porviseu60s-web
Retratos de Viseu nos 60's e a carreira musical da Banda POP Os Tubarões de Viseu, Portugal.
Retratos de Viseu nos 60's e a carreira musical da Banda POP Os Tubarões de Viseu, Portugal.
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
Eduardo Pinto<br />
porViseu 60s.<br />
retratos de Viseu e<br />
da vida musical do<br />
conjunto académico<br />
os tubarões (1963-1968)
2 porViseu ’60s.
3<br />
retratos de viseu nos anos 60<br />
Eduardo Pinto<br />
retratos de viseu<br />
e da vida musical do<br />
conjunto académico<br />
os tubarões (1963-1968)<br />
Aos Tubarões<br />
e aos que, como eu,<br />
amam Viseu,<br />
desde os tempos da escola,<br />
desde os tempos do liceu.
ficha técnica<br />
título<br />
porViseu’60s.<br />
retratos de Viseu e da vida musical<br />
do conjunto académico<br />
os tubarões (1963-1968).<br />
©texto<br />
Eduardo Pinto<br />
©design<br />
Gisela Pinto<br />
design@arq-des.com<br />
www.arq-des.com<br />
arq-des.blogspot.com<br />
coordenação editorial<br />
Eduardo Pinto<br />
revisão<br />
By the Book, edições especiais<br />
impressão e acabamento<br />
António Coelho Dias S.A.<br />
ISBN<br />
978-989-97317-5-2<br />
depósito legal<br />
331954/11<br />
edição<br />
By the Book, edições especiais<br />
©arquivo fotográfico<br />
Foto Germano, Viseu<br />
www.fotogermano.com<br />
geral@fotogermano.com<br />
tratamento de imagem<br />
Carlos Cunha<br />
Gisela Pinto<br />
Rua das Pedreiras, 16-4º<br />
1400-271 Lisboa<br />
T. + F. 213 610 997<br />
bythebook@sapo.pt<br />
www.bythebook.pt
5<br />
retratos de viseu nos anos 60<br />
prefácio<br />
Éramos aqueles jovens dos<br />
anos 60 de quem Viseu tanto<br />
se orgulhou… e ainda orgulha!<br />
Aqueles jovens para quem<br />
a MÚSICA foi o despoletar<br />
de um sonho!<br />
E a palavra SONHO, traz-nos<br />
à memória os nomes de Fernando<br />
Pessoa e António Gedeão.<br />
O primeiro afirmou:<br />
Deus quer. O homem sonha.<br />
A obra nasce.<br />
Então, com certeza que Deus quis,<br />
porque nós sonhámos e…<br />
«Os Tubarões» nasceram!<br />
O segundo escreveu:<br />
Eles não sabem que o sonho<br />
é uma constante da vida<br />
tão concreta e definida<br />
como outra coisa qualquer.<br />
Mas nós… SABÍAMOS e<br />
compreendemos que o sonho<br />
é uma constante da vida / tão<br />
concreta e definida / como outra<br />
coisa qualquer.<br />
Por isso, avançámos com três<br />
violas, uma caixa de sapatos e<br />
uma bateria emprestada, mesmo<br />
só com a tarola e um prato,<br />
e concretizámos o sonho:<br />
“Os Tubarões”!<br />
As páginas seguintes contam uma<br />
história que aconteceu nos anos<br />
60, a história de seis jovens que,<br />
neste segundo milénio, já são pais<br />
de outros jovens, uns mais novos<br />
e outros já mais velhos do que<br />
eles eram naquela época: a nossa<br />
história.<br />
Uns naturais de Viseu, outros de<br />
S.Pedro do Sul, de Moçambique,<br />
da Figueira da Foz ou até dos<br />
Açores, encontrámo-nos, um dia,<br />
em Viseu e, unidos pela música,<br />
tivemos, durante uns anos, um<br />
percurso de vida comum, ao longo<br />
do qual criámos os alicerces<br />
de uma profunda AMIZADE<br />
que prevaleceu até hoje e que irá<br />
prevalecer para além do tempo.<br />
Olhando para trás e recordando<br />
uma vez mais as palavras de<br />
António Gedeão, nós soubemos<br />
que o sonho comanda a vida /<br />
e que sempre que o homem sonha<br />
/ o mundo pula e avança / como<br />
bola colorida / entre as mãos<br />
duma criança.<br />
Bem-hajas, Eduardo, por<br />
trazeres ao PRESENTE tão bons<br />
momentos do nosso PASSADO!<br />
Os Tubarões
6 porViseu ’60s.<br />
.Viseu ’60s.<br />
.retratos.de.Viseu.nos.anos.60.
7<br />
retratos de viseu nos anos 60<br />
9<br />
10<br />
11<br />
13<br />
16<br />
19<br />
20<br />
22<br />
24<br />
26<br />
30<br />
32<br />
34<br />
36<br />
37<br />
38<br />
40<br />
42<br />
44<br />
.a.rua.formosa.<br />
.o.café.rossio.<br />
.o.rossio.<br />
.a.rua.do.comércio.<br />
.teatros.e.cinemas.<br />
.a.estação.<br />
a.feira.franca.<br />
.o.salão.de.chá.dos.bombeiros.voluntários.<br />
.o.hóquei.em.patins.<br />
.ambientes.<br />
.a.primeira.vez.<br />
.os.bailes.<br />
.a.juventude.<br />
.depoimento.serafim.matos.silva.<br />
.depoimento.manuel.maria.carrilho.<br />
.os.bailes.do.clube.de.viseu.<br />
.west.side.story.<br />
.grupos.e.clubes.de.garagem.<br />
.os.tubarões.conjunto. académico.
8 porViseu ’60s.
9<br />
retratos de viseu nos anos 60<br />
.a.rua.formosa.<br />
1<br />
1.<br />
Rua Formosa à noite<br />
(foto Germano)<br />
2.<br />
Rua Formosa, cruzamento<br />
com a Rua do Comércio<br />
(foto Germano)<br />
2<br />
A Rua Formosa era a artéria<br />
principal da cidade: a rua do<br />
poder financeiro com os Bancos<br />
de Portugal, Pinto & Sotto Mayor,<br />
Agrícola e Industrial Viseense<br />
e Nacional Ultramarino.<br />
Era também a rua das principais<br />
lojas, dos jornais, dos encontros<br />
de negócios, do futebol,<br />
e dos Cafés. A Pastelaria mais<br />
chique era O Horta com as suas<br />
empadas acompanhadas por<br />
chá ou vinho branco em chávena,<br />
os doces de ovos e demais<br />
pastelaria tradicional, incluindo<br />
os caramujos. Quem visitava<br />
Viseu tinha de passar pelo Horta<br />
para marcar ponto. Rivalizava<br />
com O Horta a Pastelaria Santos,<br />
localizada nas quatro esquinas<br />
(Rua Formosa com a Rua dos<br />
Andrades) a quem chamavam<br />
“O Aquário” devido à sua montra<br />
toda em vidro e que permitia<br />
que se soubesse quem lá estava<br />
dentro. Para além destes, ainda<br />
havia o Café Santa Cruz,<br />
a Pastelaria Bijou, o Café Guarany<br />
e o Café Rossio.<br />
O Café Rossio era uma instituição<br />
na cidade de Viseu por onde<br />
passava toda a opinião. Situado<br />
no final da Rua Formosa, esquina<br />
frontal ao Banco de Portugal, era<br />
o verdadeiro centro de informação<br />
da cidade.<br />
Lá, tudo se sabia, da cidade,<br />
do país ou da região, do poder<br />
ou da oposição, dos intelectuais<br />
ou desportistas, de quem<br />
chegava, de quem partia,<br />
ou de quem não aparecia.
10 porViseu ’60s.<br />
Vazio, vazio,<br />
só nas noites de verão.<br />
Quando o calor apertava,<br />
a cidade passeava<br />
horas a fio,<br />
num louco rodopio,<br />
nesse grande salão<br />
que era o Rossio.<br />
Cada um na sua mão,<br />
quase todos num sentido,<br />
e poucos na contra-mão.<br />
E o Bilhar!!!<br />
Quem não se lembra da atmosfera<br />
daquele 1.º andar?<br />
Pelas janelas abertas,<br />
de par em par,<br />
saía fumo, um palavrão,<br />
e entrava o ar.<br />
.o.café.<br />
rossio.<br />
1<br />
1.<br />
Café Rossio<br />
(foto Germano)<br />
O Lugar!<br />
O Café, a conversa, o estar,<br />
os do Contra, os do Poder,<br />
os das tricas, e os do morder,<br />
os do bem e do mal dizer,<br />
e os do comer...<br />
e os do fino, e os da televisão.<br />
Tudo era redondo naquele r/c,<br />
as mesas até aos pés,<br />
as travessas dos cafés,<br />
as cadeiras e o corrimão,<br />
até a esquina e o Balcão.<br />
Por aquele chão de madeira<br />
passava a cidade inteira.<br />
O Doutor e a menina,<br />
o “Formidável” e a Flausina,<br />
o Liceu e a Escola,<br />
a Política e a Bola.<br />
Muitos tacos, muito giz,<br />
os candeeiros mesmo em cima<br />
do nariz<br />
do entendido que ensinava<br />
o aprendiz,<br />
só concentrado nas palavras<br />
do seu juiz.<br />
Na mesa ao lado, já com as bolas<br />
a rodar,<br />
o fumo, os nervos, o silêncio,<br />
e o rezar,<br />
para esta jogada vir a confirmar,<br />
aquela aposta que estava mesmo<br />
a ganhar,<br />
não fora a última tacada espirrar.<br />
Ah,<br />
que aventura era lá entrar!!!<br />
O estado adulto antes de lá chegar!<br />
Valeu a pena por lá passar!
11<br />
retratos de viseu nos anos 60<br />
.o.rossio.<br />
1<br />
1.<br />
Rossio com o Coreto,<br />
anos 50<br />
(foto Germano)<br />
O Rossio era a praça central<br />
de Viseu, os automóveis podiam<br />
circular a toda a volta mesmo<br />
pela frente da porta da Câmara<br />
Municipal. Esta linda praça estava<br />
rodeada por belos edifícios como<br />
o do Banco de Portugal,<br />
a Garagem Lopes ligando a Rua<br />
da Paz com a Rua Vitória e, nesta,<br />
o da Caixa Geral de Depósitos<br />
com bonitos painéis graníticos<br />
que representavam as riquezas<br />
da Região (Agricultura, Comércio<br />
e Indústria). O Rossio já tinha as<br />
suas frondosas tílias e, desde<br />
1931, o bonito painel de azulejos<br />
fronteiro ao Jardim das Mães.
12 porViseu ’60s.<br />
O Rossio era a Sala de Visitas<br />
de Viseu, local de encontros, e da<br />
principal Praça de Táxis da cidade.<br />
A partir de fins de Maio, as noites<br />
aqueciam e os viseenses saíam<br />
depois do jantar até ao Rossio.<br />
Às quintas-feiras havia concerto<br />
com Banda do Quartel, Ranchos<br />
Folclóricos ou os Pauliteiros de<br />
Abraveses no Coreto central da<br />
Praça. Nos outros dias formava-<br />
-se um enorme picadeiro à volta<br />
do Rossio com duas filas em<br />
sentidos opostos. Todos viam<br />
todos, conversavam, caminhavam,<br />
conviviam, e durante umas horas<br />
faziam um saudável exercício.<br />
O Rossio enchia em Junho e em<br />
Julho lotava. Era uma multidão<br />
nas noites quentes do Verão<br />
a apanhar o ar fresco da noite.<br />
O Rossio era um bonito picadeiro!<br />
2 3<br />
2.<br />
Rossio, anos 60<br />
(foto Germano)<br />
3.<br />
Edifício da Garagem Lopes<br />
(foto Germano)
13<br />
retratos de viseu nos anos 60<br />
.a.rua.do.<br />
comércio.<br />
1<br />
1.<br />
Estátua de Camões com o pedestal<br />
que hoje está na Praça Sta. Cristina<br />
(foto Germano)<br />
2.<br />
Praça de Camões, hoje de D. Duarte<br />
(foto Germano)<br />
2<br />
A Rua do Comércio era a outra<br />
artéria de capital importância<br />
na cidade, continuação da Rua<br />
Alexandre Herculano que nos<br />
anos 50 era a via da entrada<br />
sul da cidade, desembocando<br />
no Largo Marechal Carmona,<br />
hoje Largo General Humberto<br />
Delgado, um nó central de<br />
distribuição do tráfego rodoviário<br />
e pedonal. A Rua do Comércio<br />
fazia jus ao seu nome. Tudo se<br />
podia encontrar: a Praça em dois<br />
pisos, com o mercado do peixe<br />
no piso superior, e o dos frescos<br />
no piso inferior ladeado pelas<br />
Ruas do Comércio e Formosa,<br />
com talhos em volta, a Fábrica<br />
do Gelo e várias mercearias por<br />
perto como a do Sr. Celestino,<br />
onde muitos clientes pagavam ao<br />
mês, os Correios, o Café Lisboa e<br />
o seu anexo Cova Funda, a Casa<br />
Agrícola, a Casa Africana, lojas<br />
de fazendas e de pronto-a-vestir,<br />
sapatarias, barbearias, farmácia<br />
e papelaria.<br />
Terminava na Praça de Camões<br />
com a sua elegante estátua<br />
posta no alto de um grande<br />
pedestal (este pedestal encontra-<br />
-se actualmente no jardim do<br />
Seminário, em Santa Cristina),<br />
Praça que hoje se chama de<br />
D. Duarte, onde se realizava a<br />
sempre concorrida Feira Semanal<br />
das terças-feiras, e de tempos a<br />
tempos serenatas dos estudantes<br />
de Coimbra.
14 porViseu ’60s.
15<br />
retratos de viseu nos anos 60<br />
A RTP iniciou as suas emissões<br />
em 1957. Em Viseu, na Rua do<br />
Comércio n.º 100, a prestigiada<br />
loja de electrodomésticos Casa<br />
Pascoal, representante da<br />
RTP, disponibilizava nas suas<br />
montras vários aparelhos de TV,<br />
possibilitando ao público assistir<br />
às emissões da RTP em pé, à<br />
noite, depois do jantar, mesmo<br />
nos dias mais frios. E a Rua do<br />
Comércio ficava completamente<br />
cheia de gente frente às várias<br />
montras da loja. Ao tempo<br />
havia pouco trânsito, o que<br />
muito facilitava assistir a este<br />
espectáculo.<br />
3<br />
4<br />
3.<br />
Rua do Comércio, cruzamento<br />
com a Rua Formosa<br />
(foto Germano)<br />
4.<br />
Público a assistir às primeiras<br />
emissões de televisão frente às<br />
montras da Casa Pascoal
16 porViseu ’60s.<br />
.teatros.e.<br />
cinemas.<br />
No princípio do Século XX<br />
Viseu chegou a ter cinco casas<br />
de espectáculo: Teatro da Rua<br />
Escura, Teatro Viriato, Teatro<br />
Paraíso, Avenida Teatro e o<br />
Cine-Rossio.<br />
Em 1959 já só estavam activos<br />
o Avenida Teatro, o Teatro Viriato<br />
e o Cine-Rossio.<br />
O Avenida Teatro foi inaugurado<br />
em 1921, dispunha de 2.000<br />
lugares com duas Plateias<br />
e Geral, dois andares com<br />
Camarotes, jardins exteriores,<br />
uma iluminação única com<br />
mais de 1.500 lâmpadas. Era<br />
considerado o melhor teatro da<br />
sua época a par com o S. Carlos.<br />
Nos anos 50 passavam no<br />
Avenida Teatro peças de Teatro,<br />
números de Revista, os grandes<br />
artistas nacionais da época<br />
acompanhados pela Orquestra do<br />
Maestro Mário Costa, os Serões<br />
para Trabalhadores da Emissora<br />
Nacional e os espectáculos da<br />
Volta a Portugal. Mas no final da<br />
década já era o cinema que tinha<br />
maior destaque nesta imponente<br />
casa de espectáculos de Viseu<br />
localizada na Avenida Emídio<br />
Navarro, sensivelmente no local<br />
onde hoje se encontra<br />
o restaurante Casablanca.<br />
Acabou por fechar as suas portas<br />
no início da década de 60, vindo<br />
a ser demolido em 1971.<br />
Nos anos 60 o Teatro Viriato a) ,<br />
inaugurado em 1883 com o<br />
nome de Theatro Boa União, já<br />
tinha encerrado as suas portas
17<br />
retratos de viseu nos anos 60<br />
e dava lugar a um Armazém de<br />
Mercearias de Alberto Rodrigues<br />
e Filhos, Lda. Felizmente voltou<br />
a ser reconstruído respeitando<br />
a traça original, reiniciando as<br />
suas actividades em 1998 graças<br />
ao esforço conjugado de dois<br />
ilustres Viseenses, Dr. Fernando<br />
Ruas, Presidente da Câmara, e<br />
Professor Manuel Maria Carrilho,<br />
então Ministro da Cultura.<br />
A partir de 1961 Viseu tinha uma<br />
única casa de espectáculos<br />
activa: o cinema Cine-Rossio<br />
localizado nas traseiras da<br />
Câmara, que iniciou as suas<br />
actividades em 1952.<br />
O edifício dispunha de três pisos<br />
e, dizia-se, tinha sido construído<br />
para albergar uma garagem:<br />
o piso -1, ao nível do actual<br />
Mercado, era um Salão de eventos<br />
onde se realizavam os bailes de<br />
Finalistas; no piso 0 situava-se<br />
a sala de cinema em anfiteatro,<br />
com um palco com boca de cena<br />
a toda a largura da sala mas com<br />
uma pequena profundidade de<br />
cerca de 2,5m, o que era uma<br />
grande limitação para outros<br />
espectáculos, com uns camarins<br />
rudimentares. Tinha 2.ª e 1.ª<br />
Plateias, e ao fundo da sala um<br />
conjunto de doze frisas de seis<br />
lugares extensíveis a oito.<br />
No Piso 1 tinha o bar e a cabine de<br />
projecção.<br />
Havia cinema às terças –<br />
normalmente cowboys ou filmes<br />
de pancadaria –, quintas, sábados<br />
e domingos.<br />
a)<br />
www.teatroviriato.com/pt/menu/<br />
teatro-viriato/historia/).<br />
2<br />
3<br />
1<br />
4<br />
1.<br />
Avenida Teatro<br />
(foto Germano)<br />
2.<br />
Avenida Teatro, planta da sala<br />
(foto Germano)<br />
3.<br />
Avenida Teatro, programa<br />
de um filme de 1957<br />
4.<br />
Teatro Viriato<br />
Armazém de mercearias<br />
(foto Germano)
18 porViseu ’60s.<br />
.o.cine.rossio.<br />
5<br />
5.<br />
Cine-Rossio, filme de inuguração<br />
“O Preço da Juventude”<br />
(foto Germano)<br />
Muitas noites e soirés<br />
muitas tardes e matinés,<br />
de cowboys e rufiões,<br />
de polícias e ladrões,<br />
de heróis e matulões,<br />
de boazonas e mandriões<br />
de amor e muitas canções,<br />
de namorados e paixões.<br />
Lá na frente os glutões,<br />
nas cadeiras, uns empurrões,<br />
no escuro, alguns beijões,<br />
nas frisas, uns encostões,<br />
e o lado a lado,<br />
cúmplice,<br />
combinado,<br />
com a mão na mão,<br />
ou noutro lado !<br />
Fumar?<br />
Só no 1º. andar,<br />
Ou nos Bailes da cave,<br />
Com toda a cidade ali,<br />
a dançar.<br />
O Cine-Rossio era mesmo<br />
de pasmar!
19<br />
retratos de viseu nos anos 60<br />
.a.estação.<br />
1<br />
1.<br />
Estação de Caminhos de Ferro,<br />
anos 60 (onde hoje está<br />
a fonte cibernética)<br />
(foto Germano)<br />
Viseu tinha uma Estação dos<br />
Caminhos de Ferro com duas<br />
Linhas Ferroviárias de via estreita<br />
(1m entre carris): a linha do Dão,<br />
entre Santa Comba Dão e Viseu<br />
num total de 49km inaugurada em<br />
1889 por D. Maria Pia e D. Luís, e<br />
a Linha do Vale do Vouga, entre<br />
Espinho e Viseu, num total de<br />
140km inaugurada em 1914.<br />
A Linha do Dão fazia a ligação<br />
com a via férrea nacional em<br />
Santa Comba Dão onde passa a<br />
linha da Beira Alta, de via larga<br />
(1,44m entre carris). Quem muito<br />
se empenhou na construção<br />
da Linha do Dão foi o nosso<br />
conterrâneo Tomaz Ribeiro<br />
(Parada de Gonta, 1831-1901) a) ,<br />
que além de poeta e escritor foi<br />
político, tendo sido Presidente da<br />
Câmara de Tondela, Deputado e<br />
Ministro das Obras Públicas entre<br />
1890 e 1891.<br />
A Linha do Vale do Vouga demorou<br />
muito tempo a ser construída por<br />
dificuldades do percurso. Nela<br />
circulava o comboio de alcunha<br />
“O Vouguinha” e as coloridas<br />
Automotoras Allan, uma só<br />
carruagem tipo autocarro<br />
a circular sobre carris, com<br />
1.ª Classe à frente e 2.ª atrás.<br />
O comboio era um meio de<br />
transporte muito popular na<br />
região e esteve activo durante<br />
100 anos. b)<br />
Para os destinos não ferroviários,<br />
empresas privadas asseguravam<br />
os transportes em autocarros –<br />
“a carreira”– que garantiam tanto<br />
as ligações dentro do Concelho<br />
como a ligação aos grandes<br />
centros urbanos de Lisboa,<br />
Coimbra e Porto.<br />
a)<br />
pt.wikipedia.org/wiki/<br />
Tom%C3%A1s_Ribeiro<br />
b)<br />
www.geocaching.com/seek/cache_<br />
details.aspx?wp=GC23VF9
20 porViseu ’60s.<br />
.a.feira.franca.<br />
1.<br />
Entrada da Feira Franca, ’60<br />
(foto Germano)<br />
2.<br />
Pavilhão<br />
(foto Germano)<br />
3.<br />
Comboio turístico puxado<br />
por um tractor (foto Germano)<br />
4.<br />
Feira Franca, planta de 1955<br />
5.<br />
Cartaz da Feira de São Mateus, 1963<br />
1<br />
2<br />
3<br />
4<br />
5<br />
Em Setembro chegava a Feira<br />
Franca de S. Mateus.<br />
De todos os cantos, dos arredores,<br />
das aldeias, das vilas e das<br />
cidades, vinha gente para a Feira<br />
Franca. E também de fora,<br />
do estrangeiro chegavam<br />
emigrantes novos ou antigos.<br />
A cidade inteira ia p’rá Feira!<br />
A Feira, rainha da tradição,<br />
tinha quase tudo para quase<br />
todos. Imbatível no comércio<br />
tradicional, com produtos de<br />
todo o país e rifas de tachos e<br />
panelas, exuberante no colorido<br />
dos barros, para todos os sabores,<br />
músicos da banda, bonecos<br />
de presépio e o pretinho da<br />
sorte, atenta ao artesanato de<br />
cestaria, bordados e ferraria tão<br />
bem tratados pelo Sr. Celestino<br />
Soares, inimitável na gastronomia<br />
com caldo verde, enguias e rancho<br />
do Zé Povo, farta nas guloseimas<br />
com farturas do Pavilhão Lúcia,<br />
chocolates Regina da loja do<br />
Sr. Coutinho com furos, chupa-<br />
-chupas, rabanetes, novelos de<br />
algodão doce, e completa nas<br />
diversões com carrinhos de choque<br />
ou às voltinhas, carrocéis redondos<br />
ou em oito, espelhos mágicos,<br />
comboio-fantasma, poço da morte,<br />
matraquilhos e os sleepers.<br />
E a animação era diversificada.<br />
No palco, variedades, folclore<br />
nacional e regional, e artistas<br />
de nomeada nacional.
21<br />
retratos de viseu nos anos 60<br />
No terreiro, gincanas de todos<br />
os tipos e motores, automóveis,<br />
motos, karts e até camiões.<br />
No terreiro da Feira todos se<br />
cruzavam num vaivém contínuo<br />
por ruas em terra batida que<br />
ligavam as suas quatro portas:<br />
a Porta da Ribeira (Emídio<br />
Navarro) com a Porta da Estação,<br />
e Porta da Ponte de Pau com<br />
a Porta Viriato (Av. da Bélgica).<br />
O picadeiro principal fazia-se<br />
entre a Porta da Ribeira e a<br />
Ponte de Pau, paralelo ao rio,<br />
com uma zona rectangular até<br />
ao Pavia no meio da qual ficava o<br />
palco, de costas para o rio, e nas<br />
laterais a cabine de som, diverso<br />
artesanato nomeadamente de<br />
ferro, o Restaurante do Fernando<br />
Carvalho, o Pavilhão do Turismo,<br />
a tenda dos chocolates Regina,<br />
os únicos toilletes públicos<br />
do recinto e o Pavilhão dos<br />
Bombeiros Voluntários, este<br />
com duas frentes, uma virada à<br />
zona do palco e outra com vista<br />
para o picadeiro. Era ainda neste<br />
rectângulo que eram colocadas<br />
as baterias do famoso fogo<br />
preso, uma atracção única da<br />
Feira que aos fins de semana não<br />
dispensava uma boa sessão de<br />
fogo de artifício, com o melhor<br />
sempre reservado para o Domingo<br />
Franco.<br />
Neste dia não se rompia na Feira,<br />
sempre apinhada de gente que<br />
só saía depois dos três tiros de<br />
morteiro, o último dos quais,<br />
de tão forte, tudo fazia<br />
estremecer.<br />
Nos Bombeiros, à noite, era<br />
imperdível o Caldo Verde tardio<br />
com broa fresca de Vildemoinhos,<br />
e aos sábados os Bailes, com<br />
gente que vinha de todo o país.<br />
Quando se descia da Porta Viriato<br />
em direcção ao rio tinha-se a<br />
vista encantada da colina da Sé,<br />
que do alto, imponente, a todos<br />
observava.<br />
A Feira durava todo o mês de<br />
Setembro prolongando-se até<br />
ao feriado do 5 de Outubro,<br />
normalmente véspera do início<br />
do ano escolar.<br />
A Feira era um apelo natural<br />
a todos os encontros.
