar exactamente entre os dois<br />

elementos com o ouvido mais<br />

duro do grupo. O Luís Dutra, que<br />

ainda hoje não consegue assobiar<br />

uma música no mesmo tom em<br />

que a toca, ficou com a viola baixo<br />

e eu, que nunca consegui arrancar<br />

um único aplauso com a minha<br />

interpretação de “O Pato”, fiquei<br />

com a bateria.<br />

Do filme West Side Story veio<br />

a inspiração para o nome do<br />

grupo: “Os Tubarões” (The Sharks,<br />

um dos grupos do filme cujos<br />

membros e causas granjeavam<br />

maior consenso e simpatias).<br />

Nasceu assim no último trimestre<br />

de 1963 o conjunto com António<br />

Nogueira Fernandes (fundador e<br />

Mestre como viola solo, n. 1948),<br />

José Merino (vocalista, n. 1948),<br />

Victor Barros (viola ritmo, n. 1947),<br />

Luís Dutra (viola baixo, n. 1947) e<br />

Eduardo Pinto (bateria, n. 1947).<br />

Para se identificar como um<br />

conjunto musical jovem de<br />

música pop, amador, formado<br />

por estudantes, utilizava-se<br />

a designação de Conjunto<br />

Académico. E assim adoptámos o<br />

nome de “Conjunto Académico<br />

Os Tubarões”.<br />

Fazíamos os primeiros ensaios<br />

com alguns instrumentos<br />

simulados, outros emprestados,<br />

uns alternando de mão em mão,<br />

com muita vontade em aprender<br />

e muito, muito ouvido a educar.<br />

O Luís Dutra muitas das vezes<br />

simulava o baixo tocando numa<br />

viola invisível que só ele conhecia<br />

e tendo como amplificador a<br />

sua própria voz. Como bateria<br />

qualquer tampo de cadeira servia<br />

de tarola já que não éramos<br />

muito exigentes na sua afinação.<br />

Mas o Fifas não me permitia<br />

qualquer erro nos movimentos<br />

dos pés, que mesmo sem som e<br />

verdadeiramente aos pontapés<br />

no ar, ele vigiava atentamente não<br />

me deixando falhar. Só ele via o<br />

que ninguém ouvia e nos obrigava<br />

a repetir, a voltarmos ao princípio,<br />

pelo erro que só ele entendia.


46 porViseu ’60s.<br />

1<br />

1.<br />

Viola Egmond Manhattan<br />

A minha primeira bateria foi uma<br />

caixa de sapatos e as lapiseiras<br />

Bic eram as baquetas pois os<br />

lápis não serviam por serem<br />

demasiado leves.<br />

O Fifas a todos ensinava,<br />

educava, sempre bem disposto,<br />

cortês e disponível, torneando<br />

com mestria os feitios de cada<br />

um, com uma paciência sem<br />

limites. Com ou sem instrumento<br />

todos os aprendizes participavam<br />

com grande entusiasmo, mesmo<br />

nas sessões especiais de vozes<br />

em que todo o grupo ensaiava<br />

cantarolando determinada<br />

melodia apenas acompanhada<br />

pelo som de uma viola. Era muita<br />

a vontade de aprender, horas e<br />

horas de ensaios, ouvindo em<br />

conjunto vezes sem conta as<br />

músicas que queríamos tocar.<br />

O formato adoptado para o<br />

conjunto era o modelo em<br />

voga com cinco elementos:<br />

vocalista, três violas e bateria.<br />

Os progressos eram visíveis<br />

dia após dia e os acordes da<br />

primeira música começaram a ser<br />

perceptíveis pelos fãs do “TIC-TAC”.<br />

O entusiasmo criou uma<br />

mobilização grande em torno dos<br />

ensaios que deixaram de poder<br />

ser feitos no “TIC-TAC” atendendo<br />

à logística e ao espaço necessário<br />

para os instrumentos, e também<br />

aos requisitos de silêncio e<br />

concentração que obrigavam.<br />

Foi assim transferido o local<br />

dos ensaios para a Casa do Adro<br />

mesmo junto à Sé de Viseu,<br />

(onde vivia o António Júlio<br />

Valarinho, membro do clube,<br />

que era grande e tinha muito<br />

espaço disponível no r/c para<br />

ensaiarmos sem incomodarmos<br />

ninguém).<br />

Foram meses de grande afinco,<br />

perseverança, paciência, com<br />

progressos significativos visíveis<br />

e audíveis semana a semana.<br />

Entretanto soubemos do<br />

lançamento, pela Casa Ruvina<br />

do Porto, de umas violas<br />

eléctricas, formato bacalhau, a<br />

preço muito acessível (1.500$00).<br />

Tratava-se de um modelo da<br />

marca holandesa Egmond,<br />

formado por uma tábua azul<br />

em formato de viola (bacalhau)


47<br />

retratos de viseu nos anos 60<br />

com um microfone branco com<br />

dois potenciómetros, um para o<br />

volume e outro para a tonalidade.<br />

E lá engendrámos um plano para<br />

adquirirmos os dois bacalhaus<br />

que precisávamos. Foram vários<br />

os expedientes utilizados,<br />

nomeadamente o recurso à venda<br />

de moedas antigas de prata que<br />

alguns tinham em casa, e que<br />

a loja de Numismática no início<br />

da Rua Alexandre Lobo junto<br />

ao Largo Marechal Carmona,<br />

nos comprava a bom preço,<br />

pensávamos nós. Após tudo<br />

acordado com a Casa Ruvina lá<br />

foram ao Porto o Fifas e o Luís<br />

Dutra, fardados de estudantes<br />

com capa e batina, num dia muito<br />

chuvoso, buscar os bacalhaus<br />

Egmond. O regresso foi uma<br />

verdadeira aventura pois, sem<br />

dinheiro, só havia uma maneira:<br />

à boleia. Chegaram com a<br />

missão cumprida e foi para nós<br />

uma excitação pegar naquelas<br />

preciosidades. Passámos então<br />

a ensaiar com violas eléctricas<br />

a sério que usavam como<br />

amplificadores dois rádios a<br />

válvulas. E alugámos uma bateria,<br />

a primeira onde toquei, para um<br />

primeiro ensaio a sério já com<br />

todos os instrumentos.<br />

E que ensaio! Um verdadeiro “live<br />

concert” para nós próprios!!!<br />

É de salientar que a maior parte<br />

das famílias dos elementos<br />

do conjunto se conheciam<br />

e estavam a par dos nossos<br />

convívios, encontros e ambições<br />

musicais. E este aspecto<br />

facilitou muito, e sempre, as<br />

nossas movimentações já que<br />

vivíamos num ambiente de grande<br />

confiança e todos sabiam onde<br />

cada um de nós estava.<br />

Era normal jantarmos em casa<br />

uns dos outros e eram os próprios<br />

pais a propiciarem este convívio.<br />

Durante o verão muitas foram<br />

as vezes que, à boleia, fazíamos<br />

com a maior naturalidade o<br />

trajecto Viseu - S. Pedro do Sul,<br />

e por vezes, sem encontrarmos<br />

boleia, fazíamos todo o trajecto<br />

a pé. Podíamos ficar um ou dois<br />

dias uns em casa dos outros, sem<br />

qualquer problema.<br />

Tempos sem sobressaltos.<br />

Nas férias de Natal fomos até<br />

S. Pedro do Sul onde conseguimos<br />

ensaiar no Clube, por cima<br />

do Café S. Pedro, com alguns<br />

instrumentos da Banda de Lafões<br />

e a aparelhagem emprestada pelo<br />

pai do nosso amigo e colega de<br />

Liceu, José Morgado.<br />

O bombo da bateria era o da<br />

Banda, alto e magro, devidamente<br />

adaptado com um pedal que<br />

tanto balançava que se prendia<br />

nas calças, pratos do tamanho<br />

dos de loiça, e a tarola era a<br />

chamada “caixa”. Era o que<br />

havia e a que nos adaptávamos<br />

sempre no desenrasca.<br />

Esta estadia culminou com<br />

uma primeira apresentação<br />

pública completamente<br />

descomprometida no Salão<br />

do Clube de S. Pedro do Sul,<br />

e da qual ninguém se lembra<br />

(felizmente, uff!).<br />

Foi um alegre começo. Vivíamos<br />

momento a momento e, na<br />

música, não tínhamos qualquer<br />

plano ou outra intenção para além<br />

do gosto de aprender, do saudável<br />

gozo de viver momentos de<br />

alegria e de fantasias que tanto<br />

alimentavam a nossa imaginação.<br />

Nascemos assim. Saudavelmente.<br />

Com energia, interesse cultural,<br />

e amantes da música. Para a Vida.


48 porViseu ’60s.<br />

.os.tubarões.<br />

.conjunto.académico.


49<br />

retratos de viseu nos anos 60<br />

50<br />

74<br />

98<br />

127<br />

164<br />

182<br />

185<br />

188<br />

189<br />

190<br />

‘64.aprender.<br />

‘65.crescer.<br />

‘66.conquistar.<br />

‘67.consolidar.<br />

‘68.gozar.<br />

.quem.foi.quem.<br />

.paylist.<br />

.instrumentos.<br />

.e.depois.da.música.<br />

.agradecimentos.


64<br />

51<br />

53<br />

53<br />

54<br />

55<br />

56<br />

56<br />

58<br />

62<br />

68<br />

70<br />

72<br />

.aprender.<br />

.primeiro.trimestre.<br />

.viseu.pop.<br />

.os.condes.<br />

.os.diamantes.<br />

.the.kings.por.joão.correia.dos.santos.<br />

.os.ases.<br />

.os.corsários.<br />

.o.primeiro.concerto.<br />

.termas.de.s.pedro.do.sul.<br />

.dos.bailes.de.garagem.aos.da.gravata.<br />

.antónio.xavier.de.sá.loureiro.<br />

.fim.do.ano.no.hotel.grão.vasco.


os tubarões ’64 51<br />

.primeiro.<br />

trimestre.<br />

a)<br />

pt.wikipedia.org/wiki/Jorge_Costa_Pinto<br />

b)<br />

http://musicasdosanos60.blogspot.<br />

com/search/label/Conjunto%20Jorge%20<br />

Machado<br />

c)<br />

http://musicasdosanos60.blogspot.com/<br />

search/label/Sousa%20Pinto%20e%20<br />

o%20seu%20Conjunto<br />

Nos anos 60 os jovens conheciam-<br />

-se através do convívio com os<br />

filhos dos amigos dos pais, nas<br />

Escolas, nas festas de anos e nos<br />

bailes. E era tradição os finalistas<br />

dos liceus, escolas e colégios<br />

organizarem Bailes de Finalistas.<br />

A pompa e circunstância destes<br />

bailes era ditada pela categoria<br />

das atracções que os animavam.<br />

A 4 de Janeiro de 1964, no<br />

Salão de Festas do Cine-Rossio<br />

realizou-se o Baile de Finalistas<br />

do Liceu do curso 1963/64 com os<br />

Conjuntos de “Jorge Costa Pinto” a)<br />

e “Jorge Machado” b) , e na matiné<br />

o “Conjunto Sousa Pinto” c) , do<br />

Porto. Era uma festa que agitava<br />

a cidade.<br />

No mês de Dezembro os finalistas<br />

tinham cumprido o ritual da<br />

colagem dos cartazes, sempre<br />

com uma ou outra serenata<br />

que até a polícia tolerava, tal<br />

era o divertimento gerado pela<br />

desafinação, alguns exageros,<br />

ou mesmo tropeções por excesso<br />

de garrafão. Este cerimonial<br />

da colagem dos cartazes com<br />

o programa das festas dos<br />

finalistas ocorria normalmente<br />

depois da festa do 1.º de<br />

Dezembro, dia da Restauração,<br />

no Ginásio do Liceu, local que<br />

servia como sala de espectáculos<br />

da casa.<br />

E o Baile de Finalistas, qual festa<br />

de debutantes, com a presença<br />

dos pais e familiares vestidos<br />

a rigor, tinha um ritual com a<br />

música de abertura, com pares<br />

sorteados e alguns negociados<br />

pelos namorados ou candidatos,<br />

devidamente ensaiados para não<br />

haver tropeção.


52 porViseu ’60s.<br />

Uma grande encenação.<br />

Geralmente duas semanas<br />

depois do Baile ocorria o Sarau no<br />

Ginásio do Liceu, um espectáculo<br />

de variedades organizado pelos<br />

Finalistas, que incluía canto,<br />

declamação, teatro e variedades,<br />

e em que os actores e artistas<br />

eram os próprios finalistas.<br />

O Carnaval foi a 11 de Fevereiro.<br />

Os dois conjuntos mais famosos<br />

da cidade eram “Os Diamantes”,<br />

formados pelo Fausto no<br />

acordeão, Quim Guimarães na<br />

viola solo, o Norton na viola<br />

ritmo, o Gualter no contrabaixo<br />

e o Carlos na bateria, e<br />

“Os Condes”, liderados por Camilo<br />

Costa, filho do Maestro Mário<br />

Costa. Eram os conjuntos mais<br />

solicitados para animarem as<br />

festas de Carnaval da cidade.<br />

“Os Diamantes” fizeram o<br />

Carnaval do Clube de Viseu e o<br />

Camilo Costa virou empresário,<br />

fez um acordo com o Cine-<br />

-Rossio na base da consignação<br />

da bilheteira, e promoveu a<br />

realização do Carnaval no Cine-<br />

-Rossio, tendo-nos contratado<br />

como segundo conjunto.<br />

Para nós era uma verdadeira<br />

aventura já que íamos tocar<br />

com um conjunto a sério, com<br />

instrumentos a sério, perante um<br />

público a sério, e com uma curta<br />

playlist. Mas o Camilo Costa e<br />

o Alberto Carrilho, o nosso road<br />

manager, lá nos convenceram.<br />

Felizmente não teve muita<br />

promoção e a noite de sábado,<br />

8, não foi famosa em público.<br />

Saímos cedo e ao passarmos<br />

no Rossio resolvemos ir até ao<br />

Clube onde a festa animava.<br />

Num intervalo, o Gualter dos<br />

Diamantes perguntou-nos se não<br />

queríamos tocar umas músicas.<br />

E lá fomos para o palco, tocámos<br />

duas ou três músicas, recebemos<br />

os primeiros aplausos de um<br />

público muito tolerante que nos<br />

olhava como miúdos.<br />

E fomos convidados para<br />

voltarmos na Matiné de Carnaval,<br />

o que aconteceu, então já com<br />

menos agrado dos “Diamantes”.<br />

Foi o nosso primeiro Carnaval<br />

a tocar, ainda a brincar.


os tubarões ’64 53<br />

vez também tinha um conjunto<br />

musical “Os Condes”. Mantinha-se<br />

no auge da música ligeira<br />

o conjunto “Os Diamantes”,<br />

o mais solicitado para as festas<br />

e bailes da cidade.<br />

.viseu.pop.<br />

1<br />

1.<br />

Conjunto Mário Costa com Gualter<br />

(rabecão), Quim Guimarães (viola),<br />

António Correia (violino), Fausto<br />

(acordeão) e Mário Costa (piano)<br />

Já referi a importância do Maestro<br />

Mário Costa na vida musical de<br />

Viseu nos anos 50 e 60.<br />

Além de toda a actividade musical<br />

que exerceu como professor<br />

e executante, a ele se deve<br />

a descoberta de alguns dos<br />

talentosos músicos e conjuntos<br />

que viemos a encontrar nos<br />

anos 60.<br />

O sucesso da música pop<br />

alastrava em todo o mundo<br />

e chegava a Viseu como o<br />

comprovam os grupos musicais<br />

que entretanto apareceram.<br />

A Escola de Acordeões Mário<br />

Costa mantinha as suas<br />

actividades agora liderada pelo<br />

filho mais velho do Maestro,<br />

o Sr. Camilo Costa, que por sua<br />

.os.condes.<br />

Dando sequência ao excelente<br />

trabalho musical de Mário Costa,<br />

Camilo Costa, o seu filho mais<br />

velho, além de dirigir a Escola<br />

de Acordeões formou o conjunto<br />

“Os Condes”, com alguns dos<br />

elementos da famosa Orquestra<br />

Cine-Jazz do seu pai. “Os Condes”<br />

terão sido formados em 1960<br />

e durado até 1964, com um<br />

repertório tradicional de música<br />

ligeira para dançar.<br />

Camilo Costa ao piano liderava<br />

o quinteto que tinha ainda<br />

bateria, contrabaixo, viola e<br />

o famoso violino de António<br />

Correia, virtuoso executante que<br />

acompanhou durante muitos anos<br />

a Orquestra Cine-Jazz de Mário<br />

Costa.


54 porViseu ’60s.<br />

2.<br />

Conjunto “Os Diamantes”<br />

com Norton (viola), Fausto (acordeão),<br />

Carlos (bateria) e Gualter (rabecão)<br />

3.<br />

Casaco de “Os Diamantes”<br />

2<br />

3<br />

.os.diamantes.<br />

Em 1961, na Escola Comercial<br />

e Industrial de Viseu, hoje<br />

Emídio Navarro, realizou-se uma<br />

festa com teatro e variedades.<br />

Reuniram-se então vários<br />

músicos, entre os quais o<br />

Fausto, excelente no acordeão,<br />

o Gualter, vocalista com boas<br />

interpretações dos êxitos de Paul<br />

Anka como “You are my destiny”<br />

e “Diana”, o Quim Guimarães que<br />

já era famoso com a sua viola de<br />

caixa a interpretar “Os Cavaleiros<br />

do Céu”, e ainda dois outros<br />

elementos, um baterista e um<br />

contrabaixista, para participarem<br />

na festa e acompanharem<br />

outros alunos. Apresentaram-se<br />

como o Conjunto “Os Petas”,<br />

e até chegaram a fazer fotos<br />

promocioniais, mas para além da<br />

actuação na Festa da Escola não<br />

se conhecem outras actuações.<br />

Os três jovens Fausto, Gualter<br />

e Quim Guimarães vieram mais<br />

tarde a formar o conjunto<br />

“Os Diamantes”, depois de terem<br />

passado pelo Cine-Jazz de<br />

Maestro Mário Costa.<br />

Nos “Os Diamantes” o Gualter<br />

começou a treinar o rabecão,<br />

coisa que assumidamente nunca<br />

aprendeu, apesar do malabarismo<br />

que imprimia ao seu instrumento<br />

fazendo-o rodar com alguma<br />

perícia e o Fausto ao piano, sem<br />

nunca largar o seu acordeão,<br />

suspenso num suporte feito<br />

de propósito e à sua medida,<br />

o qual lhe dava liberdade para<br />

grandes fantasias musicais<br />

com enorme alegria em palco.<br />

Aos três juntaram-se o Carlos,<br />

vocalista romântico também<br />

iniciado na Orquestra de Mário<br />

Costa, que se foi adaptando à<br />

bateria, e o Norton, colega do<br />

Quim Guimarães na Escola Emídio<br />

Navarro, sempre muito certinho<br />

na sua viola de acompanhamento.<br />

O seu posicionamento era<br />

genuinamente um conjunto<br />

de música de Baile, com um<br />

repertório actualizado com alguns<br />

dos grandes êxitos da música<br />

ligeira da época.<br />

A carreira musical de<br />

“Os Diamantes” ocorreu entre<br />

1961 e 1964.


os tubarões ’64 55<br />

.the.kings.<br />

por João Correia dos Santos<br />

Iniciaram-se os anos 60<br />

e com eles apareceram grupos<br />

e roqueiros que revolucionaram<br />

a música em todo o Mundo com<br />

grande repercussão também em<br />

Viseu, cidade pacata e puritana,<br />

arreigada aos bons costumes<br />

e isolada no interior de um País<br />

a despertar.<br />

O grande “revolucionário” do Rock<br />

foi sem dúvida Elvis Presley com a<br />

sua música e interpretação.<br />

Na juventude de então havia um<br />

seguidor fiel desse ídolo - Beto<br />

Gonçalves. Nas reuniões de<br />

amigos e festas particulares o<br />

Beto mostrava o seu talento,<br />

com uma voz maravilhosa e com<br />

um jeitão para os requebros<br />

de corpo que tão bem imitava<br />

quase parecia o “original”. No seu<br />

grupo restrito de amigos havia<br />

dois que se destacavam, não só<br />

pelo mesmo gosto da música,<br />

mas também no género – Elvis<br />

e “Beatles” – eu e António Jorge<br />

Ramos Soares. Até aqui éramos<br />

dois bons desportistas, que<br />

representavam o Liceu de Viseu<br />

em várias modalidades contra o<br />

eterno “rival” Escola Comercial<br />

e praticavam atletismo com o<br />

saudoso Sr. Madeira.<br />

O gosto pelas baladas juntou-me<br />

por várias vezes ao Soares num<br />

dueto “perfeito” que despertou o<br />

interesse do Beto na junção dos<br />

dois estilos, onde começámos a<br />

verificar que tínhamos umas vozes<br />

que combinavam na perfeição.<br />

Daí o aparecimento do trio<br />

“The Kings”!!!!<br />

A nossa primeira actuação ocorre<br />

num Sarau do Liceu de Viseu, pela<br />

comemoração do 1º. de Dezembro<br />

de 1961 e que era, na época, um<br />

acontecimento de “vulto” na<br />

cidade. O Beto actuou a solo, bem<br />

como eu e o Soares, em dueto,<br />

e no fim do Sarau actuamos em<br />

conjunto – aqui nasceram os<br />

“The Kings”.<br />

Um episódio pitoresco aconteceu:<br />

no ensaio geral, presenciado e<br />

censurado pelo Sr. Reitor, o Beto<br />

cantou uma música do Elvis “Blue<br />

Sweet Shoes” com uma atitude<br />

de menino bem comportado sem<br />

qualquer gesto mais ousado.<br />

No Sarau, com a “casa” cheia e<br />

todos a puxar por ele, tirou o seu<br />

melhor com requebro de anca<br />

e perna e o Ginásio “foi abaixo”.<br />

Embalados pelo sucesso do Beto<br />

o trio “The Kings” também primou<br />

pela sua interpretação e foi um<br />

final só visto. Escusado será dizer<br />

que no dia seguinte estávamos<br />

na Reitoria com ameças de<br />

suspensão ou mesmo expulsão<br />

pela afronta à moral pública...<br />

Com este sucesso começámos a<br />

encarar a sério uma “carreira” do<br />

trio. Começaram os ensaios no<br />

Orfeão de Viseu, com a orquestra<br />

do Orfeão, composta na altura<br />

pelo Quim Guimarães na viola solo,<br />

Gualter no contrabaixo, Carlinhos<br />

na bateria e não sei se o Sr. Mário<br />

Costa ao piano.<br />

Eram ensaios diários. O repertório<br />

era baseado em músicas do<br />

Elvis, dos “Beatles” e do duo<br />

“Os Conchas”, com muito<br />

sucesso na altura e ainda dois<br />

ou três originais. Começaram<br />

as digressões com o Orfeão de<br />

Viseu pela Figueira da Foz, Aveiro,<br />

Guarda, S. João da Madeira,<br />

Espinho (as que me lembro), bem<br />

como nas Festas do Liceu, sempre<br />

com uma óptima aceitação e<br />

sucesso que nos levou a pensar<br />

em editar um disco.<br />

Na altura, a Valentim de Carvalho<br />

era a editora da moda que apoiava<br />

os grupos rock. Num contacto<br />

informal e depois de terem ouvido<br />

umas gravações acabaram por<br />

nos dizer que – sim senhor –<br />

mas as despesas correriam por<br />

nossa conta. Foi o abandonar do<br />

projecto...<br />

Esta linda e saborosa loucura<br />

durou de 61 a 63. O Beto saiu de<br />

Viseu. O Soares foi para outras<br />

“núpcias”. Eu, João, acabei por ir<br />

estudar para Lisboa... Foi muito<br />

bom enquanto durou...<br />

Recordo, com muitas saudades e<br />

carinho os maravilhosos anos que<br />

se passaram em Viseu, que BELA<br />

Juventude, nos anos 60.


56 porViseu ’60s.<br />

.os.ases.<br />

.os.corsários.<br />

4.<br />

“Os Ases” com Carlos Alberto (piano),<br />

Mesquita (acordeão), Barreira (bateria)<br />

e Fernandito (viola)<br />

5.<br />

“Os Corsários” com Abel Boavida ,<br />

Nascimento, Mesquita, Jé Figueiredo,<br />

Carlos Assunção e Fernandito<br />

6.<br />

“Os Corsários” com Carlos Assunção,<br />

Fernandito, Jé Figueiredo, Mesquita<br />

e Norton<br />

4<br />

5<br />

6<br />

Formados no início de 1964<br />

por elementos provenientes da<br />

Orquestra Juvenil de Acordeões<br />

Mário Costa, designadamente<br />

o Luís Mesquita (o filho mais<br />

novo do Maestro) ao acordeão,<br />

e o Carlos Alberto Sá Loureiro ao<br />

piano, o Fernando Marques Dias<br />

(Fernandito) na viola baixo e o<br />

Barreira na bateria. Não tinham<br />

vocalista e o seu repertório<br />

instrumental era baseado<br />

na música ligeira tradicional.<br />

Actuaram no Clube de Viseu.<br />

A sua vida musical durou até<br />

ao último trimestre de 1964.<br />

“Os Corsários” formaram-se<br />

no último trimestre de 1964<br />

integrando o Luís Mesquita ao<br />

piano, e o Fernando Marques Dias<br />

(Fernandito) na viola solo, ambos<br />

ex-Ases, o Carlos Assunção<br />

na viola baixo, o José Figueiredo<br />

(Jé) na viola acompanhamento,<br />

o José Nascimento na bateria,<br />

e o Abel Boavida como vocalista.<br />

Em 1965 entrou o Norton para<br />

viola solo, o Fernandito passou<br />

a viola acompanhamento, o Jé<br />

passou a vocalista e mais tarde,<br />

com a saída do Nascimento,<br />

passou para a bateria.


os tubarões ’64 57<br />

E esta foi a formação estável que<br />

permaneceu até ao final da sua<br />

vida musical. Era um conjunto<br />

assumidamente de música<br />

Pop com a sua composição<br />

instrumental baseada em três<br />

violas, bateria e teclas.<br />

Em 1965 participaram numa<br />

sessão ié-ié no Salão do<br />

Cine-Rossio com “Os Tubarões”.<br />

Actuaram por inúmeros locais na<br />

região até 1968 quando o serviço<br />

militar obrigatório chamou alguns<br />

dos seus elementos.<br />

Reagruparam-se no ano 2000<br />

numa atmosfera de prazer tendo<br />

actuado em diversas festas e a<br />

28 de Setembro de 2002 fizeram<br />

parte do elenco da festa<br />

“Os Melhores Anos” onde<br />

actuaram juntamente com o José<br />

Cid e a Orquestra “Os Melhores<br />

Anos”.


58 porViseu ’60s.<br />

.o.primeiro.<br />

concerto.<br />

1<br />

1. 2.<br />

Estreia no Clube de Viseu,<br />

26 de Abril<br />

2<br />

Quase todos os dias,<br />

normalmente depois das aulas,<br />

passávamos pelo nosso clube de<br />

garagem o “TIC-TAC”. Aos sábados<br />

tínhamos quase sempre audição<br />

de novos discos e por vezes baile<br />

com ensaios de passes para as<br />

danças das matinés do Clube<br />

de Viseu. Quanto ao conjunto,<br />

continuávamos a ensaiar na Casa<br />

do Adro. Como instrumentos<br />

tínhamos as duas violas<br />

holandesas Egmond Manhattan,<br />

uma viola acústica, a caixa de<br />

sapatos e, quando podíamos,<br />

uma bateria alugada ou<br />

emprestada, mesmo só com<br />

a tarola e um prato.<br />

A nossa playlist iniciou-se com<br />

alguns dos êxitos do Cliff Richard<br />

incluindo, entre outras, as<br />

seguintes músicas: “Evergreen<br />

tree”, “The young ones”, “Bachelor<br />

boy”, “Living doll”, “A girl like you”,<br />

“When the girl in your arms”.<br />

Dos Shadows, só soladas, como<br />

“Perfídia”, “Apache”, “Guitar<br />

Tango”, “Peace Pipe”, “Dance On”<br />

e “Sleep Walk”.<br />

Do Elvis ensaiávamos o “It’s now<br />

or never”, “Tutti frutti”, “Be-bop-alula”.<br />

E também outros êxitos da<br />

época como o “Oh Carol” do Neil<br />

Sedaka, “América”, “La Bamba”<br />

e o “If I had a hammer” do Trini<br />

Lopez, o “Bye bye love”, The Everly<br />

Brothers, “When the saints go<br />

marching in”, Louis Amstrong,


os tubarões ’64 59<br />

“Hello Mary Lou”, Ricky Nelson,<br />

e o “Derniers Baisers” dos “Les<br />

Chats Sauvages”. Incluíamos<br />

ainda algumas outras músicas<br />

instrumentais como as “Crianças<br />

do Pireu”, e o Charleston que<br />

eram sempre bem acolhidas<br />

pelo público, gerando alguma<br />

animação na pista. Um pouco<br />

mais tarde, as músicas dos<br />

“Beatles”.<br />

Foi em Março de 1964 que a<br />

Radio Caroline, a mais famosa<br />

estação clandestina de rádio,<br />

iniciou as suas emissões a<br />

partir de um barco localizado<br />

em águas internacionais ao<br />

largo do Reino Unido. Foi criada<br />

com o objectivo de promover a<br />

novíssima música Pop e os novos<br />

conjuntos musicais que as rádios<br />

tradicionais não passavam, e<br />

algumas até, boicotavam.<br />

A Radio Caroline lançou os<br />

novos conjuntos, discos, singles<br />

e elaborava uma classificação<br />

semanal dos êxitos através<br />

do seu Top Ten. Foi esta a rádio<br />

que promoveu os “Beatles”,<br />

“Rolling Stones”, “Who”, “Animals”,<br />

“Searchers”, “Kinks”, “Manfred<br />

Man”, “Hollies”, “Birds” e muitos<br />

outros, com os lançamentos<br />

antecipados dos seus novos<br />

singles. Tinha um tipo de locução<br />

muito viva e dinâmica que<br />

contrastava com a voz pautada<br />

e respirada da escola de rádio<br />

tradicional.<br />

E nós por cá sintonizávamos<br />

em FM o programa “23.ª Hora”,<br />

um programa da nova geração,<br />

dinâmico e com muita audiência<br />

junto das camadas jovens,<br />

e um pouco mais tarde o<br />

“Em Órbita”, no Rádio Clube<br />

Português. A música Pop ganhava<br />

definitivamente o estrelato.<br />

Em Abril reiniciaram-se as<br />

matinés quinzenais no Clube de<br />

Viseu, sempre aos domingos,<br />

agora organizadas pelo grupo<br />

“Arranha Teddy Twist Club”,<br />

mais conhecidos por “Os Xibos”<br />

liderados pelo O. Martins,<br />

F. Matos, Palhoto e J. Barreiros.<br />

Era o grupo mais próximo<br />

do nosso, cerca de um ano


60 por.Viseu ’60s.<br />

lectivo mais adiantados, e que<br />

acompanhavam à distância as<br />

notícias sobre a evolução do<br />

conjunto. Surgiu então a ideia<br />

de se organizar uma matiné<br />

dançante para a apresentação<br />

pública de “Os Tubarões” junto do<br />

seu público alvo. Aconteceu<br />

a 26 de Abril com instrumentos<br />

e aparelhagens emprestados, em<br />

que ainda um dos nossos rádios<br />

serviu de amplificador da viola<br />

ritmo do Victor.<br />

Foi uma tarde memorável,<br />

um grande sucesso com sala<br />

esgotada, que gerou uma boa<br />

receita a qual permitiu o arranjo<br />

do gira-discos do clube, que já<br />

apresentava sinais de algum<br />

cansaço. Fizémos dois takes de<br />

cerca de uma hora cada com<br />

um intervalo e, no final, alguns<br />

encore, naturalmente a pedido<br />

do público. Dessa data e para a<br />

posteridade ficou esta foto com o<br />

nosso primeiro grupo de amigas,<br />

fãs e admiradores.<br />

Na foto podem ver-se, de cima<br />

para baixo, da esquerda para<br />

a direita: Sá, António Júlio<br />

Valarinho, Tó Fernandes, Tito,<br />

Eduardo Pinto, Cristiano<br />

e mais atrás o Luís Mesquita<br />

e o Carlos Alberto ao tempo do<br />

conjunto “Os Ases” com quem<br />

partilhámos alguns instrumentos<br />

e equipamentos. Ao meio,<br />

da esquerda para a direita:<br />

Zé Sacadura, Luís Dutra, Vitó,<br />

Zé Merino e Frederico.<br />

Em pé, da esquerda para a direita:<br />

Lena Viegas, Graça Ébil, Anita,<br />

Manuela, Helena, Teresa Guerra,<br />

Alcina e Dulce.<br />

Este sim foi para nós o nosso<br />

verdadeiro baptismo de palco,<br />

o nosso primeiro concerto<br />

público, num palco de boas<br />

memórias onde voltámos a actuar<br />

inúmeras vezes.<br />

3<br />

3.<br />

Grupo de amigos no Clube de Viseu.<br />

26 de Abril


os tubarões ’64 61<br />

Regressámos à vida escolar<br />

com alguns ensaios aos fins de<br />

semana, e começámos a ponderar<br />

como e onde poderíamos actuar<br />

nas férias de Verão.<br />

O Beto Carrilho lembrou-se dos<br />

seus amigos da Figueira da Foz e<br />

prontificou-se a ir até lá pesquisar<br />

o mercado. E assim foi. Dotado<br />

de escassas mas generosas<br />

ajudas de custo angariadas por<br />

todos os elementos do conjunto,<br />

assumidas como um bom<br />

investimento, que seguramente<br />

permitiriam sobreviver dia<br />

e meio sem ter de pedir,<br />

e assegurada a dormida onde se<br />

conseguisse arranjar, lá fizemos<br />

as recomendações convenientes<br />

de modo a que não fosse aceitar<br />

qualquer boleia sem verificar as<br />

condições da viatura onde se ia<br />

meter. Certo, certo, é que o Beto<br />

Carrilho após tal experiência<br />

nunca mais foi o mesmo e terá<br />

sido este o primeiro passo de<br />

uma carreira comercial de grande<br />

sucesso. Sucesso pessoal, já<br />

que para o conjunto, contratos,<br />

receitas, pouco. Algumas<br />

ameaças… Mas da Figueira, nada.<br />

Nós nunca o soubemos e ele hoje<br />

ainda não se lembra por onde<br />

andou…<br />

Chegado o Verão e sem contratos<br />

à nossa dimensão lembrámo-nos<br />

de S. Pedro do Sul e das suas<br />

famosas Termas, terra natal do<br />

Vitó, e local de veraneio nacional<br />

com grande frequência e alguma<br />

animação no Verão.<br />

Em boa hora.


62 porViseu ’60s.<br />

.termas.<br />

de.s.pedro.<br />

do.sul.<br />

1<br />

1.<br />

Termas de S. Pedro do Sul<br />

2.<br />

No acampamento com Vitó, Tó Fifas,<br />

Zé Merino e Tó Ventura<br />

a)<br />

http://www.inatel.pt/unidhoteleira.<br />

aspx?menuid=677<br />

2<br />

S. Pedro do Sul foi uma vila à<br />

qual o nosso conjunto teve uma<br />

grande ligação. Era uma terra<br />

onde alguns de nós tínhamos<br />

familiares e (no Verão), as Termas<br />

eram um local de veraneio onde<br />

famílias inteiras iam passar férias<br />

e fazer os seus tratamentos, que<br />

também atraíam muitos turistas<br />

aos fins de semana. A família<br />

do Vitó era de S. Pedro do Sul<br />

onde tinha uma casa enorme<br />

com inúmeras divisões. Os pais<br />

do Vitó, Sr. Francisco Mendes<br />

de Barros e D. Margarida Barros,<br />

eram grandes companheiros dos<br />

filhos e adoravam ter sempre<br />

a casa cheia com amigos e os<br />

amigos dos filhos. E tratavam os<br />

amigos dos filhos como filhos e<br />

todos nos sentíamos bem num<br />

ambiente muito acolhedor. Era<br />

vulgar surgirem repentinamente<br />

dezenas de pessoas e todos se<br />

sentavam à mesa, havia sempre<br />

lugar para mais uns. Os serões<br />

eram animados pois havia sempre<br />

alguém que se sentava ao piano<br />

e aconteciam tertúlias musicais<br />

muito divertidas. Boa atmosfera!<br />

Com um convívio cada vez mais<br />

estreito entre nós, lá íamos<br />

muitas vezes no Verão até àquela<br />

simpática vila de onde, a pé,<br />

facilmente se percorriam os 3km<br />

de estrada até às Termas. As<br />

Termas de S. Pedro do Sul, com<br />

nascentes sulfurosas de água a<br />

68º, têm muita fama desde os<br />

tempos Romanos, tendo sido<br />

frequentadas por reis e rainhas<br />

como D. Afonso Henriques (1169)<br />

e a Rainha D. Amélia (1894),<br />

entre outros. Têm muitos clientes<br />

habituais que anualmente<br />

por ali passam uma ou duas<br />

semanas acompanhados das<br />

respectivas famílias. Vive-se<br />

um óptimo ambiente, calmo e<br />

pacato, aprazíveis arredores<br />

que propiciam agradáveis<br />

passeios junto da natureza,<br />

boa gastronomia, uma praia<br />

fluvial muito agradável e uma<br />

oferta hoteleira diversificada<br />

que inclui um hotel do INATEL<br />

situado no antigo Palace Hotel,<br />

condições que cativam muitas<br />

pessoas que sempre que podem<br />

ali regressam. A povoação ocupa<br />

as duas margens do Rio Vouga<br />

e, ao tempo, o picadeiro era feito<br />

na estrada local, em forma de U,<br />

começando na margem direita<br />

junto ao Hotel Lisboa, frente<br />

ao qual havia um complexo<br />

desportivo onde se praticava<br />

ténis e se tinha acesso à melhor<br />

praia fluvial local, onde se<br />

podiam alugar pequenos barcos<br />

de recreio e gaivotas, seguia<br />

até à ponte ladeada por outras<br />

unidades hoteleiras.<br />

Do lado esquerdo, mesmo<br />

antes da ponte, ficava o Hotel<br />

Vouga, com um piano no bar<br />

onde o nosso amigo Borges, um<br />

verdadeiro animador e contador<br />

de histórias, dava verdadeiros<br />

concertos que atraíam muito<br />

público de dentro e de fora do


os tubarões ’64 63<br />

hotel, o que nos facilitava entrar<br />

em conversa com os novos grupos<br />

de turistas. Antes ainda da ponte,<br />

no gaveto à direita, ficava a<br />

Pensão David, célebre pela sua<br />

cozinha em que a vitela de Lafões<br />

atingia a cotação mais elevada. Já<br />

na ponte, também do lado direito,<br />

havia um caminho de acesso a<br />

um antigo moinho cuja cobertura<br />

foi cimentada permitindo que<br />

tal espaço fosse adaptado e<br />

transformado na primeira boîte<br />

local gerida pelo Carlos Barbosa,<br />

onde viemos a tocar mais tarde.<br />

Passada a ponte seguia-se pelo<br />

lado esquerdo acompanhando<br />

outra unidade hoteleira frente à<br />

qual ficava o jardim fronteiro aos<br />

Balneários Rainha D. Amélia,<br />

ao tempo também chamado<br />

Casino por ali ter funcionado<br />

um nos finais do Século XIX,<br />

princípios do Século XX.<br />

Voltando à rua que acompanha<br />

a margem esquerda do Vouga<br />

com várias unidades hoteleiras<br />

de ambos os lados, seguia-<br />

-se o Balneário de D. Afonso<br />

Henriques à esquerda e um largo<br />

terreno a descer até ao rio, muito<br />

utilizado para piqueniques e<br />

acampamentos. Frente a este, do<br />

lado direito, o antigo e imponente<br />

Palace Hotel, ao tempo ocupado<br />

pela FNAT, hoje INATEL a) .<br />

Todo este trajecto entre o<br />

Hotel Lisboa e a FNAT formava<br />

o picadeiro onde os turistas<br />

passeavam após o jantar, nas<br />

noites quentes de verão tornadas<br />

mais amenas neste passeio à<br />

beira-rio.<br />

Pois no verão de 1964 voltámos<br />

a S. Pedro do Sul e logo nos<br />

constou estar um bom turno nas<br />

Termas. Na nossa linguagem um<br />

bom turno era aquele onde havia<br />

muitas miúdas da nossa idade<br />

e, de preferência, giras. E esta<br />

informação era transmitida pelos<br />

“olheiros” no Café Edgar após<br />

a chegada do respectivo turno:<br />

“Está um turno nas Termas que é<br />

um espectáculo”; ou “Este turno<br />

é uma merda. Só velhos!...” eram<br />

as classificações normalmente<br />

atribuídas a cada turno, e que<br />

diziam tudo o que era importante<br />

sobre os mesmos.