22 porViseu ’60s.<br />
.o.salão.de.chá.<br />
dos.bombeiros.<br />
voluntários.<br />
1.<br />
Salão de chá dos Bombeiros<br />
Voluntários, anos 40<br />
(foto Germano)<br />
2.<br />
“O Filho Pródigo”, pelo Grupo<br />
de Teatro dos Bombeiros<br />
1<br />
2<br />
3<br />
3.<br />
Pavilhão de Chá dos<br />
Bombeiros Voluntários<br />
Nos terrenos da Feira de<br />
S. Mateus foi construído nos<br />
anos 30 um bonito edifício de<br />
arquitectura modernista, cujas<br />
traseiras davam para a Central<br />
Eléctrica localizada na rua da<br />
Ponte de Pau. Tratava-se do<br />
Salão de Chá dos Bombeiros<br />
Voluntários de Viseu (BVV),<br />
seguramente o edifício de maior<br />
destaque e prestígio no recinto<br />
da Feira de S. Mateus, com um<br />
piso único elevado ao estilo de<br />
uma mezzanine. Tratava-se de um<br />
amplo Salão com duas frentes<br />
rasgadas para o recinto da Feira<br />
de S. Mateus e que durante o<br />
período da feira, era utilizado<br />
pelos Bombeiros Voluntários<br />
de Viseu para a prestação de<br />
serviços de restauração, servindo<br />
o montante apurado como reforço<br />
de fundos tão necessários ao<br />
suporte das suas actividades<br />
totalmente voluntárias.<br />
Os Bombeiros Voluntários de<br />
Viseu sempre tiveram muito<br />
valor, um enorme prestígio<br />
na cidade e eram um foco de<br />
entusiasmo e adesão de muita<br />
juventude que, voluntariamente<br />
e com grande orgulho, aderia<br />
a tão nobre e justa causa de<br />
ajuda à comunidade. Além das<br />
suas actividades de socorro às<br />
populações, os BVV tiveram no<br />
passado uma grande intervenção<br />
cultural, nomeadamente através<br />
de um Grupo de Teatro Amador<br />
que levou à cena no Teatro<br />
Viriato várias peças, algumas<br />
delas acarinhadas pela grande<br />
actriz nossa conterrânea Mirita<br />
Casimiro.<br />
Pois durante a Feira de S. Mateus,<br />
nos anos 60, o Salão de Chá<br />
dos Bombeiros Voluntários era<br />
o local mais bem frequentado<br />
e portanto o mais cobiçado da<br />
Feira. O espaço tinha atributos<br />
únicos como os disputadíssimos<br />
toilletes, equipamento escasso<br />
em todo o terreno da Feira, mesas<br />
de café viradas para a rua onde<br />
se podiam observar os<br />
passeantes e assistir aos<br />
espectáculos, gincanas e outras<br />
iniciativas como se se estivesse<br />
num camarote de um teatro.
23<br />
retratos de viseu nos anos 60<br />
Havia serviço de chá com torradas<br />
ou farturas, o branco a copo, ou<br />
o famosíssimo caldo verde com<br />
a broa fresca de Vildemoinhos<br />
a partir das 23h. Além destes<br />
serviços este Pavilhão também<br />
era o mais seguro refúgio sempre<br />
que a chuva pregava as suas<br />
partidas, o que não era tão raro<br />
quanto isso.<br />
Todo o serviço no Salão de Chá<br />
era feito pelos bombeiros nos<br />
seus tempos livres, com o traje<br />
azul e os seus reluzentes botões<br />
de latão amarelo. O Salão, à<br />
esquerda de quem entrava, tinha<br />
um enorme e altíssimo balcão de<br />
serviço, com vista e controlo de<br />
todo o espaço. À direita deste, no<br />
canto frontal à entrada, o estrado<br />
para a Orquestra. À esquerda<br />
uma entrada que dava acesso<br />
aos famosos toilletes e ainda a<br />
uma copa mais recatada e só<br />
para “Maiores” onde se podia<br />
beber um copo (branco, tinto,<br />
cerveja, Bussaco ou pirolito),<br />
acompanhado por um petisco<br />
(pasteis de bacalhau, panados,<br />
enguias, empadas ou rissóis…).<br />
Nos dias principais da Feira<br />
havia uma cerrada disputa pelas<br />
mesas viradas à rua e não era raro<br />
assistir-se à marcação presencial<br />
com horas de antecipação.<br />
E aos sábados? Aos sábados<br />
havia “Chá Dançante” no Salão<br />
de Chá dos Bombeiros Voluntários<br />
de Viseu (tempos houve que eram<br />
às quartas e sábados).<br />
Eram quatro bailes com grande<br />
procura, quase sempre esgotados<br />
que punham a cidade numa<br />
grande agitação.<br />
Os cabeleireiros não tinham<br />
mãos a medir, os sapateiros<br />
engraxavam, os perfumes<br />
esgotavam e as mais jovens<br />
debutavam numa grande<br />
comoção.<br />
Ir ao Baile dos Bombeiros era<br />
uma grande emoção!!!<br />
No início os bailes eram animados<br />
pelas orquestras locais como<br />
a Orquestra do Cine Jazz,<br />
a orquestra do Mário Costa,<br />
“Os Diamantes”, entre outras.<br />
Na época de maior sucesso já<br />
eram as principais Orquestras<br />
Nacionais como a de “Shegundo<br />
Galarza”, “Toni Hernandez”, “Costa<br />
Pinto”, e até o “Conjunto Italiano<br />
Manino Marini”, que fez várias<br />
épocas em Portugal interpretando<br />
os grandes sucessos românticos<br />
e únicos da música italiana.
24 porViseu ’60s.<br />
.o.hóquei.<br />
em.patins.<br />
1.<br />
Ringue do Fontelo<br />
(foto Germano)<br />
2.<br />
Ringue do Parque da Cidade<br />
(foto Germano)<br />
1<br />
2<br />
a)<br />
www.francisco-velasco.com/<br />
category/albums/<br />
No desporto internacional<br />
Portugal dava cartas no hóquei<br />
em patins. Ganhávamos<br />
os Torneios de Montreux,<br />
os Campeonatos do Mundo<br />
e os ídolos da juventude eram<br />
os jogadores de hóquei em patins:<br />
Edgar, Moreira, Perdigão, Vaz<br />
Guedes, Adrião, Velasco, Bouçós,<br />
Rendeiro, Domingos e tantos<br />
outros virtuosos da patinagem<br />
com stick. a)<br />
Nas ruas da cidade eram audíveis<br />
os emocionantes relatos de<br />
Artur Agostinho transmitidos<br />
pela Emissora Nacional que<br />
prendiam todos os portugueses<br />
aos aparelhos de rádio. Este facto<br />
e as vitórias da Selecção Nacional<br />
popularizaram este desporto<br />
muito praticado por clubes locais<br />
que disputavam campeonatos<br />
emotivos com rivalidades<br />
regionais muito saudáveis.<br />
O hóquei em patins tornou-se um<br />
desporto popular entre os jovens.<br />
No campo do Fontelo e no campo<br />
do Parque da Cidade praticava-se<br />
este desporto que também era<br />
fomentado nos estabelecimentos<br />
de ensino (Liceu e Escola<br />
Comercial), facultando tempo,<br />
equipamentos e outros meios.<br />
Às quartas-feiras e sábados<br />
tínhamos obrigatoriamente<br />
que frequentar a Mocidade<br />
Portuguesa nos nossos<br />
estabelecimentos de Ensino.<br />
Constava de sessões de
25<br />
retratos de viseu nos anos 60<br />
educação para-militar com<br />
desfiles, marchas e comandos<br />
de organização militar e muito<br />
desporto. No Liceu já existiam<br />
vários praticantes de hóquei com<br />
bom nível destacando-se<br />
os manos Pais (Zé e Fernando),<br />
o Biscoito Lima e o (Joaquim)<br />
Quim Inácio, candidato ao difícil<br />
lugar de guarda-redes onde se fez<br />
notar muito mais pela coragem<br />
do que pela patinagem, e que<br />
conseguiu que fosse criada<br />
a secção de hóquei em patins,<br />
tendo sido adquirido diverso<br />
equipamento e acessórios como<br />
caneleiras, máscaras, sticks,<br />
patins e bolas, utilizando-se<br />
o ringue de patinagem do Parque<br />
da Cidade. E da Escola Comercial<br />
aparecia um dos melhores<br />
hoquistas de Viseu, o Cartuxo, que<br />
chegou a jogar em Lisboa no SLB.<br />
Começámos a praticar este<br />
desporto com aulas de patinagem<br />
à volta do ringue e seguros<br />
ao corrimão. Mal dávamos os<br />
primeiros passeios sem queda<br />
e logo pegávamos no stick.<br />
Os patins estavam na moda<br />
e havia modelos para todos os<br />
gostos e preços. Os mais caros<br />
eram botas acopladas aos patins<br />
com rodas de madeira e travões,<br />
seguiam-se os patins com rodas<br />
de madeira e travões e os patins<br />
mais vulgares de rodas metálicas<br />
em que os mais populares eram<br />
os da marca Glória.<br />
A Casa Sérgio, na Rua Direita,<br />
era o principal fornecedor de<br />
equipamento e dos acessórios<br />
deste desporto, além dos de<br />
pesca e caça.<br />
Foi aí no ringue de patinagem<br />
do Parque da Cidade que se<br />
conheceram amigos como:<br />
Oliveira Martins, manos Matos<br />
Pereira (Zé e Tójo), manos Alberto<br />
Rodrigues (Zé e Júlio), Camané<br />
Serpa, Horta Coelho, Pitaitas, Abel<br />
Boavida, Norberto Antunes, Ilídio<br />
Henriques, Costa Santos, Victor<br />
Barros (Vitó), Luís Dutra,<br />
eu próprio e um pouco mais tarde<br />
o Tó Fernandes (Fifas).<br />
E tantos eram os praticantes<br />
que até se organizavam renhidos<br />
Campeonatos Inter-Turmas logo<br />
nos primeiros anos escolares.<br />
Terá sido em meados de 61 que<br />
o nosso amigo Júlio, mais velho,<br />
forte, muito bonacheirão, culto<br />
e irrequieto, guarda-redes<br />
e treinador de hóquei, nos<br />
motivou e mobilizou para a<br />
criação do Hóquei Clube de Viseu.<br />
E lá andámos a formar o clube,<br />
a juntar os meios e a criar<br />
equipa para entrarmos no<br />
campeonato. Fizemos alguns<br />
jogos, o clube fez-se e a nossa<br />
amizade solidificava. Pois foi o<br />
hóquei em patins o berço onde<br />
nasceu a amizade que mais tarde<br />
conduziu à formação do Conjunto<br />
Académico “Os Tubarões”.<br />
Lá nos encontrámos o Victor<br />
Barros (Vitó), o Tó Fernandes<br />
(Fifas), o Luís Dutra e eu, quatro<br />
dos cinco elementos que mais<br />
tarde fundaram o conjunto.<br />
O hóquei em patins era um<br />
desporto praticado ao ar livre,<br />
na primavera e no verão.<br />
No outono e no inverno<br />
praticávamos desportos de<br />
interior como o bilhar e pingue-<br />
-pongue.<br />
Começámos então a conviver e a<br />
frequentar o Clube de Viseu onde,<br />
durante as férias, passávamos<br />
as tardes na conversa, na<br />
brincadeira, no bilhar ou no<br />
pingue-pongue.
26 porViseu ’60s.<br />
.ambientes.<br />
1<br />
2<br />
3<br />
4 5<br />
No Rio Pavia, com um razoável<br />
caudal, alugavam-se barcos junto<br />
à Ponte das Barcas.<br />
Um pouco mais acima ficava<br />
o ponto mais fundo destinado<br />
aos mais destemidos nadadores<br />
e mergulhadores, o famoso Poço<br />
Nicolau. O Pavia era a grande<br />
lavandaria de Viseu, muito amigo<br />
de inúmeras lavadeiras.<br />
1.<br />
Rio Pavia<br />
(foto Germano)<br />
2.<br />
Rádio<br />
3.<br />
Anúncio da cerveja Sagres<br />
“A sede que se deseja”,<br />
slogan de José Carlos Ary dos Santos<br />
4.<br />
Laranjada Bussaco<br />
5.<br />
Pirolito
27<br />
retratos de viseu nos anos 60<br />
Em 1960 o Benfica de Bella<br />
Guttmann domina o Futebol<br />
Nacional, chega o Eusébio a<br />
Lisboa, e em 1961 vence a Taça<br />
dos Campeões Europeus.<br />
Em Viseu o derby Académico de<br />
Viseu - Lusitano de Vildemoinhos<br />
(Os Trambelos) esgota sempre<br />
o Estádio do Fontelo com<br />
o público muito exaltado.<br />
Ao tempo distinguiam-se<br />
claramente as quatro estações<br />
do ano e o que o Borda d’água<br />
dizia, o tempo cumpria. Não havia<br />
nem eram necessárias outras<br />
previsões. Cada fruta tinha a sua<br />
época para brilhar. Não havia uma<br />
mesma espécie todo o ano,<br />
e frutas tropicais conheciam-se<br />
a banana e o ananás.<br />
A Rádio era a grande companhia<br />
dos portugueses. As radionovelas<br />
mobilizavam o sector feminino<br />
com os folhetins radiofónicos<br />
transmitidos a seguir ao<br />
almoço sob o título: “Teatro Tide<br />
apresenta…”, enquanto os homens<br />
vibravam com os relatos de<br />
futebol.<br />
Chegava a Frequência Modulada<br />
(FM), lá fora apareciam as Rádios<br />
Piratas e por cá nasciam novos<br />
programas de rádio a promover<br />
a nova música anglo-saxónica<br />
como a “23.ª Hora” e o<br />
“Em Órbita”, entre outros.<br />
Nas cervejas liderava a Sagres,<br />
surgia o fino à pressão sempre<br />
com tremoços ou amendoins,<br />
bebiam-se pirolitos com berlindes<br />
a servirem de tampa, e uma<br />
picante e apreciada laranjada<br />
Bussaco, com bocadinhos de<br />
laranja e tudo. Embalagens,<br />
só de vidro.<br />
No Quartel do R.I.14 cozinhava-se<br />
o famoso rancho às quintas-<br />
-feiras que por vezes se podia<br />
encomendar, e que “A Viúva”,<br />
Restaurante da Rua da Cadeia,<br />
tão bem confeccionava.<br />
Na RTP Pedro Homem de Melo<br />
explicava e promovia de uma<br />
forma única o folclore nacional.<br />
E os nossos Pauliteiros de<br />
Abraveses, com a sua original<br />
apresentação e actuação, eram<br />
sempre cabeças de cartaz em dia<br />
nobre da Feira de S. Mateus.
28 porViseu ’60s.<br />
Os jovens conheciam-se através<br />
do convívio com os filhos dos<br />
amigos dos pais, nas escolas, nas<br />
festas de anos e nos bailes. E era<br />
tradição os finalistas dos Liceus,<br />
Escolas e Colégios organizarem<br />
Bailes de Finalistas.<br />
Os Estudantes procuravam<br />
nas suas terras angariar<br />
patrocinadores locais para<br />
conseguirem contratar os<br />
melhores conjuntos. Começava<br />
a moda das festas de aniversário<br />
ao som dos discos de vinil onde<br />
os jovens, sob o controlo dos pais<br />
do aniversariante, ensaiavam os<br />
seus primeiros passos de dança.<br />
Em Viseu já existiam três<br />
Associações Recreativas com<br />
algum destaque: o Orfeão de<br />
Viseu, o Instituto Liberal de<br />
Instrução e Recreio, na Rua<br />
Direita (n.ºs 149 e 58) e o Clube<br />
de Viseu, no Rossio. Estas<br />
Instituições promoviam a cultura<br />
através do Canto, do Teatro, da<br />
Poesia e das Variedades, e não<br />
descuravam o lazer com festas<br />
para os seus associados que não<br />
perdiam os bailes e matinés de<br />
Carnaval e do Fim do Ano, e as<br />
Festas dos Santos Populares.<br />
No dia-a-dia possibilitavam aos<br />
seus associados e familiares<br />
assistirem aos serões da RTP<br />
nos seus televisores ainda a preto 6<br />
7<br />
e branco, cujo preço era muito<br />
8<br />
9<br />
elevado para o poder de compra<br />
de então. 6.<br />
Salão do Instituto Liberal<br />
(foto Germano)<br />
7.<br />
Grupo de jovens no Rossio<br />
8.<br />
Porta Orfeão de Viseu,<br />
Rua Direita, 149<br />
(foto Germano)<br />
9.<br />
Clube de Viseu<br />
(foto Germano)
29<br />
retratos de viseu nos anos 60<br />
Na vida académica da cidade<br />
era muito grande a rivalidade<br />
desportiva entre o Liceu e a<br />
Escola Comercial, acerrimamente<br />
vivida nos Campeonatos da<br />
Mocidade Portuguesa entre as<br />
equipas de andebol, de voleibol,<br />
pingue-pongue ou qualquer<br />
desporto em que as duas escolas<br />
tivessem representantes.<br />
No Liceu, o Dr. Sereno – de nome<br />
e no porte – dava-nos o tom com<br />
os primeiros acordes no Canto<br />
Coral ensinando-nos que havia<br />
uma Senhora que se chamava<br />
MISOLSIRÉFÁ e tinha FÁLÁDÓMI.<br />
Lenga lenga com todas as notas<br />
musicais que nunca mais se<br />
esquece, como aqui se prova.<br />
Embora muitos o tentassem,<br />
era muito difícil conseguir ficar<br />
excluído (dispensado) do Canto<br />
Coral.<br />
Na música ligeira o Maestro<br />
Mário Costa foi uma figura<br />
ímpar e incontornável da época.<br />
Músico completo, pessoa afável<br />
e empreendedora criou, entre<br />
outras, a Orquestra Cine Jazz<br />
que actuava no Café Rossio,<br />
animava Bailes e Variedades e<br />
acompanhava as grandes vedetas<br />
nacionais no Teatro Viriato ou<br />
no Avenida Teatro. Além da<br />
Orquestra, o Maestro dinamizou<br />
Coros e Orfeões e criou a Escola<br />
de Acordeões Mário Costa,<br />
um enorme sucesso local com<br />
projecção nacional que chegou<br />
a actuar em directo na RTP.<br />
Foi um verdadeiro Mestre Musical<br />
que influenciou várias gerações<br />
de músicos que emanaram das<br />
suas Orquestras e formaram<br />
conjuntos como “Os Condes”,<br />
“Os Diamantes”, “Os Tubarões”,<br />
“Os Ases” e “Os Corsários”, entre<br />
outros.<br />
10 11<br />
12 13<br />
10.<br />
Cine Jazz, anos 50<br />
11.<br />
Cine Jazz, anos 60,<br />
festa dos Santos Poulares<br />
12. 13.<br />
Escola de Acordeões Mário Costa<br />
No Cine-Rossio e na RTP
30 porViseu ’60s.<br />
.a.primeira.vez.<br />
1<br />
1.<br />
Nº. 54 da rua Escura<br />
(foto Germano)<br />
Não existiam boîtes nem cabarets<br />
mas Viseu tinha duas casas<br />
de Meninas, proibidas mas<br />
consentidas, e uma terceira<br />
especial, ao que se dizia<br />
mais elitista, selectiva e com<br />
modalidades diferentes que<br />
incluíam quartos para encontros<br />
secretos de casais. Esta ficava<br />
no n.º 69 da Rua da Prebenda<br />
e pertencia a uma figura ímpar da<br />
cidade, com a alcunha de Toninho<br />
Panelas, homossexual assumido<br />
que por vezes se passeava pela<br />
cidade de forma exuberante,<br />
muito pintado, badalando anéis<br />
e pulseiras, e comentando com<br />
altivez, para quem o queria ouvir,<br />
os assuntos que lhe ocorriam.
31<br />
retratos de viseu nos anos 60<br />
Quanto às duas primeiras, uma<br />
ficava no n.º 54 da Rua Escura,<br />
e outra no n.º 160 da Rua do<br />
Picadeiro na Cava do Viriato.<br />
Certo, certo, é que na época, um<br />
jovem, para ser Homem, tinha que<br />
ir às Meninas uma primeira vez.<br />
E era tamanha a aventura que<br />
valia por três.<br />
Programado o dia da sua primeira<br />
vez, o jovem preparava-se de<br />
forma mais cuidada, melhor<br />
lavado e cuidadosamente<br />
perfumado mesmo onde<br />
normalmente não entravam tais<br />
aromas. Quem o levava era um<br />
familiar ou um amigo protector<br />
mais velho. Tempos houve em que<br />
tal tarefa era mesmo assumida<br />
pelo próprio pai, pois era vital<br />
para a educação completa de um<br />
rapaz.<br />
Acompanhando o tutor que<br />
logo abria a porta que estava<br />
encostada, o imberbe seguia,<br />
subia as escadas e as pernas<br />
tremiam logo no primeiro degrau<br />
a caminho do verdadeiro exame.<br />
Sim, era mesmo um exame real e<br />
em que tudo era posto em causa e<br />
a nu: “Servirá o tamanho?<br />
E a espessura? Irá doer? E se não<br />
der? E o desempenho?”. Era uma<br />
angústia.<br />
Entrados na sala de recepção,<br />
algo aproximado a um consultório<br />
médico mas com menos luz,<br />
a dona atendia e distribuía logo<br />
o serviço a quem ela pensava ser<br />
a mais indicada para o prestar.<br />
Se o tutor fosse habitué podia<br />
opinar sobre a escolha da<br />
examinadora. Quando ela<br />
entrava na sala surgia a primeira<br />
surpresa: afinal muito mais<br />
mulher que menina, exalava um<br />
perfume a lavanda feminina,<br />
decote avançado, saia curtinha,<br />
e um cigarro rolando na mão como<br />
que a pedir lume. Um pouco de<br />
sala, conversa, e fumo, sorrisos<br />
estranhos, uns toques na mão,<br />
risadas e piscadelas e a primeira<br />
festa com um ligeiro apertão.<br />
Quando a mão colava na mão<br />
e não largava, já pouco faltava.<br />
Ela levantava-se, puxava a mão,<br />
encorajava, piscava o olho e dizia:<br />
“vamos matulão?”<br />
E lá ia o pequeno cheio de medo,<br />
alguns iam mesmo assustados,<br />
para a prova total.<br />
Nunca corria mal, pelo menos<br />
que se soubesse!<br />
E se o pequeno entrava<br />
principiante, já saía doutor.<br />
No dia seguinte o jovem inchado,<br />
com porte elevado, dava nas<br />
vistas e já se atrevia a subir<br />
ao 1.º andar do Café Rossio.<br />
E se o questionassem logo<br />
alguém esclarecia: “…ele ontem<br />
perdeu os três!<br />
Ah Ah Ah,” ouvia-se…
32 porViseu ’60s.<br />
.os.bailes.<br />
1<br />
2<br />
3<br />
1.<br />
Passagem do ano<br />
no Clube de Viseu, 1958<br />
(foto Germano)<br />
2. e 3.<br />
Baile de Finalistas<br />
do Liceu, 1963<br />
Quanto a folia, não faltavam<br />
festas, bailes, arraiais e romarias,<br />
onde se podia dançar. Para<br />
algumas raparigas estas festas<br />
eram a única ocasião em que se<br />
podiam mostrar, as primeiras<br />
vezes a medo, agarradas às saias<br />
da mãe ou coladas nas costas de<br />
alguma familiar, e aos poucos lá<br />
aprendiam com outras, a dançar.<br />
Por esta razão dançar era uma<br />
prática muito vulgar em todos<br />
os lugares. É que a brincar,<br />
a brincar, era mesmo a dançar<br />
que muitos conseguiam confirmar<br />
que o tal brilho do olhar não<br />
era a brincar. Dançar ajudava a<br />
desabrochar e permitia uma outra<br />
forma de comunicar, com ritual e<br />
códigos próprios.<br />
O ritual implicava o convite<br />
a dançar: aproximar, baixar<br />
a cabeça e soltar: “a menina<br />
dança?” Se ela dizia não, era<br />
a tampa, ele dava meia volta,<br />
tentava disfarçar e ia directo<br />
curar as mágoas para o Bar.<br />
Se começavam a dançar, logo<br />
ao pegar na mão e ao encostar<br />
calculávamos até onde<br />
poderíamos apertar. A técnica<br />
era, para não assustar, encostar<br />
devagar e, na primeira música,<br />
nunca apertar. Havendo segunda<br />
e terceira dança, numa música<br />
mais lenta, lá se começava a roçar<br />
(calão para descrever o dançar<br />
apertadinho que fazia vibrar).<br />
Com as mãos geríamos a<br />
navegação: o mexer da esquerda
33<br />
retratos de viseu nos anos 60<br />
evoluía do toque ao apertão,<br />
e com a direita, o pianar nas<br />
costas anunciava o encostar.<br />
E para muitos era a dançar que<br />
se sentia o primeiro arfar, que<br />
punha o olhinho a brilhar, o corpo<br />
a engordar e a cabeça a sonhar,<br />
ao sentir aquele ondular do outro<br />
corpo (a colar). Interpretar os<br />
sinais do par era uma tarefa por<br />
vezes complicada e até delicada.<br />
Por exemplo, dançar de seguida<br />
três músicas lentas, com a cara<br />
encostada, era um pequeno<br />
índício de intimidade, sinal<br />
muito favorável. Como também<br />
o era ficar de mão dada, mesmo<br />
escondida, entre a mudança de<br />
músicas. Beijo na boca era um<br />
grande indício de intimidade.<br />
Muito raro! De olho aberto, leve,<br />
sem comprometimento, mas de<br />
olho fechado, era namoro certo,<br />
quase casamento.<br />
Em Viseu as festas começavam<br />
logo no segundo fim de semana<br />
de Janeiro com o Baile dos<br />
Finalistas do Liceu de Viseu<br />
secundado com uma matiné no<br />
dia seguinte e com o Sarau duas<br />
semanas depois.<br />
A 5 de Janeiro de 1963 realizou-<br />
-se o Baile de Finalistas no<br />
Cine-Rossio, com os conjuntos de<br />
“Shegundo Galarza” a) e de “Mário<br />
Simões”. b)<br />
Seguiam-se as Festas do<br />
Carnaval, com bailes por todo o<br />
lado e algumas matinés para as<br />
crianças também se mascararem.<br />
A Rua Direita liderava na oferta<br />
dos acessórios de Carnaval<br />
como as máscaras em cartão,<br />
serpentinas, confetes, estalinhos,<br />
pirilampos, bombas de carnaval,<br />
algumas de mau cheiro, e<br />
começavam a aparecer as<br />
bisnagas de água, que se podiam<br />
comprar no Bazar do Porto ou nos<br />
Cesteiros.<br />
Nos Santos Populares havia<br />
arraiais e muito pó no ar.<br />
Cada povoação dos arredores da<br />
cidade comemorava o seu Santo.<br />
E lá iam os foliões da cidade<br />
petiscar, bebericar e bailar com<br />
as moças da terra. No S. João,<br />
as Cavalhadas de Vildemoinhos<br />
enchiam de dia a cidade para ver<br />
o cortejo, e à noite, no Largo de<br />
Vildemoinhos, havia arraial com<br />
sardinhas e bailarico.<br />
E no Fim de Ano realizavam-se<br />
festas que incluíam sempre o<br />
Baile da Passagem do Ano.<br />
a)<br />
pt.wikipedia.org/wiki/Shegundo_<br />
Galarza<br />
b)<br />
http://musicasdosanos60.blogspot.<br />
com/search/label/M%C3%A1rio%20<br />
Sim%C3%B5es%20e%20o%20<br />
Seu%20Conjunto
34 porViseu ’60s.<br />
.a.juventude.<br />
1<br />
1.<br />
Desfile da Mocidade Portuguesa<br />
(foto Germano)<br />
Após a instrução primária,<br />
abriam-se duas opções aos<br />
jovens que queriam/podiam/<br />
conseguiam continuar a estudar.<br />
O Ensino Liceal no Liceu Nacional<br />
de Viseu e o Ensino Profissional<br />
na Escola Comercial e Industrial.<br />
Em Viseu, quer o Liceu quer a<br />
Escola Comercial tinham grande<br />
prestígio e professores com<br />
grande talento e dedicação.<br />
Eram Escolas Públicas com<br />
alunas e alunos, mas nada de<br />
misturas com aulas mistas:<br />
raparigas para um lado e rapazes<br />
para o outro. O lado feminino<br />
do Liceu era toda a ala direita<br />
de quem entra e o masculino<br />
a ala esquerda. O Ginásio e<br />
outras salas comuns como os<br />
Laboratórios eram utilizados em<br />
horas desencontradas.<br />
Aulas mistas só a partir do<br />
3.º Ciclo (mais ou menos a partir<br />
dos 15 anos).<br />
Os Colégios eram ou femininos<br />
ou masculinos. Femininos como<br />
o Grande Colégio Português,<br />
Colégio da Imaculada Conceição<br />
(Colégio das Freiras), e<br />
Masculinos como o Colégio<br />
Santo Agostinho ou o Colégio<br />
da Via Sacra. Em complemento<br />
ao ensino oficial começavam a<br />
aparecer os explicadores, a quem<br />
os alunos mais mandriões e com<br />
mais recursos recorriam em<br />
regime pós aulas oficiais.<br />
Os jovens que vinham para o<br />
ensino oficial das redondezas<br />
da cidade hospedavam-se em<br />
quartos alugados ou ficavam<br />
como alunos externos nos<br />
Colégios. As raparigas, além<br />
destas opções, ainda dispunham<br />
do Lar situado na rua Alexandre<br />
Herculano. Os horários eram<br />
muito limitados e só a partir do<br />
3.º Ciclo do Liceu (6.º e 7.º anos,<br />
actuais 10.º e 11.º) era dada<br />
alguma autonomia.<br />
Chegava a idade dos primeiros<br />
namoricos. O amor começava<br />
a rondar, a pairar, sempre ao<br />
longe mas à vista. Namoriscar<br />
era bonito, solto, discreto e às<br />
vezes secreto; namorar era muito<br />
cerimonioso, oficial, contido e<br />
por vezes aparatoso. Manifestar<br />
interesse por uma rapariga nem<br />
sempre era fácil.