64 porViseu ’60s.<br />

Após o jantar em casa do Vitó e<br />

depois de duas ou três músicas<br />

interpretadas pelo Borges no<br />

piano, lá íamos estrada fora até às<br />

Termas. Primeiro passo era tomar<br />

o café no Hotel Vouga.<br />

O Borges avançava, primeiro com<br />

conversa e depois ao piano, e o<br />

público começava logo a aparecer.<br />

Conversa atrás de conversa lá nos<br />

cruzámos com um grupo muito<br />

simpático e sorridente de Lisboa<br />

liderado pela simpática Vimena,<br />

com a Carla, a Ana e outros.<br />

E a coisa se não faiscou deu bons<br />

sinais luminosos para os dias<br />

seguintes.<br />

Já depois da meia noite, no<br />

regresso a S. Pedro, ponderadas<br />

as circunstâncias do início do<br />

turno deste grupo, a distância a<br />

fazer diariamente até às Termas,<br />

e o facto de estarmos em férias<br />

há algum tempo sem tocarmos,<br />

impeliram-nos a programarmos<br />

um acampamento para aqueles<br />

lados. E assim aconteceu.<br />

Duas tendas, fogões a petróleo,<br />

roupa e cobertores e lá montámos<br />

o nosso acampamento junto ao<br />

rio, no largo fronteiro ao INATEL.<br />

Esta localização não foi escolhida<br />

à toa já que, com a amizade<br />

e cumplicidade do Carlos<br />

Alexandre, filho do Administrador<br />

da FNAT, utilizávamos, um pouco<br />

às escondidas e durante a<br />

hora do almoço dos hóspedes,<br />

os balneários do Palace Hotel<br />

o que nos permitia fazer a nossa<br />

higiene, já que no acampamento<br />

não havia energia nem água<br />

corrente. Mas tínhamos o<br />

equipamento mínimo necessário<br />

para a nossa aventura de<br />

campistas com máquinas<br />

a petróleo para cozinharmos,<br />

alguns utensílios culinários<br />

e alguns géneros alimentícios<br />

que, quando faltavam, eram<br />

abastecidos pela casa do Vitó.<br />

À noite lá íamos até ao picadeiro<br />

namoriscar as meninas e, quando<br />

regressávamos, recorríamos<br />

a pilhas para iluminarmos<br />

o caminho para os nossos<br />

aposentos à beira-rio.<br />

O que é certo é que conquistámos<br />

o primeiro grupo de fãs a nível<br />

nacional, já que as meninas de<br />

Lisboa, mesmo sem nos terem<br />

ouvido cantar começaram a ir<br />

na nossa conversa. Lá devem ter<br />

imaginado que sendo tão bons<br />

na conversa não deveríamos ser<br />

piores nas cantigas…<br />

Foi ainda através do Carlos<br />

Alexandre que conseguimos<br />

um acordo com a FNAT que nos<br />

veio permitir ensaiar no Salão<br />

de Festas, sempre em horários<br />

pré-determinados para não<br />

afectarmos o descanso dos<br />

hóspedes. Em troca teríamos de<br />

animar a festa final de cada turno,<br />

normalmente quinzenais. E assim<br />

foi. Lá nos fomos preparando para<br />

a primeira festa, alugámos as<br />

aparelhagens na Casa Morgado<br />

em S. Pedro do Sul e a bateria<br />

em Viseu no nosso fornecedor<br />

habitual. Era uma bateria antiga<br />

constituída por um timbalão e um<br />

prato directamente suspensos<br />

no bombo, não desmontáveis,<br />

e pela tarola que tinha uma<br />

lâmpada eléctrica no seu interior<br />

para esticar a pele genuína e<br />

mal curtida. O seu transporte<br />

era complicado pelo grande<br />

volume, e o seu aluguer custava<br />

80$00. O Sr. Leopoldo, alfaiate<br />

em Viseu no Largo Marechal<br />

Carmona, confeccionou a primeira<br />

indumentária do conjunto<br />

composta por calças brancas com<br />

uma lista lateral preta e t-shirt<br />

branca; para o vocalista igual<br />

indumentária mas toda em preto<br />

com a lista das calças branca.<br />

As t-shirts tinham um grande<br />

emblema oval bordado a cores na<br />

Singer em Viseu com um T grande<br />

desenhado pelo Zé Merino. Estas<br />

t-shirts eram o orgulho do Beto<br />

Carrilho, talvez por terem sido<br />

bordadas na loja do pai.<br />

Começámos os ensaios diários<br />

musicais e incluímos alguma<br />

coreografia nalgumas músicas,<br />

nomeadamente na de abertura<br />

do concerto. E este aconteceu<br />

integrado na festa de fim do 1.º<br />

turno de Agosto com o Salão de<br />

Festas completamente esgotado,<br />

que contou ainda com a presença<br />

de um grupo de fãs de Viseu<br />

liderados pelo José Alberto<br />

Rodrigues e pelo José Paulo<br />

Girão, vindos expressamente de<br />

comboio para assistirem a tão<br />

importante espectáculo, além<br />

das fãs locais que finalmente


os tubarões ’64 65<br />

poderiam constatar o nosso valor<br />

artístico. A festa começou com a<br />

declamação de poemas, histórias<br />

e anedotas e após uma pequena<br />

peça de teatro cómico, coube-<br />

-nos encerrar o espectáculo.<br />

Iniciámos a nossa actuação com<br />

a música “Round and Round” dos<br />

“Shadows” do filme “Summer<br />

Holiday” com o Cliff Richard,<br />

devidamente coreografada com<br />

passes estudados e combinados<br />

entre os três violas. Foi uma boa<br />

entrada que mereceu inúmeros<br />

aplausos do público e no meio dos<br />

quais iniciámos o “Perfídia”, um<br />

cover também dos “Shadows” que<br />

era muito do nosso agrado.<br />

O Fifas era exímio a solar<br />

“Shadows” e perfeito no<br />

“Sleepwalk”. Logo a seguir o Fifas<br />

arrancou na harmónica de boca os<br />

primeiros acordes do “Evergreen<br />

Tree”, música do Cliff Richard,<br />

com o Zé a entrar em palco com<br />

a sua voz melodiosa e grave que<br />

a todos cativou. E seguiram-se<br />

outras interpretações,<br />

culminando a tarde com o êxito<br />

desse Verão, o “Derniers Baisers”<br />

dos “Les Chats Sauvages”, do qual<br />

o Zé Merino muito gostava e tão<br />

bem interpretava, conquistando<br />

todo o auditório. Houve pedidos<br />

de encore mas os rígidos horários<br />

da FNAT e o adiantado da hora<br />

não o permitiram. Correu bem<br />

este nosso segundo concerto,<br />

o primeiro nas terras de Lafões.<br />

Fomos cumprimentados pelo<br />

Administrador da FNAT que nos<br />

agradeceu a presença e nos<br />

convidou para o jantar desse dia,<br />

cabendo a nossa representação<br />

na mesa da Administração ao<br />

Beto Carrilho. Para nós foi um<br />

excelente prémio que muito<br />

apreciámos e agradecemos, até<br />

porque nos livrou da mixórdia<br />

que seria o nosso jantar no<br />

acampamento, e foi a sorte<br />

grande para os cozinheiros<br />

escalados nesse dia para tão<br />

penosa tarefa. (“Uff! Ainda bem”,<br />

pensámos todos).<br />

No dia seguinte voltámos ao<br />

nosso ritual campista e à escala<br />

de serviço planeada para a<br />

semana. Nesse dia o jantar estava<br />

a cargo do Fifas e de<br />

mim próprio. Para simplificar<br />

a cozinha, procurando manter o<br />

equilíbrio calórico que a equipa<br />

precisava, decidimos fazer uma<br />

super sopa do calhau, mais<br />

forte ainda que a sopa de pedra,<br />

e decidimos incluir todos os<br />

ingredientes disponíveis na<br />

dispensa. Foram couves, batatas<br />

e arroz, salsichas, chouriço e<br />

salpicão, um ovo, e uma lata de<br />

anchovas, esta só para dar bom<br />

gosto(?). Lume aceso e panelão<br />

ao lume e esperámos, esperámos,<br />

esperámos e a sopa nunca mais<br />

fervia. A noite ia adiantada,<br />

a fome apertava, o picadeiro<br />

abria e a sopa nunca mais fervia.<br />

Aproximaram-se as luzes de um<br />

carro e nós estremecemos.<br />

Quem seria àquela hora por<br />

aqueles lados, naquela escuridão?<br />

Ladrões? Um engano? Ou apenas<br />

um desvio de namorados,<br />

perguntávamos nós, meios<br />

incrédulos e um pouco aterrados<br />

com tamanha invasão.<br />

Era o Carlos Barbosa, activo<br />

empresário da região e dono<br />

da “MÓ”, que tendo tido<br />

conhecimento do êxito da<br />

nossa estreia na véspera, nos<br />

queria apresentar uma arrojada<br />

proposta, um verdadeiro contrato<br />

musical para o resto da época.<br />

O ambiente naturista em que<br />

nos encontrávamos, com luz<br />

fraca de candeeiros a petróleo,<br />

sem cadeiras ou qualquer outra<br />

comodidade, levaram o astuto<br />

Carlos Barbosa a sugerir irmos<br />

conversar para a Pensão David.<br />

Foi uma sugestão celestial, de<br />

imediato aproveitada por todos<br />

os esfomeados ainda à espera<br />

do pitéu que nunca mais fervia.<br />

Não hesitaram, levantaram-se de<br />

imediato, entraram no carro do<br />

Barbosa e arrancaram deixando-<br />

-nos a nós (Tó e eu próprio),<br />

briosos e atarefadíssimos<br />

cozinheiros, completamente<br />

sós, à espera que a nossa super<br />

saborosa sopa gourmet aderisse<br />

à fervura que nunca mais atingia.


66 porViseu ’60s.<br />

Face a tal desfeita dos nossos<br />

colegas, o Tó e eu decidimos<br />

não quebrar e aguentar e só nos<br />

dirigirmos à Pensão David quando<br />

pudéssemos levar a sopa que<br />

todos haveriam de provar.<br />

E assim fizemos. Meia hora mais<br />

tarde lá partimos com o panelão<br />

ainda a ferver, sustentado<br />

por panos de cozinha e paus<br />

enfiados pelas asas e tampa<br />

da panela. Fizemos o trajecto<br />

cuidadosa e penosamente a pé,<br />

atravessamos a ponte da queda<br />

de água e lá chegámos à porta<br />

da Pensão. Quando subíamos<br />

as estreitas escadas de acesso<br />

ao Restaurante no 1.º andar eis<br />

que aparece um casal idoso a<br />

descer. Embora exaustos, a nossa<br />

esmerada educação levou-nos<br />

a recuar, devagarinho. Chegados<br />

ao hall um de nós sugere: “…larga<br />

que eu seguro daqui”. Dito e feito.<br />

O outro largou a alça, a panela<br />

escorregou para o chão e a sopa<br />

espalhou-se toda pela entrada da<br />

Pensão, ainda quente e de cheiro<br />

duvidoso, com o resto do grupo a<br />

rir a bandeiras despregadas e o<br />

Sr. David estupefacto sem<br />

perceber nada de tamanha<br />

confusão. Lá nos valeu a Elisa,<br />

filha do patrão, que salvou a<br />

situação. Elisa era muito nossa<br />

amiga e rapidamente tratou da<br />

limpeza do raro petisco espalhado<br />

pelo chão, que exalava um cheiro<br />

pouco agradável mesmo à porta<br />

da cozinha mais famosa da região.<br />

Só visto! Um desastre que só<br />

acontece a grandes e experientes<br />

chefes na busca de novas<br />

experiências gastronómicas.<br />

Acabámos por jantar muito<br />

bem, muito tarde e com um<br />

contrato fechado para tocarmos<br />

na “MÓ” aos fins de semana<br />

compreendendo o cachet o jantar<br />

na Pensão David, e o pagamento<br />

do aluguer das aparelhagens<br />

ao Sr. Morgado. Atendendo ao<br />

adiantado da hora, o Carlos<br />

Barbosa saiu e nós continuámos<br />

na conversa até perto da meia<br />

noite. Quando nos chegou a conta<br />

informámos que a mesma entrava<br />

nas contas do Carlos Barbosa.<br />

O Sr. David ficou de novo sem<br />

saber o que fazer pois não tinha<br />

recebido nenhumas instruções<br />

nesse sentido. Mas perante a<br />

nossa convicção e ainda não<br />

refeito do que fizéramos à entrada<br />

da Pensão, lá teve de aceitar já<br />

que não havia outra alternativa.<br />

E só no final do mês de Agosto<br />

é que o Carlos Barbosa veio a<br />

saber da partida que lhe tínhamos<br />

pregado.<br />

A “MÓ” era um velho moinho<br />

descontinuado, mesmo à beira-<br />

-rio, com o tecto cimentado, uma<br />

protecção rudimentar a toda a<br />

volta e uma área aproximada de<br />

20m 2 . Funcionava como bar e<br />

procurava mais animação com<br />

a introdução da nossa música<br />

ao vivo aos fins de semana.<br />

Começámos a tocar na “MÓ” até<br />

ao final do mês de Agosto, com


os tubarões ’64 67<br />

a aparelhagem alugada em que<br />

uma das colunas de som era uma<br />

típica corneta de som, tradicional<br />

nas feiras da época. Imagine-se<br />

a qualidade do som. Era o que<br />

havia!!!<br />

Continuávamos acampados<br />

à beira-rio, a dormir no chão,<br />

o que nos começou a criar<br />

algum cansaço. Num domingo,<br />

já a manhã ia adiantada e até<br />

chuviscava, fomos surpreendidos<br />

com uma alvorada especial.<br />

Um dos nossos pais tocou<br />

devagarinho nos elegantes<br />

pezinhos que inadvertidamente<br />

saiam da tenda. Remédio santo<br />

para um regresso compulsivo do<br />

seleccionado para casa. Ficámos<br />

abalados. Mas para compensar<br />

tanta tristeza, fomos convidados<br />

pelo Sr. Francisco Barros para<br />

um jantar em S. Pedro do Sul.<br />

Foi mais um verdadeiro pitéu<br />

cozinhado pela D. Margarida,<br />

bem regado pelo vinho do<br />

Sr. Francisco Barros, que nos<br />

arrasou por completo. Depois<br />

do jantar ninguém conseguia<br />

sequer pensar em fazer os 3km<br />

até ao acampamento. Posto o<br />

problema, lá se tentou ver onde<br />

e como poderíamos dormir. Com<br />

a casa cheia, havia apenas uma<br />

solução: o quarto do Zeca. O Zeca,<br />

o irmão mais velho do Victor, não<br />

se encontrava em casa e o seu<br />

quarto era o único disponível<br />

para todos nós, seis pequenos<br />

matulões. Era um quarto enorme<br />

com uma cama gigante, ficava<br />

no 2.º andar e tinha as paredes<br />

pintadas com duas elegantes<br />

figuras femininas nuas a toda a<br />

altura do quarto com pé direito<br />

alto. A cama, embora enorme,<br />

mesmo encostada à parede, só<br />

dava para dormirmos se todos<br />

nos virássemos em simultâneo<br />

para o mesmo lado. Imaginem as<br />

brincadeiras e a desgraça que foi<br />

quando alguém decidiu virar-se<br />

sem avisar. Mas o cansaço e o<br />

sono eram tais que adormecemos<br />

mesmo assim, não se livrando um<br />

ou outro, a meio da noite, de ser<br />

acordado para testemunhar que<br />

afinal era outro e não ele quem<br />

ressonava. Só vivido.<br />

Foi mais um divertido episódio<br />

que nos ficou na memória de tão<br />

gloriosos tempos.<br />

De regresso às Termas e face<br />

ao crescente êxito das nossas<br />

actuações na “MÓ”, cuja lotação<br />

era muito limitada, o Carlos<br />

Barbosa sugeriu fazermos um<br />

baile no Casino, em que o cachet<br />

era 50% da receita das entradas.<br />

E no último sábado de Agosto<br />

lá fizemos o Baile de despedida<br />

das Termas de S. Pedro do Sul<br />

no Salão do 1.º andar que encheu,<br />

apesar do elevado preço dos<br />

bilhetes (7$50).<br />

Em Setembro regressámos a<br />

Viseu onde começava a Feira<br />

de S. Mateus e a moda dos Bailes<br />

de Garagem.<br />

3<br />

4<br />

3.<br />

Zé Merino e Tó Fifas<br />

4.<br />

Corneta de Som<br />

utilizada na MÓ


68 porViseu ’60s.<br />

.dos.bailes.<br />

de.garagem.<br />

aos.da.gravata.<br />

Em Setembro Viseu vibrava com<br />

a Feira de S. Mateus. Chegavam<br />

pessoas de todos os cantos do<br />

País, os emigrantes de longa<br />

distância como o Brasil, a<br />

Venezuela, o Canadá, além dos<br />

Europeus, e todos aqueles que,<br />

embora viseenses, residiam ou<br />

tinham actividades profissionais<br />

noutras paragens.<br />

Em Setembro vinham todos à<br />

Feira de S. Mateus. E a cidade<br />

animava-se muito com mais<br />

trânsito, mais comércio e, à noite,<br />

todos se cruzavam no lindíssimo<br />

picadeiro da Feira tendo como<br />

fundo a melhor e mais imponente<br />

vista da Sé.<br />

Pois também nós, os mais jovens,<br />

aproveitámos esta época pré-<br />

-escolar para iniciarmos uma<br />

nova modalidade de bailes,<br />

geralmente aos fins de semana,<br />

uma mistura do conceito das<br />

matinés do Clube com as festas<br />

de aniversário, com o mesmo tipo<br />

de organização incluindo<br />

o tipo de música com gira-discos<br />

e um pequeno lanche a meio<br />

da tarde, mas realizados em<br />

casas particulares, o que<br />

automaticamente restringia tais<br />

festas ao grupo dos amigos e<br />

conhecidos da casa onde decorria<br />

o baile.<br />

Os primeiros bailes deste tipo<br />

terão ocorrido na Casa das<br />

Águias na Rua do Coval à Cava<br />

de Viriato, casa dos Tios do Toni,<br />

que todos os anos vinha do Porto<br />

com a irmã passar alguns dias<br />

a Viseu durante a Feira, e logo<br />

se seguiram os da Casa do Adro,<br />

por vezes com o pagamento de<br />

uma pequena verba para cobrir<br />

as despesas. Nós continuávamos<br />

a frequentar o nosso clube “TIC-<br />

-TAC”, que terá ultrapassado<br />

os 20 associados, e também<br />

participávamos em todos os<br />

bailes para os quais fossemos<br />

convidados e sempre que os<br />

ensaios do conjunto o permitiam.<br />

E foi moda que pegou e durou<br />

alguns anos, alastrando aos<br />

mais novos. Eram bailes onde<br />

estávamos mais à-vontade,<br />

sem adultos a controlar, com<br />

um comportamento civilizado,<br />

embora um ou outro par, conforme<br />

o jeito ou ela deixasse, dançasse<br />

mais apertado.


os tubarões ’64 69<br />

A Casa do Adro, onde vivia o<br />

António Júlio Valarinho com a sua<br />

mãe e uma empregada chinesa<br />

que tudo percebia mas falava<br />

muito pouco, só era habitada no<br />

1.º piso e dispunha no r/c<br />

de amplas salas desocupadas<br />

e que serviam às mil maravilhas<br />

para a realização de Bailes de<br />

Garagem.<br />

Assim convencemos o António<br />

Valarinho, um dos primeiros e<br />

maiores admiradores dos “Rolling<br />

Stones”, a conseguir da mãe<br />

autorização para ouvirmos discos<br />

nas salas do r/c.<br />

E lá conseguimos realizar<br />

alguns Bailes de Garagem com<br />

bastante sucesso, e também<br />

com alguns dissabores. A mãe do<br />

António Júlio Valarinho gostava<br />

muito de mim por quem nutria<br />

muita estima e julgava-me<br />

um modelo de bom rapaz e a<br />

melhor companhia para o filho.<br />

Num destes bailes o meu par e<br />

namorada estava com uma rinite<br />

arreliadora e teve necessidade de<br />

ir buscar o lenço à sua carteira<br />

que ficara no quarto do Valarinho,<br />

onde se guardavam os casacos<br />

das meninas, em cima da cama.<br />

Acompanhei-a ao quarto pelo<br />

labirinto das escadas e, o sossego<br />

e isolamento, a seguir ao “Oh<br />

Lady” dos “Les Chats Sauvages”,<br />

impeliram-nos para uma pausa<br />

acidental, que nos aquecesse<br />

um pouco mais e resolvesse a<br />

constipação que nos obrigara<br />

a subir. Estávamos nós assim<br />

tão entretidos, e não é que, sem<br />

darmos conta, abre-se a porta do<br />

quarto e a mãe de Valarinho ainda<br />

disse “…Oh António Júlio o lanche<br />

está pronto…, ohhh!!!”.<br />

Foi uma desgraça. Apanhou-nos<br />

em estado de flagrante intimidade<br />

avançada, o que na gíria<br />

significava uma boa e saudável<br />

sessão de marmelada. Imagine-se<br />

a desilusão da Senhora quando<br />

constatou quem era o autor de tal<br />

situação que a todos atrapalhou.<br />

Embora com a rinite curada, foi<br />

uma grande decepção, a festa<br />

ficou estragada e houve uma<br />

interrupção temporária dos<br />

Bailes na Casa do Adro, que só<br />

voltaram a realizar-se muito<br />

mais tarde e sem acesso ao 1.º<br />

andar. E a minha reputação foi<br />

completamente ao ar, tendo sido<br />

parcialmente recuperada após<br />

muitas cunhas e a intervenção<br />

providencial de minha mãe.<br />

Um ou dois anos mais tarde<br />

começaram a generalizar-se este<br />

tipo de Bailes.<br />

Aproveitando uma saída dos pais<br />

logo um filho promovia uma festa<br />

com música e dança lá em casa,<br />

envolta em algum secretismo,<br />

só convidando os amigos mais<br />

íntimos. Participámos nalguns<br />

ali para os lados do Liceu<br />

e divertimo-nos q.b..<br />

Como usual em terras pequenas,<br />

tais festas começaram a<br />

constar e não tardou até que se<br />

inventassem estórias de bailes<br />

com os meninos a dançarem só<br />

com gravata e as meninas só com<br />

peúgas. Na cidade inteira,<br />

do Liceu à Ribeira, não se falava<br />

de outra coisa.<br />

Mente vadia em terra pequena,<br />

dá largas à fantasia…<br />

E assim, que se saiba, acabaram<br />

os Bailes de Garagem.


70 porViseu ’60s.<br />

.antónio.xavier.<br />

de.sá.loureiro.<br />

Em meados do mês de Setembro<br />

recebemos uma má notícia:<br />

a família do Tó Fernandes<br />

(o Fifas) ia viver para Lisboa.<br />

E ele também.<br />

Ficámos em pânico. Então e nós?<br />

O que seria do conjunto sem o<br />

nosso solista, o nosso mestre?<br />

Tudo fizemos para alterar tal<br />

decisão. Falámos com o pai do<br />

Tó e percebemos que também<br />

a participação dele no conjunto<br />

tinha contribuído para tal decisão.<br />

Procurámos alternativas e em boa<br />

hora a encontrámos.<br />

A formação do conjunto “Os Ases”<br />

com piano, acordeão, viola baixo<br />

e bateria, sem vocalista, era<br />

uma solução bizarra que não<br />

conseguia impor-se nem dava<br />

satisfação aos seus próprios<br />

elementos. Este desconforto<br />

facilitou a aceitação do nosso<br />

convite para o Carlos Alberto<br />

Loureiro (Carlos Alberto) integrar<br />

o nosso conjunto. Os seus<br />

atributos encaixavam na<br />

perfeição na nossa formação, pois<br />

além de solista exímio cheio de<br />

vocação, tocava um instrumento<br />

que não tínhamos e que era<br />

complementar aos nossos: piano<br />

ou acordeão. O Carlos Alberto é<br />

um excelente músico que muito<br />

enriqueceu a nossa qualidade<br />

musical, tinha boas bases<br />

musicais aprendidas na Escola<br />

do Mário Costa onde foi um dos<br />

mais jovens solistas, tinha uma<br />

mente aberta e o pai, o Sr. António<br />

Xavier de Sá Loureiro, era uma<br />

pessoa excepcional, Empresário<br />

prestigiado em Viseu, colega de<br />

Liceu dos nossos pais, muito<br />

interessado na carreira do filho<br />

e que adorava acompanhar-nos<br />

e ajudar-nos a solucionar todos<br />

os nossos problemas. E passou<br />

a ser o gestor da nossa carreira<br />

artística, o nosso verdadeiro<br />

Empresário, muito nosso amigo,<br />

apoiando-nos e ajudando-nos<br />

mesmo nos nossos problemas<br />

individuais.<br />

A casa do Sr. Loureiro, situada na<br />

Rua Alexandre Herculano, n.º 79,<br />

passou a ser o nosso escritório.<br />

Passámos ali muito tempo,<br />

sempre muito bem tratados,


os tubarões ’64 71<br />

sempre muito acarinhados com<br />

o apoio de toda a família Loureiro.<br />

Reuníamos, trabalhávamos,<br />

ensaiávamos e petiscávamos<br />

sempre na melhor companhia<br />

do vinho do Dão da Quinta de<br />

Pindelo. E havia sempre um<br />

quarto disponível para quem<br />

viesse de fora e precisasse<br />

de ficar para ensaiar ou tocar.<br />

Um tempo e uma amizade<br />

inesquecíveis.<br />

A ele, ao Sr. Loureiro, muito do<br />

que fomos lhe devemos. Sem ele<br />

nunca teríamos tido a carreira que<br />

fizemos até 1968, sempre com ele<br />

ao nosso lado.<br />

Decidida a entrada do Carlos<br />

Alberto, começámos logo a<br />

ensaiar em casa do Sr. Loureiro,<br />

com os bacalhaus Egmond<br />

Manhattan, uma viola de caixa<br />

como viola baixo, e o piano da<br />

casa. A bateria continuava a ser<br />

simulada com os acessórios que<br />

a imaginação permitia.<br />

O Sr. Loureiro planeou uma ida ao<br />

Porto à Casa Ruvina tendo sido<br />

adquiridos uma pianola eléctrica<br />

para o Carlos, em que o volume<br />

de som era controlado por uma<br />

alavanca na perna direita, uma<br />

viola baixo e um amplificador.<br />

Como sistema de som para as<br />

vozes começámos a alugar uma<br />

aparelhagem ao Sr. Carlos da<br />

loja Órbita na Rua da Vitória,<br />

considerado o melhor técnico<br />

de óculos da cidade, que se<br />

dedicava complementarmente<br />

a actividades de som em<br />

vários eventos da cidade,<br />

nomeadamente a cabine de som<br />

da Feira de S. Mateus. O Sr. Carlos<br />

passou a ser o nosso consultor e<br />

fornecedor das aparelhagens de<br />

voz, sempre recomendando os<br />

microfones Shure.<br />

Já munidos com os instrumentos<br />

necessários, deparámos<br />

com a falta de uma sala para<br />

ensaiarmos. O Sr. Loureiro,<br />

invocando o facto de muitos<br />

dos nossos pais serem Sócios<br />

do Clube de Viseu, conseguiu o<br />

apoio da Direcção daquele clube,<br />

recém-eleita e liderada pelo<br />

Dr. Alcindo Sampaio, distinto<br />

Professor de Matemática e<br />

Mestre que o Regime de então<br />

não apreciava e por esse motivo<br />

impedia que exercesse a sua<br />

actividade no ensino oficial.<br />

O Dr. Alcindo tinha uma sala de<br />

explicações de Matemática,<br />

onde todos andámos, mesmo<br />

ao lado do Snack-Bar Alvorada,<br />

e consentiu que o Conjunto<br />

passasse a ensaiar duas vezes<br />

por semana no Salão Nobre do<br />

Clube. E assim aconteceu até<br />

perto do final do ano.<br />

Reforçámos o nosso instrumental<br />

com a aquisição de uma bateria<br />

em 2.ª mão na Papelaria<br />

Sequeira, localizada na Rua do<br />

Comércio ao lado da Farmácia<br />

Gastromil, e o Vitó teve um óptimo<br />

presente de uma viola Vox branca<br />

muito bonita.<br />

1<br />

1.<br />

Viola VOX Shadow


72 porViseu ’60s.<br />

.fim.do.ano.<br />

no.hotel.grão.<br />

vasco.<br />

1<br />

1.<br />

Hotel Grão Vasco, 1964<br />

(foto Germano)<br />

Nesse ano, 1964, tinha sido<br />

inaugurado o Hotel Grão Vasco,<br />

o primeiro grande Hotel a ser<br />

construído em Viseu. Viseu tinha<br />

como oferta várias Pensões:<br />

André (hoje Rossio/Parque),<br />

Central (muito popular por ter<br />

lançado o primeiro snack-bar,<br />

A Gruta, na Rua da Cadeia com o<br />

famoso prego com ovo a cavalo<br />

por 7$50), Ramboia, Bocage,<br />

Ideal, Passarinho, S. Lázaro, Preto,<br />

Viriato, Lusitana, Parreira do<br />

Minho, e eventualmente outras.<br />

Mas Hotel só havia o Avenida<br />

justificando-se plenamente um<br />

novo Hotel na cidade. Pertencente<br />

à família Ferreira dos Santos,<br />

família muito conhecida e de<br />

prestígio na cidade, donos da<br />

Estalagem Viriato localizada junto<br />

à Ponte de Fagilde a caminho de<br />

Mangualde, o Hotel Grão Vasco<br />

foi construído no espaço do<br />

antigo Quartel e tinha como seu<br />

Director Geral o João Ferreira<br />

dos Santos que quis organizar<br />

uma festa no 1.º Fim do Ano do<br />

Hotel, tendo-nos contratado para<br />

animarmos a noite com o cachet<br />

de 4.000$0. O Hotel esgotou com<br />

toda a elite da cidade a marcar<br />

presença no novo local da moda,<br />

com muitos amigos nossos que<br />

convenceram os pais a estarem<br />

presentes,<br />

e nós começámos o ano de 1965<br />

a tocar num baile que durou até<br />

às 4h. Foi uma excelente e dura<br />

experiência que obrigou a um


os tubarões ’64 73<br />

esforço redobrado uma vez que<br />

éramos um só conjunto a animar<br />

a noite toda. Correu muito bem e<br />

foi muito comentada esta nossa<br />

apresentação ao público da<br />

cidade.<br />

O Hotel Grão Vasco é um dos<br />

nossos locais de boa memória<br />

onde passámos muitos momentos<br />

divertidos e que nos acompanhou<br />

até 1968. Recordamos com gosto<br />

as excursões de americanas,<br />

já entradotas e solteironas, a<br />

quem servíamos de guias pela<br />

cidade e também pelos arredores,<br />

com festas e bailaricos no próprio<br />

Hotel até de madrugada, com<br />

assaltos turísticos a S. João de<br />

Lourosa a casa dos nossos amigos<br />

Rosado, as tertúlias noctívagas<br />

com os amigos mais chegados,<br />

e os encontros discretos com<br />

amigas e namoradas.<br />

Muito do nosso tempo, convívio,<br />

crescimento e aprendizagem<br />

passou por ali.<br />

Ganhámos experiência de vida.<br />

Aprendemos!


65<br />

75<br />

78<br />

80<br />

83<br />

84<br />

85<br />

86<br />

88<br />

89<br />

90<br />

93<br />

96<br />

97<br />

.crescer.<br />

.crescer.<br />

.Viseu.ié-ié.<br />

.figueira.da.foz.<br />

.rua.dos.ciprestes.<br />

.o.tubarão.<br />

.depoimento.vitor.f.pais.<br />

.o.casino.<br />

.os.amigos.<br />

.de.novo.Viseu.<br />

.quim.guimarães.<br />

.concurso.ié-ié.7ª.eliminatória.<br />

.terraço.das.estrelas.do.hotel.embaixador.<br />

.fim.do.ano.


os tubarões ’65 75<br />

.crescer.<br />

1.<br />

Cine-Rossio, Abril. Da esq. para a dir.:<br />

Eduardo, Fifas, Vitó, Dutra, Zé e Carlos<br />

a)<br />

http://guedelhudos.blogspot.<br />

com/2008/01/thilos-combo.html<br />

b)<br />

http://guedelhudos.blogspot.<br />

com/2010/07/conjunto-jose-novoa.<br />

html<br />

1<br />

1965 foi um ano de muita<br />

determinação do conjunto, que<br />

lhe permitiu assumir desafios a<br />

nível nacional como a presença<br />

no Casino da Figueira da Foz e a<br />

participação no Concurso ié-ié.<br />

A 9 de Janeiro realizou-se o Baile<br />

de Finalistas do Liceu, época<br />

escolar de 1964/65, no Salão de<br />

Festas do Cine-Rossio, com os<br />

Conjuntos “Thilos Combo” a)<br />

e “José Nóvoa” b) .<br />

Nós, no conjunto, procurávamos<br />

de novo um local para ensaiar<br />

já que não era possível<br />

continuarmos a utilizar o Salão<br />

do Clube de Viseu, como tinha<br />

acontecido no último trimestre<br />

de 1964.<br />

Não havia muitas salas<br />

disponíveis na cidade e surgiu<br />

a hipótese de utilizarmos o<br />

Salão de Festas do Cine-Rossio,<br />

cuja taxa de ocupação anual se<br />

limitava ao Baile de Finalistas do<br />

Liceu, e o Gerente, o Sr. Severo,<br />

pessoa muito conhecida na<br />

cidade pela sua Escola de<br />

Condução, pretendia dinamizar tal<br />

espaço com outras actividades.<br />

Fez-se então um acordo de<br />

permuta com o Sr. Severo que<br />

nos permitia ensaiar no Salão de<br />

Festas, em dias determinados e<br />

fora dos dias dos espectáculos<br />

que eram às terças, quintas,<br />

sábados e domingos. Em troca<br />

teríamos de actuar nos intervalos<br />

de filmes musicais, moda recente


76 porViseu ’60s.<br />

em Portugal e no Mundo, surgida<br />

com o sucesso das comédias<br />

musicais do Cliff Richard e de<br />

muitos outros.<br />

O salão do Cine-Rossio<br />

(Piso -1) era o maior da cidade,<br />

todo em cimento e azulejo.<br />

Com a adaptação do edifício a<br />

sala de espectáculos e face à<br />

dimensão do salão, foi o mesmo<br />

aproveitado para a realização<br />

de eventos. Tinha péssimas<br />

condições acústicas avolumadas<br />

quando vazio pois gerava muito<br />

eco. Mas era o que havia e lá nos<br />

habituámos a ensaiar em tais<br />

condições.<br />

Para não prejudicarmos os<br />

estudos ensaiávamos com<br />

moderação duas vezes por<br />

semana, procurando sempre<br />

adaptar da forma mais<br />

conveniente e rigorosa os êxitos<br />

de maior sucesso na época,<br />

devidamente enquadrados no<br />

nosso gosto e competências.<br />

A fama dos “Beatles” estava<br />

sempre em crescendo. Todos<br />

gostávamos dos “Beatles” mas<br />

o Zé Merino devorava toda e<br />

qualquer informação sobre os 4<br />

fabulosos, e quase sabia todas<br />

as letras das suas músicas, coisa<br />

não muito usual. Começámos a<br />

introduzir temas dos “Beatles”<br />

na nossa playlist como o “Do<br />

you want to know a secret”,<br />

“Till there was you”, sem faltar<br />

“Twist and Shout”. Também<br />

apreciávamos muito os “Animals”,<br />

cuja configuração instrumental<br />

era muito semelhante à nossa<br />

com um vocalista, órgão, além<br />

das violas e bateria. Destes<br />

não faltava o “The House of the<br />

Rising Sun”. Mantinhamos outras<br />

músicas e clássicos franceses do<br />

Gilbert Bécaud como “Au Revoir”<br />

e “L’important c’ést la rose”.<br />

No sábado de Carnaval, a 27<br />

de Fevereiro, animámos o Baile<br />

dos Bombeiros Voluntários<br />

de S. Pedro do Sul, contrato<br />

angariado pelo pai do Vitó, onde<br />

apresentámos pela primeira vez<br />

em público a nossa interpretação<br />

da música “The House of the<br />

Rising Sun” dos “Animals”, um<br />

sucesso muito recente que<br />

originou vários encore pela<br />

novidade e pela interpretação.<br />

O Vitó, já na sua viola Vox,<br />

dedilhava muito bem os acordes<br />

da música, o Zé interpretava<br />

como poucos Eric Burdon c) e a<br />

sua voz prestava-se a tal, e o<br />

Carlos Alberto acompanhava-o<br />

superiormente no órgão com<br />

destaque para o solo. Era uma<br />

interpretação muito feliz que<br />

foi muito bem trabalhada por<br />

todos, com algumas adaptações<br />

exclusivas nomeadamente um<br />

andamento em crescendo do solo<br />

com mudança de ritmo.<br />

Sempre que introduzíamos<br />

novos temas no repertório,<br />

nas primeiras apresentações<br />

em público, repetíamos a sua<br />

interpretação várias vezes para<br />

rodarmos.<br />

Por vezes combinávamos com<br />

alguns amigos para fazerem o<br />

pedido de repetição de modo a<br />

que outras pessoas ouvissem e<br />

não desse tanto nas vistas que<br />

éramos nós quem queira repetir<br />

tal música. Foi isso que aconteceu<br />

nesta festa com “The House of the<br />

Rising Sun”, música que começava<br />

a ser passada nas rádios. Logo<br />

durante a tarde, na montagem dos<br />

instrumentos, e com as janelas<br />

do salão abertas, ensaiámos a<br />

música que serviria de chamariz<br />

para o Baile, que encheu e correu<br />

muito bem.<br />

Nas férias da Páscoa, em Abril,<br />

chegou a Viseu o filme Summer<br />

Holiday d) com Clif Richard e) e “The<br />

Shadows” e este foi o primeiro<br />

espectáculo em que participámos


os tubarões ’65 77<br />

ao abrigo do acordo com o Cine-<br />

-Rossio actuando no intervalo.<br />

Por sorte o Fifas estava em<br />

Viseu em férias e voltou a tocar<br />

connosco, o que enriqueceu a<br />

nossa prestação, principalmente<br />

nas músicas dos “The Shadows”<br />

que ele tão bem solava. Actuámos<br />

com a nossa fatiota com uma<br />

camisola de gola alta preta e as<br />

calças brancas com tira negra<br />

lateral para todos os membros<br />

do conjunto com excepção do<br />

vocalista, que tinha calças pretas<br />

com tira lateral branca. Correu<br />

bem e tivemos muitos aplausos.<br />

Para nós foi de facto o último<br />

espectáculo com o Tó Fernandes,<br />

fundador e formador do grupo.<br />

Até Setembro de 1965 mantivemos<br />

a seguinte formação: Carlos<br />

Alberto (teclas), Eduardo Pinto<br />

(bateria), José (Zé) Merino,<br />

(vocalista), Luís Dutra (baixo),<br />

Victor (Vitó) Barros (viola ritmo).<br />

2<br />

c)<br />

ericburdon.ning.com<br />

d)<br />

www.imdb.com/title/tt0057541<br />

e)<br />

www.screenonline.org.uk/film/<br />

id/547334<br />

3 4<br />

2.<br />

Cine-Rossio, anos 60<br />

(foto Germano)<br />

3.<br />

No palco do Cine-Rossio, Abril<br />

4.<br />

Na plateia do Cine-Rossio<br />

(foto Germano)


78 porViseu ’60s.<br />

.Viseu.ié-ié.<br />

1.<br />

“Os Corsários” no Cine-Rossio<br />

2.<br />

Viola EKO de “Os Corsários”<br />

a)<br />

guedelhudos.blogspot.<br />

com/2010/01/festivais-ye-ye-emportugal.html<br />

1<br />

2<br />

Em Maio de 1965, na sequência<br />

do ambiente musical que explodia<br />

com os êxitos da música Pop,<br />

os filmes musicais, e os festivais<br />

de música ié-ié, realizou-se no<br />

Salão do Cine-Rossio um Festival<br />

ié-ié com “Os Corsários”<br />

e “Os Tubarões”.<br />

O Sr. Severo, Gerente do Cine-<br />

-Rossio, tinha estado em Lisboa<br />

em reuniões relacionadas<br />

com a gestão da única casa de<br />

espectáculos da cidade, e tomou<br />

conhecimento do sucesso dos<br />

Concursos como o do Rei do Twist,<br />

Concurso Tipo Shadows, Festival<br />

de Ritmos Modernos e o Festival<br />

ié-ié do Coliseu a) , entre outros.<br />

Como procurava dinamizar a<br />

utilização do Cine-Rossio quis<br />

então organizar um Festival ié-ié<br />

em Viseu. Pesquisado o mercado<br />

facilmente pôde constatar que,<br />

além de nós, só existia outro<br />

conjunto, “Os Corsários”, cujo<br />

perfil musical era enquadrável<br />

em tal Festival. E realizou-se<br />

o referido Festival no Salão do<br />

Cine-Rossio, mais numa versão<br />

de concerto com dois conjuntos<br />

do que propriamente um Festival


os tubarões ’65 79<br />

com vencedores e vencidos,<br />

embora se tenha criado a ideia<br />

de um confronto musical entre os<br />

grupos da cidade.<br />

Formaram-se claques, criaram-<br />

-se cartazes como o da foto<br />

“Corsários pesquem Os Tubarões”,<br />

o Salão encheu-se de fãs que<br />

gritavam manifestando as suas<br />

preferências.<br />

Foi uma tarde de domingo<br />

animada que correu sem<br />

qualquer incidente, sem<br />

alinhamento nem júri, em que<br />

cada conjunto apresentou as suas<br />

interpretações musicais, sempre<br />

com algum ruído da plateia<br />

que aos gritos ou assobios,<br />

manifestava o apoio ao seu grupo,<br />

tal e qual como se de uma equipa<br />

de futebol se tratasse.<br />

Não deve ter sido um grande<br />

sucesso de bilheteira já que<br />

nunca mais se repetiu tal tipo<br />

de Festival.<br />

Embora oriundos da mesma<br />

terra, não foram muitas as vezes<br />

em que actuámos juntos com<br />

“Os Corsários”. Participaram no<br />

nosso III Aniversário em Abril de<br />

1968, tocámos juntos num Baile<br />

de Finalistas de Carregal do Sal e<br />

num outro em Canas de Senhorim.