35<br />
retratos de viseu nos anos 60<br />
Muita ronda normalmente<br />
solitária, às vezes solidária, pelos<br />
lugares que eram dela. E por<br />
vezes, chegar lá, a ela, só com<br />
uma boa cunha ou cumplicidades<br />
intermediárias de primos, amigos<br />
ou amigas. Até ao momento de<br />
aproximação, se era conseguido,<br />
havia muito a sofrer. Até doía!<br />
Depois evoluía, e às escondidas<br />
um apertão na mão, a mão na<br />
mão, o beijo mais tarde, o primeiro<br />
sempre roubado e às vezes de<br />
raspão, e um beijo a sério, de olho<br />
fechado, só mesmo lá mais para o<br />
verão. O coração saltava, saltava,<br />
saltava com tamanha emoção.<br />
Quase rebentava.<br />
Os namorados do Liceu<br />
passeavam pelo Parque, e os<br />
mais crescidos procuravam um<br />
dos bancos excelentemente<br />
colocados nos caminhos<br />
paralelos à Avenida do Liceu.<br />
Os namorados da Escola<br />
passeavam pelos terrenos da<br />
Feira de S. Mateus, e os mais<br />
crescidos visitavam a Cava de<br />
Viriato. Fora isto, corpo mais<br />
perto, junto e às vezes juntinho,<br />
só num bailinho.<br />
Ritual importante era assistir<br />
às saídas das aulas, dos<br />
colégios e, aos domingos, da<br />
Igreja dos Terceiros. Ver as<br />
meninas com os pais, muito<br />
virgens, bem comportadinhas e<br />
muito arranjadinhas a descer a<br />
escadaria, era um desfile especial<br />
que não se podia perder.<br />
Domingo não era domingo sem<br />
fato, gravata e roupa lavada!<br />
No período de aulas todos<br />
eram obrigados a frequentar<br />
a Mocidade Portuguesa (MP),<br />
uma organização nacional que<br />
pretendia abranger toda<br />
a juventude – escolar ou não –<br />
“e atribuia-se, como fins,<br />
estimular o desenvolvimento<br />
integral da sua capacidade<br />
física, a formação do carácter e a<br />
devoção à Pátria, no sentimento<br />
da ordem, no gosto da disciplina,<br />
no culto dos deveres morais,<br />
cívicos e militares” a)<br />
Pois nas tardes das quartas-<br />
-feiras e aos sábados de manhã<br />
tínhamos actividades da MP, que<br />
incluíam instrução para-militar e<br />
muito desporto com campeonatos<br />
locais, distritais e nacionais. E era<br />
nestas actividades desportivas<br />
que se constatava a grande<br />
rivalidade entre as equipas do<br />
Liceu e da Escola Comercial.<br />
Fora das aulas popularizavam-<br />
-se os gira-discos de plástico<br />
preparados para os discos de<br />
vinil com dois formatos: os EP<br />
(Extended Play, 17cm diâmetro<br />
e sensivelmente 8 minutos de<br />
música por face) de 45 rotações<br />
e os LP (Long Play, 31cm de<br />
diâmetro e cerca de 20 minutos de<br />
música por face) de 33 rotações.<br />
Os mais vulgares eram os EP com<br />
quatro faixas, duas de cada lado.<br />
E era dada uma atenção especial<br />
às capas, algumas delas ainda<br />
hoje verdadeiras obras de arte.<br />
Um novo disco era motivo para<br />
uma audição especial na casa<br />
do seu proprietário.<br />
Os aniversários davam direito a<br />
um lanche, por vezes dançante,<br />
aos fins de semana. O ambiente<br />
musical era dominado pela<br />
canção francesa, italiana, algum<br />
rock americano, novidades do<br />
twist, Elvis, Pat Boone, Paul Anka,<br />
Trini Lopez, Chuby Checker, Otis<br />
Redding, Aretha Franklin, Roy<br />
Orbison… Da língua francesa<br />
ouvia-se a música jovem de<br />
Françoise Hardy, Richard Anthony,<br />
Adamo, Claude François, Sylvie<br />
Vartan, Johnny Halliday, Hervé<br />
Vilard… De Itália todos os<br />
êxitos do Festival S. Remo com<br />
destaque para a Rita Pavoni,<br />
Gianni Morandi, Gigliola Cinquetti,<br />
Adriano Celentano, e ainda os<br />
conjuntos de “Peppino di Capri”<br />
e “Marino Marinni”. E na língua<br />
inglesa Tom Jones, Sandy Shaw,<br />
Sheila nunca podendo faltar<br />
o Cliff Richard com os “The<br />
Shadows”, com a fórmula mágica<br />
de três violas eléctricas e uma<br />
bateria. Num ou noutro Domingo<br />
lá se ia ao Cinema ver um ou outro<br />
musical, uma comédia italiana,<br />
ou o 007 - Ordem para Matar.<br />
Os Bailes de Finalistas, os Saraus<br />
no Liceu, os Bailes de Carnaval<br />
nas Associações Colectivas ou<br />
algumas festas de bairro eram<br />
sempre uma oportunidade para<br />
o desabrochar dos jovens.<br />
a)<br />
pt.wikipedia.org/wiki/Mocidade_<br />
Portuguesa
36 porViseu ’60s.<br />
.depoimento.<br />
Serafim Matos Silva<br />
Em Portugal não eram permitidos<br />
os Partidos Políticos. Só a União<br />
Nacional e a assinatura política<br />
de então era: “Deus, Pátria<br />
e Família”. Quem tentava sair<br />
desta trilogia brincava com o<br />
fogo. Os do Leste eram todos<br />
feios, porcos e muito maus!!!<br />
Ainda estava fresco o assalto<br />
ao Santa Maria e em Viseujovem,<br />
no Café Arco-Íris (Av. 28<br />
de Maio, hoje Alberto Sampaio)<br />
já havia quem tivesse o livro<br />
vermelho do Mao e lesse as<br />
poesias de Vladimir Mayakovski.<br />
Ali, encontrava-se o núcleo mais<br />
intelectual de estudantes com<br />
interesses culturais e políticos,<br />
com o cinema, pintura e poesia<br />
e música de Jazz em destaque.<br />
Desse restrito grupo, salientaram-<br />
-se nomes que extravasaram<br />
o pequeno e isolado mundo que<br />
era Viseu, nessa época. Destes<br />
salientaram-se Carlos Almeida,<br />
que com António Barreto publicou<br />
“Capitalismo e emigração em<br />
Portugal”, Prelo, Lisboa 1970,<br />
um livro marcante que ainda<br />
hoje se pode encontrar nos<br />
escaparates das livrarias<br />
nacionais e internacionais.<br />
Na poesia, matemática e filosofia<br />
salientou-se um nome: António<br />
Franco Alexandre: viveu em<br />
França, de 1962 a 1969,<br />
na cidade de Toulouse, onde<br />
estudou Matemática. Viajou<br />
para os Estados Unidos, onde<br />
continuou a estudar. Em 1971,<br />
mudou-se para a cidade de Paris.<br />
Apenas depois da Revolução<br />
dos Cravos retornou a Portugal.<br />
B.Sc. em Matemática pela<br />
Universidade de Harvard e doutor<br />
em Filosofia pela Universidade<br />
de Lisboa, desde 1975 lecciona<br />
Filosofia na Faculdade de Letras<br />
da Universidade de Lisboa. A sua<br />
poesia tem conquistado cada vez<br />
maior reconhecimento crítico.<br />
“Quatro Caprichos” recebeu o<br />
Prémio APE de Poesia e o Prémio<br />
Luís Miguel Nava; “Duende”<br />
ganhou o Prémio D. Dinis da<br />
Fundação Casa de Mateus e o<br />
Prémio Correntes d’Escritas.<br />
Na pintura emergiu José Mouga.<br />
Licenciado em Pintura pela<br />
ESBAP (C/ Louvor e Distinção,<br />
Prémio legado de Desenho<br />
Rodrigues Júnior). Residiu em<br />
Londres; Pós-Graduação em<br />
Pintura na St. Martin’s School of<br />
Art (Londres); (Prémio Stwoells<br />
of Chelsea); Director da Hoya<br />
Gallery, Londres; Visiting<br />
Lecturer de Pintura na Escola<br />
Politécnica de Newcastle-upon-<br />
-tyne; foi vários anos membro<br />
do Conselho Técnico da SNBA.<br />
Entre 1980/93 foi responsável<br />
pelo Departamento de Pintura no<br />
Ar.co e membro da Direcção. Tem<br />
desde 1986 o título de Professor<br />
Agregado da Faculdade de<br />
Belas Artes da Universidade de<br />
Lisboa. Actualmente é Professor<br />
Efectivo de Ed. Visual e Professor<br />
/ Coordenador do Curso de Pintura<br />
e Desenho do Instituto de Artes<br />
e Ofícios, da UAL. Representado<br />
em vários museus nacionais e em<br />
colecções particulares estrangeiras<br />
e portuguesas, nomeadamente,<br />
Ministério da Cultura, Centro de<br />
Arte Moderna da F.C.Gulbenkian,<br />
fez, desde 1963, um número<br />
substancial de exposições<br />
individuais e colectivas de Lisboa<br />
ao Porto, ao Brasil e Reino Unido.<br />
Em Viseu expôs no Museu Grão<br />
Vasco, na Casa Museu Almeida<br />
Moreira e na “Galeria G”.<br />
Nos mais novos, os mais<br />
atrevidos passeavam boinas<br />
à Che Guevara (Carrilho, Sobral e<br />
Pessoa), enquanto em pleno Rossio<br />
o grande Sérginho e o Bergeron<br />
discutiam, perante o ar<br />
atento do fiscal dos isqueiros<br />
e informador da PIDE, os atributos<br />
e tácticas da bola, servindo-se<br />
da sua bíblia que era o jornal<br />
“A Bola”, onde grandes ensaístas<br />
e escritores aí floresceram. Deste<br />
grupo alguns acabaram, como<br />
seria inevitável, por ser presos e<br />
politicamente condenados. Alguns<br />
enlouqueceram e morreram, outros<br />
resistiram e sobreviveram, para<br />
testemunhar esse dramático, mas<br />
maravilhoso tempo. Uma palavra de<br />
simpatia para as raparigas desse<br />
tempo que também contribuiram<br />
com a sua beleza e inteligência<br />
para a riqueza espiritual e cultural<br />
desse Viseu, já tão longínquo.
37<br />
retratos de viseu nos anos 60<br />
.depoimento.<br />
Manuel Maria Carrilho a)<br />
Refere-se sempre, quando se<br />
evocam os finais nos anos 60<br />
em Viseu, o episódio das “boinas<br />
à Guevara” que eu e um grupo<br />
de amigos usámos durante<br />
algum tempo. Muitas vezes me<br />
interroguei porque é que, no meio<br />
de tantas coisas irreverentes<br />
que então se fizeram, essa se<br />
destacou. Mas a razão é simples,<br />
ela está no significado simbólico<br />
desse gesto: não só pela sua carga<br />
revolucionária, dada a ditadura em<br />
que então se vivia, mas sobretudo<br />
pelo facto de ele ter sido assumido<br />
publicamente por um grupo de<br />
jovens estudantes liceais.<br />
Este gesto é, contudo,<br />
indissociável de um contexto que<br />
se viveu em Viseu nesses anos, já<br />
muito marcados por uma rebeldia<br />
civilizacional a que, por exemplo,<br />
“Os Tubarões” tinham dado uma<br />
expressiva forma musical. Para<br />
mim, na altura, a opção pela<br />
boina “à Guevara” teve tanta<br />
importância como tinha tido o uso<br />
do cabelo “à Beatles”, a que só<br />
uma visita surpresa a minha casa<br />
do Senhor Filipe, barbeiro do meu<br />
pai, pôs transitoriamente termo.<br />
Ou o uso de jeans – calças e<br />
blusão “Lee” –, então inexistentes<br />
em Portugal, que eu tinha pedido<br />
secretamente a uma antiga<br />
costureira da minha Avó Georgina,<br />
que vivia nos Estados Unidos, para<br />
me mandar. Em todos os casos,<br />
do que se tratava era sempre<br />
de marcar uma ruptura e de<br />
expressar um desejo de revolução,<br />
cruzando diversos tipos de<br />
reivindicações: de costumes,<br />
de imaginários e de políticas.<br />
O resto viria depois: por um lado,<br />
com as inesquecíveis aulas e<br />
conversas com Osório Mateus,<br />
José Manuel de Melo, Augusto<br />
Saraiva, entre outros.<br />
Com Augusto Saraiva confirmei<br />
o pressentimento de uma vocação<br />
que tinha começado a descobrir<br />
num período de internato no<br />
Colégio dos Beneditinos, em<br />
Lamego, graças às conversas com<br />
um homem singular, o Padre Jorge.<br />
As aulas de Augusto Saraiva<br />
eram momentos de culto e de<br />
inesperados olhares sobre a<br />
realidade, por onde passava tudo,<br />
desde os textos dos filósofos aos<br />
problemas da actualidade.<br />
E, por outro lado, com a criação<br />
de um círculo de cumplicidades<br />
extraordinárias, com o José<br />
Manuel Sobral, o Carlos Pessoa,<br />
o Alfredo Franco-Alexandre, o Zé<br />
Almeida, o Licínio, o Alvarenga...<br />
e tantos mais, que se alimentava<br />
de leituras obsessivas e de<br />
discussões intermináveis.<br />
Aos 17/18 anos, além dos<br />
romancistas e ensaístas<br />
portugueses, devorávamos<br />
Althusser, Levi-Strauss, Barthes,<br />
Foucault, etc., seguindo de perto<br />
todas as indicações que o jovem<br />
Eduardo Prado Coelho dava no<br />
suplemento cultural do Diário de<br />
Lisboa, à quinta feira.<br />
Tudo isto conheceu um epílogo<br />
em 1969, com os acontecimentos<br />
de Coimbra. Mas é também nesse<br />
ano que todos partimos de Viseu<br />
para a Universidade e para outras<br />
aventuras – umas comuns, outras<br />
mais singulares.<br />
a)<br />
www.manuelmariacarrilho.com
38 porViseu ’60s.<br />
.os.bailes.do.<br />
clube.de.viseu.<br />
1 2<br />
1.<br />
Baile no Clube de Viseu<br />
(foto Germano)<br />
2.<br />
Matiné de Carnaval, 1963<br />
No limiar dos anos 60 o interesse<br />
musical da juventude crescia<br />
alimentado pela vulgarização dos<br />
discos de vinil e o aparecimento<br />
dos gira-discos portáteis.<br />
Na música ligeira moderna<br />
estávamos na época madura<br />
do Rock ’n Roll, na moda do Hula<br />
Hoop, e no início do grande êxito<br />
“The Twist” de Chubby Checker.<br />
E a animação repercutia-se em<br />
todos os extractos da sociedade.<br />
Vieram os bailes, alguns com<br />
datas fixas como a Passagem<br />
do Ano, o Carnaval, as Festas dos<br />
Santos Populares e os Bailes dos<br />
Bombeiros Voluntários durante<br />
a Feira de S. Mateus, e outros<br />
com motivos diversos como os<br />
Bailes de Finalistas, as Festas<br />
de Aniversário e, mais tarde,<br />
os Bailes de Garagem.<br />
No Clube de Viseu era êxito<br />
garantido o Baile do Fim do Ano<br />
e a Matiné do dia 1 de Janeiro,<br />
para os mais jovens. No Carnaval<br />
ganhava tradição o Baile de<br />
Máscaras (sábado magro), o Baile<br />
de Gala (sábado gordo) e o Baile<br />
de Carnaval, na terça-feira, além<br />
de uma ou duas matinés para os<br />
mais jovens.<br />
E terá sido inspirado por estas<br />
que, em 1961/62, um grupo de<br />
jovens liderados por E. Faro,<br />
T. Madeira, F. Peixoto e<br />
Q. Cavaleiro, todos na casa dos<br />
17/18 anos, conseguiu o apoio<br />
da Direcção do Clube para a<br />
realização de matinés dançantes,
39<br />
retratos de viseu nos anos 60<br />
de 15 em 15 dias, em que a<br />
música de dança era a dos êxitos<br />
dos discos de vinil que cada<br />
grupo levava para serem tocados<br />
no gira-discos da casa. O preço<br />
de entrada era de 2$50 e mais<br />
tarde 5$00 e as receitas serviam<br />
para a compra de discos, tendo<br />
mesmo em 1962 sido adquirido<br />
um magnífico gira-discos com<br />
duas colunas acopladas. Nestas<br />
matinés cada grupo tentava<br />
“mostrar” o que melhor sabia<br />
dançar em conjunto, do Slop ao<br />
Twist, com os passos estudados<br />
e ensaiados durante a semana<br />
para serem publicamente<br />
demonstrados na matiné<br />
seguinte. Célebre ficou a música<br />
“Baby Elephant Walk” do filme<br />
HATARI (1962) com John Wayne, a)<br />
que inspirou uma coreografia<br />
de dança própria que originou<br />
muitos ensaios e que era<br />
dançada em grupo com passes<br />
cuidadosamente sincronizados.<br />
Esta coreografia manteve-se no<br />
top durante várias matinés, sendo<br />
objecto de vários encore durante<br />
a mesma tarde, com todos os<br />
dançarinos alinhados em longas<br />
filas pelo salão do Clube.<br />
a)<br />
www.imdb.com/title/tt0056059
40 porViseu ’60s.<br />
.west.<br />
side.<br />
story.<br />
Em 1961 surgiu o filme West<br />
Side Story, a) que marcou toda a<br />
juventude dessa época de ouro<br />
e de referência chamada “os<br />
60’s” e criou hábitos e modas que<br />
se reflectiram no dia-a-dia dos<br />
jovens em todo o Mundo.<br />
O enredo do filme, o formato,<br />
a qualidade musical e o casting<br />
eram excepcionais como o<br />
comprovam os inúmeros prémios<br />
recebidos, nomeadamente<br />
10 Óscares e mais de 15 outros<br />
prémios. Com um formato de<br />
opereta musical, abordando<br />
de forma inovadora o tema da<br />
emigração e integração dos<br />
jovens Porto Riquenhos em<br />
Nova Iorque, uma banda sonora<br />
assinada pelo génio Leonard<br />
Bernstein b) maestro, compositor<br />
e educador, ao tempo de todos<br />
conhecido pela televisão com a<br />
transmissão dos seus célebres<br />
Concertos CBS para Jovens com a<br />
Filarmónica de Nova Iorque, onde<br />
com uma excitação e entusiasmo<br />
únicos explicava o ABC da música,<br />
de toda a música, de qualquer<br />
tipo de música.<br />
O filme, considerado um Romeu<br />
e Julieta moderno, retrata a luta<br />
pelo controlo do território entre<br />
dois grupos de jovens rivais<br />
–“gangs”, um de Nova Iorque, os<br />
Jets, e outro de Porto Riquenhos,<br />
os Sharks. E durante um baile, um<br />
dos líderes dos Jets (Tony) cruza-<br />
-se com a Maria, irmã do líder dos<br />
Shark (Bernardo) e nasce uma
41<br />
retratos de viseu nos anos 60<br />
paixão impossível e proibida entre<br />
“gangs” rivais.<br />
Do elenco fazem parte nomes<br />
como Natalie Wood, no papel de<br />
Maria, Richard Beymer, o Tony,<br />
Russ Tamblyn, como Riff, Rita<br />
Moreno como Anita e George<br />
Chakiris, como Bernardo. Eram os<br />
principais actores de um enorme<br />
grupo que dançava, representava<br />
e cantava obras imortais como<br />
“Maria”, “Tonight”, “I Feel Pretty”,<br />
“América” e tantos outros, tudo<br />
grandes músicas que fizeram<br />
sucesso e perduram até aos dias<br />
de hoje.<br />
Foi a 23 de Abril de 1963 que o<br />
filme West Side Story estreou<br />
em Portugal. E terá sido num<br />
dos primeiros fins de semana<br />
de Junho de 1963 que o filme<br />
chegou ao Cine-Rossio de Viseu.<br />
Lembro-me bem do muito que<br />
conversámos, discutimos e<br />
fantasiámos a propósito do filme,<br />
de Nova Iorque, dos personagens,<br />
das músicas, danças e gangs.<br />
a)<br />
www.imdb.com/title/tt0055614<br />
b)<br />
www.leonardbernstein.com
42 porViseu ’60s.<br />
.grupos.e.<br />
clubes.de.<br />
garagem.<br />
1<br />
2<br />
1. 2.<br />
Cartões de membros do Tic Tac<br />
Em Viseu, os cafés também<br />
eram os lugares privilegiados de<br />
encontro e convívio dos jovens<br />
estudantes com afinidades<br />
comuns. Assim havia o Café<br />
Rossio (estudantes e bilhares),<br />
o Café Bijou (futebol), o Café das<br />
Beiras (estudantes da Escola<br />
Comercial), o Monte Branco<br />
(estudantes do Liceu), entre<br />
outros.<br />
Porventura inspirados no West<br />
Side Story alguns destes convívios<br />
deram origem a grupos com<br />
interesses específicos comuns e<br />
que eram catalogados com nomes<br />
próprios. Lembramos o grupo<br />
“Roça o tojo” do Café Rossio, com<br />
interesse nos bilhares e futebol,<br />
o grupo “Arranha Teddy Twist
43<br />
retratos de viseu nos anos 60<br />
Clube”, com a alcunha de “Os<br />
Xibos” por grande parte dos seus<br />
membros usarem pêra, sediado<br />
no Arranha-Céus onde se reuniam<br />
e ensaiavam danças como o Twist<br />
e o Slop que exibiam nas matinés<br />
do Clube de Viseu.<br />
O primeiro clube de garagem<br />
que formámos foi o “Só+2”. Teve<br />
origem durante as férias grandes<br />
num grupo de amigos de Viseu<br />
que conviviam diariamente e o<br />
local de encontro era a casa do<br />
A.A. na Avenida do Liceu frente à<br />
Rua Miguel Bombarda. Ali, numa<br />
vivenda com um grande quintal,<br />
havia muito espaço coberto e<br />
descoberto que nos permitia jogar<br />
futebol, às cartas, matraquilhos,<br />
Monopólio, entre outros. Ficava<br />
situada muito perto do Moinho<br />
de Vento, um descampado onde<br />
podíamos livremente jogar<br />
futebol e era o lugar predilecto<br />
para o início das caçadas aos<br />
gambuzinos, partida muito<br />
frequente que pregávamos aos<br />
alunos novatos recém-chegados<br />
à cidade. O Moinho de Vento<br />
situava-se numa zona que hoje<br />
seria demarcada pela Avenida<br />
do Liceu, Praça de Gôa, Rotunda<br />
Engrácia Carrilho, e a Igreja Nova.<br />
Terminadas as férias retomámos<br />
as aulas e deixou de ser possível<br />
continuar a vida de lazer que<br />
fazíamos até então. O Victor<br />
Barros veio viver para Viseu para<br />
uma casa no Massorim, na Rua<br />
Conselheiro Sousa Macedo,<br />
que dispunha de uma grande<br />
cave e a mãe do Victor, a<br />
D. Margarida Barros, sempre<br />
muito nossa amiga, permitiu que<br />
a passássemos a utilizar aos fins<br />
de semana. No meio dos primeiros<br />
fumos e catarros jogávamos à<br />
lerpa e ao King, ao Monopólio,<br />
e planeávamos as aventuras do<br />
assalto às capoeiras vizinhas,<br />
moda que começou a despontar<br />
na época.<br />
No Liceu e nos explicadores<br />
alargava-se o convívio com<br />
as raparigas. Nós, rapazes,<br />
começávamos a frequentar<br />
os cafés, lugares proibidos e<br />
impróprios para raparigas, que<br />
assim não tinham qualquer local<br />
onde pudessem estar. O seu lugar<br />
era em casa, no colégio, ou no lar.<br />
O convívio com as raparigas<br />
começou progressivamente a ser<br />
mais usual nas festas de anos, na<br />
audição de discos, ou em convívios<br />
combinados. E surge a primeira<br />
festa de aniversário de uma<br />
amiga deslocada na cidade. Logo<br />
organizámos uma festa na cave<br />
do Vitó, com baile, lanche e tudo.<br />
E nasceu a ideia de formarmos<br />
um clube só para os amigos,<br />
com algumas regras. Só podiam<br />
participar os sócios. Admissões<br />
de novos membros só se aceites<br />
por unanimidade. De modo a<br />
mantermos algum equilíbrio entre<br />
rapazes e raparigas, a admissão<br />
de novos membros só era<br />
permitida aos pares.<br />
Nasceu o “Só+2” com Sede na<br />
cave da casa do Victor Barros,<br />
que dispunha de um acesso<br />
independente através do Largo<br />
do Massorim, hoje Largo Tenente<br />
Miguel Ponces, o que nos dava<br />
alguma autonomia.<br />
Normalmente aos sábados<br />
à tarde, raparigas e rapazes<br />
encontrávamo-nos no clube,<br />
conversávamos sobre os mais<br />
variados temas, discutíamos<br />
assuntos escolares, trocávamos<br />
opiniões sobre alguma política,<br />
religião ou outros de interesse<br />
geral.<br />
Sempre que possível nós, os<br />
rapazes, arranjávamos um<br />
motivo para dançar: um novo<br />
disco que nos foi emprestado só<br />
para aquela tarde com o último<br />
êxito do Paul Anka ou do Cliff<br />
Richard, ou um novo passe de<br />
dança inventado na véspera e que<br />
deveria ser já testado.<br />
Tudo servia para quebrar o<br />
(falso) gelo (feminino) e começar<br />
a dança. Depois, com o tempo,<br />
dançar começou a ser mais fácil<br />
e chegou ao ponto de o fazermos<br />
mesmo sem gira-discos, ao som<br />
de um pequeno rádio sintonizado<br />
numa qualquer estação que<br />
transmitisse qualquer tipo<br />
de música.<br />
Começaram assim, para nós,<br />
os Bailes de Garagem.<br />
Vivíamos sempre em festa!<br />
Muito divertidos.