80 porViseu ’60s.<br />

.figueira.da.foz.<br />

1 2<br />

1.<br />

Fonte luminosa<br />

da Figueira da Foz<br />

2.<br />

Praia da Figueira da Foz<br />

1960<br />

a)<br />

guedelhudos.blogspot.com/search/<br />

label/Festival%20da%20Figueira%20<br />

da%20Foz<br />

Seguramente a carreira de<br />

“Os Tubarões” não teria sido o<br />

que foi se o conjunto não tivesse<br />

passado pela Figueira da Foz.<br />

Foram quatro anos vividos de<br />

forma muito intensa em todos<br />

os aspectos. De 1965 a 1968<br />

passámos o Verão naquela<br />

linda cidade, contactámos com<br />

públicos de várias origens,<br />

convivemos com músicos<br />

excelentes com quem muito<br />

aprendemos quer em termos<br />

musicais, quer em termos de<br />

trabalho e fizemos muitos amigos.<br />

A Figueira da Foz era a praia da<br />

moda e atraía muitos turistas.<br />

Além da sua beleza natural,<br />

da sua praia com um areal<br />

interminável, a Figueira oferecia<br />

uma série de atracções únicas,<br />

devidamente promovidas, como<br />

a realização de um Festival da<br />

Canção a) , provas nacionais de<br />

Rally, o Casino com Variedades de<br />

elevado padrão internacional e o<br />

Jogo, que também atraía o público<br />

internacional, destacadamente<br />

o espanhol. Também todos os<br />

Verões uma larga comunidade<br />

viseense rumava à Figueira.<br />

Então o Sr. Loureiro, munido das<br />

fotos da nossa actuação no Cine-<br />

-Rossio e da crítica dos jornais,<br />

foi falar à gerência do Casino<br />

da Figueira da Foz oferecendo<br />

a actuação do conjunto, gratuita,<br />

numa matiné a realizar num fim<br />

de semana, a qual ficou marcada<br />

para um sábado, dia 15 de Maio.


os tubarões ’65 81<br />

Ensaiámos ainda com mais afinco<br />

com a inclusão de novos temas.<br />

O Sr. Loureiro trocou a pianola do<br />

Carlos Alberto por um novíssimo<br />

orgão Farfisa Compact Uno, com<br />

pedaleira, acabado de chegar<br />

à Casa Ruvina, e no sábado lá<br />

fomos até à Figueira no Taunus<br />

do Sr. Loureiro, completamente<br />

carregado e com seis pessoas<br />

a bordo: o Sr. Loureiro, os cinco<br />

artistas e ainda os instrumentos.<br />

Actuámos no Grande Casino<br />

Peninsular da Figueira da Foz,<br />

numa matiné realizada no Salão<br />

de Café só com “Os Tubarões”<br />

em palco, e no público também<br />

estavam viseenses que se<br />

deslocaram propositadamente<br />

para nos apoiarem pois não<br />

queriam perder momento tão<br />

importante na vida do conjunto.<br />

Fizémos dois takes separados<br />

por um intervalo, após o qual<br />

tivemos uma desagradável<br />

surpresa: tínhamos regressado<br />

ao palco, e já com os acordes da<br />

primeira música no ar, quando o<br />

Luís Dutra se apercebe que a sua<br />

viola baixo estava completamente<br />

desafinada (certamente por<br />

graça, durante o intervalo, alguém<br />

desafinou as quatro cavilhas da<br />

viola baixo). Valeu-nos a presença<br />

de espírito e o virtuosismo do<br />

Carlos Alberto que de imediato<br />

começou a fazer o baixo com o<br />

pé esquerdo no seu novo Farfisa,<br />

enquanto o Dutra desligava o<br />

volume da sua viola, simulando<br />

que continuava a tocar. No fim<br />

da música lá se afinou a viola e<br />

o concerto continuou e terminou<br />

até com a distribuição de<br />

autógrafos, facto a que ainda não<br />

estávamos habituados.<br />

Saímos do Casino com algumas<br />

promessas e seguimos de<br />

imediato para a Mealhada,<br />

Quinta do Carvalhinho na<br />

Ventosa b) do Bairro, que continua<br />

famosa pelos seus vinhos e<br />

espumante. Trata-se de uma<br />

casa solarenga com uma grande<br />

quinta, propriedade da família<br />

Navega, amigos dos nossos pais,<br />

que davam nessa noite mais uma<br />

das suas habituais festas, e nesta<br />

nós éramos a atracção. Embora<br />

cansados, depois de uma curta<br />

partida de bilhar, lá actuámos<br />

animando os foliões até às tantas.<br />

Saímos de madrugada e mal nos<br />

sentámos no carro adormecemos<br />

que nem pedras até Viseu.<br />

Coitado do Sr. Loureiro, aturou-<br />

-nos cada uma…<br />

Regressámos à cidade e aos<br />

estudos onde o fim do ano lectivo<br />

se aproximava bem como as<br />

férias de Verão.<br />

3<br />

4<br />

3.<br />

Primeiro Orgão Farfisa dos Tubarões<br />

4.<br />

Solar da Quinta do Carvalhinho<br />

b)<br />

www.quintadocarvalhinho.pt/<br />

v2main/index.htm


82 porViseu ’60s.<br />

c)<br />

guedelhudos.blogspot.com/2007/10/<br />

agora-que-rtp-sem-preconceitos-e.<br />

html<br />

d)<br />

historiaeciencia.<strong>web</strong>log.com.pt/<br />

arquivo/040789.html<br />

Na imprensa começaram a sair<br />

notícias a anunciar a realização,<br />

no Teatro Monumental de Lisboa,<br />

de um Grande Concurso ié-ié<br />

organizado pelo Movimento<br />

Nacional Feminino a favor das<br />

Forças Armadas no Ultramar,<br />

com o apoio do jornal diário<br />

O Século, da Emissora Nacional,<br />

da Radiotelevisão e do Rádio<br />

Clube Português c) .<br />

“O Movimento Nacional Feminino<br />

(MNF) d) (1961-1974) foi uma<br />

organização de suporte do Estado<br />

Novo criada por iniciativa de<br />

Cecília Supico Pinto e apoiada<br />

por António de Oliveira Salazar,<br />

voltada para a organização<br />

das mulheres em torno do<br />

apoio à Guerra Colonial, em<br />

particular quando o conflito em<br />

Angola, Moçambique e Guiné se<br />

intensificou.”<br />

Participar neste concurso era<br />

uma grande oportunidade para o<br />

nosso conjunto que não podíamos<br />

perder. Tínhamos de concorrer.<br />

Preparámos a nossa candidatura<br />

e procedemos à respectiva<br />

inscrição ficando a aguardar<br />

notícias sobre o desenrolar do<br />

concurso.<br />

Por esta altura, primeiros dias<br />

do mês de Junho, um conhecido<br />

empresário viseense, proprietário<br />

da Agência de Viagens Novo<br />

Mundo, realizava um grande<br />

investimento num restaurante a<br />

inaugurar no Verão, localizado na<br />

marginal da Figueira da Foz.<br />

E firmou o compromisso com o<br />

Sr. Loureiro dizendo que nos<br />

queria como conjunto privativo<br />

para fazermos matinés e<br />

animarmos as noites após os<br />

jantares. Era um compromisso<br />

aliciante e uma vez que o<br />

Casino não tinha concretizado<br />

qualquer proposta, assumimos<br />

tal obrigação mesmo sem<br />

contrato escrito, já que era uma<br />

pessoa conhecida e de Viseu.<br />

O nosso cachet era baseado<br />

nas receitas de bilheteira.<br />

Preparámo-nos musicalmente<br />

actualizando a nossa playlist<br />

com os novos sucessos do<br />

Verão, encomendámos novas<br />

indumentárias na Alfaiataria<br />

Sousa da Rua Direita,<br />

nomeadamente um smoking<br />

azul e umas calças beges aos<br />

quadrados com uma grande boca<br />

de sino, e o Sr. Loureiro alugou um<br />

T4 na Figueira da Foz, na Rua dos<br />

Ciprestes, para a nossa estadia no<br />

Verão.<br />

No sábado, 31 de Julho lá fomos<br />

até à Figueira da Foz e instalámo-<br />

-nos na Rua dos Ciprestes.<br />

Primeira tarefa foi distribuir<br />

os quartos/camas por cada<br />

um de nós, incluindo o quarto<br />

independente do Sr. Loureiro,<br />

logo à entrada do lado esquerdo.<br />

E arrumámos os géneros<br />

alimentícios vindos directamente<br />

de Pindelo, incluindo o néctar<br />

de uma das melhores encostas<br />

do Dão, a Quinta de Pindelo de<br />

Silgueiros.


os tubarões ’65 83<br />

.rua.dos.<br />

ciprestes.<br />

Naquele Verão, o nosso “Lar<br />

doce Lar” situava-se na Rua<br />

dos Ciprestes n.º 6, 2.º, uma<br />

transversal à Av. 5 de Outubro,<br />

Largo do Carvão, frente à Marina.<br />

Tratava-se de uma casa de quatro<br />

assoalhadas onde dormíamos,<br />

descansávamos e convivíamos<br />

com os muitos amigos que<br />

diariamente por ali paravam<br />

e alguns ali pernoitavam.<br />

Entre as muitas brincadeiras<br />

próprias de um grupo de jovens<br />

na casa dos 18 anos, recordamos<br />

o muito pão quente que, nas<br />

madrugadas depois de tocarmos,<br />

quando regressávamos a casa,<br />

subtraíamos do saco do pão<br />

pendurado na porta do 1.º andar<br />

do prédio onde, viemos a saber<br />

mais tarde, vivia o Comandante<br />

da Polícia; as inúmeras<br />

patuscadas sempre muito bem<br />

acompanhadas pelo melhor<br />

vinho tinto do Dão produzido<br />

pelo Sr. Loureiro; as surpresas<br />

do Sr. Loureiro quando chegava<br />

inesperadamente ao seu quarto e<br />

o encontrava ocupado pelo Carlos<br />

Alberto a confessar os seus<br />

pecados a uma boa companhia,<br />

para não falar das partidas<br />

pregadas aos mais dorminhocos.<br />

Temos muitas e boas recordações<br />

da Rua dos Ciprestes à qual, no<br />

final do Verão, alguns chamavam<br />

a Casa dos Ciprestes na Rua<br />

d’ “Os Tubarões”.


84 porViseu ’60s.<br />

.o.tubarão.<br />

1<br />

1.<br />

O primeiro grupo de fãs<br />

da Figueira da Foz<br />

A inauguração do Restaurante<br />

O Tubarão (tal nome não foi<br />

coincidência) ocorreu no Domingo<br />

dia 1 de Agosto, com lotação<br />

esgotada e serão musical de<br />

retumbante sucesso. Fazíamos<br />

matinés entre as 16h30 e as<br />

19h30 e serões a partir das<br />

22h30. O restaurante esgotava<br />

e os horários tornavam-se<br />

incompatíveis com o serviço<br />

do restaurante que era lento,<br />

não rotinado e com deficiente<br />

controlo. O que se pretendia<br />

como um restaurante de prestígio<br />

transformou-se, por força da<br />

quantidade de público jovem,<br />

num bar permanentemente<br />

esgotado, com gente por todo<br />

o lado até dançando na rua ao<br />

som da música do conjunto.<br />

O Tubarão tinha sido devidamente<br />

planeado para ser um restaurante<br />

de 1.ª, tinha recrutado pessoal<br />

pouco experiente em restauração<br />

e não tinha ninguém capaz de<br />

gerir espectáculos ou bares<br />

musicais, tendo descurado o<br />

método de controlo das entradas<br />

e consumos nas matinés e soirées<br />

dançantes. Nas matinés não era<br />

tão difícil pois só se iniciavam<br />

após o serviço de almoço ter<br />

terminado, sendo fácil controlar<br />

as entradas e as senhas de<br />

consumo. Mas à noite, em que<br />

nós começávamos a tocar às<br />

22h30 ainda com o serviço de<br />

jantar a meio, alguns clientes a<br />

quererem ficar um pouco mais


os tubarões ’65 85<br />

a ouvir música, e os jovens a<br />

entrarem e sentarem-se já para<br />

a soirée musical, gerava-se<br />

sempre uma tremenda confusão<br />

entre quem estava a jantar e<br />

quem só ia para a diversão.<br />

Certo é que o restaurante ficava<br />

totalmente cheio, com filas à<br />

porta, com grande animação<br />

na pista, mas sem haver um<br />

controlo eficaz das entradas, dos<br />

consumos e da lotação. E a nós,<br />

no Tubarão, não nos pagavam<br />

nem davam qualquer informação<br />

sobre a evolução das receitas,<br />

o que começou a criar-nos uma<br />

situação delicada, que chegou à<br />

ruptura após 11 dias seguidos de<br />

trabalho. Decidimos denunciar<br />

publicamente tal situação.<br />

Quando nos preparávamos para<br />

iniciar a noite musical, tudo<br />

preparado, montado e prontos a<br />

actuar, já com o público da noite<br />

na sala, informámos que não<br />

tocaríamos mais e explicámos as<br />

razões. O público compreendeu<br />

e até nos aplaudiu. E a notícia<br />

correu célere por toda a cidade.<br />

Entretanto as matinés do Casino<br />

estavam fracas, quer porque<br />

o Casino não tinha uma oferta<br />

musical dirigida ao público<br />

jovem, quer porque também se<br />

ressentia do sucesso das tardes<br />

do Tubarão. O Victor Pais, nosso<br />

amigo e familiar da Administração<br />

do Casino, entrou em contacto<br />

connosco para saber da nossa<br />

disponibilidade em tocarmos no<br />

Casino. Rapidamente chegámos a<br />

um acordo e iniciámos as nossas<br />

actuações numa matiné no Salão<br />

de Café do dia 13 de Agosto de<br />

1965, dois dias depois de termos<br />

saído de O Tubarão.<br />

Apresentados no Grande Casino<br />

Peninsular como o “Conjunto<br />

Sensação ié-ié”, a primeira matiné<br />

encheu e fomos agraciados com<br />

fortes aplausos.<br />

E o Sr. Mendes Pinto sorria e<br />

dava-nos os parabéns neste início<br />

de uma relação sempre muito<br />

cordial, amistosa, de grande<br />

confiança e respeito que perdurou<br />

até 1968.<br />

.depoimento.<br />

Vitor F. Pais<br />

Na década de ouro do passado<br />

século da música ligeira,<br />

a Figueira da Foz procurava<br />

acompanhar os ritmos da época,<br />

principalmente durante o período<br />

balnear.<br />

A Figueira enchia-se de<br />

veraneantes, portugueses e<br />

espanhóis, mas também de outros<br />

países da Europa que escolhiam<br />

a Figueira da Foz para local de<br />

veraneio.<br />

As modas do tempo chegavam<br />

e eram facilmente adoptadas<br />

e rapidamente passavam a fazer<br />

parte da vida do dia-a-dia dos<br />

que por cá estavam.<br />

O Casino era um dos ex-líbris<br />

locais, mas tinha dificuldade em<br />

cativar a juventude que facilmente<br />

aderia à moda das noites nas<br />

discotecas onde se impunha o<br />

espírito jovem e descontraído dos<br />

novos tempos.<br />

Foi neste contexto que abre nesse<br />

ano na Figueira O Tubarão para<br />

tentar cobrir a inexistência de um<br />

espaço tipo discoteca ou local de<br />

diversão nocturna por excelência<br />

dos jovens dos dezoito aos trintas<br />

e... Era uma sala de restaurante,<br />

com a frente envidraçada sobre<br />

a marginal e que após o serviço<br />

de jantar corria as cortinas sobre<br />

a esplanada e se tornava sala de<br />

discoteca improvisada entre as<br />

onze e as quatro da manhã.<br />

O sucesso foi imediato, e apesar<br />

da capacidade do espaço ser<br />

reduzida, a sua abertura veio<br />

tirar às noites do Casino, alguns<br />

dos seus frequentadores mais<br />

assíduos e carismáticos que,<br />

davam às suas noites um glamour<br />

imprescindível.<br />

Foi portanto fácil, com o apoio do<br />

meu tio, convencer o Sr. Mendes<br />

Pinto que a melhor e mais fácil<br />

solução era pôr “Os Tubarões”<br />

a animar as noites do Casino.<br />

Este foi o princípio de uma relação<br />

de sucesso para todos.


86 porViseu ’60s.<br />

.o.casino.<br />

1 2 3 4 5 6<br />

1. 2. 3.<br />

Programas do Casino<br />

4. 5. 6.<br />

Carteiras profissinais<br />

O Grande Casino Peninsular da<br />

Figueira era em 1965 um grande<br />

complexo multidisciplinar de<br />

lazer com vários ambientes:<br />

<br />

como “O Pátio das Galinhas”,<br />

situada no átrio do Casino, com<br />

um gradeamento alto na parte<br />

frontal, uma cobertura em lona,<br />

mesas redondas em ferro e<br />

cadeiras de verga, era o ponto de<br />

encontro de todos: pais, filhos,<br />

avós e netos, e também os amigos<br />

e as esposas dos jogadores.<br />

Toda a Figueira passava por ali,<br />

antes ou depois do cinema, da<br />

tourada, da matiné, do jogo, da<br />

garraiada, ou do espectáculo;<br />

<br />

um pé direito muito alto que<br />

culminava em ogiva, com uma<br />

grande galeria de 360º, onde<br />

se realizavam as matinés, as<br />

garraiadas e os espectáculos<br />

nocturnos durante a semana.<br />

Aos sábados ou nas grandes<br />

enchentes servia como<br />

2.º Salão de Baile;<br />

<br />

anos 20, de forma quadrada, de<br />

estética única com magníficas<br />

pinturas e lustres imponentes,<br />

enormes espelhos verticais em<br />

todas as paredes, foi sempre<br />

a verdadeira sala de visitas do<br />

Casino que se engalanava para<br />

as noites das Estrelas. Ainda hoje<br />

tem várias lápides com o nome<br />

dos grandes artistas que por<br />

ali passaram como Amélia Rey


os tubarões ’65 87<br />

Colaço, Amália Rodrigues<br />

e também a Maria Clara que<br />

imortalizou a cidade com a sua<br />

célebre canção a ela dedicada;<br />

<br />

americana, banca francesa,<br />

black-jack e outros jogos de<br />

casino;<br />

Boîte, para adultos, com<br />

conjunto e variedades próprias;<br />

O Cinema e uma Sala de<br />

Exposições sempre com<br />

actividades diversificadas nos<br />

temas e nas artes.<br />

O edifício original do Casino é do<br />

Séc. XIX e a construção do Salão<br />

Nobre data de 1898. A primeira<br />

Concessão de Jogo data de 1928.<br />

As nossas actuações no Casino<br />

prolongaram-se<br />

até ao final da época do mês de<br />

Setembro. Em termos musicais o<br />

Casino foi a nossa grande escola<br />

musical.<br />

Em primeiro lugar, facto relevante<br />

que cumprimos, cada um de<br />

nós teve de adquirir a Carteira<br />

Profissional de Músico para<br />

concretizarmos o contrato oficial<br />

com o Casino.<br />

No Casino encontrámos,<br />

convivemos e alternámos com<br />

músicos profissionais fabulosos<br />

que cumpriam rigorosos<br />

métodos de trabalho e eram<br />

muito responsáveis. Tocávamos<br />

diariamente para públicos<br />

diversificados, o que nos obrigava<br />

a ter activa uma playlist muito<br />

completa, e ganhámos grande<br />

flexibilidade e experiência nas<br />

actuações ao vivo.<br />

Neste ano de 1965 conhecemos<br />

o fantástico conjunto italiano<br />

“I Don Giovanni”, artistas<br />

nacionais e internacionais de<br />

grande prestígio como a Gelú,<br />

o “Duo Ouro Negro” e a Madalena<br />

Iglésias. Quando passámos do<br />

Tubarão para o Casino juntámo-<br />

-nos aos conjuntos então<br />

residentes, com quem passámos<br />

a partilhar a restante época:<br />

“I Don Giovanni”, “Sousa Tavares”<br />

e “Sérgio e sua Orquestra”.


88 porViseu ’60s.<br />

.os.amigos. Na Figueira da Foz fizemos muitas<br />

e grandes amizades, as quais<br />

perduram até aos dias de hoje.<br />

Recordamos o grupo da Figueira<br />

com muitos amigos como o<br />

Victor Pais, os irmãos Beja com<br />

a sua Vela Solex, o Jorge Raio e<br />

o seu Fiat 600, o Cró, o Jobé, o Zé<br />

Lemos, o Gina, o Beli e ainda as<br />

1 2 Primas Seco, a Manuela Bolacha,<br />

1. 2.<br />

Programas Casino<br />

e a Fernanda. O grupo de Coimbra<br />

liderado pelo Né Brinca com o seu<br />

Hilman Imp e o Cortesão.<br />

O grupo muito animado de<br />

Maiorca com as manas Pontes<br />

de Sousa, o grupo de Lisboa<br />

com as manas Pétinhas, o grupo<br />

espanhol liderado pela Api e pelo<br />

Manolo e os holandeses liderados<br />

pelas manas Yoko. Muitas e boas<br />

saudades.<br />

E não podemos esquecer os<br />

lugares por onde passávamos<br />

como o Café Nicola com o seu<br />

famoso bife à café, os pregos da<br />

Sacor junto à Estação de caminho<br />

de ferro, as paellas na Praia com<br />

o grupo espanhol, a Serra das<br />

Óptimas Viagens, o Clube de Ténis,<br />

as festas na casa do Vitor<br />

Pais, etc… sem nunca faltar<br />

o amendoim, sempre do melhor<br />

e bem torradinho e as melhores<br />

pevides do mundo que o<br />

Sr. Loureiro nunca se esquecia de<br />

nos abastecer.


os tubarões ’65 89<br />

.de.novo.Viseu.<br />

1<br />

2<br />

3 4<br />

5<br />

6<br />

1.<br />

Hotel Lisboa<br />

2.<br />

Termas de S. Pedro do Sul<br />

3.<br />

Programa baile<br />

em Sabugosa<br />

4.<br />

Conjunto no Hotel Lisboa<br />

5.<br />

Amplivox Farfisa<br />

6.<br />

Farfisa TR60<br />

No mês de Setembro regressámos<br />

a Viseu e aos ensaios no Cine-<br />

-Rossio. Cumprimos vários<br />

contratos musicais como na<br />

Festa das Vindimas em Sabugosa,<br />

no Baile de Máscaras do Hotel<br />

Lisboa nas Termas de S. Pedro do<br />

Sul para encerramento da época<br />

e alguns outros.<br />

As eliminatórias do Grande<br />

Concurso ié-ié tinham começado<br />

a 28 de Agosto. Realizavam-se<br />

nas tardes de sábado no Teatro<br />

Monumental em duas sessões,<br />

servindo a primeira como ensaio,<br />

sem Júri, e a segunda é que era a<br />

valer. Normalmente participavam<br />

cinco conjuntos por sessão.<br />

Aguardávamos a convocatória.


90 porViseu ’60s.<br />

.quim.<br />

guimarães.<br />

1.<br />

Quim Guimarães<br />

2.<br />

Formação do conjunto com o Quim<br />

Guimarães na viola solo<br />

(1º. da esquerda)<br />

3.<br />

Conjunto no Cine-Rossio<br />

a caminho do Concurso ié-ié<br />

4.<br />

Viola Hofner<br />

5.<br />

Ensaios para o Concurso ié-ié<br />

1<br />

2<br />

3<br />

4<br />

5<br />

Em Viseu, em Setembro de<br />

1965, corria a notícia de que<br />

o conjunto “Os Diamantes”<br />

tinha cessado a sua actividade<br />

musical. Nele tocava viola o<br />

Quim Guimarães (n. 1945), dois<br />

anos mais velho do que nós,<br />

que era um virtuoso intérprete<br />

daquele instrumento, músico<br />

muito conhecido e apreciado na<br />

cidade nomeadamente pelo arrojo<br />

em adaptar e interpretar êxitos<br />

clássicos à viola eléctrica, como<br />

o voo do moscardo. Surgiu-nos<br />

a ideia de o convidarmos para<br />

nosso viola solo, colmatando<br />

a falta que tínhamos desde<br />

a saída do Tó Fifas no final de<br />

1964. Sabíamos que ele nutria<br />

alguma simpatia pelo nosso<br />

conjunto e tinha afinidades com<br />

o nosso género musical Pop mais<br />

moderno do que o praticado pelos<br />

“Diamantes”. Não foi fácil a sua<br />

entrada para o conjunto pois os<br />

pais do Quim não andavam muito<br />

satisfeitos com os resultados<br />

dos seus estudos e como tal não<br />

queriam consentir nova aventura<br />

musical. De novo nos valeu a<br />

experiência e o saber do<br />

Sr. Loureiro, amigo pessoal<br />

do pai do Quim, que após<br />

várias conversas lá conseguiu<br />

o respectivo acordo. Para o<br />

conjunto foi muito importante<br />

a entrada do Quim Guimarães<br />

como novo viola solo, pois além<br />

do saber, tinha muita experiência<br />

musical feita em vários conjuntos,


os tubarões ’65 91<br />

tinha gosto e muita sensibilidade.<br />

Renovámos e melhorámos<br />

substancialmente a nossa<br />

aparelhagem e instrumentos<br />

com a aquisição de uma viola<br />

Fender Stratocaster vermelha<br />

para o Quim Guimarães, uma<br />

Hofner de meia caixa para o Vitó,<br />

uma nova viola baixo, adquirimos<br />

nova aparelhagem de voz com<br />

os primeiros microfones Shure e<br />

ainda o primeiro amplificador Vox<br />

AC30. Começámos a ensaiar no<br />

Cine-Rossio preparando a nossa<br />

participação no ié-ié.<br />

Nos ensaios, sempre que alguma<br />

música ou som não fosse do<br />

agrado do Quim, ele parava de<br />

tocar, saía do palco e ia para a<br />

assistência ouvir-nos, esmiuçava<br />

todos os instrumentos e sons<br />

e obrigava-nos a repetir até<br />

perceber e levar-nos a corrigir o<br />

pormenor que não lhe soava bem.<br />

Com ele começámos a interpretar<br />

músicas de uma craveira musical<br />

mais exigente quer na vertente<br />

instrumental quer na vertente de<br />

vozes.<br />

Os ensaios no Cine-Rossio<br />

começaram a ter muitos amigos e<br />

assistentes que gostavam de nos<br />

ouvir e acompanhar os nossos<br />

ensaios. Alturas houve em que<br />

tivemos de restringir o acesso<br />

aos ensaios de modo a podermos<br />

estar mais concentradas no<br />

nosso trabalho. Eis alguns<br />

dos amigos chegados que nos<br />

acompanhavam na altura:


92 por.Viseu ’60s.<br />

6<br />

6.<br />

Ensaios para<br />

o concurso ié-ié<br />

<br />

dia-a-dia, pianista com bom<br />

ouvido musical, que conhecia de<br />

cor e salteado o nosso repertório<br />

musical, e que saltava sempre<br />

para o teclado quando o Carlos<br />

Alberto não estava ou não podia<br />

tocar;<br />

<br />

grupo de fãs da Avenida do Liceu;<br />

<br />

o Rui Oliveira e Costa (que nós<br />

tratávamos por Ruizinho da<br />

Tentadora, café em Campo de<br />

Ourique onde o Rui parava muito),<br />

ao tempo ligado aos “Sheiks” e<br />

aos conjuntos do seu amigo Luís<br />

Moutinho, que mostrava estar a<br />

par das modas e dos êxitos mais<br />

recentes em Inglaterra, fazendo<br />

alguns comentários e sugestões<br />

que nós aproveitávamos;<br />

<br />

férias com a família o José Balula<br />

Cid, que veio a ser famoso como<br />

cavaleiro e mestre de equitação,<br />

e não perdia um dia da sua<br />

estadia sem estar connosco<br />

e nos brindar com as suas<br />

interpretações jazzísticas<br />

ao piano, das quais muito<br />

se destacava a superior<br />

interpretação de “O Sol de<br />

Inverno”.


os tubarões ’65 93<br />

.concurso.ié-ié.<br />

7.ª.eliminatória.<br />

1.<br />

Viola Fender Stratocaster<br />

1<br />

Chegou a convocatória para a<br />

7.ª eliminatória do Concurso<br />

ié-ié marcada para sábado,<br />

9 de Outubro, com a participação<br />

d’ “Os Kzares” (Aveiro),<br />

“Os Jovens do Ritmo” (Seixal),<br />

“Os Sheiks” (Lisboa) e “Os Galãs”<br />

(Porto). Para além d’ “Os Sheiks”,<br />

considerado o melhor conjunto de<br />

então, conhecíamos “Os Galãs”<br />

de nome, no qual participava o<br />

saudoso Barradas, amigo do Vitó<br />

no Porto e com quem nos viemos<br />

a encontrar mais tarde, na guerra<br />

colonial da Guiné. Sabíamos ser<br />

uma eliminatória muito difícil pois<br />

indubitavelmente o primeiro lugar<br />

pertenceria, por real valor, aos<br />

“Sheiks” e seria muito difícil,<br />

na mesma eliminatória,<br />

o apuramento de vários conjuntos<br />

para a fase seguinte.<br />

Mas, curiosamente, não partimos<br />

para a eliminatória apoquentados.<br />

Munidos do voucher do<br />

Movimento Nacional Feminino,<br />

dos instrumentos e com o nosso<br />

smoking azul na mala, partimos<br />

dia 8 para Lisboa tendo ficado<br />

instalados no Inatel na Calçada de<br />

Santana, onde encontrámos<br />

“Os Kzares” de Aveiro que<br />

também acabavam de<br />

chegar. Após as respectivas<br />

apresentações, ali dormimos e<br />

no sábado seguinte, pela manhã,<br />

fomos até ao Teatro Monumental,<br />

no Saldanha, onde decorria o<br />

Concurso. O dia passou depressa<br />

com os ensaios de som e<br />

alinhamento dos conjuntos.<br />

As matinés do Concurso estavam<br />

a animar as tardes de sábado em<br />

Lisboa e as reportagens referiam<br />

o entusiasmo das assistências<br />

em apoio aos conjuntos em palco,<br />

imitando a moda em voga quanto<br />

ao comportamento dos fãs dos<br />

“Beatles” quando estes passavam<br />

ou actuavam.<br />

Nós, vindos de Viseu, não<br />

contávamos nem sonhávamos<br />

com apoio de claques. Mas<br />

tivemos uma grande surpresa<br />

quando fomos anunciados e<br />

arrancámos com o “Good Golly<br />

Miss Molly” (Little Richard).<br />

Ouvimos uma gritaria infernal que<br />

nos entusiasmou e contribuiu<br />

para uma grande actuação, com<br />

aplausos, gritos, e apoio à nossa


94 porViseu ’60s.<br />

1<br />

1.<br />

Teatro Monumental<br />

2.<br />

Jornal O Século, reportagem da 7ª<br />

eliminatória do concurso ié-ié<br />

a)<br />

guedelhudos.blogspot.<br />

com/2008/09/sheiks-venceram-7-<br />

eliminatria.html<br />

2<br />

presença. Em palco continuámos<br />

com a música “Michael Aleluia”<br />

(Trini Lopes), um pouco mais lenta<br />

mas que mostrava o bonito timbre<br />

da voz do Zé Merino, seguiu-se<br />

o “Ya Ya” (Trini Lopes), já mais<br />

mexida e com um refrão muito<br />

fácil de repetir que permitia<br />

envolver o público num diálogo<br />

com o vocalista, e terminámos<br />

“em grande” e com um barulho<br />

ensurdecedor quando o Quim<br />

Guimarães arrancou os primeiros<br />

acordes do “Eight Days a Week”,<br />

dos “Beatles”. Para nós foi<br />

uma verdadeira e monumental<br />

actuação no Monumental.<br />

Não sabíamos o que poderia<br />

acontecer quanto à votação, mas<br />

ficámos muito satisfeitos com<br />

a nossa prestação. Soubemos<br />

depois terem aparecido muitos<br />

amigos de Viseu, que mobilizados<br />

pelo Fernando Pascoal de Matos,<br />

pelo Zé Sacadura e pelo João<br />

Correia dos Santos se juntaram e<br />

reuniram os viseenses em Lisboa<br />

formando uma verdadeira claque,<br />

à qual se juntou noutro espaço<br />

da Plateia o grupo das Termas<br />

de S. Pedro do Sul (Vimena,<br />

Carla) que também trouxeram<br />

os seus amigos. Foi um apoio<br />

completamente inesperado para<br />

nós, que muito nos surpreendeu<br />

e animou.<br />

Regressámos a Viseu com o 2.º<br />

lugar e a seguinte classificação<br />

da 7.ª eliminatória: 1.º “Sheiks”,<br />

43 pontos, 2.º “Os Tubarões”,<br />

26 pontos; 3.º “Os Galãs”,<br />

21 pontos, 4.º “Kzares”, 17 pontos<br />

e 5.º “Jovens do Ritmo”, 17 pontos.<br />

Pelo que se tinha passado até<br />

então foi considerada uma boa<br />

classificação e os 26 pontos<br />

colocavam-nos em lugar elegível<br />

para as meias finais, como se<br />

veio a confirmar. Tal classificação<br />

enchia-nos de orgulho e em Viseu<br />

não se falava de outra coisa.<br />

O que saiu na imprensa:<br />

“Sobre Os Tubarões a) : Apenas<br />

actuam quando isso não causa<br />

transtorno aos seus estudos.<br />

Revelou-se um conjunto<br />

homogéneo, com valores<br />

individuais e com vastas<br />

possibilidades no futuro.<br />

O júri atribuiu-lhes 26 pontos.<br />

Apresentaram-se com “Miss<br />

Molly”, “Eight Days A Week”,<br />

“Mike”, de Trini Lopez, e “Ya Ya”.<br />

Envergavam fato azul, camisa<br />

branca e laço preto. Eis os seus<br />

nomes: Luís Alberto Dutra,<br />

viola baixo, 18 anos, Joaquim<br />

Guimarães, viola solo, 20 anos,<br />

Victor Barros, viola ritmo, 18 anos,<br />

José Merino, vocalista, 17 anos,<br />

Eduardo Pinto, bateria, 18 anos,<br />

e Carlos Alberto, órgão eléctrico,<br />

16 anos.”


os tubarões ’65 95


96 porViseu ’60s.<br />

.terraço.das<br />

.estrelas<br />

.do.hotel<br />

.embaixador.<br />

A nossa primeira participação<br />

no ié-ié trouxe-nos uma<br />

agradável surpresa que me tocou<br />

especialmente.<br />

No Teatro Monumental a porta<br />

dos artistas era lateral e dava<br />

para a Avenida Praia da Vitória<br />

(a Rua do Toni dos Bifes).<br />

No intervalo das duas sessões<br />

o Zé Merino e o Quim Guimarães<br />

tentaram ir ao bar mas ficaram<br />

pelo caminho a dar autógrafos.<br />

Eu vim até à rua apanhar um<br />

pouco de ar e fumar um cigarro.<br />

Estava à porta dos artistas<br />

quando sou abordado por um<br />

senhor que me pergunta se eu<br />

sabia se estava presente um<br />

conjunto de Viseu chamado<br />

“Os Tubarões”. Surpreso respondi<br />

afirmativamente e quando disse<br />

o meu nome, ouço incrédulo.<br />

“Dá-me um grande abraço. Sou<br />

o teu tio Vasco”.<br />

O meu tio Vasco, irmão do meu<br />

pai, era muito mais dado às<br />

brincadeiras do que aos estudos.<br />

Cedo saiu de Viseu e aventurou-se<br />

em Lisboa onde fez uma brilhante<br />

carreira profissional ligada<br />

aos Seguros terminando como<br />

Administrador da Mútua dos<br />

Bacalhoeiros. Eu só o conhecera<br />

muito pequeno e nunca mais<br />

tinha tido contacto directo com<br />

ele. Só indirectos e através da<br />

minha avó Laura, sua mãe. Pois<br />

naquele dia de Outubro deu-se<br />

a coincidência de a minha avó<br />

Laura estar a passar uns dias<br />

em Lisboa em casa do meu tio<br />

Vasco. Logo que soube da nossa<br />

presença na capital tudo fez<br />

para nos encontrar. Para mim foi<br />

um momento de grande afecto e<br />

alguma comoção e para todos um<br />

agradável momento de alegria e<br />

diversão. Fomos todos convidados<br />

para jantar e passar o serão com o<br />

meu tio Vasco, a mulher e a minha<br />

avó Laura.<br />

Levou-nos ao Terraço das Estrelas<br />

do Hotel Embaixador, na Duque<br />

de Loulé, que naquele tempo<br />

também pertencia ao Casino<br />

do Estoril, estava na moda<br />

e regularmente apresentava<br />

um espectáculo de variedades<br />

aos sábados. Foi um jantar<br />

memorável, cheio de surpresas<br />

e diversão, regado com muita


os tubarões ’65 97<br />

1<br />

2<br />

1.<br />

Microfone Shure 55 Clássico<br />

2.<br />

Amplificador Vox AC30<br />

.fim.do.ano.<br />

bebida para libertar a emoção<br />

vivida nesse dia, que culminou<br />

com a nossa actuação no Terraço<br />

das Estrelas. Ao vivo e em directo!<br />

Do nosso sexteto constituiu-se<br />

ali mesmo um quarteto que se<br />

adaptou ao piano, contra-baixo e<br />

bateria, acompanhando o Zé em<br />

várias músicas que arrancaram<br />

aplausos do público que nos<br />

acompanhava cantando connosco<br />

algumas das melodias. E esta<br />

participação faz parte do nosso<br />

currículo.<br />

Saímos de madrugada, e o Luís<br />

Dutra, tal era o turbilhão, e quase<br />

descendo as escadas de entrada<br />

em trambolhão, tentava mandar<br />

parar uma ambulância que<br />

subia a Duque de Loulé a toda a<br />

velocidade com a sirene ligada,<br />

pensando tratar-se de um táxi.<br />

Tal era a confusão.<br />

Com o tio Vasco ficou logo<br />

marcado novo encontro para uma<br />

próxima visita a Lisboa, o que veio<br />

a acontecer mais tarde.<br />

Regressámos aos estudos e ao<br />

Liceu, aos ensaios aos fins de<br />

semana desde que não houvesse<br />

outros compromissos e animámos<br />

a festa do fim do ano no Clube de<br />

Viseu.<br />

Em 1965, crescemos!


66<br />

99<br />

100<br />

102<br />

103<br />

104<br />

106<br />

108<br />

109<br />

110<br />

112<br />

113<br />

113<br />

114<br />

115<br />

117<br />

119<br />

120<br />

123<br />

125<br />

.conquistar.<br />

.conquistar.<br />

.concurso.ié-ié.semi.final.<br />

.depoimento.joão.correia.dos.santos.<br />

.má.notícia.pior.decisão.<br />

.embaixadores.de.viseu.<br />

.concurso.ié-ié.final.<br />

.espectáculo.no.cine.rossio.<br />

.depoimento.ledinha.e.kinga.<br />

.café.snack.bar.alvorada.<br />

.o.casino.da.figueira.da.foz.<br />

.orquestra.de.josé.santos.rosa.<br />

.shegundo.galarza.<br />

.amália.<br />

.artistas.com.quem.nos.cruzámos.<br />

.má.nota.na.ota.<br />

.de.novo.viseu.<br />

.as.primeiras.gravações.<br />

.o.estúdio.<br />

.passagem.do.ano.no.grande.hotel.


os tubarões ’66<br />

99<br />

.conquistar. 1966 foi o ano da projecção<br />

nacional do conjunto devido<br />

essencialmente à participação<br />

no Grande Concurso ié-ié, e a<br />

consolidação da nossa presença,<br />

durante o Verão, como atracção e<br />

conjunto oficial do Grande Casino<br />

Peninsular da Figueira da Foz.<br />

O Baile de Finalistas do Liceu<br />

1 de Viseu realizou-se no dia 8 de<br />

Janeiro no Salão de Festas do<br />

1.<br />

“Os Tubarões” no Casino Cine-Rossio com os conjuntos<br />

de “Mário Simões” a) e de “Sousa<br />

Pinto” b) Após o fim do ano no<br />

Clube de Viseu ensaiámos com<br />

afinco para a nossa participação<br />

na semi-final do ié-ié, marcada<br />

para 15 de Janeiro.<br />

a)<br />

http://musicasdosanos60.<br />

blogspot.com/2011/03/mariosimoes-e-o-seu-conjunto-10-lp.<br />

html<br />

b)<br />

http://musicasdosanos60.<br />

blogspot.com/search/label/<br />

Conjunto%20Sousa%20Pinto


100 porViseu ’60s.<br />

.concurso.<br />

ié-ié.semi.<br />

final.<br />

Dos mais de setenta conjuntos<br />

concorrentes ao Concurso ié-ié,<br />

24 passaram às meias finais,<br />

realizadas durante o mês de<br />

Janeiro em quatro sessões, e a 23<br />

de Abril realizou-se uma sessão<br />

só com os conjuntos oriundos<br />

das Colónias Portuguesas na<br />

qual participaram os “Rocks de<br />

Angola”, os “Night Stars”<br />

de Moçambique, os “Lordes da<br />

Guiné” e “Ritmos Cabo-Verdianos”<br />

de Cabo Verde.<br />

Fomos chamados para a 2.ª<br />

semi-final que se realizou a 15<br />

de Janeiro no Teatro Monumental<br />

com os seguintes conjuntos:<br />

os “Saints” (futuros “Claves”),<br />

que vieram a ganhar na final do<br />

Concurso, os “Jets”, os “Cometas<br />

Negros” de Castelo Branco, os<br />

“Kímicos”, e os “Boys” de Coimbra.<br />

Da nossa experiência na<br />

eliminatória anterior já<br />

conhecíamos o ambiente<br />

escaldante gerado pelas claques<br />

e também sabíamos que estas<br />

eram muito sensíveis às músicas<br />

tocadas pelos diferentes<br />

conjuntos.<br />

Um êxito que estivesse no top<br />

ten e fosse bem interpretado,<br />

ou uma música de agrado geral,<br />

teriam francas possibilidades de<br />

gerar muito mais aplausos do que<br />

êxitos indiferenciados ou músicas<br />

pouco conhecidas.<br />

Em face destes considerandos,<br />

e de algumas dicas do Rui Oliveira<br />

e Costa, tivemos muito cuidado<br />

na selecção das músicas a<br />

interpretar, já que através delas<br />

poderíamos conquistar claques<br />

de Lisboa, sempre muito sensíveis<br />

ao último êxito, ao último grito<br />

musical, ou à letra mais radical.<br />

Assim a lista seleccionada<br />

incluiu “Satisfaction” dos<br />

“Rolling Stones”, “I Feel Fine”<br />

dos “Beatles”, “It’s My Life” e<br />

“We gotta get out of this place”<br />

dos “Animals”, conjunto que<br />

tinha dado dois concertos em<br />

Dezembro/65 no Monumental,<br />

esgotados e de sucesso<br />

retumbante. Era uma playlist<br />

fortíssima com músicas que<br />

permitiriam ao júri apreciar<br />

convenientemente as diferentes<br />

valências musicais do grupo,<br />

instrumental, vozes e o colectivo.


os tubarões ’66 101<br />

Foi uma sessão muito renhida<br />

e que nos correu muito bem.<br />

O ambiente era escaldante<br />

e o berreiro infernal. Em muitos<br />

momentos não nos ouvíamos<br />

uns aos outros e por vezes<br />

nem o próprio instrumento.<br />

Tocávamos por instinto com muita<br />

determinação e concentração.<br />

Naquele tempo não havia as<br />

tecnologias de hoje com sons<br />

de retorno e o controlo do som<br />

era feito directamente por nós<br />

em palco. Tudo era ao vivo saído<br />

directamente dos amplificadores.<br />

O palco do Monumental era<br />

enorme mas mesmo assim<br />

pequeno para as aparelhagens<br />

de seis conjuntos em simultâneo,<br />

mesmo partilhando uma única<br />

bateria. Ficávamos muito<br />

distantes uns dos outros e com<br />

muita pouca audição de conjunto.<br />

Mas era assim para nós e para<br />

todos.<br />

De novo se mobilizaram as nossas<br />

claques, a de Viseu e a de Lisboa.<br />

Entrámos em palco vestidos<br />

com um bonito fato cinzento de<br />

trespasse feito na Alfaiataria<br />

Freitas em S. Pedro do Sul e<br />

começámos com o “Satisfaction”,<br />

um clássico com aceitação muito<br />

generalizada e a adesão foi muito<br />

boa. Seguiram-se os primeiros<br />

acordes do baixo do “We gotta get<br />

out of this place”, último êxito dos<br />

“Animals”, grupo que tinha uma<br />

configuração instrumental muito<br />

semelhante à nossa, para além<br />

do timbre do Zé Merino lembrar<br />

o timbre do Eric Burdon. Ainda<br />

com os aplausos no ar o Quim<br />

arrancou com os inconfundíveis<br />

primeiros acordes do “I Feel<br />

Fine” e terminámos com uma<br />

fortíssima interpretação do<br />

Zé Merino no “It’s my life” dos<br />

“Animals”, uma música do final<br />

do ano de 1965 especialmente<br />

escrita para a voz do Eric Burdon,<br />

com uma construção musical<br />

forte iniciada pela viola baixo que<br />

sincroniza com a viola solo na<br />

segunda frase musical, e assim<br />

se mantém durante partes da<br />

música, sempre em crescendo,<br />

e sobre a qual evolui um timbre<br />

forte de voz que nalgumas fases<br />

incita ao diálogo com os coros.<br />

Sem dúvida uma boa música que<br />

nós tocávamos muito bem. E a<br />

plateia foi ao rubro. Foi uma tarde<br />

memorável. Não conseguíamos<br />

sair do palco pois os aplausos não<br />

paravam. O público pedia mais<br />

uma música e não se cansava<br />

de aplaudir. Nós agradecíamos<br />

no palco com o Zé a dizer estar<br />

rebentado da garganta. Então<br />

o Quim Guimarães virou-se<br />

para o Júri algures no Balcão<br />

à nossa direita, levantou o<br />

indicador direito e interrogou:<br />

“só mais uma?” e foi-nos dada<br />

autorização. Interpretámos o “voo<br />

do moscardo”, um instrumental<br />

clássico que o Quim tinha<br />

adaptado à viola eléctrica, e em<br />

que demonstrava todo o seu<br />

virtuosismo.


102 porViseu ’60s.<br />

.depoimento.<br />

João Correia dos Santos<br />

O Quim brilhou com todo o<br />

Monumental em pé quando<br />

colocou a viola no ombro direito<br />

e solava com a viola nas costas.<br />

Outra monumental tarde no<br />

Monumental!<br />

Durante esta música parti uma<br />

das baquetas que me feriu um<br />

dos dedos, jorrando sangue pela<br />

bateria. Tocámos até ao final com<br />

o público em pé. Foi uma ovação!<br />

Tudo nos correu bem nesta semi-<br />

-final, provavelmente a melhor<br />

actuação de toda a nossa vida<br />

musical. Saímos sem fazermos<br />

a menor ideia das classificações<br />

atribuídas pelo Júri, tendo<br />

constado que não havia consenso<br />

entre os seus membros.<br />

No dia seguinte o Século<br />

anunciava que o Júri iria reunir<br />

para atribuir as pontuações.<br />

E este facto foi estranho e gerou<br />

controvérsia, já que o normal<br />

era aquele jornal publicar as<br />

classificações no domingo<br />

seguinte.<br />

Mais em guedelhudos.blogspot.<br />

com/2010/01/ie-ie-em-janeiro.html<br />

CONCURSO IÉ-IÉ<br />

GRANDE SEMI-FINAL NO<br />

MONUMENTAL EM LISBOA<br />

Decorria o ano de 1965, e por<br />

inicativa do Movimento Nacional<br />

Feminino desenrolou-se um<br />

concurso de Bandas Rock a nível<br />

Nacional e que teve uma semifinal<br />

no Cinema Monumental em<br />

Janeiro de 1966 em que Viseu<br />

estava representado pelo “nosso”<br />

conjunto “Os Tubarões”.<br />

Se, para os visienses a qualidade<br />

e classe deste conjunto não era<br />

novidade ou espanto, para o<br />

País inteiro foi uma “bomba” que<br />

rebentou e que pôs em causa<br />

a hegemonia dos conjuntos<br />

lisboetas e portistas, que<br />

consideravam favas contadas.<br />

A SUA VITÓRIA FINAL.<br />

O Monumental encheu,<br />

com uma Juventude delirante,<br />

apoiando cada claque o seu Grupo<br />

preferido.<br />

No Balcão Superior encontrava-<br />

-se uma claque que se distinguia<br />

das outras pelo seu entusiasmo<br />

e bairrismo.<br />

A CLAQUE DE VISEU<br />

Constituída por antigos alunos<br />

que se encontravam a estudar ou<br />

a trabalhar em Lisboa e muitos<br />

apoiantes “Estrangeiros” rendidos<br />

à classe dos “Tubarões” foi um<br />

delírio e uma loucura o apoio<br />

à GENIAL interpretação dos<br />

“Tubarões” que arrebataram todo<br />

o auditório do Monumental, com<br />

as suas interpretações.<br />

Não seria justo destacar este ou<br />

aquele interveniente, pois todos<br />

demonstraram a categoria que<br />

tinham.<br />

Não seria por bairrismo ou<br />

patriotismo dizer que foram os<br />

melhores na semi-final e que<br />

mereciam – de longe – vencerem<br />

a eliminatória.<br />

Mas já naquela tempo outros<br />

“valores” mais altos se<br />

levantavam.<br />

Foi memorável esse dia e tive<br />

o privilégio de ter asssitido ao<br />

vivo a essa memorável jornada<br />

que levou bem alto o valor e<br />

a categoria dos “Tubarões”,<br />

considerado na época um dos<br />

melhores conjuntos Rock de<br />

Portugal.<br />

PARABÉNS e agradecido pelos<br />

momentos memoráveis que me<br />

proporcionaram.<br />

São estes episódios que nos<br />

deixam orgulhosos da nossa<br />

Juventude Visiense dos Anos 60.


os tubarões ’66 103<br />

.má.notícia.<br />

pior.decisão.<br />

1.<br />

Carnaval, Clube de Viseu<br />

1<br />

O Carnaval foi a 22 de Fevereiro<br />

e nós animámos no Clube de<br />

Viseu os vários bailes e matinés<br />

que eram habituais na época.<br />

Com o acordo da Direcção do<br />

Clube continuámos a ensaiar no<br />

Salão de Festas aguardando a<br />

evolução do Concurso ié-ié, em<br />

que os nossos 33,5 pontos nos<br />

davam alguma tranquilidade.<br />

Foi após o Carnaval que tivemos<br />

a pior notícia da vida do conjunto,<br />

que muito nos abalou e marcou.<br />

O Sr. Loureiro e o Quim Guimarães<br />

pediram uma reunião para nos<br />

comunicarem que, por razões<br />

muito particulares, o Quim<br />

tinha decidido ir estudar e viver<br />

para Lisboa. E tal mudança<br />

se concretizaria logo no início<br />

do mês de Março, data que<br />

poderia vir a colidir com a nossa<br />

possível presença na final do<br />

ié-ié, prevista para o mês de<br />

Abril ou Maio. Ficámos muito<br />

perturbados e a idade não nos<br />

permitia compreender a opção<br />

do Quim. Como poderia o Quim<br />

não considerar o conjunto uma<br />

prioridade, a prioridade, a coisa<br />

mais importante do mundo como<br />

todos nós, dois anos mais novos,<br />

considerávamos? Foi um embate<br />

muito forte que magoou todos os<br />

restantes membros do conjunto.<br />

E se fossemos apurados para<br />

final do ié-ié como faríamos?<br />

O Quim, apoiado pelo Sr. Loureiro,<br />

manifestou sempre a maior<br />

solidariedade connosco e a total<br />

disponibilidade para vir aos fins<br />

de semana ensaiar e assim poder<br />

estar presente connosco na final.<br />

Foram momentos muito tensos.<br />

Após muita discussão, e apesar<br />

da influência e dos pedidos<br />

de ponderação do Sr. Loureiro,<br />

rejeitámos a proposta do Quim<br />

e decidimos seguir sozinhos<br />

a nossa vida musical, mesmo<br />

a provável participação na final<br />

do ié-ié.<br />

Mais tarde, com a distância do<br />

tempo e longe das emoções,<br />

todos reconhecemos que a nossa<br />

decisão foi um perfeito, completo<br />

e rotundo disparate.


104 porViseu ’60s.<br />

nos acompanhava nas nossas<br />

actuações aos fins de semana<br />

aumentava de dia para dia.<br />

Só a 25 de Abril é que recebemos<br />

o telegrama com a informação<br />

de que estávamos apurados para<br />

a final. Dia 23 tinha ocorrido a<br />

semi-final dos conjuntos das ex-<br />

-colónias e dois deles, os “Rocks”<br />

de Angola e os “Night Stars” de<br />

Moçambique, foram apurados.<br />

.embaixadores.<br />

de.Viseu.<br />

Não havia muitas notícias sobre<br />

a evolução do Concurso ié-ié.<br />

Sabia-se que estariam a decorrer<br />

eliminatórias nas Colónias mas<br />

havia muito pouca informação<br />

sobre o tema. Nós continuávamos<br />

na expectativa a aguardar mais<br />

informações sobre o desenrolar<br />

do Concurso.<br />

Em Viseu, a expectativa e o<br />

carinho para com o conjunto eram<br />

enormes. Todos queriam saber<br />

novidades: os colegas, os amigos<br />

e conhecidos, os professores e<br />

todas as entidades da cidade.<br />

Vivíamos uma saudável atmosfera<br />

junto de todos os conterrâneos.<br />

E todos viviam connosco a nossa<br />

faceta artística e a comitiva que<br />

E foi com alguma surpresa<br />

que recebemos um convite<br />

do Governador Civil de Viseu,<br />

Sr. Eng.º Engrácia Carrilho, para<br />

uma audiência no Salão Nobre<br />

do Governo Civil.<br />

Dia 27 de Abril lá fomos<br />

devidamente aprumados com os<br />

fatos do conjunto, liderados pelo<br />

Sr. António Xavier de Sá Loureiro.<br />

Nunca entráramos naquele<br />

edifício na Av. 28 de Maio, hoje<br />

Alberto Sampaio. Aguardámos<br />

a audiência com o Sr. Eng.º<br />

Engrácia Carrilho.<br />

Era uma figura distinta e com<br />

grande prestígio em Viseu. Muito<br />

alto, sempre impecavelmente<br />

vestido de fato estilo inglês,<br />

casaco sempre abotoado, muito<br />

educado e muito simpático para<br />

todos com quem se cruzava.<br />

Uma figura ilustre da cidade!<br />

Para nós o gigantesco Salão<br />

que parecia vazio ficou<br />

completamente cheio quando<br />

o Eng.º Carrilho entrou.<br />

Iniciada a cerimónia ouvimos<br />

em palavras simples,


os tubarões ’66 105<br />

um pouco da história de Viseu,<br />

o seu passado, as suas gentes<br />

e a importância da cidade no<br />

contexto nacional e ibérico.<br />

As vias romanas que cruzaram<br />

a cidade, a Sé, as Muralhas e<br />

todo o passado histórico do qual<br />

existem tantos vestígios, os Reis<br />

e personalidades ligadas à cidade<br />

como D. Afonso Henriques,<br />

D. Duarte, Vasco Fernandes<br />

(Grão Vasco), João de Barros,<br />

Hilário, Emídio Navarro e<br />

seguramente muitos outros que<br />

já não recordamos. Após uma<br />

verdadeira aula de história viva da<br />

cidade, o Eng.º Engrácia Carrilho<br />

estimulou a nossa presença<br />

na final do ié-ié enaltecendo a<br />

proeza de termos ultrapassado<br />

com tanto mérito as eliminatórias<br />

que nos permitiam chegar à final.<br />

As palavras de incentivo, de<br />

enaltecimento das virtudes<br />

das gentes da nossa região,<br />

da importância da nossa<br />

presença enquanto viseenses no<br />

Monumental, caíram fundo em<br />

todos nós, e ainda mais pesaram<br />

quando fomos oficialmente<br />

nomeados “Embaixadores de<br />

Viseu no ié-ié”, mandatados<br />

para distribuirmos a todos os<br />

grupos presentes na Final,<br />

documentação e lembranças<br />

da região de Viseu.<br />

Saímos todos muito sérios e<br />

muito orgulhosos pela distinção<br />

e pelo importante papel que nos<br />

fora atribuído naquele acto no<br />

Governo Civil de Viseu.<br />

Ainda hoje, mais de 40 anos<br />

depois, várias vezes recordamos<br />

entre nós este episódio e o quanto<br />

nos marcou no amor a Viseu.<br />

Todos passámos a ver Viseu com<br />

outros e melhores olhos graças<br />

à inteligência de uma pessoa<br />

que, embora num lugar de grande<br />

prestígio, tomou a iniciativa de<br />

nos chamar, valorizar o nosso<br />

sucesso e transmitir<br />

com simplicidade e encanto<br />

a importância de se amar Viseu.<br />

Obrigado Eng.º Engrácia Carrilho.<br />

Nunca o esqueceremos.


106 porViseu ’60s.<br />

.concurso.<br />

ié-ié.final<br />

1<br />

2 3 4<br />

1.<br />

Livre-trânsito do Teatro<br />

Monumental<br />

2.<br />

Anúncio ao ié-ié<br />

3.<br />

Tarola Sonor<br />

4.<br />

Voucher M.N.F.<br />

Sexta-feira 29 de Abril, partimos<br />

para Lisboa com destino à Final<br />

do ié-ié. Tínhamos a obrigação de<br />

levar uma música em português.<br />

Poderia ser um original ou mesmo<br />

um cover mas com letra em<br />

português. O grupo dos nossos<br />

amigos, liderados pelo António<br />

Laranjeira, conseguiu arranjar<br />

uma letra em português adaptável<br />

à música dos “Beatles” “Eight<br />

days a week”, uma das que<br />

tínhamos seleccionado para levar<br />

à Final.<br />

E no sábado, 30 de Abril fomos<br />

de manhã para o Monumental<br />

preparar a Final com mais sete<br />

conjuntos: quatro de Lisboa<br />

(“Claves”, “Ekos”, “Jets” e<br />

“Chinchilas”), os “Espaciais” do<br />

Porto, os “Rocks” de Angola, os<br />

“Night Stars” de Moçambique.<br />

E logo à chegada cruzámo-nos<br />

com o Carlos Mendes que<br />

nos avisava de algumas<br />

irregularidades que teriam<br />

ocorrido e que justificavam a sua<br />

não presença na final. Constou ter<br />

havido algumas irregularidades<br />

na organização que terão<br />

beneficiado alguns conjuntos,<br />

mas nós, vivendo no interior, longe<br />

dos interesses comerciais, nunca<br />

soubemos nada de concreto, com<br />

excepção do que aconteceu na<br />

nossa semi-final com a demora<br />

na divulgação da classificação.<br />

Também houve reclamações<br />

quanto ao tratamento muito<br />

tolerante dado aos conjuntos das<br />

colónias que não foram sujeitos<br />

ao crivo tão exigente como o<br />

aplicado aos conjuntos que<br />

passaram nas eliminatórias do<br />

Monumental. E ficou por explicar<br />

a razão pela qual, numa Final<br />

com oito conjuntos seleccionados<br />

a partir do escrutínio entre os<br />

melhores nacionais, estava<br />

incluída a participação<br />

extra-concurso do conjunto<br />

“Os Deltons” que não tinha<br />

concorrido nem tinha projecção<br />

nacional para tal. Coisas à<br />

portuguesa.<br />

Terminava uma longa jornada<br />

após sete meses de eliminatórias<br />

onde nos cruzámos em palco com<br />

alguns dos melhores conjuntos<br />

da época, além dos da final:<br />

“Sheiks”, “Galãs”, “Kzares”, “Jovens<br />

do Ritmo”, “Químicos”, “Cometas<br />

Negros” e “Boys”. Muito trabalho,<br />

muitos ensaios, muitas canseiras,<br />

e uma grande alegria: a Final!<br />

Voltámos ao ambiente frenético<br />

do ié-ié no Monumental, ainda<br />

com mais confusão pois eram<br />

nove conjuntos em palco e uma<br />

organização muito deficiente no<br />

backstage. Um verdadeiro caos.<br />

Foi a maior desorganização em<br />

todas as nossas participações<br />

no Festival. Ninguém dava<br />

informações, tivemos de nos<br />

organizar por nossa iniciativa, não<br />

havia comando nem coordenação<br />

de palco.<br />

A Final foi de facto muito<br />

polémica e foram apresentados<br />

os seguintes resultados:


os tubarões ’66 107<br />

1º. CLAVES Lisboa - 55 pontos<br />

2º. ROCKS Angola - 45 pontos<br />

3º. NIGHT STARS Moçambique - 39,5 pontos<br />

4º. JETS Lisboa - 35 pontos<br />

5º. EKOS Lisboa - 29,5 pontos<br />

6º. CHINCHILAS Lisboa 29 pontos<br />

7º. ESPACIAIS Porto -18 pontos<br />

8º. TUBARÕES Viseu - 18 pontos<br />

Mais em guedelhudos.blogspot.<br />

com/2007/11/claves-campees-do-y-y.<br />

html<br />

Recebemos alguns prémios o<br />

melhor dos quais me coube a<br />

mim com a oferta de uma tarola<br />

Sonor metálica. Também nos<br />

entregaram um par de sapatos,<br />

castanhos e brancos, tamanho<br />

gigante, que oferecemos ao<br />

Eduardo Nascimento, vocalista<br />

dos “Rocks”, que adorou o<br />

presente.<br />

Foi uma jornada muito importante<br />

na vida do conjunto, que marcou<br />

cada um de nós, e trouxe o nome<br />

do conjunto e da cidade para a<br />

comunicação social por uma boa<br />

razão. Foi um grande salto na<br />

nossa carreira musical.


108 porViseu ’60s.<br />

.espectáculo.<br />

no.cine.rossio.<br />

Regressámos à nossa linda<br />

terra, às aulas, aos ensaios no<br />

Cine-Rossio, aos bailes, aos<br />

espectáculos e aos amigos.<br />

E Viseu recebeu-nos muito bem.<br />

Toda a cidade falava connosco.<br />

E a nossa vida agitou-se ainda<br />

mais.<br />

Aumentaram as solicitações, os<br />

contactos, os contratos e o nosso<br />

cachet subiu.<br />

O Sr. Severo queria fazer um<br />

espectáculo no Cine-Rossio para<br />

nos apresentar em Viseu após a<br />

nossa participação na final do<br />

ié-ié. O mesmo ficou marcado<br />

para 28 de Maio, aproveitando a<br />

projecção da comédia musical<br />

“Every Day’s a Holiday” com<br />

Freddie and “The Dreamers”, John<br />

Leyton, Mike Sarne, Ron Moody, Liz<br />

Fraser entre outros. Foi o nosso<br />

1.º Concerto em Viseu depois da<br />

final do ié-ié. O preço dos bilhetes<br />

era de 5$50 para a 2.ª Plateia,<br />

9$50 para a 1.ª Plateia e 12$50<br />

para as poltronas. As Frisas<br />

(6 lugares) eram a 57$50. Sessão<br />

completamente esgotada com<br />

todas as frisas com cadeiras extra.<br />

Foi um sucesso que terminou tarde<br />

com vários encore, muitos pedidos<br />

do Clube de Fãs, e uma dedicatória<br />

especial do “E que tudo o mais vá<br />

pró inferno” para umas fãs do Brasil<br />

que haviam chegado para umas<br />

férias em Vil de Soito.<br />

Foi um espectáculo muito divertido<br />

e animado.


os tubarões ’66 109<br />

.depoimento.<br />

Ledinha e Kinga<br />

Como caçadores do tempo,<br />

os personagens são também<br />

pastores que escolhem<br />

prados férteis, presenciando<br />

a essencialidade da vida.<br />

Entre a fantasia e o mais real<br />

dos momentos, reabrimos o<br />

frasco onde ficou guardado o<br />

perfume dos altos pinheirais<br />

emproados e majestosos. Extrair<br />

das profundezas da criação<br />

as grandes alegrias é como<br />

desvendar os segredos da alma, é<br />

revelar o refúgio do passado, que,<br />

desavisado, transcende aos anos.<br />

E se um doce assobio criar um<br />

eco pouco ouvido e vier aguçar os<br />

sentimentos para arfar o fio às<br />

conversas de uma época?<br />

Ah! se sobre as pontes férteis da<br />

paixão pudermos buscar a poesia<br />

e contemplar, com lucidez, nossa<br />

história de vida.<br />

Viseu, Abril de 1966.<br />

Chegamos às terras lusas para<br />

ficar durante 10 meses. O Casal de<br />

Vil de Soito parecia calmo demais<br />

para duas meninas urbanas e<br />

festeiras. O nosso período de<br />

“europeização” que se iniciava,<br />

com certeza teria sido monótono<br />

se não fossem “Os Tubarões”.<br />

Foi no dia (na noite, melhor<br />

dizendo) 28 de Maio que ouvimos<br />

“Quero que tudo o mais vá pró<br />

inferno”, música de Roberto Carlos<br />

e que nos foi oferecida pelos<br />

Tubarões. Mais inesquecível do<br />

que a canção foi, após o show,<br />

conhecermos os componentes do<br />

Conjunto e, em especial, Eduardo<br />

e Luís por quem nos apaixonamos<br />

(e, apesar dos dois terem<br />

namoradas “firmes”, começámos a<br />

namorar).<br />

Fechando os olhos nos permitimos<br />

reencontrar com o passado onde<br />

há saudade da adolescência, dos<br />

amores vividos.<br />

Durante os meses que se seguiram<br />

àquela noite perdemos muito<br />

poucos ensaios dos “Tubarões”.<br />

Na verdade o melhor eram<br />

os “pós-ensaios” quando<br />

namorávamos até a hora de<br />

voltar ao Casal de Vil de Soito.<br />

Ensaios, pós-ensaios, lanches na<br />

pastelaria Horta, “às 10 p’ras 3”.<br />

Que vendaval de lembranças,<br />

meu Deus!<br />

Houve uma época em que<br />

levávamos nossos primos aos<br />

ensaios. Numa tarde um deles<br />

passou mal e, enrolando-se<br />

– literalmente – na cortina que<br />

separava o salão do “quarto de<br />

banho” sujou todo o local.<br />

A senhora responsável pela<br />

limpeza quando foi fazer a<br />

inspeção para se certificar de que<br />

estava tudo pronto para a sessão<br />

de cinema, teve a verdadeira visão<br />

do inferno.<br />

A “culpa” caiu nos “Tubarões”,<br />

todos os membros tornaram-se<br />

suspeitos e, acreditamos que, por<br />

pouco eles não ficaram proibidos<br />

de lá ensaiar.<br />

Falando em suspeitos, lembramos<br />

que só poderiam mesmo ser eles,<br />

já que era proibido entrar no<br />

recinto qualquer pessoa que não<br />

fossem os integrantes do grupo.<br />

Para nós, que estávamos sendo<br />

preparadas para seguir os passos<br />

das Meninas Exemplares da<br />

Condessa de Ségur, ir aos ensaios<br />

– escondido – era uma aventura<br />

e tanto.<br />

Em Agosto, na praia da Figueira<br />

da Foz, um fim de semana com<br />

“Os Tubarões”!<br />

O namoro à luz de velas, as lúdicas<br />

histórias contadas ao som de, ora<br />

um fado, ora de um rock. Ingénuas,<br />

acreditávamos que esses<br />

momentos reais não acabariam<br />

nunca.<br />

Definitivamente, Viseu sem<br />

Eduardo e Luís não tinha a menor<br />

graça.<br />

Ainda podemos ouvir o som da<br />

maré alta despertando em raios<br />

luminosos nas areias daquela<br />

praia perdidamente lusa. Já se<br />

faz distante essa passagem por<br />

paisagens enevoadas na nossa<br />

lembrança. Esquecer, jamais.<br />

Ah! se o cheiro dos rosmaninhos<br />

pudesse nos alcançar...!<br />

Ah! se esse lamento percorresse<br />

os oceanos, sem margens ...!<br />

Veríamos que ainda podemos<br />

sonhar!


110 porViseu ’60s.<br />

.café.snack.<br />

bar.alvorada.<br />

Já referi a importância que os<br />

cafés assumiam naquela época.<br />

Eram os locais de encontro e<br />

convívio das pessoas, onde<br />

conversavam e comentavam<br />

as novidades ou viam a TV.<br />

Normalmente cada café tinha<br />

um grupo específico de clientes<br />

habituais.<br />

O nosso café passou a ser o<br />

Snack-Bar Alvorada, que após<br />

obras teve a sua gestão entregue<br />

ao Sr. António de Matos Cardoso,<br />

pai dos nossos amigos Toninho<br />

Matos e Fernanda Matos, pessoa<br />

muito experiente na actividade<br />

hoteleira sendo o responsável<br />

do Hotel Avenida, que pertencia<br />

à família.<br />

O Alvorada reiniciou a sua<br />

exploração com grande sucesso<br />

no restaurante utilizando a<br />

Sala -1 que esgotava diariamente<br />

graças à excelente cozinheira<br />

esposa do Sr. Correia, o Chefe de<br />

Mesa. E nós utilizávamos<br />

o r/c enquanto café, snack-bar e<br />

local de convívio. O Alvorada fica<br />

na Rua Gaspar Barreiros,<br />

de frente para a entrada do Hotel<br />

Grão Vasco, num ponto central<br />

da cidade, perto da casa do<br />

Sr. Loureiro e do Cine-Rossio,<br />

de rápido acesso, com uma<br />

pequena área de café e snack<br />

no r/c, e era bastante reservado<br />

na sua frequência.<br />

Não menos importante para nós<br />

é que ficava localizado mesmo<br />

ao lado da porta do explicador de<br />

Matemática Dr. Alcindo Sampaio,<br />

que quase todos frequentámos.<br />

O Alvorada foi mais um dos<br />

nossos lugares de referência na<br />

cidade que acompanhou a vida<br />

do conjunto até 1968. Éramos<br />

clientes fiéis e mobilizámos para<br />

lá muitos amigos e pessoas que<br />

nos visitavam. Passou a estar<br />

muito ligado à vida do conjunto<br />

pois também servia de local<br />

de contacto e recepção dos<br />

inúmeros pedidos de quem nos<br />

queria contratar, embora o nosso<br />

escritório oficial fosse na casa<br />

do Sr. Loureiro na Rua Alexandre<br />

Herculano.<br />

A família Correia, que entretanto<br />

assumiu a gestão da casa, toda<br />

se mobilizava para nada nos<br />

faltar, tomando conta de todas as<br />

mensagens recebidas na nossa<br />

ausência. Até as sobrinhas Bé<br />

e Tecas, ainda novitas, ajudavam<br />

em tais actividades.<br />

Passámos ali bons momentos<br />

de convívio e vivências com<br />

muitos dos nossos amigos mais<br />

chegados. Recordamos o Rogério<br />

Dourado que nos acompanhou<br />

diariamente como Road Manager<br />

a partir de 1967, o Maurício e a<br />

Fernanda Madeira, o Dr. Vasco<br />

Cunha, o Tó Oliva, o Zé Barata,<br />

o Arnaldo Machado e a Guida,<br />

e muitos, muitos outros que nos<br />

apoiaram durante a nossa alegre<br />

vida musical.


os tubarões ’66 111<br />

1<br />

1.<br />

Postal ilustrado “Os Tubarões”<br />

(foto Germano)<br />

O aumento da nossa<br />

popularidade levou a que o<br />

Germano, um grande artista da<br />

Fotografia a quem a memória<br />

de Viseu muito deve, nos tenha<br />

convidado para a realização de<br />

uma sessão de fotografias do<br />

conjunto. Uma delas, tirada na<br />

escadaria do hotel Grão Vasco,<br />

ficou famosa e foi transformada<br />

em postal ilustrado, vendendo-<br />

-se nos expositores da cidade,<br />

esgotando várias edições.


112 porViseu ’60s.<br />

.o.casino.<br />

da.figueira.<br />

da.foz.<br />

1<br />

2 3<br />

1.<br />

No Casino, num intervalo de ensaio:<br />

Carlos Alberto, Beto Carrilho, Vitó,<br />

Eduardo, Dutra<br />

2.<br />

Cartaz Casino<br />

3.<br />

Programa Casino de 24 Agosto<br />

a)<br />

www.youtube.com/<br />

watch?v=gR3pFuLdITA<br />

A 15 de Maio voltámos ao<br />

Grande Casino Peninsular<br />

para animarmos a matiné de<br />

apresentação da época 1966.<br />

A Administração do Casino<br />

mostrou uma vez mais o grande<br />

apreço que nutria pelo conjunto,<br />

manifestando o contentamento<br />

por termos ajudado a recuperar<br />

o público jovem que andava<br />

arredado das suas salas.<br />

E o programa para a época de<br />

1966 anunciava os restantes<br />

conjuntos já contratados:<br />

“Shegundo Galarza”, “Orquestra<br />

de José Santos Rosa” e o “Trio<br />

Juan Ferret”.<br />

Em Julho, logo que nos libertámos<br />

dos afazeres escolares, iniciámos<br />

nova época no Grande Casino<br />

Peninsular da Figueira da Foz.<br />

A logística da estadia e<br />

alimentação ficou a cargo de<br />

um dos fornecedores habituais<br />

do Casino, a Residencial O Júlio,<br />

com óptima cozinha regional,<br />

muito simpáticos, cúmplices e<br />

tolerantes com os nossos horários<br />

sempre desregrados. Dormíamos<br />

na Rua Ernesto da Silva, muito<br />

perto do Casino.<br />

O Casino tinha um programa de<br />

animação geral muito variado<br />

que procurava atingir todos<br />

os públicos. Todas as noites<br />

Variedades no Salão de Café<br />

e Baile no Salão Nobre, por<br />

vezes animados com a Eleição<br />

de Misses, Tômbolas e outras<br />

promoções.<br />

As tardes eram destinadas<br />

aos públicos mais jovens com<br />

matinés gançantes, garraiadas,<br />

matinés infantis, teatro infantil,<br />

concursos. Para além deste tipo<br />

de animação, o Casino organizava<br />

diversos torneios, Bridge e outros,<br />

e múltiplas exposições na sua<br />

Galeria de Arte.<br />

Com uma Direcção muito<br />

dinâmica liderada pelo Sr. Mendes<br />

Pinto, o Casino era um pólo de<br />

atracção para os milhares de<br />

turistas que nos meses de Julho,<br />

Agosto e Setembro passavam pela<br />

Figueira da Foz. Nos bastidores do<br />

Casino sentia-se muita energia, e<br />

um ritmo constante de mudança<br />

de cenários e ambientes, com<br />

o nítido intuito de servir todos os<br />

públicos, do infantil ao adulto,<br />

do amador ao jogador<br />

profissional.<br />

E tudo funcionava a preceito, sem<br />

falhas nem contratempos, e com<br />

um ritmo impressionante.<br />

Às quintas-feiras, no Salão de<br />

Café, era montado um redondel<br />

com todos os atributos de uma<br />

Praça de Touros para a realização<br />

das garraiadas infantis, com<br />

gravilha no chão, escotilhas,<br />

e valentes garraios que os mais<br />

jovens e atrevidos, durante<br />

a tarde, tentavam pegar.<br />

Mas à noite, à hora marcada,<br />

o Salão de Café estava de novo<br />

impecável para as Variedades<br />

que iam começar.<br />

Na época de 1966 cruzámo-nos<br />

no casino com vários artistas.


113<br />

.orquestra.de.josé.santos.rosa. a)<br />

As Variedades começavam às<br />

22h30 no Salão de Café após<br />

as quais abria o Baile no Salão<br />

Nobre. No ano de 1966 tiveram o<br />

suporte musical da “Orquestra de<br />

José Santos Rosa” composta por<br />

excelentes músicos profissionais,<br />

alguns deles elementos de<br />

Bandas Militares, ao tempo<br />

grandes escolas de música. Além<br />

do excelente Maestro, lembro-me,<br />

entre outros, do Estêvão Ferreira<br />

na bateria, do Floriano Silva, do<br />

Agostinho Caineta e do João de<br />

Sousa Galvão que veio a ter o<br />

seu próprio Conjunto com edição<br />

de discos. Impressionava-nos a<br />

rapidez e facilidade com que esta<br />

Orquestra pegava nas pautas<br />

dos artistas e em pouco tempo<br />

ensaiava, compunha ou refazia<br />

os arranjos musicais. E à noite<br />

tudo saía perfeito. Fantástico,<br />

pensávamos nós.<br />

.shegundo.galarza. b)<br />

Era compreensível o nervoso e a<br />

responsabilidade que sentimos<br />

quando começámos a alternar<br />

com um dos melhores conjuntos<br />

portugueses como era o de<br />

“Shegundo Galarza”.<br />

O quarteto era composto pelo<br />

Maestro, pelo Carlos Menezes,<br />

mestre em viola, pelo José Manuel<br />

(o Baby Rock) no baixo e pelo<br />

Eduardo Esteves, um figueirense,<br />

na bateria. Eram uns Senhores<br />

e muito aprendemos a vê-los, a<br />

ouvi-los e a assistirmos aos seus<br />

ensaios. O mais trabalhador era<br />

sem dúvida o Carlos Menezes<br />

que chegava sempre uma hora<br />

mais cedo para aquecer os dedos,<br />

fosse para o ensaio, actuação ou<br />

mesmo que não tivesse nada para<br />

fazer. Estava sempre a “estudar”<br />

viola, como dizia com a sua<br />

simpatia e simplicidade.<br />

E também aprendemos com estes<br />

profissionais que para se tocar<br />

bem é preciso ensaiar muito.<br />

E isso nunca seria esquecido e foi<br />

um bom exemplo que procurámos<br />

seguir, de forma menos regular do<br />

que eles, é certo. O conjunto de<br />

“Shegundo Galarza” passou a ser<br />

uma referência musical para nós.<br />

Voltámos a cruzar-nos numas<br />

Festas de Tondela e ainda em<br />

outros lugares.<br />

b)<br />

pt.wikipedia.org/wiki/Shegundo_<br />

Galarza


114<br />

.amália. c)<br />

c)<br />

www.amalia.com/main.htm<br />

d)<br />

http://guedelhudos.blogspot.<br />

com/2009/09/premio-pozaldomingues.html<br />

1<br />

2<br />

1.<br />

Com Amália, 26 Agosto<br />

2.<br />

Visto da inspecção dos espectáculos<br />

do programa de Casino de 26 Agosto<br />

Na época alta de Verão, aos<br />

fins de semana, o programa do<br />

Casino variava um pouco com a<br />

apresentação de uma atracção<br />

especial que actuava no Salão<br />

Nobre a partir das 00h30.<br />

Para 26 de Agosto foi anunciada a<br />

presença de Amália Rodrigues.<br />

Num ano em que Amália recebeu<br />

o prémio Pozal Domingues d)<br />

o Casino teve uma das maiores<br />

enchentes, mesmo com as<br />

entradas a 60$00.<br />

Após as variedades no Salão<br />

de Café o Casino teve de abrir,<br />

excepcionalmente, os dois Salões<br />

de Baile, Salão Nobre e Salão de<br />

Café, para o público dançar pois<br />

as pessoas não cabiam num só.<br />

O conjunto de “Shegundo Galarza”<br />

tocava no Salão Nobre e nós no<br />

Salão de Café. E mesmo assim<br />

ambos estavam cheios. Até nas<br />

galerias do Salão de Café se<br />

dançava.<br />

Foi uma grande prova de fogo para<br />

o conjunto, pois tivemos de tocar<br />

toda a noite num dos Salões em<br />

concorrência com o “Shegundo<br />

Galarza” que tocava no Salão<br />

Nobre.<br />

Tocámos a primeira parte entre<br />

o final das Variedades do Salão<br />

de Café e o início do concerto da<br />

Amália (23h15 às 00h30) e depois<br />

do concerto de Amália, já que<br />

a noite prolongou-se até muito<br />

tarde.<br />

A partir dessa noite e até ao<br />

final da época, por sugestão da


os tubarões ’66 115<br />

Administração do Casino, com<br />

o acordo de todos, passámos a<br />

tocar todas as noites, alternando<br />

de hora a hora com o conjunto de<br />

“Shegundo Galarza”, facto que<br />

nos honrou.<br />

Os camarins do Casino situavam-<br />

-se mesmo por baixo do palco do<br />

Salão de Café, onde Amália se<br />

preparava para a sua actuação<br />

às 00h30. Ouviu-nos tocar e<br />

manifestou agrado a quem a<br />

acompanhava de querer saber<br />

quem éramos. Quando subiu para<br />

entrar em cena, momentos antes<br />

da sua actuação, nós tínhamos<br />

acabado o nosso primeiro take<br />

e ainda nos encontrávamos no<br />

palco do Salão de Café.<br />

Então Amália convidou-nos a tirar<br />

uma foto. Foi interessante, pois<br />

a Amália, nervosíssima, fumava<br />

cigarro atrás de cigarro, e nós<br />

estávamos incrédulos com tão<br />

honroso convite. E lá estávamos<br />

nós à frente da objectiva do Zé<br />

Gordo, fotógrafo oficial do Casino,<br />

simpático fanático da Briosa,<br />

e a Amália, virando-se para nós,<br />

“…vamos lá rapazes, isto é muito<br />

simples, eu abro os braços, e... já<br />

está”. E ficaram as fotos para a<br />

nossa história.<br />

Muito simpática e conversadora<br />

quis saber mais sobre nós,<br />

conversou, tirámos outras fotos,<br />

e quando chegou a hora foi para<br />

o Salão Nobre para mais uma<br />

noite de retumbante sucesso.<br />

Surpreendeu-nos a simplicidade<br />

e franqueza, o tabaco e o nervoso<br />

de tão grande estrela.<br />

Marcou-nos, claro!<br />

.artistas.com.quem.nos.<br />

cruzámos.<br />

Em 1966 o Casino apresentou<br />

um programa de variedades mais<br />

agressivo do que no ano anterior<br />

e reforçou a sua capacidade para<br />

atrair todos os públicos, do infantil<br />

ao adulto, do mais ligeiro ao<br />

mais erudito. Lá assistimos pela<br />

primeira vez ao vivo a um concerto<br />

do Carlos Paredes acompanhado<br />

pelo Fernando Alvim.


116 porViseu ’60s.<br />

ARTISTA<br />

ALICE AMARO<br />

AMÁLIA<br />

ANA MÓNICA<br />

ANITA GERREIRO<br />

BADARÓ<br />

CANTINFLAS JUNIOR<br />

CARLOS PAREDES<br />

CARLOS VILAR<br />

CIDÁLIA MEIRELES<br />

CONDE DE AGUILAR<br />

DUO OURO NEGRO<br />

JOSÉ VIANA<br />

FERNANDO ALVIM<br />

FLORBELA QUEIRÓS<br />

LENITA GENTIL<br />

MARA ABRANTES<br />

NATÉRCIA MARIA<br />

OQUESTRA SINFÓNICA DO PORTO<br />

OS DINÂMICOS<br />

OS ESPACIAIS<br />

PAULA RIBAS<br />

TONI DE MATOS<br />

TONICHA<br />

TRIO GUADIANA<br />

VALÉRIO SILVA<br />

DATA<br />

20 out<br />

26 ago<br />

11 set<br />

26 ago<br />

14 set<br />

31 out<br />

24 set<br />

02 set<br />

29 out<br />

05 set<br />

17 set<br />

22 ago<br />

24 set<br />

10 set<br />

29 out<br />

08 set<br />

17 set<br />

16 set<br />

03 set<br />

17 set<br />

22 ago<br />

27 ago<br />

05 set<br />

29 out<br />

03 set<br />

A importância do Casino da<br />

Figueira da Foz para o mundo<br />

artístico nacional era muito<br />

grande como se pode constatar<br />

pela lista de artistas com quem<br />

nos cruzámos naquele verão:<br />

os conjuntos residentes da época<br />

foram: “Arlindo Sousa”, “José<br />

Santos Rosa”, “Shegundo Galarza”<br />

e “Os Tubarões”.<br />

A 18 de Setembro o Salão Nobre<br />

encerrou a época de verão e a<br />

31 de Outubro foi a Festa de<br />

encerramento da época de 1966.


os tubarões ’66 117<br />

.má.nota.<br />

na.ota.<br />

Regressámos a Viseu depois<br />

de uma boa época no Casino<br />

da Figueira da Foz. O Zé Merino<br />

andava com uma rouquidão que<br />

não passava e foi a uma consulta<br />

ao Dr. Fernando Nascimento<br />

Ferreira, primo do Sr. Loureiro,<br />

que diagnosticou uma grande<br />

inflamação nas cordas vocais<br />

com um nódulo numa delas.<br />

A prescrição médica foi muito<br />

dura com um tratamento de<br />

choque, descanso vocal total,<br />

e proibição de falar.<br />

Entre os vários compromissos<br />

assumidos estava uma<br />

deslocação à OTA para o Grande<br />

Baile da Força Aérea com<br />

os conjuntos “Os Ekos” e<br />

“Os Tubarões”, a ter lugar<br />

no fim de semana seguinte.<br />

Ponderámos várias hipóteses,<br />

até não irmos actuar à OTA pois<br />

havia fortes motivos para tal.<br />

Mas uma vez que era a festa<br />

do Beto Carrilho, já a cumprir o<br />

Serviço Militar naquela unidade,<br />

que muito se esforçara pela<br />

nossa participação em tal evento,<br />

avaliámos a possibilidade de<br />

convidarmos alguém que tivesse<br />

um repertório próximo do nosso<br />

e nos pudesse ajudar como<br />

vocalista em tal compromisso.<br />

Dos contactos com outros<br />

conjuntos, tínhamos feito<br />

amizade com o “Tude Portugal”,<br />

viola baixo do conjunto de “José<br />

Nóvoa”, natural da Guarda a quem<br />

resolvemos lançar o desafio, e<br />

que aceitou. Assim na sexta-feira,<br />

vindo de comboio de Aveiro pela<br />

Linha do Vouga, chegou o “Tude<br />

Portugal”.<br />

Fomos jantar todos à Gruta,<br />

o snack-bar da Pensão Central<br />

com entrada pela Rua da Cadeia,<br />

onde discutimos o repertório<br />

das músicas que poderiam ser<br />

cantadas pelo “Tude”. Sim, o<br />

“Tude” iria actuar como vocalista,<br />

o que não era propriamente a sua<br />

especialidade. Era viola baixo<br />

e interpretava bem e de forma<br />

muito pessoal algumas músicas<br />

com a sua voz rouca à “Cocker”.<br />

E lá se fez a set-list possível<br />

que incluía “Beatles” e vários<br />

clássicos em voga por aquela<br />

altura.