44 porViseu ’60s.<br />
.os.tubarões.<br />
conjunto.<br />
académico.<br />
1<br />
1.<br />
Formação Incial<br />
Setembro era o mês da Feira de<br />
S. Mateus, dos matraquilhos e<br />
das farturas, da gincana e dos<br />
preparativos para um novo ano<br />
escolar. Um mês em cheio!<br />
A mãe do Vitó (Victor Barros),<br />
a D. Margarida Barros, sempre<br />
muito nossa amiga e cúmplice,<br />
atenta aos constrangimentos<br />
que tínhamos no anterior clube<br />
“Só+2” com a utilização da cave<br />
de Massorim, decidiu mudar todo<br />
o espaço e ficar apenas com uma<br />
sala para as suas necessidades<br />
domésticas (estendal e arrumos).<br />
Assim cedeu-nos quase toda a<br />
cave da casa com duas salas e<br />
a entrada. Deu-nos a chave da<br />
porta das traseiras, o que nos<br />
permitia ter acesso directo ao<br />
espaço sem necessidade de<br />
entrarmos na habitação.<br />
Foi a nossa independência.<br />
Acabámos com o “Só+2” e<br />
criámos o “TIC-TAC”, um Clube<br />
de Garagem a sério com regras,<br />
quotas, cartão de admissão,<br />
e uma Direcção eleita com<br />
Presidente e tudo. Tratámos da<br />
decoração, criámos o bar onde<br />
servíamos bebidas e sandes e<br />
comíamos as galinhas roubadas<br />
aos fins de semana. Criámos o<br />
Cantinho, a sala mais pequena<br />
reservada às conversas mais<br />
privadas, e a pista de dança na<br />
entrada. Sempre que era possível<br />
os bailes eram às quartas e<br />
sábados à tarde ao som dos<br />
discos de vinil tocados num<br />
“fabuloso e resistente” gira-<br />
-discos portátil Teppaz-Óscar.<br />
O bar era o local de maior<br />
convívio, com lugares sentados,<br />
e onde o Fifas (António Nogueira<br />
Fernandes) dedilhava as<br />
sequências de Sol, Ré e Dó, e<br />
cantarolava o “Bye Bye Love”,
45<br />
retratos de viseu nos anos 60<br />
“Hello Mary Lou” e outros temas,<br />
e nós acompanhávamos a<br />
cantarolar uma ou outra música<br />
atrevendo-nos progressivamente<br />
a fazer segundas e terceiras<br />
vozes, à medida que aprendíamos<br />
e evoluíamos.<br />
A alcunha Fifas resulta da junção<br />
das palavras Bifas, nome dado<br />
às raparigas loiras da África do<br />
Sul, com a palavra fífias, nome<br />
dado a uma dissonância musical<br />
involuntária.<br />
O Fifas tinha regressado de<br />
Moçambique (Beira) e além de<br />
ser um grande ginasta, até fazia<br />
mortais e flic-flacs na rua, tinha<br />
muito ouvido, tocava viola e<br />
harmónica, solava e até cantava<br />
umas músicas giras, alguns<br />
êxitos recentes do Cliff Richard<br />
e dos “Shadows”, chegando a<br />
dar concertos após o jantar,<br />
para o Sr. Francisco Mendes de<br />
Barros (pai do Vitó) e todos os<br />
presentes, normalmente muitos,<br />
despertando a atenção e os<br />
aplausos de todos. Este facto<br />
foi mais um incentivo para o<br />
desenvolvimento do “TIC-TAC”<br />
pois traduzia o grande interesse<br />
cultural do nosso Clube, dando<br />
alento à criação do Conjunto.<br />
No “TIC-TAC” sempre que a viola<br />
estava livre lá aparecia um mais<br />
atrevido a tentar dedilhar um ou<br />
outro acorde. E a selecção dos<br />
músicos do conjunto foi natural<br />
e directamente proporcional<br />
ao interesse que cada um<br />
ia demonstrando com o seu<br />
envolvimento. Conseguiu-se<br />
outra viola emprestada e o Vitó<br />
começou a acompanhar o Fifas.<br />
Não tardou muito até surgir a<br />
ideia de formarmos um Conjunto.<br />
Primeira e importante tarefa foi<br />
definir quem tocava o quê. Com o<br />
saber inabalável dos 16 anos, lá<br />
se distribuíram as tarefas, duas<br />
das quais por moeda ao ar. O Fifas<br />
ficou naturalmente seleccionado<br />
como viola solo e Mestre. Para<br />
cantar foi seleccionado quem,<br />
além de uma boa voz, forte,<br />
quente ao estilo de um Tom Jones,<br />
tinha muito estilo,<br />
e mais aldrabava o inglês desde o<br />
célebre filme de West Side Story<br />
e as suas inesquecíveis melodias,<br />
que não parava de cantarolar. Tal<br />
tarefa foi atribuída ao José Merino<br />
(Zé). A viola acompanhamento<br />
ficou para o Vitó, que tinha muito<br />
ritmo, bom ouvido e facilmente<br />
descobria e fazia as segundas<br />
vozes. A viola baixo e a bateria<br />
foram distribuídas por moeda<br />
ao ar exactamente entre os dois<br />
elementos com o ouvido mais<br />
duro do grupo. O Luís Dutra, que<br />
ainda hoje não consegue assobiar<br />
uma música no mesmo tom em<br />
que a toca, ficou com a viola baixo<br />
e eu, que nunca consegui arrancar<br />
um único aplauso com a minha<br />
interpretação de “O Pato”, fiquei<br />
com a bateria.<br />
Do filme West Side Story veio<br />
a inspiração para o nome do<br />
grupo: “Os Tubarões” (The Sharks,<br />
um dos grupos do filme cujos<br />
membros e causas granjeavam<br />
maior consenso e simpatias).<br />
Nasceu assim no último trimestre<br />
de 1963 o conjunto com António<br />
Nogueira Fernandes (fundador e<br />
Mestre como viola solo, n. 1948),<br />
José Merino (vocalista, n. 1948),<br />
Victor Barros (viola ritmo, n. 1947),<br />
Luís Dutra (viola baixo, n. 1947) e<br />
Eduardo Pinto (bateria, n. 1947).<br />
Para se identificar como um<br />
conjunto musical jovem de<br />
música pop, amador, formado<br />
por estudantes, utilizava-se<br />
a designação de Conjunto<br />
Académico. E assim adoptámos o<br />
nome de “Conjunto Académico<br />
Os Tubarões”.<br />
Fazíamos os primeiros ensaios<br />
com alguns instrumentos<br />
simulados, outros emprestados,<br />
uns alternando de mão em mão,<br />
com muita vontade em aprender<br />
e muito, muito ouvido a educar.<br />
O Luís Dutra muitas das vezes<br />
simulava o baixo tocando numa<br />
viola invisível que só ele conhecia<br />
e tendo como amplificador a<br />
sua própria voz. Como bateria<br />
qualquer tampo de cadeira servia<br />
de tarola já que não éramos<br />
muito exigentes na sua afinação.<br />
Mas o Fifas não me permitia<br />
qualquer erro nos movimentos<br />
dos pés, que mesmo sem som e<br />
verdadeiramente aos pontapés<br />
no ar, ele vigiava atentamente não<br />
me deixando falhar. Só ele via o<br />
que ninguém ouvia e nos obrigava<br />
a repetir, a voltarmos ao princípio,<br />
pelo erro que só ele entendia.
46 porViseu ’60s.<br />
1<br />
1.<br />
Viola Egmond Manhattan<br />
A minha primeira bateria foi uma<br />
caixa de sapatos e as lapiseiras<br />
Bic eram as baquetas pois os<br />
lápis não serviam por serem<br />
demasiado leves.<br />
O Fifas a todos ensinava,<br />
educava, sempre bem disposto,<br />
cortês e disponível, torneando<br />
com mestria os feitios de cada<br />
um, com uma paciência sem<br />
limites. Com ou sem instrumento<br />
todos os aprendizes participavam<br />
com grande entusiasmo, mesmo<br />
nas sessões especiais de vozes<br />
em que todo o grupo ensaiava<br />
cantarolando determinada<br />
melodia apenas acompanhada<br />
pelo som de uma viola. Era muita<br />
a vontade de aprender, horas e<br />
horas de ensaios, ouvindo em<br />
conjunto vezes sem conta as<br />
músicas que queríamos tocar.<br />
O formato adoptado para o<br />
conjunto era o modelo em<br />
voga com cinco elementos:<br />
vocalista, três violas e bateria.<br />
Os progressos eram visíveis<br />
dia após dia e os acordes da<br />
primeira música começaram a ser<br />
perceptíveis pelos fãs do “TIC-TAC”.<br />
O entusiasmo criou uma<br />
mobilização grande em torno dos<br />
ensaios que deixaram de poder<br />
ser feitos no “TIC-TAC” atendendo<br />
à logística e ao espaço necessário<br />
para os instrumentos, e também<br />
aos requisitos de silêncio e<br />
concentração que obrigavam.<br />
Foi assim transferido o local<br />
dos ensaios para a Casa do Adro<br />
mesmo junto à Sé de Viseu,<br />
(onde vivia o António Júlio<br />
Valarinho, membro do clube,<br />
que era grande e tinha muito<br />
espaço disponível no r/c para<br />
ensaiarmos sem incomodarmos<br />
ninguém).<br />
Foram meses de grande afinco,<br />
perseverança, paciência, com<br />
progressos significativos visíveis<br />
e audíveis semana a semana.<br />
Entretanto soubemos do<br />
lançamento, pela Casa Ruvina<br />
do Porto, de umas violas<br />
eléctricas, formato bacalhau, a<br />
preço muito acessível (1.500$00).<br />
Tratava-se de um modelo da<br />
marca holandesa Egmond,<br />
formado por uma tábua azul<br />
em formato de viola (bacalhau)
47<br />
retratos de viseu nos anos 60<br />
com um microfone branco com<br />
dois potenciómetros, um para o<br />
volume e outro para a tonalidade.<br />
E lá engendrámos um plano para<br />
adquirirmos os dois bacalhaus<br />
que precisávamos. Foram vários<br />
os expedientes utilizados,<br />
nomeadamente o recurso à venda<br />
de moedas antigas de prata que<br />
alguns tinham em casa, e que<br />
a loja de Numismática no início<br />
da Rua Alexandre Lobo junto<br />
ao Largo Marechal Carmona,<br />
nos comprava a bom preço,<br />
pensávamos nós. Após tudo<br />
acordado com a Casa Ruvina lá<br />
foram ao Porto o Fifas e o Luís<br />
Dutra, fardados de estudantes<br />
com capa e batina, num dia muito<br />
chuvoso, buscar os bacalhaus<br />
Egmond. O regresso foi uma<br />
verdadeira aventura pois, sem<br />
dinheiro, só havia uma maneira:<br />
à boleia. Chegaram com a<br />
missão cumprida e foi para nós<br />
uma excitação pegar naquelas<br />
preciosidades. Passámos então<br />
a ensaiar com violas eléctricas<br />
a sério que usavam como<br />
amplificadores dois rádios a<br />
válvulas. E alugámos uma bateria,<br />
a primeira onde toquei, para um<br />
primeiro ensaio a sério já com<br />
todos os instrumentos.<br />
E que ensaio! Um verdadeiro “live<br />
concert” para nós próprios!!!<br />
É de salientar que a maior parte<br />
das famílias dos elementos<br />
do conjunto se conheciam<br />
e estavam a par dos nossos<br />
convívios, encontros e ambições<br />
musicais. E este aspecto<br />
facilitou muito, e sempre, as<br />
nossas movimentações já que<br />
vivíamos num ambiente de grande<br />
confiança e todos sabiam onde<br />
cada um de nós estava.<br />
Era normal jantarmos em casa<br />
uns dos outros e eram os próprios<br />
pais a propiciarem este convívio.<br />
Durante o verão muitas foram<br />
as vezes que, à boleia, fazíamos<br />
com a maior naturalidade o<br />
trajecto Viseu - S. Pedro do Sul,<br />
e por vezes, sem encontrarmos<br />
boleia, fazíamos todo o trajecto<br />
a pé. Podíamos ficar um ou dois<br />
dias uns em casa dos outros, sem<br />
qualquer problema.<br />
Tempos sem sobressaltos.<br />
Nas férias de Natal fomos até<br />
S. Pedro do Sul onde conseguimos<br />
ensaiar no Clube, por cima<br />
do Café S. Pedro, com alguns<br />
instrumentos da Banda de Lafões<br />
e a aparelhagem emprestada pelo<br />
pai do nosso amigo e colega de<br />
Liceu, José Morgado.<br />
O bombo da bateria era o da<br />
Banda, alto e magro, devidamente<br />
adaptado com um pedal que<br />
tanto balançava que se prendia<br />
nas calças, pratos do tamanho<br />
dos de loiça, e a tarola era a<br />
chamada “caixa”. Era o que<br />
havia e a que nos adaptávamos<br />
sempre no desenrasca.<br />
Esta estadia culminou com<br />
uma primeira apresentação<br />
pública completamente<br />
descomprometida no Salão<br />
do Clube de S. Pedro do Sul,<br />
e da qual ninguém se lembra<br />
(felizmente, uff!).<br />
Foi um alegre começo. Vivíamos<br />
momento a momento e, na<br />
música, não tínhamos qualquer<br />
plano ou outra intenção para além<br />
do gosto de aprender, do saudável<br />
gozo de viver momentos de<br />
alegria e de fantasias que tanto<br />
alimentavam a nossa imaginação.<br />
Nascemos assim. Saudavelmente.<br />
Com energia, interesse cultural,<br />
e amantes da música. Para a Vida.
48 porViseu ’60s.<br />
.os.tubarões.<br />
.conjunto.académico.
49<br />
retratos de viseu nos anos 60<br />
50<br />
74<br />
98<br />
127<br />
164<br />
182<br />
185<br />
188<br />
189<br />
190<br />
‘64.aprender.<br />
‘65.crescer.<br />
‘66.conquistar.<br />
‘67.consolidar.<br />
‘68.gozar.<br />
.quem.foi.quem.<br />
.paylist.<br />
.instrumentos.<br />
.e.depois.da.música.<br />
.agradecimentos.
64<br />
51<br />
53<br />
53<br />
54<br />
55<br />
56<br />
56<br />
58<br />
62<br />
68<br />
70<br />
72<br />
.aprender.<br />
.primeiro.trimestre.<br />
.viseu.pop.<br />
.os.condes.<br />
.os.diamantes.<br />
.the.kings.por.joão.correia.dos.santos.<br />
.os.ases.<br />
.os.corsários.<br />
.o.primeiro.concerto.<br />
.termas.de.s.pedro.do.sul.<br />
.dos.bailes.de.garagem.aos.da.gravata.<br />
.antónio.xavier.de.sá.loureiro.<br />
.fim.do.ano.no.hotel.grão.vasco.
os tubarões ’64 51<br />
.primeiro.<br />
trimestre.<br />
a)<br />
pt.wikipedia.org/wiki/Jorge_Costa_Pinto<br />
b)<br />
http://musicasdosanos60.blogspot.<br />
com/search/label/Conjunto%20Jorge%20<br />
Machado<br />
c)<br />
http://musicasdosanos60.blogspot.com/<br />
search/label/Sousa%20Pinto%20e%20<br />
o%20seu%20Conjunto<br />
Nos anos 60 os jovens conheciam-<br />
-se através do convívio com os<br />
filhos dos amigos dos pais, nas<br />
Escolas, nas festas de anos e nos<br />
bailes. E era tradição os finalistas<br />
dos liceus, escolas e colégios<br />
organizarem Bailes de Finalistas.<br />
A pompa e circunstância destes<br />
bailes era ditada pela categoria<br />
das atracções que os animavam.<br />
A 4 de Janeiro de 1964, no<br />
Salão de Festas do Cine-Rossio<br />
realizou-se o Baile de Finalistas<br />
do Liceu do curso 1963/64 com os<br />
Conjuntos de “Jorge Costa Pinto” a)<br />
e “Jorge Machado” b) , e na matiné<br />
o “Conjunto Sousa Pinto” c) , do<br />
Porto. Era uma festa que agitava<br />
a cidade.<br />
No mês de Dezembro os finalistas<br />
tinham cumprido o ritual da<br />
colagem dos cartazes, sempre<br />
com uma ou outra serenata<br />
que até a polícia tolerava, tal<br />
era o divertimento gerado pela<br />
desafinação, alguns exageros,<br />
ou mesmo tropeções por excesso<br />
de garrafão. Este cerimonial<br />
da colagem dos cartazes com<br />
o programa das festas dos<br />
finalistas ocorria normalmente<br />
depois da festa do 1.º de<br />
Dezembro, dia da Restauração,<br />
no Ginásio do Liceu, local que<br />
servia como sala de espectáculos<br />
da casa.<br />
E o Baile de Finalistas, qual festa<br />
de debutantes, com a presença<br />
dos pais e familiares vestidos<br />
a rigor, tinha um ritual com a<br />
música de abertura, com pares<br />
sorteados e alguns negociados<br />
pelos namorados ou candidatos,<br />
devidamente ensaiados para não<br />
haver tropeção.
52 porViseu ’60s.<br />
Uma grande encenação.<br />
Geralmente duas semanas<br />
depois do Baile ocorria o Sarau no<br />
Ginásio do Liceu, um espectáculo<br />
de variedades organizado pelos<br />
Finalistas, que incluía canto,<br />
declamação, teatro e variedades,<br />
e em que os actores e artistas<br />
eram os próprios finalistas.<br />
O Carnaval foi a 11 de Fevereiro.<br />
Os dois conjuntos mais famosos<br />
da cidade eram “Os Diamantes”,<br />
formados pelo Fausto no<br />
acordeão, Quim Guimarães na<br />
viola solo, o Norton na viola<br />
ritmo, o Gualter no contrabaixo<br />
e o Carlos na bateria, e<br />
“Os Condes”, liderados por Camilo<br />
Costa, filho do Maestro Mário<br />
Costa. Eram os conjuntos mais<br />
solicitados para animarem as<br />
festas de Carnaval da cidade.<br />
“Os Diamantes” fizeram o<br />
Carnaval do Clube de Viseu e o<br />
Camilo Costa virou empresário,<br />
fez um acordo com o Cine-<br />
-Rossio na base da consignação<br />
da bilheteira, e promoveu a<br />
realização do Carnaval no Cine-<br />
-Rossio, tendo-nos contratado<br />
como segundo conjunto.<br />
Para nós era uma verdadeira<br />
aventura já que íamos tocar<br />
com um conjunto a sério, com<br />
instrumentos a sério, perante um<br />
público a sério, e com uma curta<br />
playlist. Mas o Camilo Costa e<br />
o Alberto Carrilho, o nosso road<br />
manager, lá nos convenceram.<br />
Felizmente não teve muita<br />
promoção e a noite de sábado,<br />
8, não foi famosa em público.<br />
Saímos cedo e ao passarmos<br />
no Rossio resolvemos ir até ao<br />
Clube onde a festa animava.<br />
Num intervalo, o Gualter dos<br />
Diamantes perguntou-nos se não<br />
queríamos tocar umas músicas.<br />
E lá fomos para o palco, tocámos<br />
duas ou três músicas, recebemos<br />
os primeiros aplausos de um<br />
público muito tolerante que nos<br />
olhava como miúdos.<br />
E fomos convidados para<br />
voltarmos na Matiné de Carnaval,<br />
o que aconteceu, então já com<br />
menos agrado dos “Diamantes”.<br />
Foi o nosso primeiro Carnaval<br />
a tocar, ainda a brincar.
os tubarões ’64 53<br />
vez também tinha um conjunto<br />
musical “Os Condes”. Mantinha-se<br />
no auge da música ligeira<br />
o conjunto “Os Diamantes”,<br />
o mais solicitado para as festas<br />
e bailes da cidade.<br />
.viseu.pop.<br />
1<br />
1.<br />
Conjunto Mário Costa com Gualter<br />
(rabecão), Quim Guimarães (viola),<br />
António Correia (violino), Fausto<br />
(acordeão) e Mário Costa (piano)<br />
Já referi a importância do Maestro<br />
Mário Costa na vida musical de<br />
Viseu nos anos 50 e 60.<br />
Além de toda a actividade musical<br />
que exerceu como professor<br />
e executante, a ele se deve<br />
a descoberta de alguns dos<br />
talentosos músicos e conjuntos<br />
que viemos a encontrar nos<br />
anos 60.<br />
O sucesso da música pop<br />
alastrava em todo o mundo<br />
e chegava a Viseu como o<br />
comprovam os grupos musicais<br />
que entretanto apareceram.<br />
A Escola de Acordeões Mário<br />
Costa mantinha as suas<br />
actividades agora liderada pelo<br />
filho mais velho do Maestro,<br />
o Sr. Camilo Costa, que por sua<br />
.os.condes.<br />
Dando sequência ao excelente<br />
trabalho musical de Mário Costa,<br />
Camilo Costa, o seu filho mais<br />
velho, além de dirigir a Escola<br />
de Acordeões formou o conjunto<br />
“Os Condes”, com alguns dos<br />
elementos da famosa Orquestra<br />
Cine-Jazz do seu pai. “Os Condes”<br />
terão sido formados em 1960<br />
e durado até 1964, com um<br />
repertório tradicional de música<br />
ligeira para dançar.<br />
Camilo Costa ao piano liderava<br />
o quinteto que tinha ainda<br />
bateria, contrabaixo, viola e<br />
o famoso violino de António<br />
Correia, virtuoso executante que<br />
acompanhou durante muitos anos<br />
a Orquestra Cine-Jazz de Mário<br />
Costa.
54 porViseu ’60s.<br />
2.<br />
Conjunto “Os Diamantes”<br />
com Norton (viola), Fausto (acordeão),<br />
Carlos (bateria) e Gualter (rabecão)<br />
3.<br />
Casaco de “Os Diamantes”<br />
2<br />
3<br />
.os.diamantes.<br />
Em 1961, na Escola Comercial<br />
e Industrial de Viseu, hoje<br />
Emídio Navarro, realizou-se uma<br />
festa com teatro e variedades.<br />
Reuniram-se então vários<br />
músicos, entre os quais o<br />
Fausto, excelente no acordeão,<br />
o Gualter, vocalista com boas<br />
interpretações dos êxitos de Paul<br />
Anka como “You are my destiny”<br />
e “Diana”, o Quim Guimarães que<br />
já era famoso com a sua viola de<br />
caixa a interpretar “Os Cavaleiros<br />
do Céu”, e ainda dois outros<br />
elementos, um baterista e um<br />
contrabaixista, para participarem<br />
na festa e acompanharem<br />
outros alunos. Apresentaram-se<br />
como o Conjunto “Os Petas”,<br />
e até chegaram a fazer fotos<br />
promocioniais, mas para além da<br />
actuação na Festa da Escola não<br />
se conhecem outras actuações.<br />
Os três jovens Fausto, Gualter<br />
e Quim Guimarães vieram mais<br />
tarde a formar o conjunto<br />
“Os Diamantes”, depois de terem<br />
passado pelo Cine-Jazz de<br />
Maestro Mário Costa.<br />
Nos “Os Diamantes” o Gualter<br />
começou a treinar o rabecão,<br />
coisa que assumidamente nunca<br />
aprendeu, apesar do malabarismo<br />
que imprimia ao seu instrumento<br />
fazendo-o rodar com alguma<br />
perícia e o Fausto ao piano, sem<br />
nunca largar o seu acordeão,<br />
suspenso num suporte feito<br />
de propósito e à sua medida,<br />
o qual lhe dava liberdade para<br />
grandes fantasias musicais<br />
com enorme alegria em palco.<br />
Aos três juntaram-se o Carlos,<br />
vocalista romântico também<br />
iniciado na Orquestra de Mário<br />
Costa, que se foi adaptando à<br />
bateria, e o Norton, colega do<br />
Quim Guimarães na Escola Emídio<br />
Navarro, sempre muito certinho<br />
na sua viola de acompanhamento.<br />
O seu posicionamento era<br />
genuinamente um conjunto<br />
de música de Baile, com um<br />
repertório actualizado com alguns<br />
dos grandes êxitos da música<br />
ligeira da época.<br />
A carreira musical de<br />
“Os Diamantes” ocorreu entre<br />
1961 e 1964.
os tubarões ’64 55<br />
.the.kings.<br />
por João Correia dos Santos<br />
Iniciaram-se os anos 60<br />
e com eles apareceram grupos<br />
e roqueiros que revolucionaram<br />
a música em todo o Mundo com<br />
grande repercussão também em<br />
Viseu, cidade pacata e puritana,<br />
arreigada aos bons costumes<br />
e isolada no interior de um País<br />
a despertar.<br />
O grande “revolucionário” do Rock<br />
foi sem dúvida Elvis Presley com a<br />
sua música e interpretação.<br />
Na juventude de então havia um<br />
seguidor fiel desse ídolo - Beto<br />
Gonçalves. Nas reuniões de<br />
amigos e festas particulares o<br />
Beto mostrava o seu talento,<br />
com uma voz maravilhosa e com<br />
um jeitão para os requebros<br />
de corpo que tão bem imitava<br />
quase parecia o “original”. No seu<br />
grupo restrito de amigos havia<br />
dois que se destacavam, não só<br />
pelo mesmo gosto da música,<br />
mas também no género – Elvis<br />
e “Beatles” – eu e António Jorge<br />
Ramos Soares. Até aqui éramos<br />
dois bons desportistas, que<br />
representavam o Liceu de Viseu<br />
em várias modalidades contra o<br />
eterno “rival” Escola Comercial<br />
e praticavam atletismo com o<br />
saudoso Sr. Madeira.<br />
O gosto pelas baladas juntou-me<br />
por várias vezes ao Soares num<br />
dueto “perfeito” que despertou o<br />
interesse do Beto na junção dos<br />
dois estilos, onde começámos a<br />
verificar que tínhamos umas vozes<br />
que combinavam na perfeição.<br />
Daí o aparecimento do trio<br />
“The Kings”!!!!<br />
A nossa primeira actuação ocorre<br />
num Sarau do Liceu de Viseu, pela<br />
comemoração do 1º. de Dezembro<br />
de 1961 e que era, na época, um<br />
acontecimento de “vulto” na<br />
cidade. O Beto actuou a solo, bem<br />
como eu e o Soares, em dueto,<br />
e no fim do Sarau actuamos em<br />
conjunto – aqui nasceram os<br />
“The Kings”.<br />
Um episódio pitoresco aconteceu:<br />
no ensaio geral, presenciado e<br />
censurado pelo Sr. Reitor, o Beto<br />
cantou uma música do Elvis “Blue<br />
Sweet Shoes” com uma atitude<br />
de menino bem comportado sem<br />
qualquer gesto mais ousado.<br />
No Sarau, com a “casa” cheia e<br />
todos a puxar por ele, tirou o seu<br />
melhor com requebro de anca<br />
e perna e o Ginásio “foi abaixo”.<br />
Embalados pelo sucesso do Beto<br />
o trio “The Kings” também primou<br />
pela sua interpretação e foi um<br />
final só visto. Escusado será dizer<br />
que no dia seguinte estávamos<br />
na Reitoria com ameças de<br />
suspensão ou mesmo expulsão<br />
pela afronta à moral pública...<br />
Com este sucesso começámos a<br />
encarar a sério uma “carreira” do<br />
trio. Começaram os ensaios no<br />
Orfeão de Viseu, com a orquestra<br />
do Orfeão, composta na altura<br />
pelo Quim Guimarães na viola solo,<br />
Gualter no contrabaixo, Carlinhos<br />
na bateria e não sei se o Sr. Mário<br />
Costa ao piano.<br />
Eram ensaios diários. O repertório<br />
era baseado em músicas do<br />
Elvis, dos “Beatles” e do duo<br />
“Os Conchas”, com muito<br />
sucesso na altura e ainda dois<br />
ou três originais. Começaram<br />
as digressões com o Orfeão de<br />
Viseu pela Figueira da Foz, Aveiro,<br />
Guarda, S. João da Madeira,<br />
Espinho (as que me lembro), bem<br />
como nas Festas do Liceu, sempre<br />
com uma óptima aceitação e<br />
sucesso que nos levou a pensar<br />
em editar um disco.<br />
Na altura, a Valentim de Carvalho<br />
era a editora da moda que apoiava<br />
os grupos rock. Num contacto<br />
informal e depois de terem ouvido<br />
umas gravações acabaram por<br />
nos dizer que – sim senhor –<br />
mas as despesas correriam por<br />
nossa conta. Foi o abandonar do<br />
projecto...<br />
Esta linda e saborosa loucura<br />
durou de 61 a 63. O Beto saiu de<br />
Viseu. O Soares foi para outras<br />
“núpcias”. Eu, João, acabei por ir<br />
estudar para Lisboa... Foi muito<br />
bom enquanto durou...<br />
Recordo, com muitas saudades e<br />
carinho os maravilhosos anos que<br />
se passaram em Viseu, que BELA<br />
Juventude, nos anos 60.
56 porViseu ’60s.<br />
.os.ases.<br />
.os.corsários.<br />
4.<br />
“Os Ases” com Carlos Alberto (piano),<br />
Mesquita (acordeão), Barreira (bateria)<br />
e Fernandito (viola)<br />
5.<br />
“Os Corsários” com Abel Boavida ,<br />
Nascimento, Mesquita, Jé Figueiredo,<br />
Carlos Assunção e Fernandito<br />
6.<br />
“Os Corsários” com Carlos Assunção,<br />
Fernandito, Jé Figueiredo, Mesquita<br />
e Norton<br />
4<br />
5<br />
6<br />
Formados no início de 1964<br />
por elementos provenientes da<br />
Orquestra Juvenil de Acordeões<br />
Mário Costa, designadamente<br />
o Luís Mesquita (o filho mais<br />
novo do Maestro) ao acordeão,<br />
e o Carlos Alberto Sá Loureiro ao<br />
piano, o Fernando Marques Dias<br />
(Fernandito) na viola baixo e o<br />
Barreira na bateria. Não tinham<br />
vocalista e o seu repertório<br />
instrumental era baseado<br />
na música ligeira tradicional.<br />
Actuaram no Clube de Viseu.<br />
A sua vida musical durou até<br />
ao último trimestre de 1964.<br />
“Os Corsários” formaram-se<br />
no último trimestre de 1964<br />
integrando o Luís Mesquita ao<br />
piano, e o Fernando Marques Dias<br />
(Fernandito) na viola solo, ambos<br />
ex-Ases, o Carlos Assunção<br />
na viola baixo, o José Figueiredo<br />
(Jé) na viola acompanhamento,<br />
o José Nascimento na bateria,<br />
e o Abel Boavida como vocalista.<br />
Em 1965 entrou o Norton para<br />
viola solo, o Fernandito passou<br />
a viola acompanhamento, o Jé<br />
passou a vocalista e mais tarde,<br />
com a saída do Nascimento,<br />
passou para a bateria.
os tubarões ’64 57<br />
E esta foi a formação estável que<br />
permaneceu até ao final da sua<br />
vida musical. Era um conjunto<br />
assumidamente de música<br />
Pop com a sua composição<br />
instrumental baseada em três<br />
violas, bateria e teclas.<br />
Em 1965 participaram numa<br />
sessão ié-ié no Salão do<br />
Cine-Rossio com “Os Tubarões”.<br />
Actuaram por inúmeros locais na<br />
região até 1968 quando o serviço<br />
militar obrigatório chamou alguns<br />
dos seus elementos.<br />
Reagruparam-se no ano 2000<br />
numa atmosfera de prazer tendo<br />
actuado em diversas festas e a<br />
28 de Setembro de 2002 fizeram<br />
parte do elenco da festa<br />
“Os Melhores Anos” onde<br />
actuaram juntamente com o José<br />
Cid e a Orquestra “Os Melhores<br />
Anos”.
58 porViseu ’60s.<br />
.o.primeiro.<br />
concerto.<br />
1<br />
1. 2.<br />
Estreia no Clube de Viseu,<br />
26 de Abril<br />
2<br />
Quase todos os dias,<br />
normalmente depois das aulas,<br />
passávamos pelo nosso clube de<br />
garagem o “TIC-TAC”. Aos sábados<br />
tínhamos quase sempre audição<br />
de novos discos e por vezes baile<br />
com ensaios de passes para as<br />
danças das matinés do Clube<br />
de Viseu. Quanto ao conjunto,<br />
continuávamos a ensaiar na Casa<br />
do Adro. Como instrumentos<br />
tínhamos as duas violas<br />
holandesas Egmond Manhattan,<br />
uma viola acústica, a caixa de<br />
sapatos e, quando podíamos,<br />
uma bateria alugada ou<br />
emprestada, mesmo só com<br />
a tarola e um prato.<br />
A nossa playlist iniciou-se com<br />
alguns dos êxitos do Cliff Richard<br />
incluindo, entre outras, as<br />
seguintes músicas: “Evergreen<br />
tree”, “The young ones”, “Bachelor<br />
boy”, “Living doll”, “A girl like you”,<br />
“When the girl in your arms”.<br />
Dos Shadows, só soladas, como<br />
“Perfídia”, “Apache”, “Guitar<br />
Tango”, “Peace Pipe”, “Dance On”<br />
e “Sleep Walk”.<br />
Do Elvis ensaiávamos o “It’s now<br />
or never”, “Tutti frutti”, “Be-bop-alula”.<br />
E também outros êxitos da<br />
época como o “Oh Carol” do Neil<br />
Sedaka, “América”, “La Bamba”<br />
e o “If I had a hammer” do Trini<br />
Lopez, o “Bye bye love”, The Everly<br />
Brothers, “When the saints go<br />
marching in”, Louis Amstrong,
os tubarões ’64 59<br />
“Hello Mary Lou”, Ricky Nelson,<br />
e o “Derniers Baisers” dos “Les<br />
Chats Sauvages”. Incluíamos<br />
ainda algumas outras músicas<br />
instrumentais como as “Crianças<br />
do Pireu”, e o Charleston que<br />
eram sempre bem acolhidas<br />
pelo público, gerando alguma<br />
animação na pista. Um pouco<br />
mais tarde, as músicas dos<br />
“Beatles”.<br />
Foi em Março de 1964 que a<br />
Radio Caroline, a mais famosa<br />
estação clandestina de rádio,<br />
iniciou as suas emissões a<br />
partir de um barco localizado<br />
em águas internacionais ao<br />
largo do Reino Unido. Foi criada<br />
com o objectivo de promover a<br />
novíssima música Pop e os novos<br />
conjuntos musicais que as rádios<br />
tradicionais não passavam, e<br />
algumas até, boicotavam.<br />
A Radio Caroline lançou os<br />
novos conjuntos, discos, singles<br />
e elaborava uma classificação<br />
semanal dos êxitos através<br />
do seu Top Ten. Foi esta a rádio<br />
que promoveu os “Beatles”,<br />
“Rolling Stones”, “Who”, “Animals”,<br />
“Searchers”, “Kinks”, “Manfred<br />
Man”, “Hollies”, “Birds” e muitos<br />
outros, com os lançamentos<br />
antecipados dos seus novos<br />
singles. Tinha um tipo de locução<br />
muito viva e dinâmica que<br />
contrastava com a voz pautada<br />
e respirada da escola de rádio<br />
tradicional.<br />
E nós por cá sintonizávamos<br />
em FM o programa “23.ª Hora”,<br />
um programa da nova geração,<br />
dinâmico e com muita audiência<br />
junto das camadas jovens,<br />
e um pouco mais tarde o<br />
“Em Órbita”, no Rádio Clube<br />
Português. A música Pop ganhava<br />
definitivamente o estrelato.<br />
Em Abril reiniciaram-se as<br />
matinés quinzenais no Clube de<br />
Viseu, sempre aos domingos,<br />
agora organizadas pelo grupo<br />
“Arranha Teddy Twist Club”,<br />
mais conhecidos por “Os Xibos”<br />
liderados pelo O. Martins,<br />
F. Matos, Palhoto e J. Barreiros.<br />
Era o grupo mais próximo<br />
do nosso, cerca de um ano
60 por.Viseu ’60s.<br />
lectivo mais adiantados, e que<br />
acompanhavam à distância as<br />
notícias sobre a evolução do<br />
conjunto. Surgiu então a ideia<br />
de se organizar uma matiné<br />
dançante para a apresentação<br />
pública de “Os Tubarões” junto do<br />
seu público alvo. Aconteceu<br />
a 26 de Abril com instrumentos<br />
e aparelhagens emprestados, em<br />
que ainda um dos nossos rádios<br />
serviu de amplificador da viola<br />
ritmo do Victor.<br />
Foi uma tarde memorável,<br />
um grande sucesso com sala<br />
esgotada, que gerou uma boa<br />
receita a qual permitiu o arranjo<br />
do gira-discos do clube, que já<br />
apresentava sinais de algum<br />
cansaço. Fizémos dois takes de<br />
cerca de uma hora cada com<br />
um intervalo e, no final, alguns<br />
encore, naturalmente a pedido<br />
do público. Dessa data e para a<br />
posteridade ficou esta foto com o<br />
nosso primeiro grupo de amigas,<br />
fãs e admiradores.<br />
Na foto podem ver-se, de cima<br />
para baixo, da esquerda para<br />
a direita: Sá, António Júlio<br />
Valarinho, Tó Fernandes, Tito,<br />
Eduardo Pinto, Cristiano<br />
e mais atrás o Luís Mesquita<br />
e o Carlos Alberto ao tempo do<br />
conjunto “Os Ases” com quem<br />
partilhámos alguns instrumentos<br />
e equipamentos. Ao meio,<br />
da esquerda para a direita:<br />
Zé Sacadura, Luís Dutra, Vitó,<br />
Zé Merino e Frederico.<br />
Em pé, da esquerda para a direita:<br />
Lena Viegas, Graça Ébil, Anita,<br />
Manuela, Helena, Teresa Guerra,<br />
Alcina e Dulce.<br />
Este sim foi para nós o nosso<br />
verdadeiro baptismo de palco,<br />
o nosso primeiro concerto<br />
público, num palco de boas<br />
memórias onde voltámos a actuar<br />
inúmeras vezes.<br />
3<br />
3.<br />
Grupo de amigos no Clube de Viseu.<br />
26 de Abril
os tubarões ’64 61<br />
Regressámos à vida escolar<br />
com alguns ensaios aos fins de<br />
semana, e começámos a ponderar<br />
como e onde poderíamos actuar<br />
nas férias de Verão.<br />
O Beto Carrilho lembrou-se dos<br />
seus amigos da Figueira da Foz e<br />
prontificou-se a ir até lá pesquisar<br />
o mercado. E assim foi. Dotado<br />
de escassas mas generosas<br />
ajudas de custo angariadas por<br />
todos os elementos do conjunto,<br />
assumidas como um bom<br />
investimento, que seguramente<br />
permitiriam sobreviver dia<br />
e meio sem ter de pedir,<br />
e assegurada a dormida onde se<br />
conseguisse arranjar, lá fizemos<br />
as recomendações convenientes<br />
de modo a que não fosse aceitar<br />
qualquer boleia sem verificar as<br />
condições da viatura onde se ia<br />
meter. Certo, certo, é que o Beto<br />
Carrilho após tal experiência<br />
nunca mais foi o mesmo e terá<br />
sido este o primeiro passo de<br />
uma carreira comercial de grande<br />
sucesso. Sucesso pessoal, já<br />
que para o conjunto, contratos,<br />
receitas, pouco. Algumas<br />
ameaças… Mas da Figueira, nada.<br />
Nós nunca o soubemos e ele hoje<br />
ainda não se lembra por onde<br />
andou…<br />
Chegado o Verão e sem contratos<br />
à nossa dimensão lembrámo-nos<br />
de S. Pedro do Sul e das suas<br />
famosas Termas, terra natal do<br />
Vitó, e local de veraneio nacional<br />
com grande frequência e alguma<br />
animação no Verão.<br />
Em boa hora.
62 porViseu ’60s.<br />
.termas.<br />
de.s.pedro.<br />
do.sul.<br />
1<br />
1.<br />
Termas de S. Pedro do Sul<br />
2.<br />
No acampamento com Vitó, Tó Fifas,<br />
Zé Merino e Tó Ventura<br />
a)<br />
http://www.inatel.pt/unidhoteleira.<br />
aspx?menuid=677<br />
2<br />
S. Pedro do Sul foi uma vila à<br />
qual o nosso conjunto teve uma<br />
grande ligação. Era uma terra<br />
onde alguns de nós tínhamos<br />
familiares e (no Verão), as Termas<br />
eram um local de veraneio onde<br />
famílias inteiras iam passar férias<br />
e fazer os seus tratamentos, que<br />
também atraíam muitos turistas<br />
aos fins de semana. A família<br />
do Vitó era de S. Pedro do Sul<br />
onde tinha uma casa enorme<br />
com inúmeras divisões. Os pais<br />
do Vitó, Sr. Francisco Mendes<br />
de Barros e D. Margarida Barros,<br />
eram grandes companheiros dos<br />
filhos e adoravam ter sempre<br />
a casa cheia com amigos e os<br />
amigos dos filhos. E tratavam os<br />
amigos dos filhos como filhos e<br />
todos nos sentíamos bem num<br />
ambiente muito acolhedor. Era<br />
vulgar surgirem repentinamente<br />
dezenas de pessoas e todos se<br />
sentavam à mesa, havia sempre<br />
lugar para mais uns. Os serões<br />
eram animados pois havia sempre<br />
alguém que se sentava ao piano<br />
e aconteciam tertúlias musicais<br />
muito divertidas. Boa atmosfera!<br />
Com um convívio cada vez mais<br />
estreito entre nós, lá íamos<br />
muitas vezes no Verão até àquela<br />
simpática vila de onde, a pé,<br />
facilmente se percorriam os 3km<br />
de estrada até às Termas. As<br />
Termas de S. Pedro do Sul, com<br />
nascentes sulfurosas de água a<br />
68º, têm muita fama desde os<br />
tempos Romanos, tendo sido<br />
frequentadas por reis e rainhas<br />
como D. Afonso Henriques (1169)<br />
e a Rainha D. Amélia (1894),<br />
entre outros. Têm muitos clientes<br />
habituais que anualmente<br />
por ali passam uma ou duas<br />
semanas acompanhados das<br />
respectivas famílias. Vive-se<br />
um óptimo ambiente, calmo e<br />
pacato, aprazíveis arredores<br />
que propiciam agradáveis<br />
passeios junto da natureza,<br />
boa gastronomia, uma praia<br />
fluvial muito agradável e uma<br />
oferta hoteleira diversificada<br />
que inclui um hotel do INATEL<br />
situado no antigo Palace Hotel,<br />
condições que cativam muitas<br />
pessoas que sempre que podem<br />
ali regressam. A povoação ocupa<br />
as duas margens do Rio Vouga<br />
e, ao tempo, o picadeiro era feito<br />
na estrada local, em forma de U,<br />
começando na margem direita<br />
junto ao Hotel Lisboa, frente<br />
ao qual havia um complexo<br />
desportivo onde se praticava<br />
ténis e se tinha acesso à melhor<br />
praia fluvial local, onde se<br />
podiam alugar pequenos barcos<br />
de recreio e gaivotas, seguia<br />
até à ponte ladeada por outras<br />
unidades hoteleiras.<br />
Do lado esquerdo, mesmo<br />
antes da ponte, ficava o Hotel<br />
Vouga, com um piano no bar<br />
onde o nosso amigo Borges, um<br />
verdadeiro animador e contador<br />
de histórias, dava verdadeiros<br />
concertos que atraíam muito<br />
público de dentro e de fora do
os tubarões ’64 63<br />
hotel, o que nos facilitava entrar<br />
em conversa com os novos grupos<br />
de turistas. Antes ainda da ponte,<br />
no gaveto à direita, ficava a<br />
Pensão David, célebre pela sua<br />
cozinha em que a vitela de Lafões<br />
atingia a cotação mais elevada. Já<br />
na ponte, também do lado direito,<br />
havia um caminho de acesso a<br />
um antigo moinho cuja cobertura<br />
foi cimentada permitindo que<br />
tal espaço fosse adaptado e<br />
transformado na primeira boîte<br />
local gerida pelo Carlos Barbosa,<br />
onde viemos a tocar mais tarde.<br />
Passada a ponte seguia-se pelo<br />
lado esquerdo acompanhando<br />
outra unidade hoteleira frente à<br />
qual ficava o jardim fronteiro aos<br />
Balneários Rainha D. Amélia,<br />
ao tempo também chamado<br />
Casino por ali ter funcionado<br />
um nos finais do Século XIX,<br />
princípios do Século XX.<br />
Voltando à rua que acompanha<br />
a margem esquerda do Vouga<br />
com várias unidades hoteleiras<br />
de ambos os lados, seguia-<br />
-se o Balneário de D. Afonso<br />
Henriques à esquerda e um largo<br />
terreno a descer até ao rio, muito<br />
utilizado para piqueniques e<br />
acampamentos. Frente a este, do<br />
lado direito, o antigo e imponente<br />
Palace Hotel, ao tempo ocupado<br />
pela FNAT, hoje INATEL a) .<br />
Todo este trajecto entre o<br />
Hotel Lisboa e a FNAT formava<br />
o picadeiro onde os turistas<br />
passeavam após o jantar, nas<br />
noites quentes de verão tornadas<br />
mais amenas neste passeio à<br />
beira-rio.<br />
Pois no verão de 1964 voltámos<br />
a S. Pedro do Sul e logo nos<br />
constou estar um bom turno nas<br />
Termas. Na nossa linguagem um<br />
bom turno era aquele onde havia<br />
muitas miúdas da nossa idade<br />
e, de preferência, giras. E esta<br />
informação era transmitida pelos<br />
“olheiros” no Café Edgar após<br />
a chegada do respectivo turno:<br />
“Está um turno nas Termas que é<br />
um espectáculo”; ou “Este turno<br />
é uma merda. Só velhos!...” eram<br />
as classificações normalmente<br />
atribuídas a cada turno, e que<br />
diziam tudo o que era importante<br />
sobre os mesmos.