118 porViseu ’60s.<br />

1<br />

1.<br />

Microfone MC60<br />

No dia seguinte lá partimos para a<br />

OTA. Fomos em dois carros, o Ford<br />

Cortina do Sr. Loureiro e o Cortina<br />

GT do Né-Né Lopes, bom amigo<br />

que tinha, à época, um dos carros<br />

mais bonitos de Viseu (branco<br />

com faixa verde).<br />

Chegados à Base Aérea<br />

montámos as aparelhagens<br />

e fizemos o teste de som, um<br />

muito pequeno ensaio e lá nos<br />

abalançámos para uma actuação<br />

que não poderia ter corrido pior.<br />

O espaço do evento era enorme,<br />

um antigo hangar adaptado a<br />

lugar de eventos recreativos como<br />

o Cinema e este Baile e teria uma<br />

lotação aproximada de 1.000<br />

pessoas.<br />

Iniciada a sessão, o entrosamento<br />

com a participação do “Tude”<br />

não correu bem. Salvaram-se as<br />

músicas instrumentais já que nas<br />

vocais não conseguíamos acertar.<br />

Até o Zé Merino, fazendo ouvidos<br />

moucos à proibição médica<br />

de falar, saltou para o palco e<br />

exigiu que o acompanhássemos<br />

numa das suas músicas<br />

preferidas a meio da qual ficou<br />

completamente afónico e sem pio.<br />

Pior não seria possível.<br />

O Sr. Loureiro deitava as mãos<br />

à cabeça pois não conseguia ter<br />

mão em nós nem nunca tinha<br />

assistido a tal.<br />

E como não bastasse o que<br />

ocorria na festa, o Né-Né Lopes<br />

resolveu ir acelerar o seu Cortina<br />

GT para a pista dos aviões tendo<br />

sido perseguido e travado pela<br />

Polícia Militar.<br />

Seguramente terá sido a pior<br />

prestação pública na vida musical<br />

de “Os Tubarões”.<br />

E hoje ainda não percebemos<br />

como permitimos que tal situação<br />

pudesse acontecer.


os tubarões ’66 119<br />

O “Conjunto Académico João<br />

Paulo” fazia uma tournée pelo país<br />

e passou por Viseu, onde deu um<br />

excelente espectáculo no Cine-<br />

-Rossio. Teve um problema com<br />

um equipamento e nós demos todo<br />

o apoio logístico que necessitaram<br />

o que mereceu a cortesia de nos<br />

chamarem ao palco manifestando<br />

o seu agradecimento público.<br />

Foi uma cortesia simpática.<br />

.de.novo.<br />

Viseu.<br />

Tínhamos vários amigos em Lisboa<br />

a quem recorríamos sempre que<br />

era necessário e que vinham<br />

passar o mês de Setembro<br />

a Viseu, época da Feira Franca:<br />

o Rui Oliveira e Costa, que<br />

andava metido no meio<br />

musical na altura com<br />

“Os Deltons”, passava um mês de<br />

férias em Viseu e lá nos ia dando<br />

as suas dicas sobre os meandros<br />

musicais da capital; e o José<br />

Sacadura, sempre vivo e metediço,<br />

que se esforçava por fazer o seu<br />

melhor sempre que lhe pedíamos<br />

algo em prol do conjunto.<br />

Tirando proveito da ida para<br />

Lisboa do Fernando Pascoal<br />

de Matos a fim de frequentar<br />

o Curso de Economia, nomeámo-<br />

-lo o nosso representante oficial<br />

na capital a partir do último<br />

trimestre de 1966, tendo como<br />

missão elaborar contactos com<br />

editoras e também contratos<br />

para a nossa actuação na capital.<br />

E alguns concretizaram-se como<br />

veremos a seguir.


120 porViseu ’60s.<br />

.as.primeiras.<br />

gravações.<br />

2 3 4<br />

1.<br />

No Clube de Viseu, gravação do “old lady”<br />

a)<br />

http://www.myspace.com/tubaroes/<br />

music/songs/a-girl-for-me-50263664<br />

b)<br />

http://www.myspace.com/tubaroes/<br />

music/songs/old-lady-49826713<br />

c)<br />

http://www.myspace.com/tubaroes/<br />

music/songs/come-back-50928729<br />

1<br />

2. 3. 4.<br />

pautas das músicas<br />

O sucesso também incentivou a<br />

criatividade musical do conjunto<br />

e em particular do Zé Merino,<br />

tendo-o inspirado para as<br />

primeiras criações musicais ainda<br />

em 1966.<br />

Com base nos múltiplos apelos do<br />

seu coração, tendo como modelos<br />

músicas dos “Beatles”, dos<br />

“Hollies” ou “Searchers”,<br />

o Zé trauteava a música, ia<br />

criando a letra e com a ajuda do<br />

Carlos Alberto, do Vitó ou do Luís<br />

Dutra lá passavam do éter<br />

à prática musical.<br />

Foi assim que ainda em 1966<br />

criámos os primeiros originais<br />

do conjunto.<br />

.a.girl.for.me. a)<br />

O par, ela e o Zé, viviam uma<br />

grande paixão no Liceu de Viseu.<br />

Ela era menina, bonita, rabina e ar<br />

de muito novinha.<br />

Um dia saímos do Liceu pela<br />

manhã e virámos à esquerda a<br />

caminho do “TIC-TAC”. De repente<br />

ela aparece vinda do outro lado<br />

da rua, muito nervosa e ofegante.<br />

Afasto-me e aguardo. Foi muito<br />

pouco o tempo do encontro e ela<br />

saiu de novo a correr e a chorar.<br />

Percebi que não eram boas as<br />

notícias.<br />

Caminhámos um pouco sem<br />

qualquer palavra. Entrámos<br />

no “TIC-TAC” e ele explodiu,<br />

revoltado. Ficámos a saber que<br />

aquele grande Amor, a partir dali,


os tubarões ’66 121<br />

era completamente proibido.<br />

E isso doeu. Da dor do amor<br />

nasceu “A girl for me”, uma<br />

melodia suave e um hino de apoio<br />

à sua amada, que passou a fazer<br />

parte da nossa playlist.<br />

.old.lady. b)<br />

A inspiração para esta música<br />

surgiu ao Zé quando íamos<br />

a caminho do Liceu e na Rua<br />

Formosa ajudámos uma velhinha<br />

em dificuldades para atravessar<br />

a rua, ao tempo com tráfego<br />

intenso em direcção ao Rossio.<br />

No passeio do Horta a velhinha<br />

hesitava a atravessar a rua e<br />

sempre que tentava aparecia<br />

logo outro carro. Nós, do lado da<br />

Praça, parámos e o Zé correu, deu<br />

o braço à velhinha e atravessou<br />

a Rua Formosa com ela. E daí<br />

nasceu quase de imediato a<br />

canção que compôs mentalmente,<br />

música e letra, que o Carlos e<br />

o Victor traduziram em notas<br />

musicais.<br />

.come.back. c)<br />

Figueira da Foz, 24 de Agosto.<br />

Após a matiné no Casino<br />

Peninsular, saímos pelo Páteo das<br />

Galinhas. O Zé saíra mais cedo,<br />

algo irrequieto, sem percebermos<br />

as razões. Descíamos a Rua dos<br />

Casinos e mesmo em frente<br />

ao Casino Oceano acercou-se<br />

de nós a M.B., interrogandonos<br />

sobre o comportamento<br />

inexplicável do Zé, que ao passar<br />

por ela nem lhe dirigiu palavra.<br />

Seguramente uma crise de uma<br />

paixão obsessiva, como era o Zé<br />

nos amores. Entrámos no Casino<br />

Oceano, jogámos matraquilhos,<br />

passeámos e aguardámos que<br />

a crise passasse.<br />

…Mais tarde, durante um ensaio,<br />

o Zé Merino trauteou os primeiros<br />

acordes e com o Vitó vieram a<br />

compor “Come Back”, música<br />

dedicada à Miss Figueira 1966.<br />

Em Outubro de 1966 tínhamos<br />

estes três originais.


122 por.Viseu ’60s.<br />

O Clube de Viseu tinha na altura<br />

na sua Direcção um grupo<br />

de jovens casais advogados<br />

democratas que procuravam<br />

dinamizar as actividades culturais<br />

com a realização de palestras<br />

e teatro. Deste grupo fazia parte<br />

o Dr. João Lima que tinha acabado<br />

de comprar um gravador Grundig<br />

de “n” pistas, último grito da<br />

tecnologia. Numa amena conversa<br />

sobre o futuro do conjunto com<br />

o Rogério Dourado, nosso amigo<br />

que convivia dia-a-dia connosco,<br />

o Dr. João Lima sugeriu que<br />

fizéssemos um teste de gravação<br />

de algumas das nossas músicas.<br />

E logo se marcou o teste no Salão<br />

de Festas do Clube, num dia a<br />

partir das 18h.<br />

Montámos todo o nosso<br />

equipamento no palco do Clube<br />

que ainda tinha os cenários<br />

da última peça de Teatro ali<br />

representada, que aproveitámos<br />

como cenário para a nossa<br />

gravação, como é visível na foto<br />

anexa.<br />

Ensaiámos o Old Lady para testes<br />

de som por ser a música mais<br />

rápida e que tinha mais coros.<br />

O microfone do gravador, de corpo<br />

duplo, e o restante equipamento<br />

de gravação foram instalados<br />

no meio do salão e ao comando<br />

destes estava o Dr. João Lima<br />

com o Rogério Dourado a dar<br />

apoio. Após o teste fizemos as<br />

gravações, sempre em duplicado<br />

de cada uma das músicas.<br />

Para o dia seguinte ficou marcada<br />

uma audição mais rigorosa na<br />

casa do Dr. João Lima onde nos<br />

fez a entrega da tape com as<br />

“preciosidades”.<br />

Foi assim que gravámos os três<br />

originais indicados que nunca<br />

foram editados comercialmente.


os tubarões ’66 123<br />

.o.estúdio.<br />

2<br />

1<br />

1.<br />

Ensaio no estúdio<br />

2.<br />

Tarola Premier 2000<br />

Quando em Setembro de 1966<br />

regressámos a Viseu constatámos<br />

não ser possível continuarmos<br />

a ensaiar no Cine-Rossio e a<br />

opção do Clube de Viseu, sujeita<br />

a disponibilidade de sala e à<br />

realização crescente de outros<br />

eventos, não era compatível<br />

com o volume cada vez maior<br />

dos nossos compromissos. Para<br />

além disto acrescia o facto de<br />

ninguém se responsabilizar pela<br />

segurança das aparelhagens e<br />

instrumentos, cuja qualidade e<br />

valor cresciam exponencialmente.<br />

Ora tudo somado levou-nos a<br />

ponderar o aluguer de um espaço<br />

que servisse os nossos propósitos<br />

de termos um local para<br />

ensaios e para a instalação das<br />

aparelhagens e instrumentos.<br />

Uma das nossas maiores fãs era<br />

a Fernanda Maria Matos, irmã<br />

de um grande Amigo, o Toninho<br />

Matos que chegou a ser nosso<br />

Road Manager em 1965/6 e só<br />

os seus afazeres profissionais o<br />

impediam de passar mais tempo<br />

connosco, tal era o interesse,<br />

gosto e amizade. A Fernanda<br />

Maria (Fernandinha) era um pouco<br />

mais nova do que nós (n. 1951).<br />

Era uma moça fantástica,<br />

simpática e com uma alegria<br />

contagiante.<br />

E era a primeira a querer<br />

saber tudo o que se passava<br />

com o conjunto, divulgando e<br />

mobilizando amigas e amigos<br />

para os nossos espectáculos.


124 porViseu ’60s.<br />

A Fernandinha vivia na vivenda<br />

da Quinta do Cano, que ficava na<br />

Rua Alexandre Herculano n.º 585,<br />

muito perto da Circunvalação.<br />

Ora o r/c estava desocupado e<br />

a Fernandinha lembrou-se logo<br />

dele para nossa sala de ensaios.<br />

Com uma área aproximada<br />

de 70m 2 (10x7m), de formato<br />

rectangular, com o chão em<br />

cimento, tinha uma boa área que<br />

dava para ter sempre montadas<br />

as aparelhagens e ainda<br />

sobrava espaço. Feito o contrato<br />

decidimos forrar todas as paredes<br />

e o tecto com cobertores grossos<br />

de papa que o armazém do pai<br />

do Merino tinha recebido dos<br />

Estados Unidos. Eram grossos,<br />

muito resistentes e resultaram na<br />

perfeição quanto ao isolamento<br />

acústico do estúdio. Atendendo<br />

ao piso em cimento foi feito<br />

um estrado em madeira a toda<br />

a largura do estúdio em cima<br />

do qual se instalava toda a<br />

aparelhagem e instrumentos<br />

(cerca de 40m 2 ).<br />

Acedia-se ao estúdio por uma<br />

porta central a meio do edifício.<br />

A sala estúdio tinha três zonas<br />

essenciais: a zona do palco/<br />

ensaios de formato rectangular a<br />

toda a largura da sala, ocupando<br />

a metade mais interior, e onde<br />

estavam os instrumentos.<br />

Orgão, viola ritmo, vocalista, viola<br />

baixo, bateria e viola solo.<br />

No canto esquerdo ao lado da<br />

porta de entrada havia a zona<br />

de convívio com umas cadeiras,<br />

mesa, e o bar. Do lado direito da<br />

porta estava o gira-discos, os<br />

discos, ao lado dos quais estavam<br />

alguns instrumentos. A meio da<br />

parede lateral direita havia uma<br />

porta de acesso à quinta.<br />

Foi o melhor investimento feito<br />

pelo conjunto: total autonomia<br />

para ensaiarmos, disponibilidade<br />

permanente, sossego, discrição,<br />

equipamentos e instrumentos<br />

sempre montados e arrumados.<br />

Embora com algum recato<br />

e cuidado, o estúdio passou<br />

a ser um lugar frequentado pelos<br />

nossos amigos sempre que tal<br />

era possível. E ali fizemos muitos<br />

convívios musicais, sempre<br />

que algum músico ficava por<br />

Viseu, por lá passava para dar<br />

uns toques, e também alguns<br />

convívios sociais como pequenas<br />

festas, sempre ao som de muito<br />

boa música à qual era muito difícil<br />

resistir.<br />

E houve muitos amigos e amigas<br />

que visitaram o nosso estúdio,<br />

e que nós não nos escusávamos<br />

a mostrar. Até alguns dos nossos<br />

professores do Liceu por lá<br />

passaram, gostaram do que viram,<br />

dançaram e até repetiram.<br />

Era muito agradável, tinha muito<br />

boa onda e nele passámos bons<br />

momentos do resto da nossa vida<br />

artística.


os tubarões ’66 125<br />

.passagem.<br />

do.ano.<br />

no.grande.<br />

hotel.<br />

1.<br />

Autógrafos no Cine-Teatro da<br />

Guarda após o concerto de<br />

11 de Dezembro de 1966<br />

1<br />

Da Guarda veio um pedido<br />

especial para fazermos um<br />

espectáculo integrado nas<br />

Festas dos Finalistas. Foi num<br />

Domingo a 11 de Dezembro que,<br />

com a lotação do Cine-Teatro<br />

da Guarda esgotada, demos<br />

um concerto que nos ficou na<br />

memória. Normalmente as<br />

nossas actuações destinavam-<br />

-se a animar os bailes tão em<br />

voga, não havia tradição de<br />

concertos. Por esse motivo<br />

planeámos bem o espectáculo<br />

que nos foi solicitado para duas<br />

horas em palco, com duas partes<br />

separadas por um intervalo,<br />

cuidámos a apresentação,<br />

o alinhamento e ensaiámos<br />

músicas específicas para o tipo<br />

de actuação que íamos fazer.<br />

Foi um espectáculo que correu<br />

muito bem, equilibrado, com<br />

uma fase mais intimista em<br />

que apresentámos um arranjo<br />

especial e acústico de “As tears<br />

go by” dos “Rolling Stones”,<br />

sem bateria, com três violas<br />

e em que eu tocava viola baixo.<br />

Resultou em pleno o alinhamento<br />

apresentado que deu uma mostra<br />

real do nosso alargado repertório,<br />

sempre num ritmo em crescendo,<br />

com um final mais exuberante<br />

que mereceu calorosos aplausos,<br />

quatro encore, e muitos pedidos<br />

de autógrafos.


126 porViseu ’60s.<br />

a)<br />

http://istoeespectaculo.<br />

blogspot.com/2009/11/marialeonor-locutora.html<br />

No fim do ano voltámos à Figueira<br />

da Foz, desta vez ao Grande<br />

Hotel, onde animámos a noite<br />

do Fim do Ano e na matiné de<br />

1 de Janeiro. A Maria Leonor a) ,<br />

uma das maiores locutoras da<br />

rádio e televisão, apresentou<br />

um desfile de Moda Woolmark.<br />

Como estávamos no palco a<br />

Maria Leonor, com a sua habitual<br />

descontracção e simplicidade,<br />

desafiou-nos a fazermos um<br />

fundo musical. O Carlos Alberto<br />

arrancou então com a nossa série<br />

de slows de música portuguesa,<br />

“Abril em Portugal”, “Coimbra<br />

menina e moça”, e a “Rua do<br />

Capelão”, todas seguidas, após<br />

o que evoluímos para outras<br />

músicas com o ritmo mais<br />

marcado dando suporte musical<br />

aos diferentes quadros do desfile.<br />

No final a Maria Leonor chamou-<br />

-nos, agradeceu-nos, deu um<br />

beijinho a todos, e após alguma<br />

conversa intitulou-se nossa<br />

Madrinha e convidou-nos para<br />

sermos o Conjunto Oficial para as<br />

passagens de modelos Sidney/<br />

Woolmark.<br />

E assim aconteceu.<br />

Crescemos e 1966 foi um ano de<br />

grandes conquistas:<br />

<br />

<br />

Conjunto Oficial do Casino da<br />

Figueira da Foz;<br />

<br />

<br />

Conquistámos!


.consolidar.<br />

.o.fidalgo.aprendiz.por.antónio.valarinho<br />

.a.d.urraca.<br />

.os.bailes.de.finalistas.<br />

.depoimento.rui.oliveira.e.costa.<br />

.no.hotel.grão.vasco.<br />

.casa.dos.viscondes.de.treixedo.por.luis.cunha.matos.<br />

.casa.do.cruzeiro.por.luis.cunha.matos.<br />

.depoimento.carlos.manuel.serpa.<br />

.festa.do.3º.aniversário.<br />

.no.caruncho…e.em.massamá.<br />

.o.meu.retrato.dos.tubarões,<br />

.woolmark.e.s.pedro.do.sul.<br />

.de.novo.no.casino.<br />

.a.vida.no.casino.<br />

.miss.espanha.<br />

.artistas.com.quem.nos.cruzámos.<br />

.peiró.<br />

.com.o.nicolau.no.casino.<br />

.novo.viola.solo.<br />

.os.chinchilas.no.casino.<br />

.o.convite.ao.vató.<br />

.as.casacas.à.beatles.<br />

.gravação.do.disco.<br />

.depoimento.fernando.pascoal.de.matos.<br />

.fim.do.ano.no.grande.hotel.<br />

67<br />

.consolidar.<br />

128<br />

129<br />

131<br />

132<br />

134<br />

135<br />

138<br />

138<br />

140<br />

141<br />

143<br />

145<br />

147<br />

148<br />

149<br />

150<br />

150<br />

151<br />

152<br />

155<br />

155<br />

155<br />

156<br />

157<br />

162<br />

163


128 porViseu ’60s.<br />

.consolidar.<br />

1. 2. 3.<br />

Baile de finalistas 7 Janeiro<br />

no Salão Cine-Rossio<br />

a)<br />

http://pt.wikipedia.org/wiki/<br />

Quinteto_Acad%C3%A9mico<br />

1<br />

2<br />

3<br />

1967 foi um ano excepcional<br />

para o Conjunto Académico<br />

“Os Tubarões”.<br />

Já conhecidos a nível nacional,<br />

com inúmeros contratos com<br />

cachets elevados, animámos<br />

muitos Bailes de Finalistas,<br />

animámos muitas festas e<br />

participámos em inúmeros<br />

concertos. No primeiro semestre<br />

não parámos aos fins de semana.<br />

Depois do Fim do Ano no Grande<br />

Hotel da Figueira da Foz, num<br />

ambiente de luxo e muita<br />

animação, regressámos a Viseu<br />

para animarmos o nosso Baile de<br />

Finalistas já que vários elementos<br />

do conjunto finalizavam<br />

o Liceu nesse ano (Carlos, Luís<br />

e eu). O Baile realizou-se a<br />

7 de Janeiro, com o “Quinteto<br />

Académico” a) a referência do<br />

Pop/Rock/Soul em Portugal na<br />

época, como cabeça de cartaz.<br />

Voltámos a tocar várias vezes<br />

com o “Quinteto Académico”,<br />

nomeadamente um mês depois<br />

na Festa dos Finalistas da<br />

Guarda.<br />

Duas semanas depois do Baile<br />

realizou-se o Sarau do Liceu<br />

no qual participámos na Peça<br />

de Teatro “O Fidalgo Aprendiz”<br />

ensaiada pelo saudoso professor<br />

e amigo Osório Mateus, com uma<br />

encenação arrojada para a época<br />

que foi um grande sucesso e<br />

marcou para sempre muitos dos<br />

seus alunos. Na peça, o Luís Dutra<br />

acompanhava na viola um trecho<br />

musical cantado pelos actores<br />

enquanto eu dava umas pancadas<br />

na tarola que simulavam o<br />

barulho das pedras que o Fidalgo<br />

Aprendiz atirava à janela.<br />

Encerrámos o Sarau com um<br />

mini concerto muito animado do<br />

Conjunto com alguns encore que<br />

o Reitor autorizou. Já tínhamos<br />

algum estatuto de vedetas o que<br />

simplificou as coisas. O Ginásio<br />

do Liceu, onde decorria o Sarau,<br />

estava completamente esgotado.


os tubarões ’67 129<br />

.o.fidalgo.<br />

aprendiz.<br />

António Júlio Valarinho<br />

AUTO DO FIDALGO APRENDIZ<br />

No Sarau dos alunos Finalistas do<br />

Liceu de Viseu “O Auto do Fidalgo<br />

Aprendiz” de D. Francisco Manuel<br />

de Mello (séc. XVII) surge como<br />

segunda escolha do Prof.José<br />

Alberto Osório Mateus, depois do<br />

Reitor deste Liceu ter censurado<br />

a encenação da peça “O Sétimo<br />

Selo” de Ingmar Bergman.<br />

Integrada como principal<br />

“atracção” deste Sarau de alunos<br />

finalistas, o Prof. José Alberto<br />

Osório Mateus, professor de<br />

Português neste estabelecimento<br />

de ensino, pretendeu construir<br />

uma dramaturgia que espelhasse<br />

a virtude de saber viver a vida<br />

segundo os princípios da ética,<br />

cultura, e do aprender a pensar e<br />

a imaginar o imaginário ainda por<br />

imaginar.<br />

É neste ambiente, que todo o<br />

trabalho se desenrola, sendo o<br />

motor de toda a dramaturgia,<br />

cenografia e encenação a<br />

participação activa de todos os<br />

intervenientes sem qualquer<br />

exclusão – actores, técnico<br />

de luzes, músicos, figurinista,<br />

cenógrafos, contra-rega…<br />

O Prof. José Alberto Osório Mateus<br />

era o agente catalisador de uma<br />

encenação construída segundo<br />

um programa de ensaios pré-<br />

-estabelecidos logo de início, onde<br />

o seu horário era calculado ao<br />

minuto.<br />

Ninguém podia chegar atrasado.<br />

A adesão de todos foi<br />

imediata, sempre rodeada de<br />

uma paixão por um projecto<br />

que progressivamente nos<br />

transformou em jovens que<br />

sabiam de antemão, que a partir<br />

daqui, nada ficaria como dantes e<br />

seria deste modo que de imediato<br />

nasceu o CETEV (Centro de<br />

Teatro dos Estudantes de Viseu)<br />

que com o CITAC de Coimbra e o<br />

CETA de Aveiro (Júlio Fino e Júlio<br />

Henriques) formavam um triângulo<br />

de cumplicidades políticas e<br />

culturais.<br />

Do projecto de encenação<br />

e das suas dificuldades e<br />

cumplicidades, os episódios<br />

multiplicaram-se como, a título<br />

de exemplo, por ser talvez o<br />

mais divertido, eram as batidas<br />

de bateria a cargo do Eduardo<br />

Pinto, que colocado num ponto<br />

sem visão da cena, tinha de<br />

rigorosamente acompanhar o<br />

diálogo dos actores, acrescido dos<br />

seus movimentos subsequentes,<br />

para no momento exacto poder<br />

intervir.<br />

O “Auto do Fidalgo Aprendiz” foi<br />

integralmente construído segundo<br />

os conceitos do teatro didáctico<br />

de Piscator e Brecht, aproximando<br />

a personagem principal (D. Gil)<br />

no perfil do português espertalhão<br />

que vive sob o signo das<br />

aparências, fora da realidade,<br />

cheio de dívidas, perseguido<br />

e atraiçoado pelos seus credores<br />

e “amigos”.<br />

As ambições de D. Gil<br />

correspondem às de um fidalgo<br />

provinciano, pelintra, (mas que<br />

necessita que o julguem rico),<br />

pretendente a entrar na corte sem<br />

aceitar a “constante adaptação à<br />

realidade da vida”, que o condena<br />

no final, ao sofrimento e à<br />

desgraça.


130 porViseu ’60s.<br />

1<br />

2<br />

“Só da desonra me pesa<br />

Que dirão de mim na corte.<br />

Meu amigo Dom Beltrão<br />

E meu aio Afonso Mendes<br />

Amigo nem amo tendes:<br />

D.Gil tornou-se carvão!<br />

1.<br />

Elenco do<br />

Fidalgo Aprendiz<br />

2.<br />

Actuação no Sarau do Liceu,<br />

Zé Merino e Vitó<br />

Homens que vos enxeis<br />

Na corte como na bigorna<br />

Vede no que se torna<br />

Qualquer fidalgo aprendiz.”<br />

PERSONAGENS POR ORDEM<br />

DE ENTRADA EM CENA<br />

D. Gil<br />

António Júlio Valarinho<br />

Afonso Mendes<br />

Mário Videira Lopes<br />

Beltrão<br />

João Carlos Albernaz<br />

Um Mestre de Esgrima<br />

Jorge Figueiredo Ramalho<br />

Um Mestre de Dança<br />

José Manuel Borges Soeiro<br />

Um Poeta<br />

Adelino Patrício Moreira e Castro<br />

Um Moço de Cavalos<br />

Jorge Figueiredo Ramalho<br />

Uma Comadre<br />

Maria Edite Marques<br />

Um Homem que passa<br />

José Maximiano Leitão<br />

Um Homem das Almas<br />

Cristiano Kruss Gomes<br />

Bateria<br />

Eduardo Pinto<br />

Viola<br />

Luís Dutra Santos Figueiredo<br />

No Cine-Teatro de S. Pedro do<br />

Sul realizou-se um espectáculo<br />

de beneficência a favor dos<br />

Bombeiros Voluntários no qual<br />

participámos graciosamente e<br />

acompanhámos a Lenita Gentil,<br />

em fase ascensional da sua<br />

carreira.<br />

Animámos o Carnaval do<br />

Clube de Viseu e aos fins de<br />

semana fizemos muitos bailes<br />

de Finalistas por todo o País<br />

partilhados com muitos conjuntos<br />

como o “Quinteto Académico”,<br />

“Shegundo Galarza”, “José Nóvoa”,<br />

“Os Álamos”, “Hi-Fi”, “Cometas<br />

Negros”, “Os Corsários”, entre<br />

outros.<br />

O nosso escritório continuava a<br />

ser o Snack-Bar Alvorada, mesmo<br />

em frente ao Hotel Grão Vasco,<br />

onde a família do Sr. Correia<br />

tomava conta das chamadas de<br />

quem nos queria contactar. Quem<br />

nos acompanhava e ajudava na<br />

logística dos transportes era<br />

o Rogério Dourado, que veio a<br />

ser o responsável pela D. Urraca,<br />

e também uma falange de 14<br />

admiradores/apoiantes que nos<br />

seguiam para todo o lado.


os tubarões ’67 131<br />

.a.d.urraca.<br />

1<br />

2<br />

1.<br />

Carrinha D. Urraca<br />

2.<br />

Orgão Farfisa Compact Duo<br />

A logística das deslocações e do<br />

transporte dos equipamentos e<br />

amplificadores implicava sempre<br />

mais do que uma viatura.<br />

Ia sempre a viatura do Sr. Loureiro,<br />

algumas viaturas de amigos<br />

que nos acompanhavam e se<br />

ofereciam para o transporte de<br />

um ou outro equipamento, e um<br />

carro de aluguer A com uma mala<br />

grande onde eram transportados<br />

os maiores volumes de<br />

equipamentos. Naquele tempo já<br />

tínhamos um Roadie. Tratava-se<br />

do Nogueira, amigo de infância do<br />

Zé Merino, que nos acompanhava<br />

e se responsabilizava pela<br />

logística do transporte e<br />

montagem dos equipamentos<br />

e aparelhagens.<br />

Por mera questão de<br />

oportunidade, o Sr. Loureiro<br />

comprou por 20.000$00, em<br />

2.ª mão, uma carrinha VW,<br />

modelo pão de forma, azul, que<br />

baptizámos como D. Urraca.<br />

Esta aquisição deu-nos uma<br />

maior independência nas nossas<br />

deslocações e uma segurança<br />

elevada para o transporte dos<br />

equipamentos.<br />

Levantava-se um problema.<br />

Embora alguns de nós tivessem<br />

a carta de condução ninguém<br />

estava interessado em conduzir<br />

a D. Urraca quando nos tínhamos<br />

de deslocar, principalmente<br />

quando o regresso se seguia<br />

à actuação. Foi então que se<br />

consolidou a presença dentro<br />

do conjunto do Rogério<br />

Dourado, um amigo que já nos<br />

acompanhava no dia-a-dia,<br />

um fã da VW que treinava na<br />

condução do carocha do pai,<br />

nas inúmeras escapadelas que<br />

fazíamos ao serão ao Caramulo e<br />

outras redondezas para muitos e<br />

agradáveis serões de folia.<br />

O Rogério Dourado passou a<br />

cuidar e a ser o responsável pela<br />

D. Urraca. Esta passou a ser mais<br />

um excelente elemento do<br />

Conjunto responsável pela<br />

deslocação confortável dos<br />

nossos equipamentos.<br />

E acompanhou-nos até ao fim<br />

com algumas remodelações no<br />

motor, cores e coreografia.


132 porViseu ’60s.<br />

.os.bailes.de.<br />

finalistas.<br />

Os bailes de Finalistas eram<br />

animados normalmente por dois<br />

conjuntos que alternavam entre<br />

si com takes de 1 hora cada, e a<br />

duração total de um baile poderia<br />

ir até às 6 horas, consoante<br />

evoluía a animação da noite e<br />

dos foliões. Este tempo impunha<br />

que cada conjunto tivesse uma<br />

playlist com um número mínimo<br />

de 40 músicas (cerca de 20<br />

músicas/hora). Nós, como a<br />

maior parte dos conjuntos, para<br />

além dos covers/êxitos em voga<br />

tínhamos ainda um conjunto<br />

de músicas instrumentais<br />

essencialmente vocacionadas<br />

para os mais dançarinos. Era o<br />

caso das marchas, valsas, tangos,<br />

passo doble, e até chachachá,<br />

para além de algumas rapsódias<br />

em slow de música portuguesa.<br />

Em todos os Bailes aparecia<br />

sempre alguém a pedir um destes<br />

géneros musicais. Este set de<br />

músicas possibilitava o descanso<br />

do vocalista e aumentava a nossa<br />

oferta de géneros musicais, facto<br />

que foi inúmeras vezes apreciado<br />

e salientado por diferentes<br />

públicos, nomeadamente de<br />

idades mais avançadas.<br />

O baile de finalistas do Liceu da<br />

Covilhã apresentava no seu cartaz<br />

os conjuntos “Os Deltons” e nós.<br />

O baile realizava-se no Salão do<br />

Cine-Teatro da Covilhã, o qual se<br />

situava na Praça principal, ao lado<br />

da Câmara, num 2.º andar alto<br />

com uma escadaria interminável.<br />

Todos colaborámos e ajudámos<br />

o Nogueira no transporte das<br />

aparelhagens e instrumentos.<br />

Estávamos nos trabalhos<br />

de montagem e chegaram<br />

“Os Deltons” que eram formados<br />

pelo Luís Moutinho na bateria,<br />

o Luís Antero na viola solo, o<br />

Fernando Tordo na viola ritmo<br />

e voz e o Toi Queimado na viola<br />

baixo. Tinham como Manager o<br />

nosso amigo Rui Oliveira e Costa.<br />

O Luís Moutinho chegou ao Salão,<br />

olhou à sua volta e perguntou:<br />

“É aqui o espectáculo?”<br />

Nós olhámos uns para os outros<br />

e apontámos o cartaz que


os tubarões ’67 133<br />

anunciava Baile de Finalistas<br />

do Liceu da Covilhã com os<br />

conjuntos “Os Deltons” de<br />

Lisboa e “Os Tubarões” de Viseu.<br />

Percebemos que “Os Deltons” não<br />

tinham muita prática de Bailes<br />

de Finalistas, como se veio a<br />

confirmar.<br />

Feito o alinhamento da festa com<br />

a organização soube-se então<br />

que “Os Deltons” tinham na sua<br />

playlist apenas 14 músicas,<br />

14 covers de êxitos de música<br />

anglo-saxónica, e que não<br />

aguentariam a alternância de<br />

um baile de finalistas. Com 14<br />

músicas, só muito esticadas, é<br />

que dariam para 1 hora. Ora no<br />

baile, e era um Baile de Finalistas,<br />

tal como estava contratualizado,<br />

com dois conjuntos, teria de<br />

haver alternância de hora a<br />

hora enquanto a pista tivesse<br />

dançarinos e tipos de músicas<br />

variadas para que o público as<br />

dançasse. Nalguns Bailes de<br />

Finalistas a tradição até obrigava<br />

a que a música de abertura fosse<br />

uma valsa.<br />

Seria um problema se do lado<br />

d’ “Os Deltons” não estivesse o Rui<br />

Oliveira e Costa e do nosso lado<br />

houvesse alguma intolerância<br />

para tornear a situação. Com boa<br />

vontade lá os ajudámos a resolver<br />

o problema tocando um pouco<br />

mais do que deveríamos.<br />

E “Os Deltons” lá fizeram um<br />

2.º take com um alinhamento um<br />

pouco diferente do seu set de 14<br />

músicas, repetindo como entrada<br />

e na despedida o “No milk today”,<br />

êxito recente dos “Herman’s<br />

Hermits”.<br />

Soubemos depois que o Rui<br />

Oliveira e Costa tinha angariado<br />

tal contrato através de um colega<br />

do Liceu D. João de Castro em<br />

Lisboa que era Covilhanense.<br />

Durante o 2.º set d’ “Os Deltons”,<br />

o Rogério Dourado chamou-nos<br />

ao 1.º andar, piso da sala de<br />

Cinema, para nos apresentar um<br />

antigo professor de Português<br />

ainda dos seus tempos de<br />

estudante em Castelo Branco, que<br />

era um fanático de José Régio.<br />

E assistimos à sua excelente<br />

declamação do “Cântico Negro”,<br />

que ainda hoje guardamos na<br />

nossa memória. a)<br />

Coisas impensáveis que nos iam<br />

acontecendo na vida musical:<br />

a meio de um Baile de Finalistas<br />

ouvir uma excelente declamação<br />

privada e em exclusivo, do<br />

“Cântico Negro” do José Régio por<br />

um Professor de Liceu, na Covilhã.<br />

Claro que mereceu a pena.<br />

E ficou para a memória.<br />

1<br />

1.<br />

Microfone Shure<br />

a)<br />

http://www2.mat.ua.pt/rosalia/<br />

caminhos/JRegio/index.html


134 porViseu ’60s.<br />

.depoimento.<br />

Rui Oliveira e Costa<br />

VISEU E “OS TUBARÕES”<br />

Nasci em Lisboa, bem como os<br />

meus pais e três dos meus quatro<br />

avós. O outro avô (Raul Raimundo)<br />

era de Viseu, bem como toda a sua<br />

grande família.<br />

Como alfacinha, sem outra terra,<br />

Viseu foi a minha adopção, pois<br />

para lá fui durante grande parte<br />

do Verão na década de sessenta.<br />

Tinha lá os tios e primos, e a<br />

Feira de São Mateus, na altura<br />

muito animada, com os bailes de<br />

Salão dos Bombeiros Voluntários,<br />

de que o meu tio Edmundo foi<br />

comandante.<br />

Conheci assim o Eduardo Pinto,<br />

o José Merino e o Rogério Dourado<br />

(estes últimos infelizmente já<br />

falecidos), e outros, com quem<br />

convivi nas festas de garagem com<br />

gira-discos. Bons tempos.<br />

Entretanto, em Lisboa, após 1965<br />

(então com 17 anos), tornei-<br />

-me manager (o termo se calhar<br />

ainda não existia) d’ “Os Deltons”,<br />

um conjunto de meninos bem do<br />

Restelo, que gravitava à volta do<br />

Luís Antero (que infelizmente já<br />

morreu). Para reforçar os miúdos<br />

do Restelo, levei comigo um viola<br />

acompanhamento que cantava<br />

muito bem – o Fernando Tordo –,<br />

e um baterista, aliás grande<br />

amigo, o Luís Moutinho.<br />

O conjunto cresceu, e creio que em<br />

1967 fomos actuar na Festa dos<br />

Finalistas do Liceu da Covilhã (não<br />

havia na altura Universidade da<br />

Beira Interior). Quem foi o conjunto<br />

alternante? “Os Tubarões”.<br />

Os meus amigos de Viseu, então já<br />

com nome feito.<br />

Mas voltando um pouco atrás, em<br />

1965/66 teve lugar em Lisboa, no<br />

Teatro Monumental (ao Saldanha)<br />

um concurso nacional da então<br />

denominada música ié-ié.<br />

“Os Tubarões” apareceram e<br />

passaram uma eliminatória. Mas<br />

a progressão não era fácil. Disse<br />

então aos meus amigos, creio que<br />

ao José Merino e ao Eduardo Pinto,<br />

que o repertório era essencial para<br />

fazer a diferença. Tinham vindo<br />

actuar há pouco tempo a Lisboa<br />

“Os Animals”, com o seu excelente<br />

vocalista Eric Burdon.<br />

E instiguei-os a incluírem no<br />

repertório duas músicas dos<br />

“Os Animals” – “We gota get out of<br />

this place” e o “It’s my life”.<br />

A proposta de um Lisboeta dentro<br />

dos meandros do concurso foi por<br />

eles aceite. E com estes temas<br />

foram à final. Só muito depois me<br />

apercebi que o meu conselho tinha<br />

sido importante. Ainda bem.<br />

Eu continuei como manager,<br />

e quando os “Sheiks”, regressados<br />

de uma estada em Paris, ficaram<br />

sem o manager (Rui Simões, que<br />

por lá ficou) e o Carlos Mendes<br />

(que foi tirar arquitectura),<br />

transferi-me então para os<br />

“Sheiks”, juntamente com o<br />

Fernando Tordo.<br />

Em 1967 estivemos todo o verão<br />

em Albufeira no Sete e meio. Um<br />

verão para mais tarde recordar.<br />

Depois veio a tropa, e a relação<br />

com a música amorteceu. Mas<br />

manteve-se a amizade, e a minha<br />

ligação a Viseu. Com os “Sheiks”<br />

ainda fomos lá a um baile de<br />

Finalistas em 1968, novamente<br />

com “Os Tubarões”. Revi os amigos<br />

e alguns tios e primos.<br />

Viseu é a minha segunda<br />

cidade, hoje muito diferente, e<br />

“Os Tubarões” uma excelente<br />

recordação da adolescência.<br />

Com muita música!”


os tubarões ’67 135<br />

.no.hotel.<br />

grão.vasco.<br />

O Café Restaurante Snack-Bar<br />

Alvorada, situado na Rua Gaspar<br />

Barreiros, fica de frente para a<br />

entrada do Hotel Grão Vasco.<br />

Era a nossa base logística natural<br />

durante o dia e onde tudo se sabia<br />

da nossa vida artística, servindo<br />

como ponto de contacto para<br />

muitos contratos. Nas noites de<br />

Inverno o movimento na parte<br />

do Restaurante Alvorada era<br />

pequeno e praticamente só nós<br />

ali nos encontrávamos após o<br />

jantar, a tomar o nosso café, o que<br />

levou a que passasse a encerrar<br />

cada vez mais cedo. Este facto e<br />

também uma actividade turística<br />

mais intensa no Hotel Grão<br />

Vasco com a chegada frequente<br />

de autocarros com turistas<br />

americanos, franceses e italianos,<br />

levaram-nos a alterar o lugar de<br />

encontro nocturno que passou a<br />

ser o Hotel Grão Vasco.<br />

Sempre que chegava um novo<br />

grupo de turistas ao Hotel era<br />

devidamente avaliada a sua<br />

composição por sexo e faixa<br />

etária. Quando bastante feminina<br />

e não demasiado antiga logo<br />

se previa o que seria mais<br />

recomendável como programa<br />

alternativo para depois do jantar:<br />

ou baile no próprio bar do hotel<br />

o que sempre dinamizava a<br />

receita do barmen Sr. Manuel, ou<br />

uma ida a S. João de Lourosa a<br />

casa da família Rosado, sempre<br />

disponíveis para as nossas<br />

diabruras e iniciativas com uma<br />

boa chouriça assada, bom tinto<br />

e um bailarico a rematar, ou uma<br />

visita guiada pelo centro histórico<br />

da cidade com estórias e detalhes<br />

que só nós sabíamos contar.<br />

Era o nosso serviço cívico e<br />

não foram poucos os suspiros<br />

e as alegrias que propiciámos,<br />

algumas também a finalizarem<br />

com uma ou outra lágrima<br />

na despedida. Imaginem<br />

quarentonas (ou mais)<br />

Americanas a dançarem à<br />

portuguesa (2 por 1), com<br />

beirões adolescentes, delicados,<br />

educadinhos e bem comportados?<br />

Claro que acabava sempre<br />

um par bem apertado, muito<br />

apertadinho, tão juntinho que até<br />

doía. E quantas, tão felizes, não<br />

ultrapassaram o beijinho?