64 porViseu ’60s.<br />
Após o jantar em casa do Vitó e<br />
depois de duas ou três músicas<br />
interpretadas pelo Borges no<br />
piano, lá íamos estrada fora até às<br />
Termas. Primeiro passo era tomar<br />
o café no Hotel Vouga.<br />
O Borges avançava, primeiro com<br />
conversa e depois ao piano, e o<br />
público começava logo a aparecer.<br />
Conversa atrás de conversa lá nos<br />
cruzámos com um grupo muito<br />
simpático e sorridente de Lisboa<br />
liderado pela simpática Vimena,<br />
com a Carla, a Ana e outros.<br />
E a coisa se não faiscou deu bons<br />
sinais luminosos para os dias<br />
seguintes.<br />
Já depois da meia noite, no<br />
regresso a S. Pedro, ponderadas<br />
as circunstâncias do início do<br />
turno deste grupo, a distância a<br />
fazer diariamente até às Termas,<br />
e o facto de estarmos em férias<br />
há algum tempo sem tocarmos,<br />
impeliram-nos a programarmos<br />
um acampamento para aqueles<br />
lados. E assim aconteceu.<br />
Duas tendas, fogões a petróleo,<br />
roupa e cobertores e lá montámos<br />
o nosso acampamento junto ao<br />
rio, no largo fronteiro ao INATEL.<br />
Esta localização não foi escolhida<br />
à toa já que, com a amizade<br />
e cumplicidade do Carlos<br />
Alexandre, filho do Administrador<br />
da FNAT, utilizávamos, um pouco<br />
às escondidas e durante a<br />
hora do almoço dos hóspedes,<br />
os balneários do Palace Hotel<br />
o que nos permitia fazer a nossa<br />
higiene, já que no acampamento<br />
não havia energia nem água<br />
corrente. Mas tínhamos o<br />
equipamento mínimo necessário<br />
para a nossa aventura de<br />
campistas com máquinas<br />
a petróleo para cozinharmos,<br />
alguns utensílios culinários<br />
e alguns géneros alimentícios<br />
que, quando faltavam, eram<br />
abastecidos pela casa do Vitó.<br />
À noite lá íamos até ao picadeiro<br />
namoriscar as meninas e, quando<br />
regressávamos, recorríamos<br />
a pilhas para iluminarmos<br />
o caminho para os nossos<br />
aposentos à beira-rio.<br />
O que é certo é que conquistámos<br />
o primeiro grupo de fãs a nível<br />
nacional, já que as meninas de<br />
Lisboa, mesmo sem nos terem<br />
ouvido cantar começaram a ir<br />
na nossa conversa. Lá devem ter<br />
imaginado que sendo tão bons<br />
na conversa não deveríamos ser<br />
piores nas cantigas…<br />
Foi ainda através do Carlos<br />
Alexandre que conseguimos<br />
um acordo com a FNAT que nos<br />
veio permitir ensaiar no Salão<br />
de Festas, sempre em horários<br />
pré-determinados para não<br />
afectarmos o descanso dos<br />
hóspedes. Em troca teríamos de<br />
animar a festa final de cada turno,<br />
normalmente quinzenais. E assim<br />
foi. Lá nos fomos preparando para<br />
a primeira festa, alugámos as<br />
aparelhagens na Casa Morgado<br />
em S. Pedro do Sul e a bateria<br />
em Viseu no nosso fornecedor<br />
habitual. Era uma bateria antiga<br />
constituída por um timbalão e um<br />
prato directamente suspensos<br />
no bombo, não desmontáveis,<br />
e pela tarola que tinha uma<br />
lâmpada eléctrica no seu interior<br />
para esticar a pele genuína e<br />
mal curtida. O seu transporte<br />
era complicado pelo grande<br />
volume, e o seu aluguer custava<br />
80$00. O Sr. Leopoldo, alfaiate<br />
em Viseu no Largo Marechal<br />
Carmona, confeccionou a primeira<br />
indumentária do conjunto<br />
composta por calças brancas com<br />
uma lista lateral preta e t-shirt<br />
branca; para o vocalista igual<br />
indumentária mas toda em preto<br />
com a lista das calças branca.<br />
As t-shirts tinham um grande<br />
emblema oval bordado a cores na<br />
Singer em Viseu com um T grande<br />
desenhado pelo Zé Merino. Estas<br />
t-shirts eram o orgulho do Beto<br />
Carrilho, talvez por terem sido<br />
bordadas na loja do pai.<br />
Começámos os ensaios diários<br />
musicais e incluímos alguma<br />
coreografia nalgumas músicas,<br />
nomeadamente na de abertura<br />
do concerto. E este aconteceu<br />
integrado na festa de fim do 1.º<br />
turno de Agosto com o Salão de<br />
Festas completamente esgotado,<br />
que contou ainda com a presença<br />
de um grupo de fãs de Viseu<br />
liderados pelo José Alberto<br />
Rodrigues e pelo José Paulo<br />
Girão, vindos expressamente de<br />
comboio para assistirem a tão<br />
importante espectáculo, além<br />
das fãs locais que finalmente
os tubarões ’64 65<br />
poderiam constatar o nosso valor<br />
artístico. A festa começou com a<br />
declamação de poemas, histórias<br />
e anedotas e após uma pequena<br />
peça de teatro cómico, coube-<br />
-nos encerrar o espectáculo.<br />
Iniciámos a nossa actuação com<br />
a música “Round and Round” dos<br />
“Shadows” do filme “Summer<br />
Holiday” com o Cliff Richard,<br />
devidamente coreografada com<br />
passes estudados e combinados<br />
entre os três violas. Foi uma boa<br />
entrada que mereceu inúmeros<br />
aplausos do público e no meio dos<br />
quais iniciámos o “Perfídia”, um<br />
cover também dos “Shadows” que<br />
era muito do nosso agrado.<br />
O Fifas era exímio a solar<br />
“Shadows” e perfeito no<br />
“Sleepwalk”. Logo a seguir o Fifas<br />
arrancou na harmónica de boca os<br />
primeiros acordes do “Evergreen<br />
Tree”, música do Cliff Richard,<br />
com o Zé a entrar em palco com<br />
a sua voz melodiosa e grave que<br />
a todos cativou. E seguiram-se<br />
outras interpretações,<br />
culminando a tarde com o êxito<br />
desse Verão, o “Derniers Baisers”<br />
dos “Les Chats Sauvages”, do qual<br />
o Zé Merino muito gostava e tão<br />
bem interpretava, conquistando<br />
todo o auditório. Houve pedidos<br />
de encore mas os rígidos horários<br />
da FNAT e o adiantado da hora<br />
não o permitiram. Correu bem<br />
este nosso segundo concerto,<br />
o primeiro nas terras de Lafões.<br />
Fomos cumprimentados pelo<br />
Administrador da FNAT que nos<br />
agradeceu a presença e nos<br />
convidou para o jantar desse dia,<br />
cabendo a nossa representação<br />
na mesa da Administração ao<br />
Beto Carrilho. Para nós foi um<br />
excelente prémio que muito<br />
apreciámos e agradecemos, até<br />
porque nos livrou da mixórdia<br />
que seria o nosso jantar no<br />
acampamento, e foi a sorte<br />
grande para os cozinheiros<br />
escalados nesse dia para tão<br />
penosa tarefa. (“Uff! Ainda bem”,<br />
pensámos todos).<br />
No dia seguinte voltámos ao<br />
nosso ritual campista e à escala<br />
de serviço planeada para a<br />
semana. Nesse dia o jantar estava<br />
a cargo do Fifas e de<br />
mim próprio. Para simplificar<br />
a cozinha, procurando manter o<br />
equilíbrio calórico que a equipa<br />
precisava, decidimos fazer uma<br />
super sopa do calhau, mais<br />
forte ainda que a sopa de pedra,<br />
e decidimos incluir todos os<br />
ingredientes disponíveis na<br />
dispensa. Foram couves, batatas<br />
e arroz, salsichas, chouriço e<br />
salpicão, um ovo, e uma lata de<br />
anchovas, esta só para dar bom<br />
gosto(?). Lume aceso e panelão<br />
ao lume e esperámos, esperámos,<br />
esperámos e a sopa nunca mais<br />
fervia. A noite ia adiantada,<br />
a fome apertava, o picadeiro<br />
abria e a sopa nunca mais fervia.<br />
Aproximaram-se as luzes de um<br />
carro e nós estremecemos.<br />
Quem seria àquela hora por<br />
aqueles lados, naquela escuridão?<br />
Ladrões? Um engano? Ou apenas<br />
um desvio de namorados,<br />
perguntávamos nós, meios<br />
incrédulos e um pouco aterrados<br />
com tamanha invasão.<br />
Era o Carlos Barbosa, activo<br />
empresário da região e dono<br />
da “MÓ”, que tendo tido<br />
conhecimento do êxito da<br />
nossa estreia na véspera, nos<br />
queria apresentar uma arrojada<br />
proposta, um verdadeiro contrato<br />
musical para o resto da época.<br />
O ambiente naturista em que<br />
nos encontrávamos, com luz<br />
fraca de candeeiros a petróleo,<br />
sem cadeiras ou qualquer outra<br />
comodidade, levaram o astuto<br />
Carlos Barbosa a sugerir irmos<br />
conversar para a Pensão David.<br />
Foi uma sugestão celestial, de<br />
imediato aproveitada por todos<br />
os esfomeados ainda à espera<br />
do pitéu que nunca mais fervia.<br />
Não hesitaram, levantaram-se de<br />
imediato, entraram no carro do<br />
Barbosa e arrancaram deixando-<br />
-nos a nós (Tó e eu próprio),<br />
briosos e atarefadíssimos<br />
cozinheiros, completamente<br />
sós, à espera que a nossa super<br />
saborosa sopa gourmet aderisse<br />
à fervura que nunca mais atingia.
66 porViseu ’60s.<br />
Face a tal desfeita dos nossos<br />
colegas, o Tó e eu decidimos<br />
não quebrar e aguentar e só nos<br />
dirigirmos à Pensão David quando<br />
pudéssemos levar a sopa que<br />
todos haveriam de provar.<br />
E assim fizemos. Meia hora mais<br />
tarde lá partimos com o panelão<br />
ainda a ferver, sustentado<br />
por panos de cozinha e paus<br />
enfiados pelas asas e tampa<br />
da panela. Fizemos o trajecto<br />
cuidadosa e penosamente a pé,<br />
atravessamos a ponte da queda<br />
de água e lá chegámos à porta<br />
da Pensão. Quando subíamos<br />
as estreitas escadas de acesso<br />
ao Restaurante no 1.º andar eis<br />
que aparece um casal idoso a<br />
descer. Embora exaustos, a nossa<br />
esmerada educação levou-nos<br />
a recuar, devagarinho. Chegados<br />
ao hall um de nós sugere: “…larga<br />
que eu seguro daqui”. Dito e feito.<br />
O outro largou a alça, a panela<br />
escorregou para o chão e a sopa<br />
espalhou-se toda pela entrada da<br />
Pensão, ainda quente e de cheiro<br />
duvidoso, com o resto do grupo a<br />
rir a bandeiras despregadas e o<br />
Sr. David estupefacto sem<br />
perceber nada de tamanha<br />
confusão. Lá nos valeu a Elisa,<br />
filha do patrão, que salvou a<br />
situação. Elisa era muito nossa<br />
amiga e rapidamente tratou da<br />
limpeza do raro petisco espalhado<br />
pelo chão, que exalava um cheiro<br />
pouco agradável mesmo à porta<br />
da cozinha mais famosa da região.<br />
Só visto! Um desastre que só<br />
acontece a grandes e experientes<br />
chefes na busca de novas<br />
experiências gastronómicas.<br />
Acabámos por jantar muito<br />
bem, muito tarde e com um<br />
contrato fechado para tocarmos<br />
na “MÓ” aos fins de semana<br />
compreendendo o cachet o jantar<br />
na Pensão David, e o pagamento<br />
do aluguer das aparelhagens<br />
ao Sr. Morgado. Atendendo ao<br />
adiantado da hora, o Carlos<br />
Barbosa saiu e nós continuámos<br />
na conversa até perto da meia<br />
noite. Quando nos chegou a conta<br />
informámos que a mesma entrava<br />
nas contas do Carlos Barbosa.<br />
O Sr. David ficou de novo sem<br />
saber o que fazer pois não tinha<br />
recebido nenhumas instruções<br />
nesse sentido. Mas perante a<br />
nossa convicção e ainda não<br />
refeito do que fizéramos à entrada<br />
da Pensão, lá teve de aceitar já<br />
que não havia outra alternativa.<br />
E só no final do mês de Agosto<br />
é que o Carlos Barbosa veio a<br />
saber da partida que lhe tínhamos<br />
pregado.<br />
A “MÓ” era um velho moinho<br />
descontinuado, mesmo à beira-<br />
-rio, com o tecto cimentado, uma<br />
protecção rudimentar a toda a<br />
volta e uma área aproximada de<br />
20m 2 . Funcionava como bar e<br />
procurava mais animação com<br />
a introdução da nossa música<br />
ao vivo aos fins de semana.<br />
Começámos a tocar na “MÓ” até<br />
ao final do mês de Agosto, com
os tubarões ’64 67<br />
a aparelhagem alugada em que<br />
uma das colunas de som era uma<br />
típica corneta de som, tradicional<br />
nas feiras da época. Imagine-se<br />
a qualidade do som. Era o que<br />
havia!!!<br />
Continuávamos acampados<br />
à beira-rio, a dormir no chão,<br />
o que nos começou a criar<br />
algum cansaço. Num domingo,<br />
já a manhã ia adiantada e até<br />
chuviscava, fomos surpreendidos<br />
com uma alvorada especial.<br />
Um dos nossos pais tocou<br />
devagarinho nos elegantes<br />
pezinhos que inadvertidamente<br />
saiam da tenda. Remédio santo<br />
para um regresso compulsivo do<br />
seleccionado para casa. Ficámos<br />
abalados. Mas para compensar<br />
tanta tristeza, fomos convidados<br />
pelo Sr. Francisco Barros para<br />
um jantar em S. Pedro do Sul.<br />
Foi mais um verdadeiro pitéu<br />
cozinhado pela D. Margarida,<br />
bem regado pelo vinho do<br />
Sr. Francisco Barros, que nos<br />
arrasou por completo. Depois<br />
do jantar ninguém conseguia<br />
sequer pensar em fazer os 3km<br />
até ao acampamento. Posto o<br />
problema, lá se tentou ver onde<br />
e como poderíamos dormir. Com<br />
a casa cheia, havia apenas uma<br />
solução: o quarto do Zeca. O Zeca,<br />
o irmão mais velho do Victor, não<br />
se encontrava em casa e o seu<br />
quarto era o único disponível<br />
para todos nós, seis pequenos<br />
matulões. Era um quarto enorme<br />
com uma cama gigante, ficava<br />
no 2.º andar e tinha as paredes<br />
pintadas com duas elegantes<br />
figuras femininas nuas a toda a<br />
altura do quarto com pé direito<br />
alto. A cama, embora enorme,<br />
mesmo encostada à parede, só<br />
dava para dormirmos se todos<br />
nos virássemos em simultâneo<br />
para o mesmo lado. Imaginem as<br />
brincadeiras e a desgraça que foi<br />
quando alguém decidiu virar-se<br />
sem avisar. Mas o cansaço e o<br />
sono eram tais que adormecemos<br />
mesmo assim, não se livrando um<br />
ou outro, a meio da noite, de ser<br />
acordado para testemunhar que<br />
afinal era outro e não ele quem<br />
ressonava. Só vivido.<br />
Foi mais um divertido episódio<br />
que nos ficou na memória de tão<br />
gloriosos tempos.<br />
De regresso às Termas e face<br />
ao crescente êxito das nossas<br />
actuações na “MÓ”, cuja lotação<br />
era muito limitada, o Carlos<br />
Barbosa sugeriu fazermos um<br />
baile no Casino, em que o cachet<br />
era 50% da receita das entradas.<br />
E no último sábado de Agosto<br />
lá fizemos o Baile de despedida<br />
das Termas de S. Pedro do Sul<br />
no Salão do 1.º andar que encheu,<br />
apesar do elevado preço dos<br />
bilhetes (7$50).<br />
Em Setembro regressámos a<br />
Viseu onde começava a Feira<br />
de S. Mateus e a moda dos Bailes<br />
de Garagem.<br />
3<br />
4<br />
3.<br />
Zé Merino e Tó Fifas<br />
4.<br />
Corneta de Som<br />
utilizada na MÓ
68 porViseu ’60s.<br />
.dos.bailes.<br />
de.garagem.<br />
aos.da.gravata.<br />
Em Setembro Viseu vibrava com<br />
a Feira de S. Mateus. Chegavam<br />
pessoas de todos os cantos do<br />
País, os emigrantes de longa<br />
distância como o Brasil, a<br />
Venezuela, o Canadá, além dos<br />
Europeus, e todos aqueles que,<br />
embora viseenses, residiam ou<br />
tinham actividades profissionais<br />
noutras paragens.<br />
Em Setembro vinham todos à<br />
Feira de S. Mateus. E a cidade<br />
animava-se muito com mais<br />
trânsito, mais comércio e, à noite,<br />
todos se cruzavam no lindíssimo<br />
picadeiro da Feira tendo como<br />
fundo a melhor e mais imponente<br />
vista da Sé.<br />
Pois também nós, os mais jovens,<br />
aproveitámos esta época pré-<br />
-escolar para iniciarmos uma<br />
nova modalidade de bailes,<br />
geralmente aos fins de semana,<br />
uma mistura do conceito das<br />
matinés do Clube com as festas<br />
de aniversário, com o mesmo tipo<br />
de organização incluindo<br />
o tipo de música com gira-discos<br />
e um pequeno lanche a meio<br />
da tarde, mas realizados em<br />
casas particulares, o que<br />
automaticamente restringia tais<br />
festas ao grupo dos amigos e<br />
conhecidos da casa onde decorria<br />
o baile.<br />
Os primeiros bailes deste tipo<br />
terão ocorrido na Casa das<br />
Águias na Rua do Coval à Cava<br />
de Viriato, casa dos Tios do Toni,<br />
que todos os anos vinha do Porto<br />
com a irmã passar alguns dias<br />
a Viseu durante a Feira, e logo<br />
se seguiram os da Casa do Adro,<br />
por vezes com o pagamento de<br />
uma pequena verba para cobrir<br />
as despesas. Nós continuávamos<br />
a frequentar o nosso clube “TIC-<br />
-TAC”, que terá ultrapassado<br />
os 20 associados, e também<br />
participávamos em todos os<br />
bailes para os quais fossemos<br />
convidados e sempre que os<br />
ensaios do conjunto o permitiam.<br />
E foi moda que pegou e durou<br />
alguns anos, alastrando aos<br />
mais novos. Eram bailes onde<br />
estávamos mais à-vontade,<br />
sem adultos a controlar, com<br />
um comportamento civilizado,<br />
embora um ou outro par, conforme<br />
o jeito ou ela deixasse, dançasse<br />
mais apertado.
os tubarões ’64 69<br />
A Casa do Adro, onde vivia o<br />
António Júlio Valarinho com a sua<br />
mãe e uma empregada chinesa<br />
que tudo percebia mas falava<br />
muito pouco, só era habitada no<br />
1.º piso e dispunha no r/c<br />
de amplas salas desocupadas<br />
e que serviam às mil maravilhas<br />
para a realização de Bailes de<br />
Garagem.<br />
Assim convencemos o António<br />
Valarinho, um dos primeiros e<br />
maiores admiradores dos “Rolling<br />
Stones”, a conseguir da mãe<br />
autorização para ouvirmos discos<br />
nas salas do r/c.<br />
E lá conseguimos realizar<br />
alguns Bailes de Garagem com<br />
bastante sucesso, e também<br />
com alguns dissabores. A mãe do<br />
António Júlio Valarinho gostava<br />
muito de mim por quem nutria<br />
muita estima e julgava-me<br />
um modelo de bom rapaz e a<br />
melhor companhia para o filho.<br />
Num destes bailes o meu par e<br />
namorada estava com uma rinite<br />
arreliadora e teve necessidade de<br />
ir buscar o lenço à sua carteira<br />
que ficara no quarto do Valarinho,<br />
onde se guardavam os casacos<br />
das meninas, em cima da cama.<br />
Acompanhei-a ao quarto pelo<br />
labirinto das escadas e, o sossego<br />
e isolamento, a seguir ao “Oh<br />
Lady” dos “Les Chats Sauvages”,<br />
impeliram-nos para uma pausa<br />
acidental, que nos aquecesse<br />
um pouco mais e resolvesse a<br />
constipação que nos obrigara<br />
a subir. Estávamos nós assim<br />
tão entretidos, e não é que, sem<br />
darmos conta, abre-se a porta do<br />
quarto e a mãe de Valarinho ainda<br />
disse “…Oh António Júlio o lanche<br />
está pronto…, ohhh!!!”.<br />
Foi uma desgraça. Apanhou-nos<br />
em estado de flagrante intimidade<br />
avançada, o que na gíria<br />
significava uma boa e saudável<br />
sessão de marmelada. Imagine-se<br />
a desilusão da Senhora quando<br />
constatou quem era o autor de tal<br />
situação que a todos atrapalhou.<br />
Embora com a rinite curada, foi<br />
uma grande decepção, a festa<br />
ficou estragada e houve uma<br />
interrupção temporária dos<br />
Bailes na Casa do Adro, que só<br />
voltaram a realizar-se muito<br />
mais tarde e sem acesso ao 1.º<br />
andar. E a minha reputação foi<br />
completamente ao ar, tendo sido<br />
parcialmente recuperada após<br />
muitas cunhas e a intervenção<br />
providencial de minha mãe.<br />
Um ou dois anos mais tarde<br />
começaram a generalizar-se este<br />
tipo de Bailes.<br />
Aproveitando uma saída dos pais<br />
logo um filho promovia uma festa<br />
com música e dança lá em casa,<br />
envolta em algum secretismo,<br />
só convidando os amigos mais<br />
íntimos. Participámos nalguns<br />
ali para os lados do Liceu<br />
e divertimo-nos q.b..<br />
Como usual em terras pequenas,<br />
tais festas começaram a<br />
constar e não tardou até que se<br />
inventassem estórias de bailes<br />
com os meninos a dançarem só<br />
com gravata e as meninas só com<br />
peúgas. Na cidade inteira,<br />
do Liceu à Ribeira, não se falava<br />
de outra coisa.<br />
Mente vadia em terra pequena,<br />
dá largas à fantasia…<br />
E assim, que se saiba, acabaram<br />
os Bailes de Garagem.
70 porViseu ’60s.<br />
.antónio.xavier.<br />
de.sá.loureiro.<br />
Em meados do mês de Setembro<br />
recebemos uma má notícia:<br />
a família do Tó Fernandes<br />
(o Fifas) ia viver para Lisboa.<br />
E ele também.<br />
Ficámos em pânico. Então e nós?<br />
O que seria do conjunto sem o<br />
nosso solista, o nosso mestre?<br />
Tudo fizemos para alterar tal<br />
decisão. Falámos com o pai do<br />
Tó e percebemos que também<br />
a participação dele no conjunto<br />
tinha contribuído para tal decisão.<br />
Procurámos alternativas e em boa<br />
hora a encontrámos.<br />
A formação do conjunto “Os Ases”<br />
com piano, acordeão, viola baixo<br />
e bateria, sem vocalista, era<br />
uma solução bizarra que não<br />
conseguia impor-se nem dava<br />
satisfação aos seus próprios<br />
elementos. Este desconforto<br />
facilitou a aceitação do nosso<br />
convite para o Carlos Alberto<br />
Loureiro (Carlos Alberto) integrar<br />
o nosso conjunto. Os seus<br />
atributos encaixavam na<br />
perfeição na nossa formação, pois<br />
além de solista exímio cheio de<br />
vocação, tocava um instrumento<br />
que não tínhamos e que era<br />
complementar aos nossos: piano<br />
ou acordeão. O Carlos Alberto é<br />
um excelente músico que muito<br />
enriqueceu a nossa qualidade<br />
musical, tinha boas bases<br />
musicais aprendidas na Escola<br />
do Mário Costa onde foi um dos<br />
mais jovens solistas, tinha uma<br />
mente aberta e o pai, o Sr. António<br />
Xavier de Sá Loureiro, era uma<br />
pessoa excepcional, Empresário<br />
prestigiado em Viseu, colega de<br />
Liceu dos nossos pais, muito<br />
interessado na carreira do filho<br />
e que adorava acompanhar-nos<br />
e ajudar-nos a solucionar todos<br />
os nossos problemas. E passou<br />
a ser o gestor da nossa carreira<br />
artística, o nosso verdadeiro<br />
Empresário, muito nosso amigo,<br />
apoiando-nos e ajudando-nos<br />
mesmo nos nossos problemas<br />
individuais.<br />
A casa do Sr. Loureiro, situada na<br />
Rua Alexandre Herculano, n.º 79,<br />
passou a ser o nosso escritório.<br />
Passámos ali muito tempo,<br />
sempre muito bem tratados,
os tubarões ’64 71<br />
sempre muito acarinhados com<br />
o apoio de toda a família Loureiro.<br />
Reuníamos, trabalhávamos,<br />
ensaiávamos e petiscávamos<br />
sempre na melhor companhia<br />
do vinho do Dão da Quinta de<br />
Pindelo. E havia sempre um<br />
quarto disponível para quem<br />
viesse de fora e precisasse<br />
de ficar para ensaiar ou tocar.<br />
Um tempo e uma amizade<br />
inesquecíveis.<br />
A ele, ao Sr. Loureiro, muito do<br />
que fomos lhe devemos. Sem ele<br />
nunca teríamos tido a carreira que<br />
fizemos até 1968, sempre com ele<br />
ao nosso lado.<br />
Decidida a entrada do Carlos<br />
Alberto, começámos logo a<br />
ensaiar em casa do Sr. Loureiro,<br />
com os bacalhaus Egmond<br />
Manhattan, uma viola de caixa<br />
como viola baixo, e o piano da<br />
casa. A bateria continuava a ser<br />
simulada com os acessórios que<br />
a imaginação permitia.<br />
O Sr. Loureiro planeou uma ida ao<br />
Porto à Casa Ruvina tendo sido<br />
adquiridos uma pianola eléctrica<br />
para o Carlos, em que o volume<br />
de som era controlado por uma<br />
alavanca na perna direita, uma<br />
viola baixo e um amplificador.<br />
Como sistema de som para as<br />
vozes começámos a alugar uma<br />
aparelhagem ao Sr. Carlos da<br />
loja Órbita na Rua da Vitória,<br />
considerado o melhor técnico<br />
de óculos da cidade, que se<br />
dedicava complementarmente<br />
a actividades de som em<br />
vários eventos da cidade,<br />
nomeadamente a cabine de som<br />
da Feira de S. Mateus. O Sr. Carlos<br />
passou a ser o nosso consultor e<br />
fornecedor das aparelhagens de<br />
voz, sempre recomendando os<br />
microfones Shure.<br />
Já munidos com os instrumentos<br />
necessários, deparámos<br />
com a falta de uma sala para<br />
ensaiarmos. O Sr. Loureiro,<br />
invocando o facto de muitos<br />
dos nossos pais serem Sócios<br />
do Clube de Viseu, conseguiu o<br />
apoio da Direcção daquele clube,<br />
recém-eleita e liderada pelo<br />
Dr. Alcindo Sampaio, distinto<br />
Professor de Matemática e<br />
Mestre que o Regime de então<br />
não apreciava e por esse motivo<br />
impedia que exercesse a sua<br />
actividade no ensino oficial.<br />
O Dr. Alcindo tinha uma sala de<br />
explicações de Matemática,<br />
onde todos andámos, mesmo<br />
ao lado do Snack-Bar Alvorada,<br />
e consentiu que o Conjunto<br />
passasse a ensaiar duas vezes<br />
por semana no Salão Nobre do<br />
Clube. E assim aconteceu até<br />
perto do final do ano.<br />
Reforçámos o nosso instrumental<br />
com a aquisição de uma bateria<br />
em 2.ª mão na Papelaria<br />
Sequeira, localizada na Rua do<br />
Comércio ao lado da Farmácia<br />
Gastromil, e o Vitó teve um óptimo<br />
presente de uma viola Vox branca<br />
muito bonita.<br />
1<br />
1.<br />
Viola VOX Shadow
72 porViseu ’60s.<br />
.fim.do.ano.<br />
no.hotel.grão.<br />
vasco.<br />
1<br />
1.<br />
Hotel Grão Vasco, 1964<br />
(foto Germano)<br />
Nesse ano, 1964, tinha sido<br />
inaugurado o Hotel Grão Vasco,<br />
o primeiro grande Hotel a ser<br />
construído em Viseu. Viseu tinha<br />
como oferta várias Pensões:<br />
André (hoje Rossio/Parque),<br />
Central (muito popular por ter<br />
lançado o primeiro snack-bar,<br />
A Gruta, na Rua da Cadeia com o<br />
famoso prego com ovo a cavalo<br />
por 7$50), Ramboia, Bocage,<br />
Ideal, Passarinho, S. Lázaro, Preto,<br />
Viriato, Lusitana, Parreira do<br />
Minho, e eventualmente outras.<br />
Mas Hotel só havia o Avenida<br />
justificando-se plenamente um<br />
novo Hotel na cidade. Pertencente<br />
à família Ferreira dos Santos,<br />
família muito conhecida e de<br />
prestígio na cidade, donos da<br />
Estalagem Viriato localizada junto<br />
à Ponte de Fagilde a caminho de<br />
Mangualde, o Hotel Grão Vasco<br />
foi construído no espaço do<br />
antigo Quartel e tinha como seu<br />
Director Geral o João Ferreira<br />
dos Santos que quis organizar<br />
uma festa no 1.º Fim do Ano do<br />
Hotel, tendo-nos contratado para<br />
animarmos a noite com o cachet<br />
de 4.000$0. O Hotel esgotou com<br />
toda a elite da cidade a marcar<br />
presença no novo local da moda,<br />
com muitos amigos nossos que<br />
convenceram os pais a estarem<br />
presentes,<br />
e nós começámos o ano de 1965<br />
a tocar num baile que durou até<br />
às 4h. Foi uma excelente e dura<br />
experiência que obrigou a um
os tubarões ’64 73<br />
esforço redobrado uma vez que<br />
éramos um só conjunto a animar<br />
a noite toda. Correu muito bem e<br />
foi muito comentada esta nossa<br />
apresentação ao público da<br />
cidade.<br />
O Hotel Grão Vasco é um dos<br />
nossos locais de boa memória<br />
onde passámos muitos momentos<br />
divertidos e que nos acompanhou<br />
até 1968. Recordamos com gosto<br />
as excursões de americanas,<br />
já entradotas e solteironas, a<br />
quem servíamos de guias pela<br />
cidade e também pelos arredores,<br />
com festas e bailaricos no próprio<br />
Hotel até de madrugada, com<br />
assaltos turísticos a S. João de<br />
Lourosa a casa dos nossos amigos<br />
Rosado, as tertúlias noctívagas<br />
com os amigos mais chegados,<br />
e os encontros discretos com<br />
amigas e namoradas.<br />
Muito do nosso tempo, convívio,<br />
crescimento e aprendizagem<br />
passou por ali.<br />
Ganhámos experiência de vida.<br />
Aprendemos!
65<br />
75<br />
78<br />
80<br />
83<br />
84<br />
85<br />
86<br />
88<br />
89<br />
90<br />
93<br />
96<br />
97<br />
.crescer.<br />
.crescer.<br />
.Viseu.ié-ié.<br />
.figueira.da.foz.<br />
.rua.dos.ciprestes.<br />
.o.tubarão.<br />
.depoimento.vitor.f.pais.<br />
.o.casino.<br />
.os.amigos.<br />
.de.novo.Viseu.<br />
.quim.guimarães.<br />
.concurso.ié-ié.7ª.eliminatória.<br />
.terraço.das.estrelas.do.hotel.embaixador.<br />
.fim.do.ano.
os tubarões ’65 75<br />
.crescer.<br />
1.<br />
Cine-Rossio, Abril. Da esq. para a dir.:<br />
Eduardo, Fifas, Vitó, Dutra, Zé e Carlos<br />
a)<br />
http://guedelhudos.blogspot.<br />
com/2008/01/thilos-combo.html<br />
b)<br />
http://guedelhudos.blogspot.<br />
com/2010/07/conjunto-jose-novoa.<br />
html<br />
1<br />
1965 foi um ano de muita<br />
determinação do conjunto, que<br />
lhe permitiu assumir desafios a<br />
nível nacional como a presença<br />
no Casino da Figueira da Foz e a<br />
participação no Concurso ié-ié.<br />
A 9 de Janeiro realizou-se o Baile<br />
de Finalistas do Liceu, época<br />
escolar de 1964/65, no Salão de<br />
Festas do Cine-Rossio, com os<br />
Conjuntos “Thilos Combo” a)<br />
e “José Nóvoa” b) .<br />
Nós, no conjunto, procurávamos<br />
de novo um local para ensaiar<br />
já que não era possível<br />
continuarmos a utilizar o Salão<br />
do Clube de Viseu, como tinha<br />
acontecido no último trimestre<br />
de 1964.<br />
Não havia muitas salas<br />
disponíveis na cidade e surgiu<br />
a hipótese de utilizarmos o<br />
Salão de Festas do Cine-Rossio,<br />
cuja taxa de ocupação anual se<br />
limitava ao Baile de Finalistas do<br />
Liceu, e o Gerente, o Sr. Severo,<br />
pessoa muito conhecida na<br />
cidade pela sua Escola de<br />
Condução, pretendia dinamizar tal<br />
espaço com outras actividades.<br />
Fez-se então um acordo de<br />
permuta com o Sr. Severo que<br />
nos permitia ensaiar no Salão de<br />
Festas, em dias determinados e<br />
fora dos dias dos espectáculos<br />
que eram às terças, quintas,<br />
sábados e domingos. Em troca<br />
teríamos de actuar nos intervalos<br />
de filmes musicais, moda recente
76 porViseu ’60s.<br />
em Portugal e no Mundo, surgida<br />
com o sucesso das comédias<br />
musicais do Cliff Richard e de<br />
muitos outros.<br />
O salão do Cine-Rossio<br />
(Piso -1) era o maior da cidade,<br />
todo em cimento e azulejo.<br />
Com a adaptação do edifício a<br />
sala de espectáculos e face à<br />
dimensão do salão, foi o mesmo<br />
aproveitado para a realização<br />
de eventos. Tinha péssimas<br />
condições acústicas avolumadas<br />
quando vazio pois gerava muito<br />
eco. Mas era o que havia e lá nos<br />
habituámos a ensaiar em tais<br />
condições.<br />
Para não prejudicarmos os<br />
estudos ensaiávamos com<br />
moderação duas vezes por<br />
semana, procurando sempre<br />
adaptar da forma mais<br />
conveniente e rigorosa os êxitos<br />
de maior sucesso na época,<br />
devidamente enquadrados no<br />
nosso gosto e competências.<br />
A fama dos “Beatles” estava<br />
sempre em crescendo. Todos<br />
gostávamos dos “Beatles” mas<br />
o Zé Merino devorava toda e<br />
qualquer informação sobre os 4<br />
fabulosos, e quase sabia todas<br />
as letras das suas músicas, coisa<br />
não muito usual. Começámos a<br />
introduzir temas dos “Beatles”<br />
na nossa playlist como o “Do<br />
you want to know a secret”,<br />
“Till there was you”, sem faltar<br />
“Twist and Shout”. Também<br />
apreciávamos muito os “Animals”,<br />
cuja configuração instrumental<br />
era muito semelhante à nossa<br />
com um vocalista, órgão, além<br />
das violas e bateria. Destes<br />
não faltava o “The House of the<br />
Rising Sun”. Mantinhamos outras<br />
músicas e clássicos franceses do<br />
Gilbert Bécaud como “Au Revoir”<br />
e “L’important c’ést la rose”.<br />
No sábado de Carnaval, a 27<br />
de Fevereiro, animámos o Baile<br />
dos Bombeiros Voluntários<br />
de S. Pedro do Sul, contrato<br />
angariado pelo pai do Vitó, onde<br />
apresentámos pela primeira vez<br />
em público a nossa interpretação<br />
da música “The House of the<br />
Rising Sun” dos “Animals”, um<br />
sucesso muito recente que<br />
originou vários encore pela<br />
novidade e pela interpretação.<br />
O Vitó, já na sua viola Vox,<br />
dedilhava muito bem os acordes<br />
da música, o Zé interpretava<br />
como poucos Eric Burdon c) e a<br />
sua voz prestava-se a tal, e o<br />
Carlos Alberto acompanhava-o<br />
superiormente no órgão com<br />
destaque para o solo. Era uma<br />
interpretação muito feliz que<br />
foi muito bem trabalhada por<br />
todos, com algumas adaptações<br />
exclusivas nomeadamente um<br />
andamento em crescendo do solo<br />
com mudança de ritmo.<br />
Sempre que introduzíamos<br />
novos temas no repertório,<br />
nas primeiras apresentações<br />
em público, repetíamos a sua<br />
interpretação várias vezes para<br />
rodarmos.<br />
Por vezes combinávamos com<br />
alguns amigos para fazerem o<br />
pedido de repetição de modo a<br />
que outras pessoas ouvissem e<br />
não desse tanto nas vistas que<br />
éramos nós quem queira repetir<br />
tal música. Foi isso que aconteceu<br />
nesta festa com “The House of the<br />
Rising Sun”, música que começava<br />
a ser passada nas rádios. Logo<br />
durante a tarde, na montagem dos<br />
instrumentos, e com as janelas<br />
do salão abertas, ensaiámos a<br />
música que serviria de chamariz<br />
para o Baile, que encheu e correu<br />
muito bem.<br />
Nas férias da Páscoa, em Abril,<br />
chegou a Viseu o filme Summer<br />
Holiday d) com Clif Richard e) e “The<br />
Shadows” e este foi o primeiro<br />
espectáculo em que participámos
os tubarões ’65 77<br />
ao abrigo do acordo com o Cine-<br />
-Rossio actuando no intervalo.<br />
Por sorte o Fifas estava em<br />
Viseu em férias e voltou a tocar<br />
connosco, o que enriqueceu a<br />
nossa prestação, principalmente<br />
nas músicas dos “The Shadows”<br />
que ele tão bem solava. Actuámos<br />
com a nossa fatiota com uma<br />
camisola de gola alta preta e as<br />
calças brancas com tira negra<br />
lateral para todos os membros<br />
do conjunto com excepção do<br />
vocalista, que tinha calças pretas<br />
com tira lateral branca. Correu<br />
bem e tivemos muitos aplausos.<br />
Para nós foi de facto o último<br />
espectáculo com o Tó Fernandes,<br />
fundador e formador do grupo.<br />
Até Setembro de 1965 mantivemos<br />
a seguinte formação: Carlos<br />
Alberto (teclas), Eduardo Pinto<br />
(bateria), José (Zé) Merino,<br />
(vocalista), Luís Dutra (baixo),<br />
Victor (Vitó) Barros (viola ritmo).<br />
2<br />
c)<br />
ericburdon.ning.com<br />
d)<br />
www.imdb.com/title/tt0057541<br />
e)<br />
www.screenonline.org.uk/film/<br />
id/547334<br />
3 4<br />
2.<br />
Cine-Rossio, anos 60<br />
(foto Germano)<br />
3.<br />
No palco do Cine-Rossio, Abril<br />
4.<br />
Na plateia do Cine-Rossio<br />
(foto Germano)
78 porViseu ’60s.<br />
.Viseu.ié-ié.<br />
1.<br />
“Os Corsários” no Cine-Rossio<br />
2.<br />
Viola EKO de “Os Corsários”<br />
a)<br />
guedelhudos.blogspot.<br />
com/2010/01/festivais-ye-ye-emportugal.html<br />
1<br />
2<br />
Em Maio de 1965, na sequência<br />
do ambiente musical que explodia<br />
com os êxitos da música Pop,<br />
os filmes musicais, e os festivais<br />
de música ié-ié, realizou-se no<br />
Salão do Cine-Rossio um Festival<br />
ié-ié com “Os Corsários”<br />
e “Os Tubarões”.<br />
O Sr. Severo, Gerente do Cine-<br />
-Rossio, tinha estado em Lisboa<br />
em reuniões relacionadas<br />
com a gestão da única casa de<br />
espectáculos da cidade, e tomou<br />
conhecimento do sucesso dos<br />
Concursos como o do Rei do Twist,<br />
Concurso Tipo Shadows, Festival<br />
de Ritmos Modernos e o Festival<br />
ié-ié do Coliseu a) , entre outros.<br />
Como procurava dinamizar a<br />
utilização do Cine-Rossio quis<br />
então organizar um Festival ié-ié<br />
em Viseu. Pesquisado o mercado<br />
facilmente pôde constatar que,<br />
além de nós, só existia outro<br />
conjunto, “Os Corsários”, cujo<br />
perfil musical era enquadrável<br />
em tal Festival. E realizou-se<br />
o referido Festival no Salão do<br />
Cine-Rossio, mais numa versão<br />
de concerto com dois conjuntos<br />
do que propriamente um Festival
os tubarões ’65 79<br />
com vencedores e vencidos,<br />
embora se tenha criado a ideia<br />
de um confronto musical entre os<br />
grupos da cidade.<br />
Formaram-se claques, criaram-<br />
-se cartazes como o da foto<br />
“Corsários pesquem Os Tubarões”,<br />
o Salão encheu-se de fãs que<br />
gritavam manifestando as suas<br />
preferências.<br />
Foi uma tarde de domingo<br />
animada que correu sem<br />
qualquer incidente, sem<br />
alinhamento nem júri, em que<br />
cada conjunto apresentou as suas<br />
interpretações musicais, sempre<br />
com algum ruído da plateia<br />
que aos gritos ou assobios,<br />
manifestava o apoio ao seu grupo,<br />
tal e qual como se de uma equipa<br />
de futebol se tratasse.<br />
Não deve ter sido um grande<br />
sucesso de bilheteira já que<br />
nunca mais se repetiu tal tipo<br />
de Festival.<br />
Embora oriundos da mesma<br />
terra, não foram muitas as vezes<br />
em que actuámos juntos com<br />
“Os Corsários”. Participaram no<br />
nosso III Aniversário em Abril de<br />
1968, tocámos juntos num Baile<br />
de Finalistas de Carregal do Sal e<br />
num outro em Canas de Senhorim.
80 porViseu ’60s.<br />
.figueira.da.foz.<br />
1 2<br />
1.<br />
Fonte luminosa<br />
da Figueira da Foz<br />
2.<br />
Praia da Figueira da Foz<br />
1960<br />
a)<br />
guedelhudos.blogspot.com/search/<br />
label/Festival%20da%20Figueira%20<br />
da%20Foz<br />
Seguramente a carreira de<br />
“Os Tubarões” não teria sido o<br />
que foi se o conjunto não tivesse<br />
passado pela Figueira da Foz.<br />
Foram quatro anos vividos de<br />
forma muito intensa em todos<br />
os aspectos. De 1965 a 1968<br />
passámos o Verão naquela<br />
linda cidade, contactámos com<br />
públicos de várias origens,<br />
convivemos com músicos<br />
excelentes com quem muito<br />
aprendemos quer em termos<br />
musicais, quer em termos de<br />
trabalho e fizemos muitos amigos.<br />
A Figueira da Foz era a praia da<br />
moda e atraía muitos turistas.<br />
Além da sua beleza natural,<br />
da sua praia com um areal<br />
interminável, a Figueira oferecia<br />
uma série de atracções únicas,<br />
devidamente promovidas, como<br />
a realização de um Festival da<br />
Canção a) , provas nacionais de<br />
Rally, o Casino com Variedades de<br />
elevado padrão internacional e o<br />
Jogo, que também atraía o público<br />
internacional, destacadamente<br />
o espanhol. Também todos os<br />
Verões uma larga comunidade<br />
viseense rumava à Figueira.<br />
Então o Sr. Loureiro, munido das<br />
fotos da nossa actuação no Cine-<br />
-Rossio e da crítica dos jornais,<br />
foi falar à gerência do Casino<br />
da Figueira da Foz oferecendo<br />
a actuação do conjunto, gratuita,<br />
numa matiné a realizar num fim<br />
de semana, a qual ficou marcada<br />
para um sábado, dia 15 de Maio.
os tubarões ’65 81<br />
Ensaiámos ainda com mais afinco<br />
com a inclusão de novos temas.<br />
O Sr. Loureiro trocou a pianola do<br />
Carlos Alberto por um novíssimo<br />
orgão Farfisa Compact Uno, com<br />
pedaleira, acabado de chegar<br />
à Casa Ruvina, e no sábado lá<br />
fomos até à Figueira no Taunus<br />
do Sr. Loureiro, completamente<br />
carregado e com seis pessoas<br />
a bordo: o Sr. Loureiro, os cinco<br />
artistas e ainda os instrumentos.<br />
Actuámos no Grande Casino<br />
Peninsular da Figueira da Foz,<br />
numa matiné realizada no Salão<br />
de Café só com “Os Tubarões”<br />
em palco, e no público também<br />
estavam viseenses que se<br />
deslocaram propositadamente<br />
para nos apoiarem pois não<br />
queriam perder momento tão<br />
importante na vida do conjunto.<br />
Fizémos dois takes separados<br />
por um intervalo, após o qual<br />
tivemos uma desagradável<br />
surpresa: tínhamos regressado<br />
ao palco, e já com os acordes da<br />
primeira música no ar, quando o<br />
Luís Dutra se apercebe que a sua<br />
viola baixo estava completamente<br />
desafinada (certamente por<br />
graça, durante o intervalo, alguém<br />
desafinou as quatro cavilhas da<br />
viola baixo). Valeu-nos a presença<br />
de espírito e o virtuosismo do<br />
Carlos Alberto que de imediato<br />
começou a fazer o baixo com o<br />
pé esquerdo no seu novo Farfisa,<br />
enquanto o Dutra desligava o<br />
volume da sua viola, simulando<br />
que continuava a tocar. No fim<br />
da música lá se afinou a viola e<br />
o concerto continuou e terminou<br />
até com a distribuição de<br />
autógrafos, facto a que ainda não<br />
estávamos habituados.<br />
Saímos do Casino com algumas<br />
promessas e seguimos de<br />
imediato para a Mealhada,<br />
Quinta do Carvalhinho na<br />
Ventosa b) do Bairro, que continua<br />
famosa pelos seus vinhos e<br />
espumante. Trata-se de uma<br />
casa solarenga com uma grande<br />
quinta, propriedade da família<br />
Navega, amigos dos nossos pais,<br />
que davam nessa noite mais uma<br />
das suas habituais festas, e nesta<br />
nós éramos a atracção. Embora<br />
cansados, depois de uma curta<br />
partida de bilhar, lá actuámos<br />
animando os foliões até às tantas.<br />
Saímos de madrugada e mal nos<br />
sentámos no carro adormecemos<br />
que nem pedras até Viseu.<br />
Coitado do Sr. Loureiro, aturou-<br />
-nos cada uma…<br />
Regressámos à cidade e aos<br />
estudos onde o fim do ano lectivo<br />
se aproximava bem como as<br />
férias de Verão.<br />
3<br />
4<br />
3.<br />
Primeiro Orgão Farfisa dos Tubarões<br />
4.<br />
Solar da Quinta do Carvalhinho<br />
b)<br />
www.quintadocarvalhinho.pt/<br />
v2main/index.htm
82 porViseu ’60s.<br />
c)<br />
guedelhudos.blogspot.com/2007/10/<br />
agora-que-rtp-sem-preconceitos-e.<br />
html<br />
d)<br />
historiaeciencia.<strong>web</strong>log.com.pt/<br />
arquivo/040789.html<br />
Na imprensa começaram a sair<br />
notícias a anunciar a realização,<br />
no Teatro Monumental de Lisboa,<br />
de um Grande Concurso ié-ié<br />
organizado pelo Movimento<br />
Nacional Feminino a favor das<br />
Forças Armadas no Ultramar,<br />
com o apoio do jornal diário<br />
O Século, da Emissora Nacional,<br />
da Radiotelevisão e do Rádio<br />
Clube Português c) .<br />
“O Movimento Nacional Feminino<br />
(MNF) d) (1961-1974) foi uma<br />
organização de suporte do Estado<br />
Novo criada por iniciativa de<br />
Cecília Supico Pinto e apoiada<br />
por António de Oliveira Salazar,<br />
voltada para a organização<br />
das mulheres em torno do<br />
apoio à Guerra Colonial, em<br />
particular quando o conflito em<br />
Angola, Moçambique e Guiné se<br />
intensificou.”<br />
Participar neste concurso era<br />
uma grande oportunidade para o<br />
nosso conjunto que não podíamos<br />
perder. Tínhamos de concorrer.<br />
Preparámos a nossa candidatura<br />
e procedemos à respectiva<br />
inscrição ficando a aguardar<br />
notícias sobre o desenrolar do<br />
concurso.<br />
Por esta altura, primeiros dias<br />
do mês de Junho, um conhecido<br />
empresário viseense, proprietário<br />
da Agência de Viagens Novo<br />
Mundo, realizava um grande<br />
investimento num restaurante a<br />
inaugurar no Verão, localizado na<br />
marginal da Figueira da Foz.<br />
E firmou o compromisso com o<br />
Sr. Loureiro dizendo que nos<br />
queria como conjunto privativo<br />
para fazermos matinés e<br />
animarmos as noites após os<br />
jantares. Era um compromisso<br />
aliciante e uma vez que o<br />
Casino não tinha concretizado<br />
qualquer proposta, assumimos<br />
tal obrigação mesmo sem<br />
contrato escrito, já que era uma<br />
pessoa conhecida e de Viseu.<br />
O nosso cachet era baseado<br />
nas receitas de bilheteira.<br />
Preparámo-nos musicalmente<br />
actualizando a nossa playlist<br />
com os novos sucessos do<br />
Verão, encomendámos novas<br />
indumentárias na Alfaiataria<br />
Sousa da Rua Direita,<br />
nomeadamente um smoking<br />
azul e umas calças beges aos<br />
quadrados com uma grande boca<br />
de sino, e o Sr. Loureiro alugou um<br />
T4 na Figueira da Foz, na Rua dos<br />
Ciprestes, para a nossa estadia no<br />
Verão.<br />
No sábado, 31 de Julho lá fomos<br />
até à Figueira da Foz e instalámo-<br />
-nos na Rua dos Ciprestes.<br />
Primeira tarefa foi distribuir<br />
os quartos/camas por cada<br />
um de nós, incluindo o quarto<br />
independente do Sr. Loureiro,<br />
logo à entrada do lado esquerdo.<br />
E arrumámos os géneros<br />
alimentícios vindos directamente<br />
de Pindelo, incluindo o néctar<br />
de uma das melhores encostas<br />
do Dão, a Quinta de Pindelo de<br />
Silgueiros.
os tubarões ’65 83<br />
.rua.dos.<br />
ciprestes.<br />
Naquele Verão, o nosso “Lar<br />
doce Lar” situava-se na Rua<br />
dos Ciprestes n.º 6, 2.º, uma<br />
transversal à Av. 5 de Outubro,<br />
Largo do Carvão, frente à Marina.<br />
Tratava-se de uma casa de quatro<br />
assoalhadas onde dormíamos,<br />
descansávamos e convivíamos<br />
com os muitos amigos que<br />
diariamente por ali paravam<br />
e alguns ali pernoitavam.<br />
Entre as muitas brincadeiras<br />
próprias de um grupo de jovens<br />
na casa dos 18 anos, recordamos<br />
o muito pão quente que, nas<br />
madrugadas depois de tocarmos,<br />
quando regressávamos a casa,<br />
subtraíamos do saco do pão<br />
pendurado na porta do 1.º andar<br />
do prédio onde, viemos a saber<br />
mais tarde, vivia o Comandante<br />
da Polícia; as inúmeras<br />
patuscadas sempre muito bem<br />
acompanhadas pelo melhor<br />
vinho tinto do Dão produzido<br />
pelo Sr. Loureiro; as surpresas<br />
do Sr. Loureiro quando chegava<br />
inesperadamente ao seu quarto e<br />
o encontrava ocupado pelo Carlos<br />
Alberto a confessar os seus<br />
pecados a uma boa companhia,<br />
para não falar das partidas<br />
pregadas aos mais dorminhocos.<br />
Temos muitas e boas recordações<br />
da Rua dos Ciprestes à qual, no<br />
final do Verão, alguns chamavam<br />
a Casa dos Ciprestes na Rua<br />
d’ “Os Tubarões”.
84 porViseu ’60s.<br />
.o.tubarão.<br />
1<br />
1.<br />
O primeiro grupo de fãs<br />
da Figueira da Foz<br />
A inauguração do Restaurante<br />
O Tubarão (tal nome não foi<br />
coincidência) ocorreu no Domingo<br />
dia 1 de Agosto, com lotação<br />
esgotada e serão musical de<br />
retumbante sucesso. Fazíamos<br />
matinés entre as 16h30 e as<br />
19h30 e serões a partir das<br />
22h30. O restaurante esgotava<br />
e os horários tornavam-se<br />
incompatíveis com o serviço<br />
do restaurante que era lento,<br />
não rotinado e com deficiente<br />
controlo. O que se pretendia<br />
como um restaurante de prestígio<br />
transformou-se, por força da<br />
quantidade de público jovem,<br />
num bar permanentemente<br />
esgotado, com gente por todo<br />
o lado até dançando na rua ao<br />
som da música do conjunto.<br />
O Tubarão tinha sido devidamente<br />
planeado para ser um restaurante<br />
de 1.ª, tinha recrutado pessoal<br />
pouco experiente em restauração<br />
e não tinha ninguém capaz de<br />
gerir espectáculos ou bares<br />
musicais, tendo descurado o<br />
método de controlo das entradas<br />
e consumos nas matinés e soirées<br />
dançantes. Nas matinés não era<br />
tão difícil pois só se iniciavam<br />
após o serviço de almoço ter<br />
terminado, sendo fácil controlar<br />
as entradas e as senhas de<br />
consumo. Mas à noite, em que<br />
nós começávamos a tocar às<br />
22h30 ainda com o serviço de<br />
jantar a meio, alguns clientes a<br />
quererem ficar um pouco mais
os tubarões ’65 85<br />
a ouvir música, e os jovens a<br />
entrarem e sentarem-se já para<br />
a soirée musical, gerava-se<br />
sempre uma tremenda confusão<br />
entre quem estava a jantar e<br />
quem só ia para a diversão.<br />
Certo é que o restaurante ficava<br />
totalmente cheio, com filas à<br />
porta, com grande animação<br />
na pista, mas sem haver um<br />
controlo eficaz das entradas, dos<br />
consumos e da lotação. E a nós,<br />
no Tubarão, não nos pagavam<br />
nem davam qualquer informação<br />
sobre a evolução das receitas,<br />
o que começou a criar-nos uma<br />
situação delicada, que chegou à<br />
ruptura após 11 dias seguidos de<br />
trabalho. Decidimos denunciar<br />
publicamente tal situação.<br />
Quando nos preparávamos para<br />
iniciar a noite musical, tudo<br />
preparado, montado e prontos a<br />
actuar, já com o público da noite<br />
na sala, informámos que não<br />
tocaríamos mais e explicámos as<br />
razões. O público compreendeu<br />
e até nos aplaudiu. E a notícia<br />
correu célere por toda a cidade.<br />
Entretanto as matinés do Casino<br />
estavam fracas, quer porque<br />
o Casino não tinha uma oferta<br />
musical dirigida ao público<br />
jovem, quer porque também se<br />
ressentia do sucesso das tardes<br />
do Tubarão. O Victor Pais, nosso<br />
amigo e familiar da Administração<br />
do Casino, entrou em contacto<br />
connosco para saber da nossa<br />
disponibilidade em tocarmos no<br />
Casino. Rapidamente chegámos a<br />
um acordo e iniciámos as nossas<br />
actuações numa matiné no Salão<br />
de Café do dia 13 de Agosto de<br />
1965, dois dias depois de termos<br />
saído de O Tubarão.<br />
Apresentados no Grande Casino<br />
Peninsular como o “Conjunto<br />
Sensação ié-ié”, a primeira matiné<br />
encheu e fomos agraciados com<br />
fortes aplausos.<br />
E o Sr. Mendes Pinto sorria e<br />
dava-nos os parabéns neste início<br />
de uma relação sempre muito<br />
cordial, amistosa, de grande<br />
confiança e respeito que perdurou<br />
até 1968.<br />
.depoimento.<br />
Vitor F. Pais<br />
Na década de ouro do passado<br />
século da música ligeira,<br />
a Figueira da Foz procurava<br />
acompanhar os ritmos da época,<br />
principalmente durante o período<br />
balnear.<br />
A Figueira enchia-se de<br />
veraneantes, portugueses e<br />
espanhóis, mas também de outros<br />
países da Europa que escolhiam<br />
a Figueira da Foz para local de<br />
veraneio.<br />
As modas do tempo chegavam<br />
e eram facilmente adoptadas<br />
e rapidamente passavam a fazer<br />
parte da vida do dia-a-dia dos<br />
que por cá estavam.<br />
O Casino era um dos ex-líbris<br />
locais, mas tinha dificuldade em<br />
cativar a juventude que facilmente<br />
aderia à moda das noites nas<br />
discotecas onde se impunha o<br />
espírito jovem e descontraído dos<br />
novos tempos.<br />
Foi neste contexto que abre nesse<br />
ano na Figueira O Tubarão para<br />
tentar cobrir a inexistência de um<br />
espaço tipo discoteca ou local de<br />
diversão nocturna por excelência<br />
dos jovens dos dezoito aos trintas<br />
e... Era uma sala de restaurante,<br />
com a frente envidraçada sobre<br />
a marginal e que após o serviço<br />
de jantar corria as cortinas sobre<br />
a esplanada e se tornava sala de<br />
discoteca improvisada entre as<br />
onze e as quatro da manhã.<br />
O sucesso foi imediato, e apesar<br />
da capacidade do espaço ser<br />
reduzida, a sua abertura veio<br />
tirar às noites do Casino, alguns<br />
dos seus frequentadores mais<br />
assíduos e carismáticos que,<br />
davam às suas noites um glamour<br />
imprescindível.<br />
Foi portanto fácil, com o apoio do<br />
meu tio, convencer o Sr. Mendes<br />
Pinto que a melhor e mais fácil<br />
solução era pôr “Os Tubarões”<br />
a animar as noites do Casino.<br />
Este foi o princípio de uma relação<br />
de sucesso para todos.