136 porViseu ’60s.<br />

Um fim de tarde estávamos nós<br />

em amena cavaqueira no bar do<br />

hotel e entrou para o restaurante<br />

um casal italiano em que a<br />

senhora, bastante mais jovem que<br />

o cavalheiro, era muito bonita,<br />

elegante e tinha todos os outros<br />

atributos que estão a imaginar.<br />

Uma verdadeira Diva só vista<br />

em cinema. Entre nós fez-se o<br />

silêncio só interrompido pelo<br />

suspiro do Tó Oliva: “sheeeeeee.<br />

Que sonho! Eu tenho de beijar<br />

esta mulher”. E nós, o Rogério, o<br />

Dutra, e o Dr. Vasco, entre outros,<br />

logo ríamos perante a efectiva<br />

impossibilidade de tal desejo da<br />

mente do Tó Oliva, o amigo<br />

mais divertido e criativo que<br />

conhecemos. E fizeram-se<br />

apostas. Após o jantar<br />

regressámos ao hotel e o casal<br />

ainda jantava, tendo saído um<br />

pouco depois. A noite estava boa<br />

e resolveram dar um passeio pela<br />

zona histórica da cidade, após<br />

as devidas instruções dadas na<br />

recepção do hotel.<br />

E nós seguíamos à distância com<br />

o devido recato. Subiram a Rua<br />

do Comércio, Praça D. Duarte e<br />

Adro da Sé, após o que desceram<br />

a Rua do Hilário até à Rua Direita<br />

que na esquina tinha a Papelaria<br />

Figueiredo, hoje a Judiaria.<br />

Viraram à direita subindo a rua<br />

a caminho da Rua Formosa,<br />

passaram o Bazar do Porto, a<br />

melhor loja de brinquedos da<br />

nossa juventude, e pararam frente<br />

ao Solar do Visconde de Treixedo.<br />

Enquanto admiravam a fachada<br />

e a arquitectura do edifício, o Tó<br />

Oliva arrancou com o Rogério ao<br />

lado e dirigiu-se ao casal a quem<br />

convidou a entrar no Solar que<br />

afirmava ser de sua família. Eles<br />

um pouco incrédulos aceitaram<br />

tal convite e acompanharam-nos<br />

até à entrada do edifício, com<br />

uma porta em madeira maciça,<br />

antiga e muito pesada e que<br />

nunca estava fechada à chave,<br />

apenas com um trinco quase<br />

medieval. O Tó Oliva puxa de uma<br />

chave, simula que abre a porta do<br />

Solar, levanta o trinco e entram no<br />

hall com a escadaria de acesso ao<br />

1.º piso. Lá inventa pormenores<br />

dos seus antepassados e insiste<br />

em que o acompanhem para uma<br />

visita ao interior, o que o casal<br />

recusou, ficando no entanto muito<br />

agradecido, pela hospitalidade e<br />

informações prestadas. E saíram<br />

todos até à rua. Na despedida<br />

o Tó Oliva, rei do improviso e do<br />

desenrascanço, logo se candidatou<br />

a dar dois beijos na face da italiana<br />

que tanto nos encantou. E deu.<br />

E nós ficámos de boca aberta!<br />

Ganhou merecidamente a aposta e<br />

esta história foi uma entre muitas<br />

outras, tão ou mais divertidas, com<br />

que nos presenteou.<br />

Progressivamente começámos<br />

a utilizar o Hotel Grão Vasco<br />

como o nosso local de encontro,<br />

mesmo durante o dia. Era discreto,<br />

possibilitava entradas desfasadas,


os tubarões ’67 137<br />

tinha estacionamento e um<br />

horário que possibilitava<br />

uma grande autonomia e<br />

independência a todos nós.<br />

Era o local ideal que propiciava<br />

bons e discretos encontros com<br />

fãs, admiradoras e namoradas.<br />

Nas noites mais quentes ou<br />

quando o bar do Hotel Grão<br />

Vasco encerrava mais cedo<br />

começámos a frequentar o Café<br />

Paladium, recém aberto por<br />

um ex-emigrante da África do<br />

Sul, que fechava tarde e tinha<br />

uma cozinheira muito simpática<br />

sempre pronta para nos servir<br />

qualquer petisco, já que éramos<br />

novos e tínhamos sempre muito<br />

apetite.<br />

O nosso grupo de amigos e<br />

de convívio foi-se alargando,<br />

passando a incluir alguns jovens<br />

casais, intelectuais, advogados<br />

e outros profissionais liberais,<br />

e ainda outras pessoas que<br />

apreciavam o convívio nocturno.<br />

Começaram a aparecer inúmeros<br />

convites para algumas tertúlias<br />

nocturnas bem animadas.<br />

Houve uma fase em que íamos<br />

quase todas as semanas até<br />

ao Caramulo onde um grupo de<br />

pessoas em recuperação promovia<br />

sessões de fados e de convívio até<br />

altas horas da madrugada.<br />

Muito agradáveis, úteis e cultas<br />

eram as noitadas na Casa do<br />

Cruzeiro, a casa do Dr. Vasco<br />

Cunha, descendente do Visconde<br />

de Rio Torto. A Casa do Cruzeiro<br />

fica à entrada do caminho para<br />

o Fontelo, e o nome deve-se à<br />

escultura granítica por cima do<br />

portão, hoje Monumento Nacional.<br />

Tinha um páteo interior lindíssimo,<br />

aberto, com um bonito relvado<br />

que, no Verão, servia de cenário<br />

às nossas audições de discos, às<br />

tertúlias e récitas poéticas. No<br />

inverno ouvíamos os discos na<br />

sala de leitura. Nas madrugadas,<br />

quando a fome apertava, lá íamos<br />

à cozinha à prova de queijos da<br />

Serra, produto da renda de uma<br />

das propriedades da família. Tudo<br />

era motivo de conversa nestas<br />

tertúlias nocturnas. E o nível era<br />

elevado e de grande abrangência<br />

cultural. Por ali aprendemos<br />

muito. O nosso amigo e anfitrião,<br />

advogado com cultura superior<br />

o Dr. Vasco Martins da Cunha<br />

tinha regressado de Angola, tinha<br />

uma excelente discografia e uma<br />

fantástica aparelhagem sonora<br />

com o seu gira-discos Garrard,<br />

o que nos propiciava audições de<br />

LP’s de boa música brasileira<br />

onde nunca faltavam o “João<br />

Gilberto”, “Vinícius de Moraes”,<br />

e a terminar essa interpretação<br />

única do “Camisa Amarela” pela<br />

“Nara Leão”.<br />

1 2<br />

1.<br />

Casa dos Viscondes de Treixedo,<br />

Rua Direita (foto Germano)<br />

2.<br />

Casa do Cruzeiro, terraço interior<br />

(foto Germano)


138 porViseu ’60s.<br />

.casa.dos.<br />

viscondes.<br />

de.treixedo.<br />

Luís Cunha Matos<br />

Situada na parte ainda nobre da<br />

Rua Direita, com uma frente longa<br />

e com dois pisos, edifício senhorial<br />

do Séc. XVIII de arquitectura<br />

barroca, com dois portais com<br />

frontão partido e heráldico,<br />

detentora das mais ricas cantarias<br />

de Viseu, coeva da Igreja da<br />

Misericórdia, foi até ao final dos<br />

anos 60 do Séc. XX propriedade da<br />

Família Queirós Pinto de Athayde<br />

Mascarenhas, sendo os seus<br />

últimos residentes a Viscondessa<br />

de Treixedo e seu irmão, que era<br />

surdo-mudo, passando depois a<br />

ser um banco.<br />

Desde que casou, o último<br />

Visconde de Treixedo, filho da<br />

referida e de nome Francisco,<br />

instalou-se em Lourosa, numa<br />

propriedade com uma bela Casa<br />

com Capela e grande Quinta<br />

agrícola de que recordo os<br />

pomares, as vinhas, os tanques<br />

de rega e a mata variada,<br />

além de vários animais de que<br />

sobressaíam sempre os cavalos<br />

com que se passeavam montando<br />

ou em atrelado por Viseu,<br />

especialmente durante a Feira de<br />

São Mateus.<br />

Este último Visconde de Treixedo,<br />

que sempre se manteve em<br />

Lourosa como proprietário<br />

agrícola, era o mais velho de vários<br />

irmãos de que recordo dois:<br />

<br />

foi o primeiro Presidente do<br />

Conselho de Administração da<br />

Radiotelevisão Portuguesa (RTP),<br />

onde se manteve durante quase<br />

uma década;<br />

<br />

de Mascarenhas que foi durante<br />

décadas Vice-Presidente, e mais<br />

tarde Presidente do Conselho de<br />

Administração da Marconi.<br />

Este Dr. Manuel de Athayde Pinto<br />

de Mascarenhas ficou conhecido<br />

entre o pessoal da Marconi como<br />

um gestor extraordinariamente<br />

preocupado com o desperdício,<br />

pelo que se contava a “estória”<br />

de só deixar fornecer um<br />

lápis novo aos trabalhadores<br />

que mostrassem um lápis,<br />

anteriormente disponibilizado,<br />

já gasto!<br />

Quanto à Casa da Rua Direita, sei<br />

que tem um “torreão” ou clarabóia,<br />

do lado nascente, portanto<br />

dando para os jardins da Casa da<br />

Prebenda, da Família Quevedo<br />

Crespo, que era visível da Casa<br />

do Serrado.<br />

Em tempos, por ocasião das<br />

invasões francesas e dos<br />

assaltos/visitas de um tal João<br />

Brandão, bem relacionado<br />

socialmente mas brutal salteador<br />

natural e residente em Midões,<br />

para lá de Carregal do Sal,<br />

utilizando candeeiros a petróleo,<br />

trocavam-se avisos de perigo<br />

entre as Casas dos Viscondes<br />

de Treixedo e do Serrado!<br />

.casa.do.cruzeiro.<br />

Luís Cunha Matos<br />

Propriedade da Família Queiróz<br />

Pinto de Athayde (parentes muito<br />

próximos dos Treixedos) cujos dois<br />

últimos proprietários conheci e<br />

que entre si, e em partilhas,<br />

a dividiram – de modo a que:<br />

o piso térreo e o pequeno mas<br />

magnífico “green” a que se acedia<br />

do exterior pelo portão de granito<br />

encimado pelo “Cruzeiro” que dá<br />

nome à Casa e é peça escultórica<br />

classificada, ficou a pertencer à<br />

D. Maria do Amparo que casou<br />

com o Juíz Conselheiro<br />

Dr. Joaquim Martins da Cunha,<br />

Visconde de Rio Torto, que teve 4<br />

Filhos, todos já falecidos:<br />

<br />

viveu desde jovem em Angola<br />

onde administrava propriedades<br />

da família e que eu conheci,<br />

nos anos 90, por ocasião da<br />

integração/fusão da empresa no<br />

“universo” Portugal Telecom, como<br />

importante accionista da Marconi;<br />

<br />

que exerceu o cargo de Delegado<br />

do Ministério Público e depois<br />

foi trabalhar para Angola numa<br />

fábrica de Celulose, regressando<br />

nos anos 60 a Viseu onde se<br />

entretinha com leituras, música e<br />

convívio, quer em casa quer no bar<br />

do Hotel Grão Vasco, e conhecidos<br />

cafés de que se destacavam o<br />

Horta e o Alvorada. Era senhor<br />

de uma cultura acima do normal,<br />

com um fino humor e que manteve


os tubarões ’67 139<br />

durante toda a vida um carro da<br />

juventude, um MGA branco dos<br />

anos 40.<br />

<br />

Zé, que se manteve solteira e era<br />

a companhia do Dr. Vasco, quer<br />

em Viseu, quer na Figueira da<br />

Foz – onde tinham casa na Rua<br />

dos Casinos – quer em Lisboa, na<br />

Rua da Sociedade Farmacêutica,<br />

exactamente no mesmo prédio<br />

onde viveu e faleceu o escritor<br />

açoriano Vitorino Nemésio.<br />

<br />

especializado em fisioterapia que<br />

participou, no final dos anos 60,<br />

na recuperação do Prof. Oliveira<br />

Salazar depois da “queda” no<br />

Forte de Santo António do Estoril!<br />

Hoje existe a Viúva do Henrique,<br />

e os 4 filhos deste, de que o mais<br />

velho, Pedro, é advogado em<br />

Lisboa.<br />

A outra parte da casa, isto é,<br />

o primeiro andar e uma pequena<br />

parte do piso térreo e quintal<br />

atrás da casa, pertence hoje aos<br />

descendentes do Dr. Queirós de<br />

Ataíde, irmão da referida D. Maria<br />

do Amparo, que era Notário ou<br />

Conservador e de que conheci os<br />

filhos Henrique e Agostinho, já<br />

falecidos, e conheço o Miguel que<br />

foi, durante anos, Presidente do<br />

Partido Popular Monárquico.<br />

3<br />

3.<br />

Portão granítico da<br />

Casa do Cruzeiro, peça classificada.<br />

A Casa do Cruzeiro fica na Rotunda<br />

do Fontelo


140 porViseu ’60s.<br />

.depoimento.<br />

Carlos Manuel Serpa<br />

DEBUTANTES BRASILEIRAS<br />

Recordo um acontecimento,<br />

do qual certamente poucos se<br />

lembrarão, passado no Hotel Grão<br />

Vasco, corria o ano de 1967, se não<br />

me falha a memória.<br />

Como era habitual, encontrávamo-<br />

-nos diáriamente no bar<br />

deste hotel, onde, para além<br />

da conversa, aguardávamos<br />

ansiosamente a chegada de novos<br />

hóspedes, preferencialmente<br />

do sexo feminino, com os quais<br />

tentávamos travar conhecimento.<br />

Eis que certo dia, deparámo-<br />

-nos com um grupo de cerca de<br />

20 lindíssimas brasileiras, com<br />

as quais iniciámos de imediato<br />

o desejado contacto (verbal,<br />

entenda-se).<br />

Ficámos a saber que se tratava<br />

de um grupo de debutantes,<br />

pertecentes às melhores famílias<br />

da cidade de Belém do Pará,<br />

a quem um Comendador<br />

português ali residente, de nome<br />

Marques dos Reis, oferecia todos<br />

os anos uma viagem a Portugal.<br />

Ora depois de muita conversa e<br />

de várias insistências por parte<br />

das fogosas meninas para que<br />

pudéssemos organizar um baile,<br />

resolveu o Rogério Dourado,<br />

chamar “Os Tubarões”, que<br />

rapidamente chegaram, montaram<br />

a aparelhagem no próprio bar<br />

do hotel, e iniciaram a actuação,<br />

deixando completamente loucas<br />

as nossas amigas, que não nos<br />

deram descanso na dança e no<br />

assédio aos “Tubarões”.


141<br />

.festa.do.3º.<br />

aniversário.<br />

a)<br />

pt.wikipedia.org/wiki/<br />

Tonicha<br />

O sucesso espevitou uma vez<br />

mais a veia comercial do<br />

Sr. Severo, Gerente do Cine-<br />

-Rossio, que nos queria à viva<br />

força num espectáculo naquela<br />

sala de Cinema. Foi então<br />

que decidimos realizar um<br />

espectáculo comemorando o<br />

nosso terceiro aniversário, tendo<br />

por base a data do nosso primeiro<br />

concerto realizado no Clube de<br />

Viseu em Abril de 1964.<br />

Na concepção da Festa<br />

planeámos duas partes:<br />

na primeira iríamos convidar<br />

alguns artistas de Viseu. Assim<br />

aconteceu e convidámos o Rui<br />

Correia, irmão do Zeca e do Beto,<br />

amigos de longa data e colegas do<br />

Liceu. O Rui tinha-se destacado<br />

num Sarau do Liceu com uma<br />

récita de grande qualidade.<br />

Era um jovem muito simpático<br />

e talentoso por quem nutríamos<br />

grande simpatia e que, embora<br />

com algum receio, aceitou o nosso<br />

convite. Convidámos ainda “Os<br />

Corsários” e o Viçoso Caetano, que<br />

em Moçambique, no serviço militar,<br />

tinha alcançado grande sucesso<br />

com o êxito “os Boinas Verdes”,<br />

o hino dos paraquedistas que<br />

chegou a gravar em disco.<br />

E para apresentar o espectáculo<br />

tínhamos o Jorge Martins, irmão<br />

dos Antas de Barros, locutor<br />

profissional radicado no Asas do<br />

Atlântico, uma Emissora Açoriana,<br />

e que se encontrava de passagem<br />

por Viseu fazendo parte do nosso<br />

círculo de amigos. Para a segunda<br />

parte pesquisámos um artista de<br />

Cartaz que nunca tivesse actuado<br />

em Viseu. E facilmente chegámos<br />

à conclusão de que a Tonicha a)<br />

com quem estivéramos no Casino<br />

em 1966 seria a melhor escolha,<br />

já que era uma jovem em grande<br />

ascensão, havia ganho em 1966<br />

o primeiro prémio no Festival da<br />

Canção da Figueira da Foz com<br />

“Boca de Amora”, letra e música<br />

de José Gouveia. Participou ainda<br />

no filme “Sarilho de Fraldas”,<br />

de Constantino Esteves, com<br />

Nicolau Breyner, António Calvário<br />

e Madalena Iglésias, recebeu o<br />

“Microfone de Ouro” do Rádio<br />

Clube Português e foi eleita<br />

“Mulher Portuguesa do Ano”, pelo<br />

Clube das Donas de Casa.


142 porViseu ’60s.<br />

Venceu ainda o Prémio de<br />

Imprensa do ano de 1967.<br />

Em suma, ia ao encontro do que<br />

pretendíamos. E foi muito fácil<br />

convidá-la, chegar a acordo, tendo<br />

aceite de imediato que fosse o<br />

nosso conjunto a acompanhá-la<br />

no seu concerto. Enviou-nos as<br />

partituras e o alinhamento das<br />

15 músicas, com mais duas para<br />

encore que desejava levar a cena.<br />

Ensaiámos as músicas ouvindo os<br />

discos e recorrendo às partituras<br />

recebidas, encarregando-se<br />

o Carlos Alberto dos solos,<br />

enquanto o Victor tomava conta<br />

das harmonias.<br />

Entretanto telefonaram da Casa<br />

Ruvina a informar ter chegado a<br />

minha nova bateria. E lá fomos<br />

ao Porto ver a nova bateria<br />

que era japonesa de uma nova<br />

geração feita com madeira de<br />

tília, muito leve e bonita, em que<br />

o bombo tinha uma dimensão um<br />

pouco menor do que o habitual.<br />

Com peles sintéticas tinha bom<br />

som, de simples afinação e fácil<br />

transporte. Só a tarola é que<br />

não agradou e trocámos por<br />

uma Premier metálica (20cm)<br />

de grande qualidade. Todos os<br />

pratos, incluindo os de choque,<br />

eram Zildjian (2 livres). E foi uma<br />

bateria que nos agradou muito<br />

e respondia a todas as nossas<br />

necessidades. Pronta a estrear<br />

no nosso aniversário.<br />

Tratámos da promoção do<br />

espectáculo com cartazes<br />

e flyers, dos quais fomos forçados<br />

a imprimir duas edições pois<br />

um familiar de um dos artistas<br />

obrigou-nos a fazermos novas<br />

edições exigindo tamanho da<br />

letra igual ao da atracção Tonicha.<br />

E, à última hora, lá tivemos de<br />

fazer uma 2.ª edição do Cartaz<br />

e dos flyers respeitando tal<br />

reivindicação.<br />

O Cine-Rossio esgotou.<br />

A primeira parte teve na abertura<br />

“Os Corsários” a que se seguiu<br />

o Rui Correia a declamar,<br />

e a finalizar o Viçoso Caetano,<br />

acompanhado pelo nosso<br />

conjunto. Após o intervalo, nós já<br />

vestidos a rigor com o nosso lindo<br />

smoking preto, abrimos a 2.ª parte<br />

com duas músicas, após o que<br />

entrou em palco a Tonicha que<br />

fez um excelente concerto, com<br />

direito a músicas extras<br />

e entrega de flores.<br />

E tivemos de terminar pois a tarde<br />

ia longa e o Cinema tinha de estar<br />

preparado para a sessão das<br />

21h30.


os tubarões ’67 143<br />

.no.<br />

caruncho…<br />

a)<br />

http://guedelhudos.blogspot.<br />

com/2009/03/pop-clube.html<br />

b)<br />

http://guedelhudos.blogspot.<br />

com/2008/02/caruncho-alfredobarroso.html<br />

c)<br />

http://pt.wikipedia.org/wiki/<br />

Pedro_Castelo<br />

Faziam parte do nosso círculo<br />

de amigos próximos dois<br />

jovens casais que muito nos<br />

acompanharam a partir de 1966.<br />

Eram o Arnaldo Machado e a<br />

Guida Vilhena, e o Maurício de<br />

Sousa e a Fernanda Madeira,<br />

jovens casais com grande<br />

abertura de espírito<br />

e apreciadores de música em<br />

termos gerais e da nossa música<br />

em particular, que sempre que<br />

podiam nos acompanhavam nas<br />

nossas actuações.<br />

Numa das suas frequentes<br />

deslocações a Lisboa, onde<br />

frequentavam as boîtes da moda<br />

como o Pop a) juntamente com o<br />

nosso representante em Lisboa<br />

– o Fernando Matos (o Pascoal)<br />

e outros amigos, foram até ao<br />

Caruncho b) no Lumiar, que já<br />

contratara aos fins de semana<br />

alguns dos conjuntos da moda<br />

a animar as noites de então.<br />

Passaram por lá o “Quinteto<br />

Académico”, “Os Claves”,<br />

“Os Sheiks” e alguns estrangeiros<br />

como o Nino Ferrer. Nessa noite<br />

encontraram o Pedro Castelo c)<br />

grande locutor da Rádio jovem<br />

de então, nomeadamente dos<br />

programas a “23.ª Hora” e do<br />

“Enquanto for bom dia” da<br />

Renascença, e sugeriram a nossa<br />

ida ao Caruncho, que ficou logo<br />

combinada com a Gerência para<br />

um fim de semana do mês de<br />

Maio. Havia apenas uma ressalva<br />

quanto às aparelhagens a<br />

montar já que o espaço era muito<br />

pequeno e teríamos de ter em<br />

conta esse aspecto.<br />

E assim aconteceu. Partimos<br />

de Viseu num sábado de manhã,<br />

em caravana com a D. Urraca<br />

e uma grande comitiva que nos<br />

acompanhava, montámos os<br />

equipamentos possíveis e ainda<br />

actuámos nesse fim de tarde ao<br />

jeito de teste de som. Actuámos<br />

nessa noite de sábado e fizemos<br />

a matiné do domingo. Claro que<br />

tratámos de divulgar a nossa<br />

presença em Lisboa e apareceram<br />

as nossas habituais claques de<br />

Viseu, de Lisboa e muitos amigos.<br />

E foram duas sessões animadas,<br />

embora com as limitações de som<br />

que não eram do nosso agrado.<br />

Mas foi o som possível e as<br />

sessões não foram prejudicadas<br />

por isso.<br />

…e.em.massamá.<br />

Desde Janeiro de 66 que tínhamos<br />

a promessa de ir tocar a Massamá<br />

a casa do meu tio Vasco.<br />

Logo que soube que íamos a<br />

Lisboa o tio Vasco exigiu a nossa<br />

presença em sua casa e convidou<br />

todos os seus amigos para uma<br />

grande festa marcada para esse<br />

domingo à noite. Foi o tempo de<br />

desmontarmos o equipamento<br />

no Caruncho e seguirmos em<br />

comitiva para Massamá onde<br />

o tio Vasco além da vivenda<br />

com cães, macacos e araras, a<br />

passareira que servia de parede<br />

interior da sala, tinha uma capela


144 porViseu ’60s.<br />

1.<br />

Amigos Maurício Sousa<br />

e esposa, Fernanda Madeira,<br />

com o Vitó e o Dutra<br />

1<br />

e um anexo com dois pisos,<br />

no 2.º dos quais tinha uma boìte<br />

com um piano branco de meia<br />

cauda muito bonito. Era aí a<br />

festa. A casa estava cheia e já a<br />

animação era grande.<br />

Maior foi o reboliço pois o acesso<br />

ao 2.º piso era terrível com uma<br />

escada em caracol muito estreita<br />

que dificultava muito o transporte<br />

dos instrumentos. Toda a gente<br />

quis ajudar a transportar os<br />

instrumentos para o 2.º piso.<br />

Foi uma confusão muito divertida<br />

e quando começámos a tocar já a<br />

noite ia longa. Foi muita agitação,<br />

animação e confusão e o espaço<br />

era pequeno para tanta gente.<br />

Alguns de nós interrogávamo-nos<br />

se o piso ia aguentar com tanto<br />

salto e animação. Havia muita<br />

gente jovem, miúdas bonitas<br />

como as manas Pontes de Sousa<br />

e outras ainda desconhecidas.<br />

Foi muito, muito divertido com<br />

muitos copos e muita cantoria até<br />

às tantas.<br />

Até a D. Urraca foi testemunha<br />

da grande confusão gerada com<br />

tal festa e assistiu a vários beijos<br />

trocados, roubados e consentidos<br />

no seu interior com as bonitas<br />

ajudantes voluntárias no tirar<br />

e pôr das aparelhagens.<br />

Seguramente em Massamá,<br />

nos dias seguintes, muito se terá<br />

comentado tal noitada.


os tubarões ’67 145<br />

.o.meu.<br />

retrato.dos.<br />

tubarões.<br />

Estaríamos na fase mais<br />

equilibrada do conjunto com a<br />

nossa formação base estabilizada<br />

desde 1964 composta pelo José<br />

Merino, vocalista, Carlos Alberto<br />

nas teclas, Victor Barros na viola<br />

solo e ritmo, Luís Dutra na vila<br />

baixo e eu na bateria. Tínhamos<br />

tido como violas solo o Tó Fifas<br />

em 1964, o Quim Guimarães em<br />

1965 até Março de 1966, e sem<br />

viola solo desde essa altura,<br />

tendo começado o Victor a exercer<br />

tal função.<br />

O Zé Merino era o mais criativo<br />

de todos nós. Tinha uma voz<br />

poderosa que tanto cantava Tom<br />

Jones, Eric Burdon, Bécaud ou<br />

“Bee Gees”, nunca faltando os<br />

seus idolatrados “Beatles” de<br />

quem absorvia tudo, conhecia<br />

todas as músicas, e sabia quase<br />

todas as letras. E este pormenor<br />

muito contribuiu para a sua<br />

evolução enquanto vocalista e<br />

também fomentou a sua veia<br />

criativa. Tudo o inspirava para a<br />

criação de novos temas. O Zé, se<br />

tivesse tocado um instrumento,<br />

teria sido um criador musical<br />

único. Dos sete originais que<br />

temos registados esteve presente<br />

em seis e foi o principal autor<br />

de cinco. E mais não fez por se<br />

esquecer das muitas criações que<br />

lhe surgiam na cabeça e que mais<br />

tarde não conseguia reproduzir<br />

junto dos restantes membros do<br />

conjunto. Seguramente com um<br />

instrumento à mão tais criações<br />

não seriam esquecidas. O timbre<br />

da sua voz era uma das marcas<br />

do nosso conjunto.<br />

O Carlos Alberto nos teclados<br />

era outra das marcas do som<br />

do nosso conjunto. Iniciou a sua<br />

aprendizagem musical na Escola<br />

de Acordeões Mário Costa, e tais<br />

conhecimentos foram sempre<br />

preciosos para todos nós.<br />

Era muito completo, discreto<br />

e exigente. E quando algo não<br />

lhe soava bem não descansava<br />

enquanto não descobrisse a<br />

imperfeição. E tinha sempre<br />

razão. Completo, estudava<br />

sózinho o seu instrumento,<br />

dedicava especial atenção aos<br />

solos que interpretava como


146 porViseu ’60s.<br />

poucos, como o do “I put a<br />

spell on you”, e era exímio no<br />

uso da pedaleira. Tinha uma<br />

particularidade única. Nas noites<br />

mais longas, quando tocávamos<br />

séries de slows (rapsódias de<br />

músicas instrumentais tocadas<br />

de seguida, sempre ligadas, com<br />

o mesmo ritmo), que o público<br />

muito apreciava para dançar<br />

mais aconchegado, conseguia<br />

adormecer, tocar as músicas<br />

completas sem qualquer falha.<br />

Só tínhamos que o acordar<br />

no ponto certo para ele não<br />

estremunhar. Ninguém notava.<br />

Só nós.<br />

O Victor Barros (Vitó) era o perito<br />

em ritmo e harmonia. “Batia”<br />

a bossa como poucos e ainda<br />

hoje, sempre que pega no violão,<br />

é difícil resistir ao ritmo e ao<br />

balanço que imprime quer com a<br />

batida, quer com o som resultante<br />

do diálogo das duas mãos. Solava<br />

sempre que necessário mas<br />

era na melodia onde se sentia<br />

mais à vontade, na sétima,<br />

na dissonante, nos coros, no<br />

pormenor que fazia a diferença,<br />

como o prova o “Você vai<br />

chorar” de sua autoria. Também<br />

interpretava bem “I’ve Got My<br />

Mojo Working” numa versão mista<br />

de Jimmy Smith e “Quinteto<br />

Académico”. Nós gostávamos<br />

muito.<br />

O Dutra era sem dúvida o mais<br />

dorminhoco e o sempre atrasado.<br />

Com a eterna ajuda do Carlos e<br />

do Victor cumpria a sua missão.<br />

Evoluiu muito e poderia ir<br />

ainda mais longe mas os seus<br />

atrasos constantes a todos os<br />

compromissos, ensaios, namoros,<br />

refeições, exames, não lhe davam<br />

tempo para mais. Conseguia moer<br />

a cabeça de toda a gente, mas<br />

bom rapaz e bem disposto, com<br />

muita graça, lá conseguia levar a<br />

água ao seu moinho, mesmo para<br />

as mós mais exigentes.<br />

A sua coroa de glória era a<br />

interpretação de “The more I see<br />

you”, numa versão revitalizada do<br />

Chris Montez.<br />

Quanto a mim ainda hoje não<br />

estou seguro se a bateria teria<br />

sido o instrumento para o qual<br />

teria mais vocação. O que aprendi<br />

em 1963 com o Tó Fifas foi a<br />

melhor base de conceitos que me<br />

serviu para a vida musical. Nunca<br />

tive outro instrutor, tudo o que<br />

vim a saber foi por observação,<br />

algumas dicas e intuição.<br />

E é este motivo que leva à minha<br />

dúvida. Era um baterista mais<br />

na base da força do que no jeito.<br />

Hoje cada vez mais aprecio os da<br />

arte pela suavidade e leveza do<br />

toque. Consegui “bater” bossa<br />

com algum à vontade muito<br />

impulsionado pelo toque do<br />

Victor, que sempre acompanhei<br />

a preceito. Era certinho qb para<br />

o conjunto que éramos.<br />

Solos de bateria só a pedido e<br />

não foram muitos os solicitados.<br />

Em termos vocais tentavam<br />

sempre empurrar-me para<br />

cantar “o Pato” de “João Gilberto”<br />

(Vinícius de Moraes/Toquinho/<br />

Paulo Soledade) mas a minha<br />

interpretação era efectivamente<br />

uma séria ameaça à do “Juca<br />

Chaves”.


os tubarões ’67 147<br />

.woolmark.e.<br />

s.pedro.do.sul.<br />

1<br />

1.<br />

Desfile Woolmark no<br />

Hotel Grão Vasco<br />

Finalmente chegou de Itália o<br />

novo orgão Farfisa Compaq Duo,<br />

o topo da gama Farfisa, que todos<br />

nós desejávamos, já que era o<br />

instrumento crucial do nosso<br />

conjunto e tinha para o explorar<br />

musicalmente o, de todos nós<br />

mais bem preparado e dotado,<br />

Carlos Alberto. Desde finais de 64<br />

que o órgão fez sempre parte da<br />

nossa formação. Era fundamental.<br />

Regressámos às Passagens de<br />

Modelos Woolmark, sempre<br />

apresentadas pela nossa<br />

madrinha Maria Leonor e no<br />

S. Pedro fomos animar as festas<br />

em S. Pedro do Sul no Palácio<br />

de Reriz, mesmo no meio da<br />

época de exames. Nestas<br />

deslocações, próximas de Viseu,<br />

tínhamos sempre vários grupos<br />

de admiradores que nos seguiam<br />

e que por vezes ultrapassavam<br />

as 50 pessoas. Um deles era<br />

formado só por amigas e colegas,<br />

que nos mantinham sempre a<br />

alguma distância, sempre muito<br />

animadas e prontas para um<br />

pézinho de dança. Sem nunca<br />

o anunciarem, lá se metiam<br />

nas suas viaturas e apareciam<br />

com um arzinho da sua graça.<br />

Era o grupo da “Capitão Silva<br />

Pereira”, bem divertido, grandes<br />

dançarinas e cuja presença, que<br />

sempre nos agradou, era muito<br />

regular nestas festas.


148 porViseu ’60s.<br />

permitiu ouvir grande parte da<br />

música, que mal terminou o Zé<br />

logo cantarolou o conhecido<br />

refrão com o Victor a tentar<br />

“tirar os tons” na sua Fender.<br />

Na Época de 1967 as Variedades<br />

eram acompanhadas pela<br />

“Orquestra de José Santos Rosa”<br />

e a nós, pela primeira vez como<br />

cabeças de cartaz, competiam-<br />

-nos os bailes e as matinés,<br />

estas por vezes partilhadas com<br />

os “Vodkas”, e aqueles, em dias<br />

de enchente, reforçados pelo<br />

conjunto “Nelo Costa”.<br />

.de.novo.no.<br />

.casino.<br />

1<br />

1.<br />

Festa à Portuguesa no Salão de Café<br />

2<br />

3<br />

4<br />

2. 3. e 4.<br />

Programas do Casino<br />

Estreámos no Grande Casino<br />

Peninsular da Figueira da Foz<br />

a 22 de Julho, com o conjunto de<br />

João Paulo com Sérgio Borges,<br />

com quem partilhámos a matiné<br />

do domingo seguinte, 23.<br />

Recorde-se que foi a 25 de Junho<br />

que os “Beatles” lançaram “All<br />

You need is love”, essa obra prima<br />

à amizade, no programa da BBC<br />

“Our World” lançado para 26<br />

países, directamente do Abbey<br />

Road Studios com a presença<br />

de Mick Jagger, Eric Clapton,<br />

Marianne Faithfull, Keith Moon<br />

e Graham Nash. Nessa tarde<br />

estávamos nós a ensaiar no Salão<br />

Nobre do Casino e apareceu<br />

alguém com um rádio que nos<br />

Como vinha a acontecer desde<br />

1965 a logística da estadia e<br />

alimentação estava a cargo da<br />

Residencial Júlio, e vivíamos num<br />

prédio na Rua Bernardo Lopes,<br />

numa zona sossegada perto do<br />

Casino que nos permitia dormir<br />

até tarde, já que as noites eram<br />

sempre longas, e terminavam<br />

em regra com uma boa ceia,<br />

acompanhada com o humor<br />

constante, as anedotas e a boa<br />

disposição do Zé Gordo,<br />

o fotógrafo do Casino, muito<br />

nosso amigo e sempre bem<br />

disposto mesmo nos piores<br />

momentos da sua “Briosa”.<br />

A ceia, dependendo das horas<br />

e do local ainda aberto, podia<br />

ocorrer no Casino, ou no Nicola<br />

com o seu bife à café, ou nas<br />

bombas da Sacor, junto da<br />

Estação.


os tubarões ’67 149<br />

.a.vida.no.casino.<br />

O nosso dia-a-dia não dava<br />

para muitos veraneios já que<br />

tocávamos todas as noites e<br />

fazíamos duas matinés por<br />

semana. Acordávamos tarde.<br />

Em dias de matiné almoçávamos<br />

por volta das 15h para<br />

começarmos a tocar ás 16h30<br />

até às 19h50. Após um banho e<br />

nova indumentária, jantávamos<br />

para voltarmos ao Casino às<br />

22h30, começando a tocar por<br />

volta das 23h até às 2h. Em noites<br />

de eleição e por convite pessoal<br />

e exclusivo, cada um de nós ia<br />

alternadamente jantar a casa<br />

do nosso amigo e empresário<br />

Sr. António Xavier Loureiro, que<br />

tinha alugado uma casa com a<br />

família próxima do Casino. Eu fui<br />

um privilegiado pois seguramente<br />

fui o frequentador mais assíduo<br />

daqueles excelentes jantares.<br />

Era sempre uma noite em cheio<br />

pois o manjar era óptimo, farto<br />

e muito bem regado com o Dão<br />

especial da Quinta de Pindelo.<br />

Único!<br />

As Variedades iniciavam-se às<br />

22h30 no Salão de Café e tinham<br />

uma duração aproximada de<br />

meia hora a 40 minutos. Sempre<br />

que havia uma atracção especial<br />

(Amália, Rui de Mascarenhas,<br />

e outros que o justificassem)<br />

havia uma segunda parte no Salão<br />

Nobre à 1h com essa vedeta.<br />

Os preços variavam consoante<br />

o mês. Em Agosto de 1967 as<br />

matinés tinham o preço de<br />

10$00. As noites de sexta-feira<br />

e sábados eram as mais caras,<br />

no geral 40$00, mas com uma<br />

atracção especial iam aos 50$00<br />

e até aos 60$00. Os restantes dias<br />

da semana os preços variavam<br />

entre 25$00 e 30$00 dependente<br />

do cartaz.<br />

Quanto a nós, nos dias em<br />

que não fazíamos as matinés,<br />

descansávamos um pouco mais<br />

sacrificando por vezes o almoço,<br />

ou procurávamos o convívio<br />

descontraído com os muitos<br />

amigos que tínhamos.<br />

Num eventual descanso semanal<br />

ensaiávamos ou aceitávamos um<br />

dos inúmeros convites e que iam<br />

desde as paellas na praia com<br />

o grupo espanhol liderado pelo<br />

Manolo e pela Apy, os lanches<br />

retemperadores na Serra da Boa<br />

Viagem, as festas do amendoim<br />

em casa do Victor Pais, ou<br />

os passeios pelos arredores.<br />

Passámos por todos eles.<br />

Tínhamos um óptimo<br />

relacionamento com a Direcção<br />

do Casino e um convívio muito<br />

agradável com todos os artistas,<br />

com especial simpatia com a<br />

“Orquestra de José Santos Rosa”<br />

e vários dos seus elementos,<br />

além do Maestro. E aos poucos<br />

dominávamos os meandros<br />

e os corredores do Casino,<br />

influenciámos as eleições das<br />

Misses conseguindo que de facto,<br />

e em nosso entender, fossem<br />

eleitas as mais elegantes<br />

e bonitas candidatas.


150 porViseu ’60s.<br />

.miss.espanha.<br />

Uma das iniciativas do Casino<br />

era a eleição de Miss Espanha<br />

dedicada à grande colónia<br />

espanhola de Badajoz, Cáceres,<br />

Sevilha, Salamanca e até Madrid,<br />

com grandes aficionados do jogo<br />

e, naturalmente, das corridas de<br />

touros. E a Figueira tinha como<br />

oferta estas duas diversões.<br />

Pois numa terça-feira, dia 15 de<br />

Agosto, o Casino comemorava o<br />

dia de Espanha com um programa<br />

especial dedicado à comunidade<br />

do país vizinho. Fez decoração<br />

especial a condizer e além da<br />

grande atracção nacional Rui de<br />

Mascarenhas, apresentou o Grupo<br />

Coral e Folclórico de Alicante. Era<br />

um programa totalmente dedicado<br />

a Espanha e a língua oficial do<br />

5 6<br />

8<br />

7 9<br />

5. 8. e 9.<br />

Programas do Casino<br />

6.<br />

Eduardo, Vitó, Dutra e Carlos<br />

Alberto com Miss Espanha<br />

7.<br />

Com Simone de Oliveira<br />

Casino era o espanhol, tantos<br />

eram os presentes daquele país.<br />

Mais uma noite de casa cheia.<br />

A eleição da Miss Espanha e<br />

respectivas Damas de Honor era<br />

feita sob proposta de cada grupo<br />

de amigos ou comunidades de<br />

origem que indicavam o nome<br />

das suas candidatas. Fechadas<br />

as inscrições as candidatas eram<br />

chamadas, por vezes algumas<br />

delas não sabiam que tinham sido<br />

propostas, e depois de algumas<br />

voltinhas no palco havia um<br />

período para a votação.<br />

Nessa noite estava entre as<br />

candidatas uma nossa amiga de<br />

Cáceres, muito bonita, simpática,<br />

suave e com um sorriso bonito<br />

e tranquilo. Para nós, melhor,<br />

para os portugueses, era quem<br />

merecia ganhar. Mas como era do<br />

grupo de Cáceres e havia grupos<br />

de outras localidades muito mais<br />

numerosos poderia correr-se o<br />

risco de ganhar alguém que não<br />

merecia tal título. Assim, e com a<br />

conivência de alguns elementos<br />

do Casino, conseguimos arranjar<br />

uma caderneta dos canhotos<br />

utilizados na votação, e coube-<br />

-nos a nós, e alguns amigos,<br />

preenchermos talões suficientes<br />

para se conseguir uma votação<br />

adequada para a Miss Espanha,<br />

que conquistou o ceptro por<br />

maioria clara e foi objecto de<br />

grande ovação. Concretizado<br />

o acto conseguimos uma foto<br />

para a prosperidade com a Miss<br />

Espanha eleita.<br />

.artistas.com.quem.nos.<br />

cruzámos.<br />

Privámos de perto com os<br />

maiores artistas portugueses<br />

da época.<br />

O Casino era de facto uma casa de<br />

trabalho para todos. Segue-se a<br />

lista não exaustiva dos principais<br />

artistas com quem privámos<br />

no Casino em 1967:<br />

CONJUNTOS E ORQUESTRA<br />

ARLINDO SOUSA<br />

JOSÉ SANTOS ROSA<br />

NELO COSTA<br />

OS VODKAS


os tubarões ’67 151<br />

ARTISTA<br />

AMÁLIA<br />

ANTÓNIO MAFRA<br />

CONJUNTO JOÃO PAULO<br />

DUO OURO NEGRO<br />

FERNANDO CORREIA<br />

FRANCISCO JOSÉ<br />

HERMÍNIA SILVA<br />

JOÃO MARIA TUDELA<br />

LUIS GUILHERME<br />

MANUEL FERNANDES<br />

MARA ABRANTES<br />

MARIA DE LOURDES RESENDE<br />

MARIA VALEJO<br />

MARIETE PESSANHA<br />

NICOLAU BREYNER<br />

PEIRÓ<br />

RUI DE MASCARENHAS<br />

SIMONE DE OLIVEIRA<br />

TERESA TAROUCA<br />

TONI DE MATOS<br />

TONICHA<br />

TRISTÃO DA SILVA<br />

VERÓNICA<br />

DATA<br />

ago<br />

16 set<br />

22 jul e 25 ago<br />

17 ago<br />

ago/set<br />

02 set<br />

26 ago<br />

26 jul<br />

25 ago<br />

16 set<br />

23 jul<br />

13 a 15 set<br />

15 ago<br />

25 ago<br />

29 a 31 ago<br />

ago/set<br />

12 a 15 ago<br />

25 a 28 ago<br />

19 a 21 ago<br />

9 a 12 set<br />

22 ago<br />

19 a 21 ago<br />

12 set<br />

.peiró.<br />

Além da orquestra e conjuntos<br />

para toda a época, o Casino tinha<br />

contratado outros artistas que<br />

completavam o elenco para as<br />

necessidades sentidas em três<br />

meses de grande exigência diária.<br />

Um deles era o apresentador<br />

e cantor Fernando Correia que<br />

fazia de anfitrião todas as noites<br />

apresentando o espectáculo<br />

e por vezes interpretava os<br />

seus próprios êxitos musicais<br />

acompanhado pela Orquestra.<br />

Outro era o Peiró, um exímio<br />

pianista que tanto tocava peças<br />

a solo como acompanhava alguns<br />

artistas e por vezes também<br />

integrava a própria Orquestra.


152 porViseu ’60s.<br />

Era um artista de grande<br />

qualidade, sensibilidade e gosto<br />

musical. Era um prazer vê-lo a<br />

tocar piano onde os seus dedos<br />

rasavam pelas teclas com uma<br />

suavidade imperceptível.<br />

Foi também um grande amigo<br />

nosso que procurava ouvir-nos<br />

com muita atenção, fazendo<br />

várias sugestões, críticas,<br />

e apreciações que nós muito<br />

considerávamos. Por vezes nas<br />

matinés sentava-se nas galerias<br />

a ouvir-nos e tecia os comentários<br />

que entendia devidos ao Rogério<br />

para nos transmitir.<br />

Sempre muito úteis.<br />

O Peiró foi um dos membros da<br />

primeira formação do quinteto<br />

“Thilo’s Combo”, um dos melhores<br />

conjuntos profissionais dos 60’s,<br />

criado em 1962 com a seguinte<br />

formação: Thilo Krasmann<br />

(contrabaixo e voz), José Luís<br />

Simões (guitarra eléctrica),<br />

Enrique Peiró Jr. (piano),<br />

Fernando Rueda (bateria) e Vítor<br />

Santos (saxofone).<br />

Quando havia estreias<br />

procurávamos assistir aos<br />

ensaios das vedetas com a<br />

“Orquestra de José Santos<br />

Rosa”. Formava-se uma plateia<br />

na assistência, normalmente do<br />

lado esquerdo do palco, o lado<br />

da porta dos artistas, composta<br />

pelos familiares dos elementos<br />

da orquestra. Para nós, aqueles<br />

ensaios eram aulas de música<br />

onde aprendíamos sempre<br />

alguma coisa, como tornear sons,<br />

instrumentos e resolver algumas<br />

situações musicais não previstas.<br />

Uma excelente escola.<br />

Passámos momentos bem<br />

divertidos com vários artistas,<br />

muitas festas, agradáveis<br />

convívios, inúmeras farras,<br />

e ganhámos muitos amigos.<br />

E temos memórias registadas<br />

com a Simone de Oliveira e com<br />

o Nicolau Breyner, merecendo<br />

este algum destaque pela<br />

amizade e conivências vividas,<br />

que perduram pelos tempos.<br />

.com.o.nicolau.no.casino.<br />

Conhecemos o Nicolau no Casino<br />

da Figueira. Estreou a 29 de<br />

Agosto, esteve presente na nossa<br />

matiné desse dia, imediatamente<br />

antes do seu ensaio, a que<br />

também assistimos. E sentimos<br />

alguma proximidade entre nós<br />

pela juventude e tipo de música.<br />

O Nicolau com os seus 26 anos<br />

era uma vedeta do Cinema e da<br />

Revista e tinha iniciado a carreira<br />

de cantor a solo. Começámos a<br />

conviver nesse dia com muita<br />

empatia mútua. Ao serão e após a<br />

estreia ceámos juntos no Casino<br />

e houve logo noitada. O Nicolau,<br />

qual vedeta, estava instalado no<br />

Grande Hotel. Quando saíamos<br />

do Casino já estava tudo fechado<br />

na zona central e acabámos<br />

por ir até à Sacor, o único lugar<br />

ainda aberto às 3 da manhã.<br />

Depois de alguns copos e muita<br />

laracha divertida regressámos<br />

a pé da Sacor que ficava perto<br />

da Estação dos Caminhos de<br />

Ferro. Quando passávamos nas<br />

Docas estavam a entrar algumas<br />

traineiras cheias de sardinha,<br />

com um brilho único tão reluzente<br />

que o Nicolau não resistiu e<br />

encomendou duas caixas pedindo<br />

que as entregassem de manhã<br />

no Grande Hotel. Combinou-se<br />

logo uma grande sardinhada<br />

para o dia seguinte com o nosso<br />

compromisso de tratarmos da<br />

logística necessária. O pescador,<br />

atónito, lá aceitou o dinheiro e<br />

comprometeu-se a entregar as<br />

caixas ao outro dia de manhã<br />

no Grande Hotel, como veio a<br />

acontecer. Ainda antes das 10h,<br />

madrugada para o Nico, toca o<br />

telefone da recepção. O Nicolau<br />

ainda a dormir perguntava: “Duas<br />

caixas de sardinha para mim? Para<br />

mim??? Oh Homem sei lá, leve-as<br />

para a cozinha que depois logo<br />

se vê; Olhe, ofereça-as aos seus<br />

Clientes ao almoço.” E nunca mais<br />

se lembrou da sardinhada.<br />

Como combinado encontrámo-<br />

-nos à tarde no Casino. Entretanto<br />

mobilizámos algumas amigas<br />

e amigos, uns com carro, e o<br />

Zé Gordo preparado com o seu<br />

Peugeot, para irmos à sardinhada<br />

do Nicolau cujo local mais<br />

sossegado e apropriado seria<br />

o Cabo Mondego. Quando o<br />

Nicolau chegou ao Casino é que se<br />

lembrou da sardinhada combinada<br />

e do que tinha dito no hotel.


os tubarões ’67 153<br />

Lá se desfez em desculpas e<br />

nos descompôs em riso com as<br />

sua inúmeras histórias e graças<br />

que lhe saíam em catadupa, não<br />

dando tempo para mais alguém<br />

falar. Meia hora depois, já com<br />

o grupo mais reduzido, o Nicolau<br />

manifestou algum interesse em<br />

dar uma volta pela Figueira.<br />

Logo o Zé Gordo ofereceu os seus<br />

préstimos e uma das figueirenses<br />

presentes prontificou-se a ser a<br />

cicerone na Figueira da Foz<br />

e arredores. Foi uma volta longa<br />

que terminou tarde na Serra<br />

da Boa Viagem. À noite, o Zé<br />

Gordo, muito entusiasmado,<br />

acercou-se de nós dizendo que<br />

o Nicolau tinha uma proposta<br />

irrecusável, aconselhando-nos a<br />

não dizermos que não. Ficámos<br />

expectantes pelas novidades que<br />

iriam aparecer. Após o Show, o<br />

Nicolau propôs-nos produzirmos<br />

um espectáculo em que ele<br />

seria a atracção, nós faríamos<br />

sozinhos a 1.ª parte e na 2.ª<br />

acompanharíamos o Show do<br />

Nicolau. E não haveria problema<br />

pois em Setembro já poderíamos<br />

ir para Lisboa e começar os<br />

ensaios para em Outubro<br />

começarmos a tournée. Foi um<br />

projecto que nos agradou sem<br />

dúvida, mas… e os estudos, …<br />

Ficou a ideia que a todos<br />

entusiasmou, e até o Zé Gordo<br />

estava disponível para fazer a<br />

cobertura fotográfica do evento<br />

de abrangência nacional.<br />

E tratámos logo de ensaiarmos<br />

uns toques que o Zé Gordo<br />

registou para a posteridade.<br />

Nunca conseguimos concretizar<br />

este projecto. O Nicolau somava<br />

êxitos sobre êxitos na arte de<br />

representar, e nós voltámos ao<br />

ano escolar, ainda um pouco<br />

meninos dos teen, em vésperas<br />

da guerra, marchar, marchar…<br />

No ano seguinte viemos a<br />

reencontrar o Nicolau no<br />

Casino e, em simultâneo com o<br />

Toni de Matos, vivemos cenas<br />

absolutamente hilariantes.<br />

Mais tarde, já a cumprir o<br />

serviço militar em Lisboa, voltei<br />

a conviver com o Nicolau no<br />

Monumental em 1969/70, e ainda<br />

mais tarde, a partir de 1997<br />

na RTP. Até hoje...<br />

10<br />

pág. seg.<br />

10.<br />

Com Nicolau Breyner no Casino<br />

11.<br />

Com Nicolau Breyner, ensaio<br />

no Salão Nobre do Casino<br />

12.<br />

Licença da inspecção dos<br />

espectáculos da programação<br />

dia 29 Agosto<br />

13.<br />

Luís Dutra e Vató num ensaio<br />

no estúdio<br />

11 12<br />

13


154 porViseu ’60s.<br />

Ainda em Agosto voltámos ao<br />

Clube de Ténis para duas matinés<br />

de beneficência, como já tinha<br />

acontecido nos anos anteriores.<br />

A pedido do primo do Rogério,<br />

o jornalista José Miguel Barros<br />

especialista em desportos<br />

motorizados, fomos fazer um<br />

baile no Cine-Teatro da Nazaré,<br />

muito animado e com grande<br />

sucesso, em que a D. Urraca<br />

voltou a ser de grande utilidade<br />

para uns autógrafos e uns beijos<br />

roubados com algumas das fãs<br />

que não nos largavam. A viagem<br />

de regresso à Figueira foi muito<br />

tormentosa pois o nevoeiro era<br />

cerrado e interminável. Ao volante<br />

ia o Rogério com o Pascoal<br />

como co-piloto. Nós, os artistas,<br />

dormimos a sono solto e profundo<br />

toda a viagem.<br />

Também em Agosto, numa das<br />

folgas demos um salto à Praia de<br />

Mira onde tocavam no Mirasol<br />

os nossos amigos “Kzares” de<br />

Aveiro. Mal nos viram dedicaram-<br />

-nos uma das suas interessantes<br />

interpretações. No intervalo,<br />

após algum convívio no Bar, os<br />

“Kzares” convidaram-nos a irmos<br />

até ao palco. Embora reticentes<br />

pois não tínhamos vocalista,<br />

uma vez que o Zé Merino não<br />

nos pode acompanhar, não<br />

conseguimos deixar de o fazer<br />

até porque o ambiente era<br />

fantástico, solto, animado, com<br />

uma larga comunidade viseense<br />

presente que não nos perdoaria.<br />

E assim fizemos, tocando alguns


os tubarões ’67 155<br />

dos números dos possíveis que<br />

entendemos serem os mais a<br />

propósito de tão inesperado<br />

momento. Foi uma agradável<br />

e descomprometida presença.<br />

Regressámos muito satisfeitos<br />

à Figueira com a promessa que<br />

voltaríamos com a formação<br />

completa. O que, com pena, não<br />

concretizámos.<br />

.novo.viola.solo.<br />

Foi durante este mês de Agosto<br />

que, em reflexão conjunta,<br />

começámos a ponderar a<br />

eventual entrada de um novo<br />

viola solo. A nossa vida musical<br />

era intensa, e seria extenuante,<br />

não fora a nossa alegria e o gosto<br />

de tocar. Gostávamos muito do<br />

que fazíamos. 1967 estava a ser<br />

o ano mais intenso da nossa vida<br />

artística. Terão sido muito raras as<br />

semanas em que não actuámos<br />

publicamente, e nalgumas mais<br />

de uma vez. No Casino facilmente<br />

ultrapassávamos as 30 actuações<br />

mensais e as 60 por época.<br />

A rotina começava a ser grande e<br />

nós não nos queríamos acomodar.<br />

Pretendíamos ir mais longe, dar<br />

um novo salto.<br />

.os.chinchilas.no.casino.<br />

Conhecíamos no grupo da<br />

Figueira o Vató que, quando<br />

podia ou o pai autorizava, tocava<br />

em Lisboa com os “Chinchilas”,<br />

muitas vezes às escondidas.<br />

O Filipe Mendes, líder do<br />

conjunto, passava as férias<br />

na Figueira pois tinha lá casa.<br />

Um belo dia os “Chinchilas”<br />

ofereceram-se ao Casino para<br />

fazerem uma matiné.<br />

O Sr. Mendes Pinto, gerente<br />

do Casino, pediu-nos a nossa<br />

opinião, que foi positiva pois,<br />

além de gostarmos de os ouvir, tal<br />

actuação também nos permitia<br />

um descanso suplementar.<br />

E então lá se realizou a matiné<br />

com os “Chinchilas” que durou<br />

pouco mais de meia hora, já que<br />

teve de ser interrompida pois o<br />

volume do som era tão alto, tão<br />

alto, que ia gerando a evacuação<br />

do Pátio das Galinhas. E este<br />

episódio, muito comentado na<br />

Rua do Casino, também nos<br />

ajudou a trazermos o Vató para o<br />

nosso conjunto.<br />

.o.convite.ao.vató.<br />

O pai do Vató, o Sr. Valdemar<br />

Ramalho, óptima pessoa muito<br />

conhecida e respeitada na<br />

Figueira, tudo fazia pelo filho e<br />

tudo lhe dava desde que ele fosse<br />

cumpridor nos estudos, o que<br />

nem sempre acontecia. Apesar<br />

de tudo, o Vató já tinha a sua<br />

viola Guild Star Fire, muito bonita<br />

e com som inigualável,<br />

e o seu amplificador Vox 730<br />

para “brincar” em casa.<br />

Após alguma aproximação com<br />

o Vató que começou a ir mais<br />

vezes ao Casino e a assistir às<br />

nossas actuações, o Sr. António<br />

Xavier Loureiro convidou os<br />

pais do Vató para jantarem no<br />

Casino e assistirem à nossa<br />

actuação. O que aconteceu com<br />

grande sucesso. Tocávamos no<br />

Salão Nobre que tinha péssimas<br />

condições acústicas com<br />

inúmeros ecos repartidos por<br />

todas as paredes e provocados<br />

pelos inúmeros espelhos do<br />

Salão. Com a experiência<br />

adquirida e o bom equipamento<br />

que tínhamos, dominávamos bem<br />

o som, o que era um dos factores<br />

muito apreciados por todos<br />

os públicos, mesmo aqueles<br />

que, não dançando, podiam<br />

estar nas mesas a ouvir música<br />

ou a conversar. E este factor<br />

diferenciador aliado a alguma<br />

boa fama de bons rapazes e<br />

estudantes razoáveis possibilitou<br />

que o Sr. Valdemar autorizasse a<br />

entrada do Vató para o conjunto.<br />

Aproximava-se o novo ano<br />

escolar e o Vató matriculou-se<br />

como aluno interno no Colégio<br />

do Carregal do Sal, bem perto<br />

de Viseu, o que iria facilitar os<br />

ensaios aos fins de semana,<br />

como veio a acontecer a partir<br />

de Outubro de 67.


156 porViseu ’60s.<br />

1<br />

1.<br />

Casaca preta do Zé Merino<br />

2.<br />

Casaca bordeaux<br />

do Carlos Alberto<br />

.as.casacas.<br />

à.beatles.<br />

2<br />

De regresso a Viseu fomos<br />

confrontados com um<br />

pedido peculiar. A Alfaiataria<br />

Álvaro Alfaiates, a de<br />

maior prestígio da cidade,<br />

ofereceu-se para nos<br />

vestir a custo zero. Só tínhamos<br />

de referenciar que era aquela<br />

casa que nos vestia e permitir<br />

a colocação da nossa foto nas<br />

montras da Alfaiataria, situada na<br />

Rua Alexandre Herculano, frente<br />

ao Lar. O Mestre Álvaro, através<br />

do pai do Zé Merino de quem<br />

era amigo e fornecedor, queria<br />

fazer um traje especial para o<br />

conjunto. Das conversas tidas<br />

com o Zé, inspirados no álbum<br />

“Sgt. Pepper’s Lonely Hearts<br />

Club Band” saído a 1 de Junho<br />

desse ano, desenham e projectam<br />

um novo traje, umas casacas à<br />

“Beatles”, num tecido especial<br />

que não foi fácil encontrar, cada<br />

uma de sua cor: Carlos Alberto,<br />

encarnada; Eduardo Pinto, roxa,<br />

José Merino, preta, Luís Dutra,<br />

verde, Vató, azul turquesa e Victor<br />

Barros, bordeaux.<br />

E assim nasceu mais uma<br />

fatiota que teve muito uso pela<br />

originalidade como se pode<br />

comprovar na capa do disco.<br />

E durante umas semanas as<br />

Casacas estiveram em exposição<br />

nas montras da Alfaiataria<br />

chamando a curiosidade de<br />

muitos visitantes que ali iam ver a<br />

obra de arte da Alfaiataria Álvaro.


os tubarões ’67 157<br />

.gravação.do.<br />

disco.<br />

1<br />

1.<br />

Cartaz de promoção do disco<br />

Iniciadas as aulas voltámos<br />

ao trabalho no nosso estúdio.<br />

Além da viola Guild Starfire<br />

e do amplificador Vox 730 do<br />

Vató ainda adquirimos um<br />

amplificador Baldwin que era um<br />

primor nos agudos. Para a mais<br />

rápida integração no conjunto<br />

ensaiávamos todos os fins de<br />

semana, por vezes também às<br />

quartas-feiras à tarde e sempre<br />

que havia um feriado.


158 porViseu ’60s.<br />

2.<br />

Artigo de revista Flama,<br />

Maio 1968<br />

2<br />

3<br />

4<br />

3.<br />

Amplificador VOX 730<br />

4.<br />

Viola Guild Starfire IV<br />

O Vató ficava instalado em casa<br />

do Sr. Loureiro e os ensaios eram<br />

contínuos e sem limites horários,<br />

ora revendo o repertório para a<br />

inclusão dos novos solos, ora<br />

actualizando-o com a inclusão<br />

de novos temas, ora criando as<br />

nossas próprias composições.<br />

Nos intervalos o Vató ia aos<br />

diferentes alfaiates fazer as suas<br />

indumentárias e nos descansos<br />

musicais fizemos um novo<br />

conjunto de fotografias com a<br />

nova formação. O nosso fotógrafo<br />

habitual era o Germano. O dono da<br />

Foto Aires manifestou junto do<br />

Sr. Loureiro muito interesse<br />

em fazer por sua conta e risco<br />

um novo conjunto de fotos do<br />

conjunto.<br />

E assim foi. Fizemos fotos no<br />

Estúdio da Foto Aires que deram<br />

origem ao cartaz azul, e outras<br />

fotos de exterior.<br />

Entretanto voltámos a ter<br />

contactos relativos à gravação<br />

de um disco. Foram várias as<br />

hipóteses mas a que veio a<br />

concretizar-se foi a da etiqueta<br />

Alvorada. Neste particular teve<br />

relevância o trabalho do António<br />

Matos e do Fernando Pascoal.<br />

Tínhamos quatro originais<br />

possíveis de gravação: a série


os tubarões ’67 159<br />

do “Old Lady” composta pelas<br />

músicas “Old Lady”, “A girl for me”<br />

e “Come back” e, mais recente,<br />

a criação do Victor dedicada à<br />

Fernanda “Você vai chorar”.<br />

De Lisboa recomendavam a<br />

criação e gravação de um tema<br />

com letra em português de um<br />

poeta de renome. E esta opção<br />

despertou a veia criadora do Vató<br />

que musicou o “Poema de um<br />

Homem Rã”, da autoria de António<br />

Gedeão. Embora com temas<br />

suficientes, o Zé Merino, muito<br />

inspirado nos últimos temas dos<br />

“Beatles”, cria o “Lucky Day”,<br />

e o “Baby it hurts”, este último<br />

bebendo alguma influência nos<br />

coros do “Holiday”, êxito dos “Bee<br />

Gees”. E ficaram seleccionados<br />

os 4 temas do nosso primeiro EP:<br />

“Poema de um Homem Rã”, criado<br />

no Colégio do Carregal do Sal<br />

pelo Vató, com letra adaptada do<br />

poema de António Gedeão; “Você<br />

vai chorar” do Victor Barros com<br />

letra do Zé Merino, “Lucky Day”<br />

com música e letra do Zé Merino<br />

e o “Baby it hurts” com letra e<br />

música do Zé Merino.<br />

Ensaiámos as músicas e num fim<br />

de semana de Novembro fomos<br />

para o estúdio em Lisboa.<br />

Terá sido próximo da data das<br />

grandes inundações desse ano.<br />

O estúdio ficava situado na<br />

Calçada de Santana e estava<br />

reservado a partir das 9h de<br />

sábado. O nosso amigo Maurício<br />

de Sousa partiu na sexta feira de<br />

manhã ao volante da D. Urraca<br />

com todos os equipamentos<br />

e nós partimos depois das aulas<br />

tendo chegado ao fim do dia,<br />

preparados para estarmos no<br />

estúdio a partir das 8h de Sábado<br />

para montarmos o equipamento<br />

e iniciarmos as gravações.<br />

A gravação correu bem. Primeiro<br />

gravámos a vertente instrumental<br />

e só depois as vozes. Por volta<br />

das 12h30 o técnico deu-se por<br />

satisfeito com as gravações<br />

feitas. Ficara por fazer o trabalho<br />

de mistura e uma pós-produção<br />

com a inclusão de sons externos,<br />

essencialmente no “Poema do<br />

Homem-Rã”. O Vató, autor da<br />

música, pretendia que fossem<br />

incluídos sons do mar, e sons de<br />

um mergulhador a entrar na água<br />

a descer ao fundo, misturados<br />

no refrão balanceado da música,<br />

nas partes onde, na gravação<br />

editada, se podem ouvir assobios<br />

e pequenos gritos. O próprio<br />

refrão foi assim gravado com esse<br />

propósito.<br />

Saliente-se que o disco era<br />

composto por quatro títulos<br />

originais completamente<br />

desconhecidos do público, o<br />

que naquele tempo não era<br />

vulgar pois as práticas correntes<br />

dos conjuntos como o nosso


160 porViseu ’60s.<br />

1<br />

2<br />

3<br />

1. 2.<br />

Fotos, Outubro 1967<br />

3.<br />

Cartaz do conjunto<br />

era editarem covers de êxitos<br />

internacionais. O exposto revela<br />

a importância que para nós<br />

tinha este trabalho cuidado de<br />

pós -produção, devidamente<br />

explicado aos técnicos do estúdio.<br />

A nossa tarde estava reservada<br />

para uma sessão fotográfica<br />

mas o mau tempo obrigou ao<br />

seu adiamento para a manhã<br />

seguinte. Este adiamento<br />

permitiu que a D. Urraca desse<br />

apoio aos desalojados das cheias<br />

em Alverca, onde a Associação<br />

dos Estudantes de Económicas<br />

colaborava com os bombeiros<br />

locais.<br />

Na manhã de domingo levantámo-<br />

-nos cedo e fomos até à beira<br />

rio tirar as fotos para a capa do<br />

disco. A foto seleccionada foi uma<br />

das tiradas junto ao Monumento<br />

dos Descobrimentos, coladinhos<br />

à sua base, com o Victor com<br />

os joelhos encolhidos para<br />

todos aparentarmos a mesma<br />

estatura. Com a excepção do Vató<br />

(1.º esquerda) e do Luís Dutra<br />

(penúltimo), vestíamos as nossas<br />

casacas inspiradas no modelo<br />

do Sargeant Pepper.<br />

Regressámos a Viseu confiantes<br />

no entusiasmo da equipa técnica<br />

e nos trabalhos de mistura e<br />

pós-produção acordados com<br />

a Editora, os quais infelizmente<br />

nunca vieram a ser concretizados,<br />

nem veio a ser cumprida a meta<br />

da Editora para o lançamento<br />

do disco no Natal.<br />

Na viagem de regresso a Viseu,<br />

no fim do dia desse domingo<br />

a D. Urraca, à saída de Leiria,<br />

na subida íngreme após a ponte<br />

começou a queixar-se do excesso<br />

de peso. Patinava, patinava,<br />

patinava e não subia.<br />

Lá tivemos de a deixar em Leiria<br />

para pôr uma embraiagem nova<br />

e fomos de táxi até Viseu.


os tubarões ’67 161


162 porViseu ’60s.<br />

.depoimento.<br />

Fernando Pascoal de Matos<br />

Em Outubro de 1966, acabadas as<br />

férias grandes, preparava-me para<br />

vir para Lisboa começar as aulas<br />

no ISCEF, quando me pediram,<br />

como velho amigo dos “Tubarões”,<br />

para os representar em Lisboa.<br />

Fui convencido (sem grande<br />

esforço!) e passei a ter como<br />

metas a atingir, fazer contactos<br />

com as Associações Académicas<br />

de Lisboa para apresentação do<br />

conjunto e para uma actuação<br />

numa das festas académicas<br />

e desenvolver os contactos, já<br />

iniciados, com as produtoras de<br />

discos, para a gravação de um EP.<br />

A Associação de Estudantes<br />

do Instituto Superior Técnico<br />

mostrou-se muito interessada e<br />

só não se concretizou a vinda dos<br />

“Tubarões” devido à sobreposição<br />

de datas e impossibilidade de<br />

mudanças.<br />

Comecei pela Arnaldo Trindade<br />

visto que um dos sócios era um<br />

velho amigo da família e pensei<br />

(erro da juventude!) que seria fácil.<br />

Não foi dito declaradamente que<br />

não, mas que naquele momento<br />

havia problemas de planeamento<br />

na etiqueta Orfeu, mas que depois<br />

falaríamos…<br />

Fiz contactos com outras<br />

firmas, que não vou nomear por<br />

exaustivo, referindo apenas que no<br />

contacto com a “Feira do Disco”<br />

fui informado que tinham em<br />

carteira milhares de conjuntos e<br />

que não tinham capacidade de os<br />

ouvir todos!<br />

Depois de varias tentativas e com<br />

auxílio de alguns amigos com<br />

conhecimentos no meio, tive uma<br />

serie de reuniões com a Valentim<br />

de Carvalho, tendo surgido a<br />

primeira abertura já em fins de<br />

Abril, começos de Maio de 1967.<br />

Marcou-se nova reunião, já com a<br />

presença do “Toninho” de Matos –<br />

ao tempo um dos “managers” do<br />

conjunto que fez entrega de uma<br />

bobine com uma gravação feita no<br />

“estúdio” em Viseu, para avaliarem<br />

as possibilidades do conjunto.<br />

Cerca de duas semanas depois,<br />

a Alvorada contactou-nos<br />

e marcou uma reunião<br />

manifestando o interesse em<br />

elaborar um contrato exclusivo<br />

por um período de dois anos com a<br />

edição mínima de um EP por ano.<br />

Tivémos uma reunião em Lisboa<br />

com a presença de representantes<br />

da Alvorada, com o António de<br />

Matos e comigo. Ficou assente a<br />

gravação de quatro originais e foi<br />

alvitrado que seria interessante<br />

um dos originais ser em português<br />

“…uma coisa assim como o<br />

D. Sebastião dos 1111”, que era<br />

um sucesso da época.<br />

Ficou marcada uma presença<br />

do conjunto em Lisboa para<br />

uma sessão fotográfica para<br />

elaboração da prova da capa e a<br />

entrada em estúdio a combinar<br />

em função das disponibilidades<br />

mútuas, do estúdio e do conjunto.<br />

A gravação acabou por se fazer<br />

fins de Novembro de 1967, uma<br />

semana depois das grandes<br />

inundações na região de Lisboa.<br />

O disco incluía o “Poema do<br />

Homem Rã” o tal original em<br />

português que tinha sido pedido e<br />

o disco foi o êxito que se conhece.<br />

Como nota final só há a referir que<br />

estavam “Os Tubarões” no estúdio<br />

a gravar, apareceu o dono da Feira<br />

do Disco – o tal que tinha milhares<br />

de conjuntos e nada de os ouvir<br />

todos – dizendo-se disposto a<br />

assinar já ali um contrato com<br />

muito melhores condições do que<br />

as da Alvorada.


os tubarões ’67 163<br />

.fim.do.ano.<br />

no.grande.hotel.<br />

No último trimestre do ano<br />

voltámos aos Bailes de Finalistas<br />

e no fim do ano regressámos ao<br />

Grande Hotel da Figueira da Foz.<br />

Do programa fez parte no dia 30 de<br />

Dezembro um “Jantar à Americana<br />

com uma Passagem de Modelos de<br />

Alta Costura WOOLMARK oferecido<br />

pelo Secretariado Internacional<br />

da Lã, com apresentação da<br />

distinta locutora MARIA LEONOR”<br />

que acompanhámos. Além<br />

da passagem do ano no dia 1<br />

animámos a entrega dos prémios<br />

do Concurso de Elegância e do<br />

Rallye.<br />

No Salão do Hotel repleto de<br />

público tínhamos muitos amigos<br />

na assistência quer da Figueira<br />

da Foz, quer de Lisboa, e as manas<br />

Pontes sempre a sorrir e a animar<br />

a pista de dança.<br />

Um final de um ano muito rico<br />

em trabalho, durante o qual<br />

seguramente ultrapassámos as<br />

90 actuações, número invejável<br />

para qualquer conjunto amador ou<br />

profissional, e mais ainda para um<br />

conjunto formado por estudantes<br />

de uma cidade do interior como<br />

Viseu.<br />

Em 1967 consolidámos de forma<br />

decisiva a nossa carreira musical!


68<br />

165<br />

166<br />

167<br />

169<br />

171<br />

172<br />

174<br />

175<br />

175<br />

176<br />

177<br />

177<br />

179<br />

181<br />

.gozar.<br />

.com.os.sheiks.em.viseu.<br />

.depoimento.jorge.marques.<br />

.a.1.ª.audição.do.ep-60-999.<br />

.o.carnaval.da.neve.<br />

.novos.instrumentos.<br />

.na.cabana.em.s.pedro.do.sul.<br />

.o.pânico.da.guerra.colonial.<br />

.de.novo.na.figueira.<br />

.na.casa.do.vató.<br />

.a.vida.musical.<br />

.pasqualle.con.franco.etti.<br />

.o.meu.primeiro.charro.<br />

.o.empresário.inglês.<br />

.no.último.palco.


os tubarões ’68 165<br />

.com.os.sheiks.<br />

em.Viseu.<br />

1.<br />

Convite baile de finalistas com<br />

“Os Sheiks” a 6 jan 1968<br />

2.<br />

No sarau do liceu a<br />

acompanhar uma finalista<br />

1<br />

2<br />

3<br />

4<br />

3.<br />

Actuação no sarau<br />

4.<br />

Amplificador Baldwin<br />

Iniciámos o ano animando mais<br />

um Baile de Finalistas do Liceu de<br />

Viseu no Cine-Rossio tendo como<br />

parceiros musicais “Os Sheiks”,<br />

(Fernando Chaby, Edmundo<br />

Silva, Fernando Tordo e Paulo de<br />

Carvalho). Animámos juntos quer<br />

o baile no dia 6 quer a matiné<br />

no domingo, dia 7, ambos com<br />

o mesmo cachet de 12.500$00<br />

cada.<br />

Como o Carlos Alberto e o Zé<br />

Merino eram finalistas do Liceu,<br />

voltámos a ser “convidados”<br />

a participar no sarau que se<br />

realizou umas semanas depois<br />

do baile, e onde acompanhámos<br />

algumas finalistas que<br />

interpretaram êxitos de então,<br />

antes de encerrarmos o sarau<br />

com um pequeno concerto.


166 porViseu ’60s.<br />

.depoimento.<br />

Jorge Marques<br />

O sétimo ano era uma festa<br />

que começava logo no início do<br />

ano lectivo com a colagem dos<br />

cartazes e que publicitavam o<br />

Baile dos Finalistas. A colagem<br />

era feita durante toda a noite<br />

e a malta – ao entardecer –<br />

encontrava-se toda no Café<br />

do Parque, naquilo a que<br />

chamávamos o arranha-céus,<br />

imaginem que era o nome do<br />

prédio mais alto da cidade e que<br />

tinha para aí uns sete andares.<br />

O engraxador desse café, que<br />

também era poeta e artista da<br />

bicicleta, figura castiça da cidade,<br />

tinha providenciado uma carroça<br />

com um burro e uma pipa de vinho,<br />

que tinha que ficar muito bem<br />

amarrada para não cair durante<br />

a viagem dessa noite. Era a nossa<br />

fonte de base para as horas que se<br />

iam seguir.<br />

A colagem dos primeiros cartazes<br />

era rápida, o pior era depois.<br />

No cartaz do nosso ano estava a<br />

figura do Viriato, imponente, lança<br />

em riste e o escudo recuado.<br />

O cartaz anunciava, como<br />

animação para o baile, os famosos<br />

conjuntos de “Os Sheiks” e<br />

“Os Tubarões”, estes últimos,<br />

que eram a malta lá do Liceu e<br />

que tinham chegado à final num<br />

concurso de rock em Lisboa.<br />

À medida que a noite avançava,<br />

era cada vez mais difícil subir<br />

as escadas, o vinho e outros<br />

derivados subiam à cabeça e<br />

desequilibravam os pés.<br />

Depois vinham as serenatas em<br />

vários lugares míticos como a<br />

Casa do Augusto Hilário, a Sé,<br />

a estátua do D. Duarte e nas<br />

janelas das nossas colegas que<br />

nos ofereciam comidinha boa,<br />

bolinhos, Vinho do Porto, mas que<br />

não nos deixavam pular a janela.<br />

A certa altura, havia quem<br />

quisesse saltar o muro do<br />

cemitério e ir cantar lá para<br />

dentro. Também porque a<br />

campa do Hilário estava naquele<br />

cemitério. Naquela noite até os<br />

polícias eram nossos amigos e<br />

guardavam as esquinas para<br />

nos defenderem das rondas, que<br />

eram os chefes deles. Na guitarra<br />

e na viola lá estavam os manos<br />

Gonçalves e as vozes eram de<br />

quem quisesse cantar.<br />

Nascia o dia e a magia acabava<br />

por dar lugar à ressaca que durava<br />

dois dias. Uma semana depois<br />

era o baile no Cine-Rossio, as<br />

nossas colegas estavam mais<br />

bonitas que nunca. Cada um<br />

tinha o seu par oficial, devida<br />

e democraticamente eleito em<br />

sorteio. Nós, os rapazes, de capa<br />

e batina a rigor, de laço, elas de<br />

branco que nem anjos, a maior<br />

parte pura de fazer doer os olhos.<br />

Lembro-me do meu par, chamava-<br />

-se Natércia como em Camões, era<br />

linda, pequenina, morena e com<br />

uns olhos muito brilhantes.<br />

Naquele tempo, tudo isto era<br />

bonito, rosa e azul, comovedor,<br />

emocionante e importante ao<br />

ponto de ainda hoje nos vir à<br />

memória e dar saudade!


os tubarões ’68 167<br />

.a.1.ª.audição.<br />

do.ep-60-999.<br />

1<br />

1.<br />

Capa do disco,<br />

Março 1968<br />

Continuávamos sem notícias<br />

da saída do disco. Insistíamos<br />

com inúmeros telefonemas quer<br />

para Lisboa quer para o Porto.<br />

Queríamos notícias sobre os<br />

trabalhos de pós-produção,<br />

mas não conseguíamos saber<br />

nem perceber como andavam os<br />

trabalhos. Dificuldades típicas de<br />

quem vivia numa pequena cidade<br />

do interior. Note-se que em 1965<br />

o país dispunha de 400.000<br />

linhas telefónicas. E nós, jovens<br />

ingénuos a viver na província,<br />

confiávamos que tudo estava<br />

a correr como o planeado.


168 porViseu ’60s.<br />

Quarta-feira, dia 21 de Fevereiro Ouvimos exactamente o que<br />

de 1968, alguém nos avisa que o gravámos directamente para a<br />

nosso disco estava nas montras Tape. Nada foi feito, mexido ou<br />

da Casa Torres e Torres na Rua corrigido.<br />

Alexandre Lobo, Viseu. E largámos Nem a mistura foi cuidada.<br />

tudo para o ir ver, ouvir e apalpar Ainda em estúdio, logo após a<br />

o nosso 45 RPM (rotações por gravação das vozes e na primeira<br />

minuto), EP-60-999.<br />

audição das músicas referimos o<br />

Gravado em Novembro de 1967 tema ao técnico de som que nos<br />

tínhamos grande ansiedade e garantiu ser esse o seu métier,<br />

muitas expectativas.<br />

e que não ficássemos<br />

Ao aproximarmo-nos da Casa preocupados.<br />

Torres e Torres já ouvíamos Ponderámos tudo, até processar<br />

alguns sons que nos eram a Editora. Não o fizemos<br />

familiares pois o disco tocava em mas ficámos profundamente<br />

altos berros com colunas à porta desiludidos, magoados e<br />

para todos ouvirem.<br />

completamente desmotivados<br />

No meio dos muitos jovens que para a edição de outro disco,<br />

compravam o disco, dos muitos como era o nosso compromisso.<br />

abraços e alguns autógrafos, Apesar disto o disco esgotou<br />

começámos a sentir algo de que rapidamente tendo sido objecto<br />

não estávamos à espera: nada de cinco reedições, e nos dias<br />

de pós-produção e até a mistura de hoje está bem cotado entre<br />

não estava bem feita, como é os coleccionadores de vinil.<br />

perceptível no “Lucky day”,<br />

por exemplo.<br />

Foi uma grande desilusão<br />

e enorme o desagrado.<br />

Foi assim a nossa primeira<br />

audição do disco.


os tubarões ’68 169<br />

.o.carnaval.<br />

da.neve.<br />

1<br />

1.<br />

Entrada do disco<br />

no Top dos “Reis do Disco”<br />

2<br />

2.<br />

Contracapa do disco<br />

O Carnaval de 1968 foi a 27 de<br />

Fevereiro.<br />

Fomos contratados para fazer<br />

o Canaval na Neve pelo Clube<br />

Nacional de Montanhismo. Foi um<br />

ótimo contrato objecto de leilão<br />

entre as várias propostas que nos<br />

surgiram, e que se fechou com<br />

um cachet no valor de 30.000$00,<br />

mais a estadia.<br />

Saímos de Viseu no sábado de<br />

manhã à frente de uma grande<br />

comitiva com vários carros e<br />

muitos amigos. Estava um dia<br />

muito frio, chovia muito, e por<br />

isso optámos pelo trajecto Viseu,<br />

Guarda, Covilhã, Torre. Nevava<br />

quando chegámos à Covilhã, onde<br />

nos concentrámos e almoçámos.<br />

A subida para a Serra foi muito<br />

difícil porque caía um grande<br />

nevão e havia uma grande fila de<br />

trânsito nos dois sentidos.<br />

Na frente seguia a D. Urraca<br />

com o Rogério Dourado e o<br />

Victor Barros, carregada com<br />

os instrumentos. Subia muito<br />

lentamente e começou a patinar.<br />

Sem correntes e com o trânsito<br />

completamente caótico tivemos<br />

de recorrer ao auxílio da GNR,<br />

presentes na subida, e com a<br />

ajuda de duas viaturas, uma<br />

à frente como batedores, e<br />

um jipe atrás, lá conseguimos<br />

chegar à Colónia do Clube<br />

de Montanhismo, bastante<br />

atrasados e com a D. Urraca<br />

muito doente. O motor tinha<br />

gripado.


170 porViseu ’60s.<br />

Com o Salão completamente<br />

esgotado, nessa noite a festa<br />

começou um pouco mais tarde<br />

mas animou muito e viveu-se<br />

o Carnaval até às tantas.<br />

Foi o Carnaval mais divertido<br />

da história do conjunto.<br />

Cá fora a neve caía<br />

incessantemente e as estradas<br />

continuavam bloqueadas.<br />

O Carnaval da Neve realizava-<br />

-se nas Penhas da Saúde na<br />

Colónia Infantil da Montanha,<br />

um edifício grande que além<br />

do Salão de Festas tinha várias<br />

camaratas. Como ninguém podia<br />

sair, a organização disponibilizou<br />

as camaratas, divididas em<br />

ala feminina e ala masculina,<br />

separadas por meias paredes<br />

que não chegavam ao tecto,<br />

equipadas com os tradicionais<br />

beliches militares de dois<br />

andares.<br />

Muito tarde e a más horas, depois<br />

de o baile acabar, começavam<br />

os diálogos entre os casais<br />

separados na busca dos artigos<br />

de higiene, que propiciavam<br />

comentários cruzados,<br />

oportunos, com muito humor<br />

e a gargalhada era geral.<br />

O Vató andava muito inspirado<br />

e saía-se com cada aparte que<br />

não deixava ninguém dormir.<br />

E como era Carnaval…<br />

Foi de morrer a rir!<br />

Quando a festa terminou,<br />

a D. Urraca ficou a arranjar numa<br />

garagem da Covilhã. Além do<br />

motor novo aproveitou-se para<br />

dar uma nova roupagem tendo<br />

sido pintada toda de cor de<br />

laranja com os rebordos salientes<br />

a preto.<br />

Na foto, da tarde de 25 de<br />

Fevereiro de 1968, o José<br />

Merino, o Carlos Assunção (“Os<br />

Corsários”) e o Carlos Alberto<br />

Loureiro brincam na neve frente<br />

à Colónia. Pode ainda ver-se o<br />

Cooper do Assunção estacionado<br />

junto à Colónia.


os tubarões ’68 171<br />

.novos.<br />

instrumentos.<br />

1<br />

1.<br />

Baile do Carregal do Sal,<br />

Isabel Machado dança com Vató<br />

2.<br />

Amplificador VOX UL460<br />

2<br />

Logo após o Carnaval, o Edmundo<br />

Silva, viola baixo dos “Sheiks”,<br />

com quem tínhamos feito o Baile<br />

de Finalistas de Viseu, informou-<br />

-nos ter à venda todo seu<br />

equipamento de baixo: viola baixo<br />

Guild e amplificador VOX UL460.<br />

O nosso equipamento de baixo já<br />

estava velhinho e bem precisava<br />

de uma reforma. Comprámos<br />

a viola e o amplificador por<br />

25.000$00, pagos através do<br />

envio de cinco vales telegráficos<br />

de 5.000$00, naquele tempo<br />

o valor limite por cada um.<br />

Com esta aquisição completámos<br />

o nosso equipamento musical,<br />

que era de grande qualidade<br />

e valor comercial.<br />

Seguiram-se de novo os Bailes<br />

de Finalistas entre os quais o do<br />

Colégio do Carregal do Sal, onde<br />

andava o Vató e onde voltámos<br />

a tocar com os nossos amigos<br />

“Os Corsários”.


172 porViseu ’60s.<br />

.na.cabana.<br />

em.s.pedro.<br />

do.sul.<br />

1<br />

1. e 2.<br />

Actuação na Cabana em<br />

S. Pedro do Sul<br />

3.<br />

Viola Guild Starfire Bass<br />

2<br />

3<br />

A Comissão das Festas de<br />

S. Pedro do Sul voltou a<br />

contratar-nos para as Festas<br />

do S. Pedro naquela vila. Iriam<br />

preparar um local especial numa<br />

vivenda frontal ao Jardim da<br />

Câmara, chamada Vivenda Maria<br />

José, onde foi construído o actual<br />

Palácio da Justiça. Estávamos em<br />

Junho, com pouca disponibilidade<br />

por ser época de exames, mas<br />

lá fomos e animámos as Festas<br />

da Vila com dois ou três bailes<br />

sempre muito concorridos.<br />

O Vató, interno no Colégio, é que<br />

não pôde estar presente.<br />

As Festas de S. Pedro eram<br />

muito concorridas. Vinham<br />

foliões de todos os lados: muitos<br />

veraneantes das Termas,<br />

e naturais radicados noutros<br />

locais do país que aproveitavam<br />

as festas para regressar às<br />

origens.<br />

O local dos bailes era muito<br />

bonito. Tratava-se do jardim da<br />

vivenda muito bem adaptado com<br />

um pequeno palco em forma de<br />

cabana, uma pista de dança em<br />

frente, logo seguido das mesas,<br />

com serviço de bar e ceia, sempre<br />

com o tradicional caldo-verde.<br />

Numa das noites, com muito<br />

calor, apareceu um enorme grupo<br />

das Belas Artes do Porto, com<br />

miúdas muito vistosas, giras e<br />

com alguns provocantes decotes.<br />

E davam muito nas vistas.<br />

Claro que causaram sensação<br />

e alguns locais não deixavam


os tubarões ’68 173<br />

de deitar o olho e, já noite dentro<br />

e mais animados, quiseram<br />

mesmo deitar a mão. Insistiam<br />

nos convites para dançar e a<br />

resposta era sempre negativa.<br />

A meio de uma das músicas<br />

mais animadas, dançadas em<br />

separado, com o grupo do Porto<br />

todo na pista, lá se meteu um<br />

mais atrevido com uma das<br />

visitantes e estalou a confusão.<br />

Era confuso mas ao mesmo<br />

tempo divertido.<br />

Não chegou a haver perigo, pois<br />

nesses tempos a ética e os bons<br />

modos imperavam. Era mais<br />

a confusão. Não parámos de<br />

tocar, tentávamos proteger os<br />

nossos equipamentos, até que o<br />

ambiente serenou, voltando<br />

à normalidade. Nunca nos tinha<br />

acontecido nada igual. Mas a<br />

nossa decisão de não pararmos<br />

de tocar foi a melhor, pois<br />

contribuiu de forma decisiva para<br />

o serenar dos ânimos na pista já<br />

que, fora desta, a festa decorria<br />

com alguma normalidade.<br />

Em cinco anos, em centenas de<br />

eventos musicais públicos foi o<br />

único desacato a que assistimos.<br />

Mas como se costuma dizer<br />

nestes casos, as moças do Porto<br />

também se puseram mesmo<br />

a jeito.<br />

Serenados os ânimos, a festa<br />

durou até às tantas.


174 porViseu ’60s.<br />

.o.pânico.<br />

da.guerra.<br />

colonial.<br />

Os rapazes, a partir dos 18 anos,<br />

viviam com uma grande ameaça:<br />

a Guerra Colonial.<br />

O primeiro passo era a Inspecção<br />

Militar. Aos 18 anos todos os<br />

rapazes eram chamados para<br />

fazerem um exame médico, do<br />

qual resultava a decisão quanto<br />

à sua aptidão para prestarem<br />

o Serviço Militar. Na minha<br />

meninice, em dia de Inspecção<br />

Militar, a cidade era invadida por<br />

jovens do Distrito/Concelho que,<br />

quando aptos, celebravam pelas<br />

ruas da cidade a sua entrada para<br />

o Serviço Militar. Era uma honra<br />

e alegria que significava saúde,<br />

virilidade e merecia celebração<br />

e divulgação, dando até lugar<br />

ao lançamento de foguetes.<br />

Coitados dos pobres inaptos<br />

que enfrentavam uma situação<br />

difícil até para conseguirem um<br />

casamento.<br />

Mas nos anos 60 com a ameaça<br />

da Guerra Colonial todos os<br />

jovens ambicionavam ficar<br />

inaptos. Todos procuravam<br />

arranjar cunhas a favor<br />

da inaptidão ou de uma<br />

especialidade que possibilitasse<br />

uma prestação longe das armas<br />

e dos territórios de guerra.<br />

Mas naquele tempo, só com<br />

um mal muito grave se poderia<br />

escapar ao terror da guerra.<br />

O aproveitamento escolar era<br />

fundamental para o adiamento<br />

da incorporação no serviço<br />

militar e a época de exames era<br />

dramática para os estudantes<br />

pré-universitários.<br />

Ou passavam e entravam<br />

na Universidade podendo<br />

eventualmente completar o seu<br />

curso académico ou corriam o<br />

risco de serem chamados de<br />

imediato, indo parar a uma das<br />

colónias onde era travada a<br />

Guerra Colonial.<br />

A lei permitia o chamado<br />

“adiamento” a todos os<br />

estudantes que tivessem<br />

aproveitamento contínuo na sua<br />

formação escolar.<br />

Era proibido chumbar.<br />

E nós, “Os Tubarões”, fomos todos<br />

à Inspecção Militar e ficámos<br />

apurados para todo o Serviço<br />

Militar. Passámos à situação<br />

de “mancebos”.


os tubarões ’68 175<br />

.de.novo.<br />

na.figueira.<br />

1<br />

1.<br />

No Casino da<br />

Figueira da Foz<br />

.na.casa.do.vató.<br />

No verão regressámos à “Rainha<br />

das praias de Portugal”, a<br />

Figueira da Foz, para nova época<br />

musical como conjunto residente<br />

no Grande Casino Peninsular.<br />

Os pais do Vató, naturais da<br />

Figueira da Foz, tinham uma<br />

enorme moradia na parte<br />

velha da cidade. Com a sua<br />

natural simpatia e cordialidade,<br />

disponibilizaram quartos para<br />

nós dormirmos. Ficámos lá<br />

instalados o José Merino, o Luís<br />

Dutra, o Rogério Dourado e eu,<br />

além do Vató, naturalmente.<br />

O dia-a-dia era uma festa naquela<br />

casa com muita tolerância do<br />

Sr. Valdemar Ramalho quanto<br />

aos nossos horários, que eram<br />

completamente contrários aos<br />

seus: sempre cedo, tudo a horas,<br />

ao contrário dos nossos, sempre<br />

tarde, tudo a desoras. Mas a sua<br />

tolerância e boa disposição bem<br />

como a simpatia da D. Lúcia,<br />

a esposa, associadas ao gosto<br />

de ouvir as histórias dos nossos<br />

êxitos musicais e das nossas<br />

aventuras, muito contribuíram<br />

para os inúmeros convites para<br />

fartos e bem regados almoços,<br />

sempre que o trabalho nos<br />

permitia.<br />

E dava gosto ver a satisfação do<br />

casal ao ouvir as peripécias muito<br />

bem romanceadas pelo Rogério.<br />

Uma festa.


176 porViseu ’60s.<br />

.a.vida.musical.<br />

1<br />

3<br />

2<br />

4<br />

1.<br />

Salão Nobre, Casino.<br />

Eduardo e Zé Merino<br />

2.<br />

Com o Duo Dinâmico<br />

3.<br />

Rogério, Vitó<br />

e Zé Merino<br />

4.<br />

Com Miss Espanha<br />

e 1.ª dama honor<br />

a)<br />

www.jmserrat.com/<br />

b)<br />

www.duodinamico.com/,<br />

No Casino, de novo nos<br />

cruzámos com grandes vedetas<br />

nacionais como Amália, Rui de<br />

Mascarenhas, e internacionais<br />

como Juan Manuel Serrat a) e o<br />

“Duo Dinâmico” b) , intérprete e<br />

autores da canção vencedora do<br />

Festival da Eurovisão de 1968.<br />

Em 1968 Juan Manuel Serrat<br />

foi nomeado o representante<br />

da Espanha no Festival da<br />

Eurovisão onde devia interpretar<br />

a canção “La, La, La”, composta<br />

propositadamente para ele pelo<br />

“Duo Dinâmico”.<br />

Depois de ter gravado a canção<br />

em diferentes idiomas, Serrat<br />

anuncia que só concorrerá ao<br />

Festival se lhe for permitido<br />

interpretar a canção em catalão,<br />

proposta que não é aceite<br />

pelo governo que proíbe a sua<br />

presença na TV e a transmissão<br />

das suas canções nas rádios<br />

de todo o país. “La La La” foi a<br />

canção vencedora do festival<br />

desse ano interpretada por<br />

Massiel.<br />

O representante português na<br />

Eurovisão desse ano foi Carlos<br />

Mendes, ex-“Sheiks”, com a<br />

canção “Verão”.<br />

Os conjuntos residentes nesse<br />

ano foram a “Orquestra José<br />

Santos Rosa”, “Os Vodkas”,<br />

“Arlindo de Sousa” e nós.<br />

Voltamos a destacar a “Orquestra<br />

José Santos Rosa”, que nos<br />

apraz aqui homenagear, com<br />

quem partilhámos quatro


os tubarões ’68 177<br />

épocas (1966-1968). Por esta<br />

orquestra passaram grandes<br />

músicos como Peiró, o Estêvão<br />

Ferreira, baterista de alto<br />

gabarito, o Fernando Correia,<br />

cantor, vocalista e apresentador,<br />

Fernando Potier e alguns outros<br />

já referidos.<br />

Durante o mês de Agosto foi ainda<br />

contratado o conjunto italiano<br />

“Pasquale com Franco Etti”,<br />

que muito nos impressionou.<br />

.pasqualle.con.franco.etti.<br />

Um dos melhores conjuntos<br />

musicais com quem nos<br />

cruzámos na nossa carreira<br />

musical foi sem dúvida o conjunto<br />

Italiano “Pasqualle con Franco<br />

Etti” que se estreou<br />

no Casino a 9 de Agosto.<br />

Formado por seis músicos de<br />

várias nacionalidades, três<br />

italianos, um espanhol, um<br />

alemão e um americano, com<br />

Pasqualle nas teclas, a voz<br />

fabulosa do Franco, dois sax, viola<br />

baixo e bateria, eram um conjunto<br />

de alta craveira. Ensaiavam<br />

muito, cuidavam dos mais<br />

ínfimos pormenores musicais<br />

e coreográficos, e tinham uma<br />

playlist excepcional. Tocavam<br />

todo o tipo de música desde<br />

“Otis Redding” aos “Beatles”,<br />

mas a interpretarem música<br />

italiana esmagavam qualquer<br />

audiência. Impressionaram-nos<br />

muito e, sempre que sabíamos<br />

e podíamos, assistíamos aos<br />

seus ensaios que eram muito<br />

frequentes.<br />

Teriam um contrato com alguma<br />

empresa pois todas as semanas<br />

recebiam por correio partituras<br />

de novas músicas e alguns top<br />

ten de vários países.<br />

.o.meu.primeiro.charro.<br />

Numa das noites de um fim de<br />

semana de Agosto, ainda antes<br />

da abertura do Salão Nobre,<br />

o baterista do conjunto<br />

“Pasqualle com Franco Etti”<br />

quis mostrar-me um acessório<br />

artesanal que usava para treinar<br />

as mãos, e que também utilizava<br />

para aquecer os braços dez


178 porViseu ’60s.<br />

5<br />

5.<br />

No Casino com<br />

Juan Manuel Serrat<br />

minutos antes de qualquer<br />

actuação. Tratava-se de um kit<br />

composto por uma pequena<br />

tábua de madeira sensivelmente<br />

do tamanho de uma folha de<br />

papel A5 completamente coberta<br />

com uma tira de borracha preta<br />

com uma espessura aproximada<br />

de 1cm. A tábua tinha umas<br />

tiras de cabedal com fivelas que<br />

possibilitavam a sua fixação<br />

a uma das pernas. Antes de<br />

actuar treinava os batimentos<br />

com as baquetas, sem barulho,<br />

sem incomodar ninguém e com<br />

óptimos resultados.<br />

Dizia ele ser o melhor antídoto<br />

a tendinites ou outras lesões<br />

musculares vulgares nos<br />

bateristas.<br />

Estava eu a experimentar<br />

o referido aparelho quando<br />

chegaram dois colegas músicos<br />

em amena cavaqueira que se<br />

juntaram a nós.<br />

Terminado o meu ensaio, um<br />

dos recém-chegados começa a<br />

enrolar um charro numa mortalha<br />

e, sem que eu o esperasse, tal<br />

charro começou a andar de<br />

mão em mão, à vez. Éramos<br />

três e foi efectivamente o meu<br />

primeiro charro, do qual não senti<br />

qualquer efeito especial.<br />

Um ou dois dias depois ainda<br />

experimentei de novo, mas não<br />

encontrei qualquer interesse<br />

que me levasse a substituir os<br />

meus cigarros por aquela palha<br />

queimada, que era então<br />

a perigosa droga da moda.<br />

Mais tarde voltei a experimentar<br />

outras semelhantes mas nunca<br />

fiquei fã nem nunca senti<br />

ameaças ou desejos que me<br />

impelissem a tais vícios.<br />

Passas, passas, só no Natal ou<br />

no tabaco, e deste nunca passei.


os tubarões ’68 179<br />

.o.empresário.<br />

inglês.<br />

1<br />

1.<br />

Com empresário inglês<br />

e o Rogério Dourado<br />

Uma das noites de Agosto o<br />

Sr. Mendes Pinto informa-nos<br />

que havia um cliente do Casino<br />

que queria falar connosco.<br />

Tratava-se de um cliente VIP,<br />

hospedado no Grande Hotel, onde<br />

ficou uma semana. Teve uma<br />

primeira reunião com o Rogério<br />

Dourado a quem explicou ser um<br />

empresário musical inglês, que<br />

viajava com regularidade por<br />

diversos locais de animação na<br />

busca de novos artistas e gostaria<br />

de saber da nossa disponibilidade<br />

para nos deslocarmos a Inglaterra.<br />

Ficámos muito entusiasmados<br />

com a ideia mas começaram a<br />

levantar-se inúmeras dúvidas<br />

que obrigaram a nova reunião de<br />

todos os elementos do conjunto<br />

com o referido empresário.<br />

Assim aconteceu e o empresário<br />

informou-nos ter gostado<br />

muito do nosso som e queria<br />

testar a nossa presença em<br />

Inglaterra durante um mês.<br />

Pagaria as despesas de viagem<br />

e estadia, sem cachet, e ao fim<br />

de duas semanas seria revista<br />

a situação para a elaboração de<br />

um contrato remunerado. Todos<br />

nós ficámos excitadíssimos com<br />

tal possibilidade e, radiantes,<br />

começámos logo a sonhar.<br />

No fim de semana seguinte, como<br />

habitualmente, o Sr. Loureiro, que<br />

durante a semana estava em Viseu<br />

nos seus afazeres profissionais,<br />

veio até à Figueira e relatamos<br />

o que se estava a passar.


180 porViseu ’60s.<br />

Ouviu e calou não nos parecendo<br />

muito entusiasmado com a<br />

ideia e à noite foi connosco ao<br />

Casino onde conheceu o referido<br />

empresário, que entretanto pediu<br />

para tirar umas fotos connosco.<br />

Nova conversa sobre o tema da<br />

nossa deslocação que deveria<br />

ocorrer tão cedo quanto possível,<br />

de preferência durante o mês de<br />

Setembro.<br />

O Rogério ficou com todas as<br />

coordenadas e contactos do<br />

empresário comprometendo-<br />

-se a dar uma resposta da<br />

nossa disponibilidade para nos<br />

deslocarmos a Inglaterra até ao<br />

final do mês de Agosto.<br />

Depois dos primeiros dias de<br />

sonho e após partilharmos tal<br />

possibilidade com as nossas<br />

famílias começámos a poisar na<br />

realidade.<br />

Alguns dos nossos pais<br />

opuseram-se argumentando<br />

que a nossa prioridade eram os<br />

estudos e que a música só nos<br />

tempos livres e férias.<br />

E para todos nós bastaria um só<br />

elemento não concordar para<br />

o conjunto não aderir.<br />

Sempre tivemos este conceito<br />

de que o conjunto éramos nós,<br />

um grupo de amigos, muito<br />

coesos e unidos.<br />

Como o provou a nossa vida<br />

artística ao longo dos seis anos<br />

o nosso conjunto teve sempre<br />

uma estabilidade muito grande,<br />

só sofrendo mudanças quando foi<br />

obrigado ou por opção dos cinco<br />

elementos do grupo base.<br />

Nunca passou pelas nossas<br />

cabeças substituir qualquer<br />

elemento por outro.<br />

E não fomos a Inglaterra.


os tubarões ’68 181<br />

.no.último.<br />

palco.<br />

E a ameaça militar chegou aos<br />

“Tubarões” com a chamada do<br />

primeiro elemento ao serviço<br />

militar. Foi o Victor Barros que<br />

recebeu a notificação para<br />

se apresentar na segunda<br />

incorporação em Abril de 1969.<br />

1<br />

1.<br />

O adeus à música,<br />

a última foto do conjunto<br />

Com grande mágoa rejeitámos<br />

os inúmeros convites e propostas<br />

para novos espectáculos.<br />

No final de Setembro, nas<br />

Festas das Vindimas em Nelas,<br />

anunciámos publicamente a<br />

nossa última actuação e o fim<br />

da carreira musical do Conjunto<br />

Académico “Os Tubarões”.


182 porViseu ’60s.<br />

.quem.foi.quem.<br />

O Conjunto Académico<br />

“Os Tubarões” teve desde 1964<br />

sempre a mesma formação base<br />

assente na seguinte composição<br />

musical: vocalista, orgão, viola<br />

ritmo, viola baixo e bateria.<br />

As únicas mudanças sofridas ao<br />

longo da sua carreira musical foi<br />

nos viola solo.<br />

Carlos Alberto Loureiro<br />

.teclas.<br />

1964-1968<br />

Eduardo Pinto<br />

.baterista.<br />

1963-1968


os tubarões ’quem foi quem 183<br />

José Alexandre Merino<br />

.vocalista.<br />

1963-1968<br />

Luís Dutra<br />

.viola.baixo.<br />

1963-1968<br />

Victor Barros (Vitó)<br />

.viola.ritmo.<br />

1963-1968


184 porViseu ’60s.<br />

António N. Fernandes<br />

.viola.solo.<br />

1963-1965<br />

Valdemar António (Vató)<br />

.viola.solo.<br />

1967-1968<br />

Joaquim Guimarães<br />

.viola.solo.<br />

1965-1966<br />

Para além dos músicos<br />

executantes o conjunto teve<br />

sempre consigo muitos amigos<br />

que acompanharam intensamente<br />

a nossa vida musical, alguns com<br />

funções específicas, sofreram,<br />

viveram e incentivaram-nos a<br />

irmos sempre mais longe.<br />

E estavam sempre connosco.<br />

Para estes “Tubarões” o nosso<br />

obrigado:<br />

Alberto Martins Carrilho<br />

António Júlio Valarinho<br />

António Pinto de Matos<br />

António Xavier de Sá Loureiro<br />

Carlos Manuel Ponces de Serpa<br />

Fernanda Madeira<br />

Fernanda Maria Matos<br />

Fernando Pascoal de Matos<br />

Isabel Machado<br />

José Manuel Sacadura<br />

Maurício de Sousa<br />

Nogueira<br />

Rogério dos Santos Dourado<br />

Rui Oliveira e Costa


os tubarões ’playlist 185<br />

.playlist.<br />

Nos anos 50/60 os bailes eram<br />

a diversão mais frequente e a<br />

principal oportunidade para<br />

jovens se conhecerem e iniciarem<br />

um convívio que de outro modo<br />

nunca seria possível. Havia bailes<br />

em todas as festas e romarias,<br />

num terreiro, num largo ou no<br />

pátio da freguesia.<br />

Por este motivo os bailes eram<br />

o mercado alvo dos conjuntos<br />

onde poderiam actuar e ver o seu<br />

trabalho remunerado.<br />

Para actuar num baile os<br />

conjuntos tinham de tocar todo<br />

o tipo de música pois havia<br />

dançarinos para todos os géneros<br />

musicais, do tango, rock, twist<br />

ao chachachá.<br />

Em Portugal os primeiros<br />

concertos em palco de conjuntos<br />

pop terão ocorrido no Teatro<br />

Monumental em Lisboa.<br />

Quanto a nós o primeiro conjunto<br />

pop português a apresentar um<br />

alinhamento de espectáculo/<br />

concerto terá sido o “Conjunto<br />

Académico João Paulo”.<br />

Concretizou várias tournées pelo<br />

país onde se apresentou nos<br />

teatros e cinemas existentes<br />

em cada localidade com um<br />

alinhamento específico de<br />

espectáculo devidamente<br />

montado, com duas partes<br />

separadas por um intervalo.<br />

O nosso repertório musical<br />

terá rondado os 150 títulos,<br />

considerando as músicas<br />

cantadas e as músicas soladas<br />

(instrumentais). Demos alguns<br />

concertos mas as centenas de<br />

actuações que fizemos ao longo<br />

da nossa carreira foi a animar<br />

bailes. Eis um extracto da nossa<br />

playlist musical.


186 porViseu ’60s.<br />

.por.música.<br />

.os.tubarões.playlist.parcial.<br />

.música.<br />

.intérprete.<br />

.música.<br />

.intérprete.<br />

1<br />

2<br />

3<br />

4<br />

5<br />

6<br />

7<br />

8<br />

9<br />

10<br />

a girl for me<br />

a little help from my friends<br />

america<br />

and i love her<br />

apache<br />

as tears go by<br />

au revoir<br />

baby it hurts<br />

bachelor boy<br />

bayby it’s you<br />

tubarões<br />

beatles<br />

trini lopez<br />

beatles<br />

shadows<br />

rolling stones<br />

gilbert becaud<br />

tubarões<br />

cliff richard<br />

beatles<br />

61<br />

62<br />

63<br />

64<br />

65<br />

66<br />

67<br />

68<br />

69<br />

70<br />

my girl<br />

nights in white satin<br />

o voo do moscardo<br />

oh carol<br />

old lady<br />

only the lonely<br />

peace pipe<br />

perfídia<br />

petite fleur<br />

poema do homem rã<br />

temptations<br />

moody blues<br />

nikolay rimsky-korsakov<br />

neil sedaka<br />

tubarões<br />

roy orbinson<br />

shadows<br />

shadows<br />

sidney bechet<br />

tubarões<br />

11<br />

12<br />

13<br />

14<br />

15<br />

16<br />

17<br />

18<br />

19<br />

20<br />

be-bop-a-lula<br />

begin the beguine<br />

blueberry hill<br />

bye bye love<br />

camino de sahara<br />

come back<br />

crying time<br />

dance on<br />

derniers baisers<br />

do you want to know a secret<br />

elvis<br />

shaw, artie<br />

louis armstrong<br />

everly brothers<br />

los tamara<br />

tubarões<br />

ray charles<br />

shadows<br />

les chat sauvages<br />

beatles<br />

71<br />

poetry in motion<br />

72 quando quando quando<br />

73 quero que vá tudo pró inferno<br />

74 reach out i’ll be there<br />

75<br />

release me<br />

76 rock around the clock<br />

77<br />

s.francisco<br />

78 samba de uma nota só<br />

79<br />

satisfaction<br />

80<br />

sleepwalk<br />

johnny tillotson<br />

trini lopez<br />

roberto carlos<br />

four tops<br />

engelbert humperdinck<br />

bill haley<br />

scot mckenzie<br />

tom jobim<br />

rolling stones<br />

shadows<br />

21<br />

22<br />

23<br />

24<br />

25<br />

26<br />

27<br />

28<br />

29<br />

30<br />

eight days a week<br />

et maintenant<br />

evergreen tree<br />

georgia on my mind<br />

ghost riders in the sky<br />

girl<br />

give me some loving<br />

good golly miss molly<br />

goodbye my love<br />

guantanamera<br />

beatles<br />

gilbert becaud<br />

cliff richard<br />

ray charles<br />

shadows<br />

beatles<br />

spencer davis group<br />

little richard<br />

searchers<br />

jose feliciano<br />

81<br />

82<br />

83<br />

84<br />

85<br />

86<br />

87<br />

88<br />

89<br />

90<br />

spanish harlem<br />

summertime<br />

susie q<br />

sweets for my sweet<br />

the dock of a bay<br />

the house of the rising sun<br />

the letter<br />

the more i see you<br />

the savage<br />

the young ones<br />

cliff richard<br />

gershwin<br />

creedance clearwater revival<br />

hollies<br />

otis redding<br />

animals<br />

box tops<br />

chris montez<br />

shadows<br />

cliff richard<br />

31<br />

32<br />

33<br />

34<br />

35<br />

36<br />

37<br />

38<br />

39<br />

40<br />

guitar tango<br />

hello mary lou<br />

here, there and everywhere<br />

hey jude<br />

holiday<br />

i call your name<br />

i can ‘t stop loving you<br />

i feel fine<br />

i put a spell on you<br />

i ‘ve got my mojo working baby<br />

shadows<br />

ricky nelson<br />

beatles<br />

beatles<br />

bee gees<br />

beatles<br />

ray charles<br />

beatles<br />

animals<br />

quinteto académico<br />

91<br />

92<br />

93<br />

94<br />

95<br />

96<br />

97<br />

98<br />

99<br />

100<br />

thicket to ride<br />

things we said today<br />

till there was you<br />

to love somebody<br />

together again<br />

tombe la neige<br />

tutti frutti<br />

twist and shout<br />

um homme et une femme<br />

unchain my heart<br />

beatles<br />

beatles<br />

beatles<br />

bee gees<br />

ray charles<br />

adamo<br />

elvis<br />

beatles<br />

francis lai<br />

ray charles<br />

41<br />

42<br />

43<br />

44<br />

45<br />

46<br />

47<br />

48<br />

49<br />

50<br />

if i had a hammer<br />

i’m a believer<br />

in summertime<br />

it s now or never<br />

it’s my life<br />

la bamba<br />

la plaga<br />

les cornichons<br />

let’s twist again<br />

l’important cést la rose<br />

trini lopez<br />

monkees<br />

mungo jerry<br />

elvis<br />

animals<br />

trini lopez<br />

los tampa<br />

nino ferrer<br />

chubby checker<br />

gilbert becaud<br />

101<br />

102<br />

103<br />

104<br />

105<br />

106<br />

107<br />

108<br />

109<br />

110<br />

você vai chorar<br />

we gotta get out of this place<br />

what a wonderful world<br />

when the girl in your arms<br />

when the saints go marching in<br />

whinchester cathedral<br />

wipe out<br />

words<br />

ya ya<br />

yellow submarine<br />

tubarões<br />

animals<br />

louis armstrong<br />

cliff richard<br />

louis armstrong<br />

new vaudeville band<br />

ventures<br />

bee gees<br />

trini lopez<br />

beatles<br />

51<br />

52<br />

53<br />

54<br />

55<br />

56<br />

57<br />

58<br />

59<br />

60<br />

living doll<br />

lucky day<br />

manhã de carnaval<br />

massachussets<br />

memphis, tennessee<br />

michael (aleluia)<br />

michelle<br />

mirza<br />

more<br />

my bonnie<br />

cliff richard<br />

tubarões<br />

luiz bonfá<br />

bee gees<br />

animals<br />

trini lopez<br />

beatles<br />

nino ferrer<br />

frank sinatra<br />

tony sheridan<br />

111<br />

112<br />

yesterday<br />

you ‘re no good<br />

beatles<br />

blue jeans


os tubarões ’playlist 187<br />

.por.intérprete.<br />

1<br />

2<br />

3<br />

4<br />

5<br />

6<br />

7<br />

8<br />

9<br />

10<br />

.intérprete.<br />

adamo<br />

animals<br />

animals<br />

animals<br />

animals<br />

animals<br />

beatles<br />

beatles<br />

beatles<br />

beatles<br />

.música.<br />

tombe la neige<br />

i put a spell on you<br />

it’s my life<br />

memphis, tennessee<br />

the house of the rising sun<br />

we gotta get out of this place<br />

a little help from my friends<br />

and i love her<br />

bayby it’s you<br />

do you want to know a secret<br />

61<br />

62<br />

63<br />

64<br />

65<br />

66<br />

67<br />

68<br />

69<br />

70<br />

.intérprete.<br />

louis armstrong<br />

luiz bonfá<br />

monkees<br />

moody blues<br />

mungo jerry<br />

neil sedaka<br />

new vaudeville band<br />

nikolay rimsky-korsakov<br />

nino ferrer<br />

nino ferrer<br />

.música.<br />

when the saints go marching in<br />

manhã de carnaval<br />

i’m a believer<br />

nights in white satin<br />

in summertime<br />

oh carol<br />

whinchester cathedral<br />

o voo do moscardo<br />

les cornichons<br />

mirza<br />

11<br />

12<br />

13<br />

14<br />

15<br />

16<br />

17<br />

18<br />

19<br />

20<br />

beatles<br />

beatles<br />

beatles<br />

beatles<br />

beatles<br />

beatles<br />

beatles<br />

beatles<br />

beatles<br />

beatles<br />

eight days a week<br />

girl<br />

here, there and everywhere<br />

hey jude<br />

i call your name<br />

i feel fine<br />

michelle<br />

thicket to ride<br />

things we said today<br />

till there was you<br />

71<br />

72<br />

73<br />

74<br />

75<br />

76<br />

77<br />

78<br />

79<br />

80<br />

otis redding<br />

quinteto académico<br />

ray charles<br />

ray charles<br />

ray charles<br />

ray charles<br />

ray charles<br />

ricky nelson<br />

roberto carlos<br />

rolling stones<br />

the dock of a bay<br />

i’ve got my mojo working baby<br />

crying time<br />

georgia on my mind<br />

i can’t stop loving you<br />

together again<br />

unchain my heart<br />

hello mary lou<br />

quero que vá tudo pró inferno<br />

as tears go by<br />

21<br />

22<br />

23<br />

24<br />

25<br />

26<br />

27<br />

28<br />

29<br />

30<br />

beatles<br />

beatles<br />

beatles<br />

bee gees<br />

bee gees<br />

bee gees<br />

bee gees<br />

bill haley<br />

blue jeans<br />

box tops<br />

twist and shout<br />

yellow submarine<br />

yesterday<br />

holiday<br />

massachussets<br />

to love somebody<br />

words<br />

rock around the clock<br />

you ‘re no good<br />

the letter<br />

81<br />

82<br />

83<br />

84<br />

85<br />

86<br />

87<br />

88<br />

89<br />

90<br />

rolling stones<br />

roy orbinson<br />

scot mckenzie<br />

searchers<br />

shadows<br />

shaw, artie<br />

shadows<br />

shadows<br />

shadows<br />

shadows<br />

satisfaction<br />

only the lonely<br />

s.francisco<br />

goodbye my love<br />

apache<br />

begin the beguine<br />

dance on<br />

ghost riders in the sky<br />

guitar tango<br />

peace pipe<br />

31<br />

32<br />

33<br />

34<br />

35<br />

36<br />

37<br />

38<br />

39<br />

40<br />

chris montez<br />

chubby checker<br />

cliff richard<br />

cliff richard<br />

cliff richard<br />

cliff richard<br />

cliff richard<br />

cliff richard<br />

creedance clearwater revival<br />

elvis<br />

the more i see you<br />

let’s twist again<br />

bachelor boy<br />

evergreen tree<br />

living doll<br />

spanish harlem<br />

the young ones<br />

when the girl in your arms<br />

susie q<br />

be-bop-a-lula<br />

91<br />

92<br />

93<br />

94<br />

95<br />

96<br />

97<br />

98<br />

99<br />

100<br />

shadows<br />

shadows<br />

shadows<br />

sidney bechet<br />

spencer davis group<br />

temptations<br />

tom jobim<br />

tony sheridan<br />

trini lopez<br />

trini lopez<br />

perfídia<br />

sleepwalk<br />

the savage<br />

petite fleur<br />

give me some loving<br />

my girl<br />

samba de uma nota só<br />

my bonnie<br />

america<br />

if i had a hammer<br />

41<br />

42<br />

43<br />

44<br />

45<br />

46<br />

47<br />

48<br />

49<br />

50<br />

elvis<br />

elvis<br />

engelbert humperdinck<br />

everly brothers<br />

four tops<br />

francis lai<br />

frank sinatra<br />

gershwin<br />

gilbert becaud<br />

gilbert becaud<br />

it’s now or never<br />

tutti frutti<br />

release me<br />

bye bye love<br />

reach out i’ll be there<br />

um homme et une femme<br />

more<br />

summertime<br />

au revoir<br />

et maintenant<br />

101<br />

102<br />

103<br />

104<br />

105<br />

106<br />

107<br />

108<br />

109<br />

110<br />

trini lopez<br />

trini lopez<br />

trini lopez<br />

trini lopez<br />

tubarões<br />

tubarões<br />

tubarões<br />

tubarões<br />

tubarões<br />

tubarões<br />

la bamba<br />

michael (aleluia)<br />

quando quando quando<br />

ya ya<br />

a girl for me<br />

baby it hurts<br />

come back<br />

lucky day<br />

old lady<br />

poema do homem rã<br />

51<br />

52<br />

53<br />

54<br />

55<br />

56<br />

57<br />

58<br />

59<br />

60<br />

gilbert becaud<br />

hollies<br />

johnny tillotson<br />

jose feliciano<br />

les chat sauvages<br />

little richard<br />

los tamara<br />

los tampa<br />

louis armstrong<br />

louis armstrong<br />

l’important cést la rose<br />

sweets for my sweet<br />

poetry in motion<br />

guantanamera<br />

derniers baisers<br />

good golly miss molly<br />

camino de sahara<br />

la plaga<br />

blueberry hill<br />

what a wonderfull world<br />

111<br />

112<br />

tubarões<br />

ventures<br />

você vai chorar<br />

wipe out


188 porViseu ’60s.<br />

.principais.equipamentos.<br />

.instrumentos.<br />

Ao longo dos anos foram<br />

vários os nossos fornecedores<br />

de instrumentos. Em Viseu<br />

adquirimos instrumentos na<br />

Papelaria Sequeira, alugámos<br />

aparelhagens de voz ao Sr. Carlos<br />

da Órbita na Rua da Vitória<br />

e também ao Sr. Morgado em<br />

S. Pedro do Sul.<br />

A partir de finais de 1964 o<br />

nosso principal fornecedor de<br />

instrumentos passou a ser a Casa<br />

Ruvina, da Rua Formosa no Porto<br />

seguida da Gouveia Machado de<br />

Lisboa.<br />

.orgãos/teclas.<br />

Pianola, Farfisa Compaq Uno,<br />

Farfisa Compaq Duo.<br />

.violas.<br />

Egmond Manhatan, VOX Shadow,<br />

Hofner 455/S/E2, Fender<br />

Sratocaster, Guild Starfire IV,<br />

Galani (v.baixo) e Guild Starfire<br />

Bass.<br />

.amplificadores.<br />

Farfisa Amplivox, Farfisa TR60,<br />

VOX AC30, VOX UL 460, VOX 730 e<br />

BALDWIN SONIC 55.<br />

.aparelhagens.de.voz.<br />

Burns 6X2 120, Câmara de Eco,<br />

Microfones Shure e MB.<br />

.bateria.<br />

Yamaha, Tarola PREMIER 2000<br />

aro metálico, pratos Zildjian.


e depois da música 189<br />

.e.depois.<br />

da.música…<br />

Em Abril de 1969 o Vitó foi<br />

incorporado no Serviço Militar,<br />

o Luís Dutra e eu em Julho,<br />

o Carlos Alberto e o Zé Merino<br />

em Outubro e o Vató em Janeiro<br />

de 1971.<br />

O Vitó, o Luís Dutra e eu<br />

encontrámo-nos nas<br />

telecomunicações militares na<br />

Guiné-Bissau. Passámos bons<br />

momentos juntos, incluindo na<br />

música, pois chegámos a formar<br />

um conjunto e tocávamos na boîte<br />

“Chez Moi” de Bissau.<br />

O Carlos Alberto, na força aérea,<br />

foi até S. Tomé e Principe.<br />

O Zé Merino enquanto “atirador”<br />

foi parar a Angola onde andou<br />

por zonas quentes em termos<br />

operacionais. O Vató, quando<br />

mobilizado para a Guiné-Bissau,<br />

desertou para Paris, de onde<br />

regressou tendo ficado preso<br />

durante dois anos, saindo em<br />

liberdade após o 25 de Abril.<br />

Em termos musicais participámos<br />

por brincadeira nas duas<br />

primeiras edições de<br />

“Os Melhores Anos” em Viseu<br />

em Setembro de 1993 e 1996,<br />

na festa que organizo anualmente<br />

com a Câmara Municipal de Viseu<br />

e o Grupo Visabeira.<br />

E de tudo isto ficou um grande<br />

amor à música e uma amizade de<br />

mais de cinquenta anos.<br />

Pouco vulgar e muito rica.<br />

Bem Haja à Vida!<br />

Cada um de nós seguiu a sua vida<br />

e profissão mas continuámos<br />

a fazer duas a três reuniões<br />

anuais com as nossas famílias.


190 porViseu ’60s.<br />

.agradecimentos. Um obrigado à Teresa por estar<br />

ao meu lado na vida, apoiar as<br />

minhas iniciativas e devaneios.<br />

Um obrigado à Gisela por estar<br />

sempre comigo nos projectos em<br />

que a envolvo.<br />

Um obrigado ao Carlos Cunha por<br />

responder sempre com um sim a<br />

todos os meus pedidos.<br />

O meu Bem Haja à cidade de Viseu<br />

e a todos os que tão bem dela têm<br />

tratado pois continua a encantar<br />

e a manter-me enamorado.<br />

O meu Bem Haja a todos os<br />

que me facultaram os seus<br />

depoimentos e com eles deram<br />

o valor efectivo a este livro;<br />

E aos “Tubarões”:<br />

Que bons têm sido todos os<br />

nossos mergulhos na música,<br />

nos prazeres, nos encontros,<br />

na vida.<br />

Obrigado.<br />

bibliografia<br />

Arquivo Histórico Municipal<br />

da Biblioteca da Figueira da Foz


191<br />

índice.geral<br />

.prefácio.<br />

.viseu ‘60.<br />

.a.rua.formosa.<br />

.o.café.rossio.<br />

.o.rossio.<br />

.a.rua.do.comércio.<br />

.teatros.e.cinemas.<br />

.a.estação.<br />

.a.feira.franca.<br />

.o.salão.de.chá.dos.bombeiros.voluntários.<br />

.o.hóquei.em.patins.<br />

.ambientes.<br />

.a.primeira.vez.<br />

.os.bailes.<br />

.a.juventude.<br />

.depoimento.serafim.matos.silva.<br />

.depoimento.manuel.maria.carrilho.<br />

.os.bailes.do.clube.de.viseu.<br />

.west.side.story.<br />

.grupos.e.clubes.de.garagem.<br />

.os.tubarões.conjunto. académico.<br />

’64 .aprender.<br />

.primeiro.trimestre.<br />

.viseu.pop.<br />

.os.condes.<br />

.os.diamantes.<br />

.the.kings.por.joão.correia.dos.santos.<br />

.os.ases.<br />

.os.corsários.<br />

.o.primeiro.concerto.<br />

.termas.de.s.pedro.do.sul.<br />

.dos.bailes.de.garagem.aos.da.gravata.<br />

.antónio.xavier.de.sá.loureiro.<br />

.fim.do.ano.no.hotel.grão.vasco.<br />

’65 .crescer.<br />

.crescer.<br />

.viseu.ié-ié.<br />

.figueira.da.foz.<br />

.rua.dos.ciprestes.<br />

.o.tubarão.<br />

.depoimento.vitor.f.pais.<br />

.o.casino.<br />

.os.amigos.<br />

.de.novo.viseu.<br />

.quim.guimarães.<br />

.concurso.ié-ié.7ª.eliminatória.<br />

.terraço.das.estrelas.do.hotel.embaixador.<br />

.fim.do.ano.<br />

’66 .conquistar.<br />

.conquistar.<br />

.concurso.ié-ié.semi.final.<br />

.depoimento.joão.correia.dos.santos.<br />

.má.notícia.pior.decisão.<br />

.embaixadores.de.viseu.<br />

.concurso.ié-ié.final.<br />

.espectáculo.no.cine.rossio.<br />

5<br />

6<br />

9<br />

10<br />

11<br />

13<br />

16<br />

19<br />

20<br />

22<br />

24<br />

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40<br />

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53<br />

53<br />

54<br />

55<br />

56<br />

56<br />

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62<br />

68<br />

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85<br />

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98<br />

99<br />

100<br />

102<br />

103<br />

104<br />

106<br />

108<br />

índice geral


.depoimento.ledinha.e.kinga.<br />

.café.snack.bar.alvorada.<br />

.o.casino.da.figueira.da.foz.<br />

.orquestra.de.josé.santos.rosa.<br />

.shegundo.galarza.<br />

.amália.<br />

.artistas.com.quem.nos.cruzámos.<br />

.má.nota.na.ota.<br />

.de.novo.viseu.<br />

.as.primeiras.gavações.<br />

.o.estúdio.<br />

.passagem.do.ano.no.grande.hotel.<br />

’67 .consolidar.<br />

.consolidar.<br />

.o.fidalgo.aprendiz.por.antónio.júlio.valarinho.<br />

.a.d.urraca.<br />

.os.bailes.de.finalistas.<br />

.depoimento.rui.oliveira.e.costa.<br />

.no.hotel.grão.vasco.<br />

.casa.dos.viscondes.de.treixedo.por.luís.cunha.matos.<br />

.casa.do.cruzeiro.por.luis.cunha.matos.<br />

.depoimento.carlos.manuel.serpa.<br />

.festa.do.3º.aniversário.<br />

.no.caruncho…e.em.massamá.<br />

.o.meu.retrato.dos.tubarões.<br />

.woolmark.e.s.pedro.do.sul.<br />

.de.novo.no.casino.<br />

.a.vida.no.casino.<br />

.miss.espanha.<br />

.artistas.com.quem.nos.cruzámos.<br />

.peiró.<br />

.com.o.nicolau.no.casino.<br />

.novo.viola.solo.<br />

.os.chinchilas.no.casino.<br />

.o.convite.ao.vató.<br />

.as.casacas.à.beatles.<br />

.gravação.do.disco.<br />

.depoimento.fernando.pascoal.de.matos.<br />

.fim.do.ano.no.grande.hotel.<br />

’68 .gozar.<br />

.com.os.sheiks.em.viseu.<br />

.depoimento.jorge.marques.<br />

.a.1ª.audição.do.ep-60-999.<br />

.o.carnaval.da.neve.<br />

.novos.instrumentos.<br />

.na.cabana.em.s.pedro.do.sul.<br />

.o.pânico.da.guerra.colonial.<br />

.de.novo.na.figueira.<br />

.na.casa.do.vató.<br />

.a.vida.musical.<br />

.pasqualle.con.franco.etti.<br />

.o.meu.primeiro.charro.<br />

.o.empresário.inglês.<br />

.no.último.palco.<br />

.quem.foi.quem.<br />

.playlist.<br />

.instrumentos.<br />

.e.depois.da.música...<br />

.agradecimentos.<br />

109<br />

110<br />

112<br />

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169<br />

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177<br />

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