86 porViseu ’60s.<br />
.o.casino.<br />
1 2 3 4 5 6<br />
1. 2. 3.<br />
Programas do Casino<br />
4. 5. 6.<br />
Carteiras profissinais<br />
O Grande Casino Peninsular da<br />
Figueira era em 1965 um grande<br />
complexo multidisciplinar de<br />
lazer com vários ambientes:<br />
<br />
como “O Pátio das Galinhas”,<br />
situada no átrio do Casino, com<br />
um gradeamento alto na parte<br />
frontal, uma cobertura em lona,<br />
mesas redondas em ferro e<br />
cadeiras de verga, era o ponto de<br />
encontro de todos: pais, filhos,<br />
avós e netos, e também os amigos<br />
e as esposas dos jogadores.<br />
Toda a Figueira passava por ali,<br />
antes ou depois do cinema, da<br />
tourada, da matiné, do jogo, da<br />
garraiada, ou do espectáculo;<br />
<br />
um pé direito muito alto que<br />
culminava em ogiva, com uma<br />
grande galeria de 360º, onde<br />
se realizavam as matinés, as<br />
garraiadas e os espectáculos<br />
nocturnos durante a semana.<br />
Aos sábados ou nas grandes<br />
enchentes servia como<br />
2.º Salão de Baile;<br />
<br />
anos 20, de forma quadrada, de<br />
estética única com magníficas<br />
pinturas e lustres imponentes,<br />
enormes espelhos verticais em<br />
todas as paredes, foi sempre<br />
a verdadeira sala de visitas do<br />
Casino que se engalanava para<br />
as noites das Estrelas. Ainda hoje<br />
tem várias lápides com o nome<br />
dos grandes artistas que por<br />
ali passaram como Amélia Rey
os tubarões ’65 87<br />
Colaço, Amália Rodrigues<br />
e também a Maria Clara que<br />
imortalizou a cidade com a sua<br />
célebre canção a ela dedicada;<br />
<br />
americana, banca francesa,<br />
black-jack e outros jogos de<br />
casino;<br />
Boîte, para adultos, com<br />
conjunto e variedades próprias;<br />
O Cinema e uma Sala de<br />
Exposições sempre com<br />
actividades diversificadas nos<br />
temas e nas artes.<br />
O edifício original do Casino é do<br />
Séc. XIX e a construção do Salão<br />
Nobre data de 1898. A primeira<br />
Concessão de Jogo data de 1928.<br />
As nossas actuações no Casino<br />
prolongaram-se<br />
até ao final da época do mês de<br />
Setembro. Em termos musicais o<br />
Casino foi a nossa grande escola<br />
musical.<br />
Em primeiro lugar, facto relevante<br />
que cumprimos, cada um de<br />
nós teve de adquirir a Carteira<br />
Profissional de Músico para<br />
concretizarmos o contrato oficial<br />
com o Casino.<br />
No Casino encontrámos,<br />
convivemos e alternámos com<br />
músicos profissionais fabulosos<br />
que cumpriam rigorosos<br />
métodos de trabalho e eram<br />
muito responsáveis. Tocávamos<br />
diariamente para públicos<br />
diversificados, o que nos obrigava<br />
a ter activa uma playlist muito<br />
completa, e ganhámos grande<br />
flexibilidade e experiência nas<br />
actuações ao vivo.<br />
Neste ano de 1965 conhecemos<br />
o fantástico conjunto italiano<br />
“I Don Giovanni”, artistas<br />
nacionais e internacionais de<br />
grande prestígio como a Gelú,<br />
o “Duo Ouro Negro” e a Madalena<br />
Iglésias. Quando passámos do<br />
Tubarão para o Casino juntámo-<br />
-nos aos conjuntos então<br />
residentes, com quem passámos<br />
a partilhar a restante época:<br />
“I Don Giovanni”, “Sousa Tavares”<br />
e “Sérgio e sua Orquestra”.
88 porViseu ’60s.<br />
.os.amigos. Na Figueira da Foz fizemos muitas<br />
e grandes amizades, as quais<br />
perduram até aos dias de hoje.<br />
Recordamos o grupo da Figueira<br />
com muitos amigos como o<br />
Victor Pais, os irmãos Beja com<br />
a sua Vela Solex, o Jorge Raio e<br />
o seu Fiat 600, o Cró, o Jobé, o Zé<br />
Lemos, o Gina, o Beli e ainda as<br />
1 2 Primas Seco, a Manuela Bolacha,<br />
1. 2.<br />
Programas Casino<br />
e a Fernanda. O grupo de Coimbra<br />
liderado pelo Né Brinca com o seu<br />
Hilman Imp e o Cortesão.<br />
O grupo muito animado de<br />
Maiorca com as manas Pontes<br />
de Sousa, o grupo de Lisboa<br />
com as manas Pétinhas, o grupo<br />
espanhol liderado pela Api e pelo<br />
Manolo e os holandeses liderados<br />
pelas manas Yoko. Muitas e boas<br />
saudades.<br />
E não podemos esquecer os<br />
lugares por onde passávamos<br />
como o Café Nicola com o seu<br />
famoso bife à café, os pregos da<br />
Sacor junto à Estação de caminho<br />
de ferro, as paellas na Praia com<br />
o grupo espanhol, a Serra das<br />
Óptimas Viagens, o Clube de Ténis,<br />
as festas na casa do Vitor<br />
Pais, etc… sem nunca faltar<br />
o amendoim, sempre do melhor<br />
e bem torradinho e as melhores<br />
pevides do mundo que o<br />
Sr. Loureiro nunca se esquecia de<br />
nos abastecer.
os tubarões ’65 89<br />
.de.novo.Viseu.<br />
1<br />
2<br />
3 4<br />
5<br />
6<br />
1.<br />
Hotel Lisboa<br />
2.<br />
Termas de S. Pedro do Sul<br />
3.<br />
Programa baile<br />
em Sabugosa<br />
4.<br />
Conjunto no Hotel Lisboa<br />
5.<br />
Amplivox Farfisa<br />
6.<br />
Farfisa TR60<br />
No mês de Setembro regressámos<br />
a Viseu e aos ensaios no Cine-<br />
-Rossio. Cumprimos vários<br />
contratos musicais como na<br />
Festa das Vindimas em Sabugosa,<br />
no Baile de Máscaras do Hotel<br />
Lisboa nas Termas de S. Pedro do<br />
Sul para encerramento da época<br />
e alguns outros.<br />
As eliminatórias do Grande<br />
Concurso ié-ié tinham começado<br />
a 28 de Agosto. Realizavam-se<br />
nas tardes de sábado no Teatro<br />
Monumental em duas sessões,<br />
servindo a primeira como ensaio,<br />
sem Júri, e a segunda é que era a<br />
valer. Normalmente participavam<br />
cinco conjuntos por sessão.<br />
Aguardávamos a convocatória.
90 porViseu ’60s.<br />
.quim.<br />
guimarães.<br />
1.<br />
Quim Guimarães<br />
2.<br />
Formação do conjunto com o Quim<br />
Guimarães na viola solo<br />
(1º. da esquerda)<br />
3.<br />
Conjunto no Cine-Rossio<br />
a caminho do Concurso ié-ié<br />
4.<br />
Viola Hofner<br />
5.<br />
Ensaios para o Concurso ié-ié<br />
1<br />
2<br />
3<br />
4<br />
5<br />
Em Viseu, em Setembro de<br />
1965, corria a notícia de que<br />
o conjunto “Os Diamantes”<br />
tinha cessado a sua actividade<br />
musical. Nele tocava viola o<br />
Quim Guimarães (n. 1945), dois<br />
anos mais velho do que nós,<br />
que era um virtuoso intérprete<br />
daquele instrumento, músico<br />
muito conhecido e apreciado na<br />
cidade nomeadamente pelo arrojo<br />
em adaptar e interpretar êxitos<br />
clássicos à viola eléctrica, como<br />
o voo do moscardo. Surgiu-nos<br />
a ideia de o convidarmos para<br />
nosso viola solo, colmatando<br />
a falta que tínhamos desde<br />
a saída do Tó Fifas no final de<br />
1964. Sabíamos que ele nutria<br />
alguma simpatia pelo nosso<br />
conjunto e tinha afinidades com<br />
o nosso género musical Pop mais<br />
moderno do que o praticado pelos<br />
“Diamantes”. Não foi fácil a sua<br />
entrada para o conjunto pois os<br />
pais do Quim não andavam muito<br />
satisfeitos com os resultados<br />
dos seus estudos e como tal não<br />
queriam consentir nova aventura<br />
musical. De novo nos valeu a<br />
experiência e o saber do<br />
Sr. Loureiro, amigo pessoal<br />
do pai do Quim, que após<br />
várias conversas lá conseguiu<br />
o respectivo acordo. Para o<br />
conjunto foi muito importante<br />
a entrada do Quim Guimarães<br />
como novo viola solo, pois além<br />
do saber, tinha muita experiência<br />
musical feita em vários conjuntos,
os tubarões ’65 91<br />
tinha gosto e muita sensibilidade.<br />
Renovámos e melhorámos<br />
substancialmente a nossa<br />
aparelhagem e instrumentos<br />
com a aquisição de uma viola<br />
Fender Stratocaster vermelha<br />
para o Quim Guimarães, uma<br />
Hofner de meia caixa para o Vitó,<br />
uma nova viola baixo, adquirimos<br />
nova aparelhagem de voz com<br />
os primeiros microfones Shure e<br />
ainda o primeiro amplificador Vox<br />
AC30. Começámos a ensaiar no<br />
Cine-Rossio preparando a nossa<br />
participação no ié-ié.<br />
Nos ensaios, sempre que alguma<br />
música ou som não fosse do<br />
agrado do Quim, ele parava de<br />
tocar, saía do palco e ia para a<br />
assistência ouvir-nos, esmiuçava<br />
todos os instrumentos e sons<br />
e obrigava-nos a repetir até<br />
perceber e levar-nos a corrigir o<br />
pormenor que não lhe soava bem.<br />
Com ele começámos a interpretar<br />
músicas de uma craveira musical<br />
mais exigente quer na vertente<br />
instrumental quer na vertente de<br />
vozes.<br />
Os ensaios no Cine-Rossio<br />
começaram a ter muitos amigos e<br />
assistentes que gostavam de nos<br />
ouvir e acompanhar os nossos<br />
ensaios. Alturas houve em que<br />
tivemos de restringir o acesso<br />
aos ensaios de modo a podermos<br />
estar mais concentradas no<br />
nosso trabalho. Eis alguns<br />
dos amigos chegados que nos<br />
acompanhavam na altura:
92 por.Viseu ’60s.<br />
6<br />
6.<br />
Ensaios para<br />
o concurso ié-ié<br />
<br />
dia-a-dia, pianista com bom<br />
ouvido musical, que conhecia de<br />
cor e salteado o nosso repertório<br />
musical, e que saltava sempre<br />
para o teclado quando o Carlos<br />
Alberto não estava ou não podia<br />
tocar;<br />
<br />
grupo de fãs da Avenida do Liceu;<br />
<br />
o Rui Oliveira e Costa (que nós<br />
tratávamos por Ruizinho da<br />
Tentadora, café em Campo de<br />
Ourique onde o Rui parava muito),<br />
ao tempo ligado aos “Sheiks” e<br />
aos conjuntos do seu amigo Luís<br />
Moutinho, que mostrava estar a<br />
par das modas e dos êxitos mais<br />
recentes em Inglaterra, fazendo<br />
alguns comentários e sugestões<br />
que nós aproveitávamos;<br />
<br />
férias com a família o José Balula<br />
Cid, que veio a ser famoso como<br />
cavaleiro e mestre de equitação,<br />
e não perdia um dia da sua<br />
estadia sem estar connosco<br />
e nos brindar com as suas<br />
interpretações jazzísticas<br />
ao piano, das quais muito<br />
se destacava a superior<br />
interpretação de “O Sol de<br />
Inverno”.
os tubarões ’65 93<br />
.concurso.ié-ié.<br />
7.ª.eliminatória.<br />
1.<br />
Viola Fender Stratocaster<br />
1<br />
Chegou a convocatória para a<br />
7.ª eliminatória do Concurso<br />
ié-ié marcada para sábado,<br />
9 de Outubro, com a participação<br />
d’ “Os Kzares” (Aveiro),<br />
“Os Jovens do Ritmo” (Seixal),<br />
“Os Sheiks” (Lisboa) e “Os Galãs”<br />
(Porto). Para além d’ “Os Sheiks”,<br />
considerado o melhor conjunto de<br />
então, conhecíamos “Os Galãs”<br />
de nome, no qual participava o<br />
saudoso Barradas, amigo do Vitó<br />
no Porto e com quem nos viemos<br />
a encontrar mais tarde, na guerra<br />
colonial da Guiné. Sabíamos ser<br />
uma eliminatória muito difícil pois<br />
indubitavelmente o primeiro lugar<br />
pertenceria, por real valor, aos<br />
“Sheiks” e seria muito difícil,<br />
na mesma eliminatória,<br />
o apuramento de vários conjuntos<br />
para a fase seguinte.<br />
Mas, curiosamente, não partimos<br />
para a eliminatória apoquentados.<br />
Munidos do voucher do<br />
Movimento Nacional Feminino,<br />
dos instrumentos e com o nosso<br />
smoking azul na mala, partimos<br />
dia 8 para Lisboa tendo ficado<br />
instalados no Inatel na Calçada de<br />
Santana, onde encontrámos<br />
“Os Kzares” de Aveiro que<br />
também acabavam de<br />
chegar. Após as respectivas<br />
apresentações, ali dormimos e<br />
no sábado seguinte, pela manhã,<br />
fomos até ao Teatro Monumental,<br />
no Saldanha, onde decorria o<br />
Concurso. O dia passou depressa<br />
com os ensaios de som e<br />
alinhamento dos conjuntos.<br />
As matinés do Concurso estavam<br />
a animar as tardes de sábado em<br />
Lisboa e as reportagens referiam<br />
o entusiasmo das assistências<br />
em apoio aos conjuntos em palco,<br />
imitando a moda em voga quanto<br />
ao comportamento dos fãs dos<br />
“Beatles” quando estes passavam<br />
ou actuavam.<br />
Nós, vindos de Viseu, não<br />
contávamos nem sonhávamos<br />
com apoio de claques. Mas<br />
tivemos uma grande surpresa<br />
quando fomos anunciados e<br />
arrancámos com o “Good Golly<br />
Miss Molly” (Little Richard).<br />
Ouvimos uma gritaria infernal que<br />
nos entusiasmou e contribuiu<br />
para uma grande actuação, com<br />
aplausos, gritos, e apoio à nossa
94 porViseu ’60s.<br />
1<br />
1.<br />
Teatro Monumental<br />
2.<br />
Jornal O Século, reportagem da 7ª<br />
eliminatória do concurso ié-ié<br />
a)<br />
guedelhudos.blogspot.<br />
com/2008/09/sheiks-venceram-7-<br />
eliminatria.html<br />
2<br />
presença. Em palco continuámos<br />
com a música “Michael Aleluia”<br />
(Trini Lopes), um pouco mais lenta<br />
mas que mostrava o bonito timbre<br />
da voz do Zé Merino, seguiu-se<br />
o “Ya Ya” (Trini Lopes), já mais<br />
mexida e com um refrão muito<br />
fácil de repetir que permitia<br />
envolver o público num diálogo<br />
com o vocalista, e terminámos<br />
“em grande” e com um barulho<br />
ensurdecedor quando o Quim<br />
Guimarães arrancou os primeiros<br />
acordes do “Eight Days a Week”,<br />
dos “Beatles”. Para nós foi<br />
uma verdadeira e monumental<br />
actuação no Monumental.<br />
Não sabíamos o que poderia<br />
acontecer quanto à votação, mas<br />
ficámos muito satisfeitos com<br />
a nossa prestação. Soubemos<br />
depois terem aparecido muitos<br />
amigos de Viseu, que mobilizados<br />
pelo Fernando Pascoal de Matos,<br />
pelo Zé Sacadura e pelo João<br />
Correia dos Santos se juntaram e<br />
reuniram os viseenses em Lisboa<br />
formando uma verdadeira claque,<br />
à qual se juntou noutro espaço<br />
da Plateia o grupo das Termas<br />
de S. Pedro do Sul (Vimena,<br />
Carla) que também trouxeram<br />
os seus amigos. Foi um apoio<br />
completamente inesperado para<br />
nós, que muito nos surpreendeu<br />
e animou.<br />
Regressámos a Viseu com o 2.º<br />
lugar e a seguinte classificação<br />
da 7.ª eliminatória: 1.º “Sheiks”,<br />
43 pontos, 2.º “Os Tubarões”,<br />
26 pontos; 3.º “Os Galãs”,<br />
21 pontos, 4.º “Kzares”, 17 pontos<br />
e 5.º “Jovens do Ritmo”, 17 pontos.<br />
Pelo que se tinha passado até<br />
então foi considerada uma boa<br />
classificação e os 26 pontos<br />
colocavam-nos em lugar elegível<br />
para as meias finais, como se<br />
veio a confirmar. Tal classificação<br />
enchia-nos de orgulho e em Viseu<br />
não se falava de outra coisa.<br />
O que saiu na imprensa:<br />
“Sobre Os Tubarões a) : Apenas<br />
actuam quando isso não causa<br />
transtorno aos seus estudos.<br />
Revelou-se um conjunto<br />
homogéneo, com valores<br />
individuais e com vastas<br />
possibilidades no futuro.<br />
O júri atribuiu-lhes 26 pontos.<br />
Apresentaram-se com “Miss<br />
Molly”, “Eight Days A Week”,<br />
“Mike”, de Trini Lopez, e “Ya Ya”.<br />
Envergavam fato azul, camisa<br />
branca e laço preto. Eis os seus<br />
nomes: Luís Alberto Dutra,<br />
viola baixo, 18 anos, Joaquim<br />
Guimarães, viola solo, 20 anos,<br />
Victor Barros, viola ritmo, 18 anos,<br />
José Merino, vocalista, 17 anos,<br />
Eduardo Pinto, bateria, 18 anos,<br />
e Carlos Alberto, órgão eléctrico,<br />
16 anos.”
os tubarões ’65 95
96 porViseu ’60s.<br />
.terraço.das<br />
.estrelas<br />
.do.hotel<br />
.embaixador.<br />
A nossa primeira participação<br />
no ié-ié trouxe-nos uma<br />
agradável surpresa que me tocou<br />
especialmente.<br />
No Teatro Monumental a porta<br />
dos artistas era lateral e dava<br />
para a Avenida Praia da Vitória<br />
(a Rua do Toni dos Bifes).<br />
No intervalo das duas sessões<br />
o Zé Merino e o Quim Guimarães<br />
tentaram ir ao bar mas ficaram<br />
pelo caminho a dar autógrafos.<br />
Eu vim até à rua apanhar um<br />
pouco de ar e fumar um cigarro.<br />
Estava à porta dos artistas<br />
quando sou abordado por um<br />
senhor que me pergunta se eu<br />
sabia se estava presente um<br />
conjunto de Viseu chamado<br />
“Os Tubarões”. Surpreso respondi<br />
afirmativamente e quando disse<br />
o meu nome, ouço incrédulo.<br />
“Dá-me um grande abraço. Sou<br />
o teu tio Vasco”.<br />
O meu tio Vasco, irmão do meu<br />
pai, era muito mais dado às<br />
brincadeiras do que aos estudos.<br />
Cedo saiu de Viseu e aventurou-se<br />
em Lisboa onde fez uma brilhante<br />
carreira profissional ligada<br />
aos Seguros terminando como<br />
Administrador da Mútua dos<br />
Bacalhoeiros. Eu só o conhecera<br />
muito pequeno e nunca mais<br />
tinha tido contacto directo com<br />
ele. Só indirectos e através da<br />
minha avó Laura, sua mãe. Pois<br />
naquele dia de Outubro deu-se<br />
a coincidência de a minha avó<br />
Laura estar a passar uns dias<br />
em Lisboa em casa do meu tio<br />
Vasco. Logo que soube da nossa<br />
presença na capital tudo fez<br />
para nos encontrar. Para mim foi<br />
um momento de grande afecto e<br />
alguma comoção e para todos um<br />
agradável momento de alegria e<br />
diversão. Fomos todos convidados<br />
para jantar e passar o serão com o<br />
meu tio Vasco, a mulher e a minha<br />
avó Laura.<br />
Levou-nos ao Terraço das Estrelas<br />
do Hotel Embaixador, na Duque<br />
de Loulé, que naquele tempo<br />
também pertencia ao Casino<br />
do Estoril, estava na moda<br />
e regularmente apresentava<br />
um espectáculo de variedades<br />
aos sábados. Foi um jantar<br />
memorável, cheio de surpresas<br />
e diversão, regado com muita
os tubarões ’65 97<br />
1<br />
2<br />
1.<br />
Microfone Shure 55 Clássico<br />
2.<br />
Amplificador Vox AC30<br />
.fim.do.ano.<br />
bebida para libertar a emoção<br />
vivida nesse dia, que culminou<br />
com a nossa actuação no Terraço<br />
das Estrelas. Ao vivo e em directo!<br />
Do nosso sexteto constituiu-se<br />
ali mesmo um quarteto que se<br />
adaptou ao piano, contra-baixo e<br />
bateria, acompanhando o Zé em<br />
várias músicas que arrancaram<br />
aplausos do público que nos<br />
acompanhava cantando connosco<br />
algumas das melodias. E esta<br />
participação faz parte do nosso<br />
currículo.<br />
Saímos de madrugada, e o Luís<br />
Dutra, tal era o turbilhão, e quase<br />
descendo as escadas de entrada<br />
em trambolhão, tentava mandar<br />
parar uma ambulância que<br />
subia a Duque de Loulé a toda a<br />
velocidade com a sirene ligada,<br />
pensando tratar-se de um táxi.<br />
Tal era a confusão.<br />
Com o tio Vasco ficou logo<br />
marcado novo encontro para uma<br />
próxima visita a Lisboa, o que veio<br />
a acontecer mais tarde.<br />
Regressámos aos estudos e ao<br />
Liceu, aos ensaios aos fins de<br />
semana desde que não houvesse<br />
outros compromissos e animámos<br />
a festa do fim do ano no Clube de<br />
Viseu.<br />
Em 1965, crescemos!
66<br />
99<br />
100<br />
102<br />
103<br />
104<br />
106<br />
108<br />
109<br />
110<br />
112<br />
113<br />
113<br />
114<br />
115<br />
117<br />
119<br />
120<br />
123<br />
125<br />
.conquistar.<br />
.conquistar.<br />
.concurso.ié-ié.semi.final.<br />
.depoimento.joão.correia.dos.santos.<br />
.má.notícia.pior.decisão.<br />
.embaixadores.de.viseu.<br />
.concurso.ié-ié.final.<br />
.espectáculo.no.cine.rossio.<br />
.depoimento.ledinha.e.kinga.<br />
.café.snack.bar.alvorada.<br />
.o.casino.da.figueira.da.foz.<br />
.orquestra.de.josé.santos.rosa.<br />
.shegundo.galarza.<br />
.amália.<br />
.artistas.com.quem.nos.cruzámos.<br />
.má.nota.na.ota.<br />
.de.novo.viseu.<br />
.as.primeiras.gravações.<br />
.o.estúdio.<br />
.passagem.do.ano.no.grande.hotel.
os tubarões ’66<br />
99<br />
.conquistar. 1966 foi o ano da projecção<br />
nacional do conjunto devido<br />
essencialmente à participação<br />
no Grande Concurso ié-ié, e a<br />
consolidação da nossa presença,<br />
durante o Verão, como atracção e<br />
conjunto oficial do Grande Casino<br />
Peninsular da Figueira da Foz.<br />
O Baile de Finalistas do Liceu<br />
1 de Viseu realizou-se no dia 8 de<br />
Janeiro no Salão de Festas do<br />
1.<br />
“Os Tubarões” no Casino Cine-Rossio com os conjuntos<br />
de “Mário Simões” a) e de “Sousa<br />
Pinto” b) Após o fim do ano no<br />
Clube de Viseu ensaiámos com<br />
afinco para a nossa participação<br />
na semi-final do ié-ié, marcada<br />
para 15 de Janeiro.<br />
a)<br />
http://musicasdosanos60.<br />
blogspot.com/2011/03/mariosimoes-e-o-seu-conjunto-10-lp.<br />
html<br />
b)<br />
http://musicasdosanos60.<br />
blogspot.com/search/label/<br />
Conjunto%20Sousa%20Pinto
100 porViseu ’60s.<br />
.concurso.<br />
ié-ié.semi.<br />
final.<br />
Dos mais de setenta conjuntos<br />
concorrentes ao Concurso ié-ié,<br />
24 passaram às meias finais,<br />
realizadas durante o mês de<br />
Janeiro em quatro sessões, e a 23<br />
de Abril realizou-se uma sessão<br />
só com os conjuntos oriundos<br />
das Colónias Portuguesas na<br />
qual participaram os “Rocks de<br />
Angola”, os “Night Stars”<br />
de Moçambique, os “Lordes da<br />
Guiné” e “Ritmos Cabo-Verdianos”<br />
de Cabo Verde.<br />
Fomos chamados para a 2.ª<br />
semi-final que se realizou a 15<br />
de Janeiro no Teatro Monumental<br />
com os seguintes conjuntos:<br />
os “Saints” (futuros “Claves”),<br />
que vieram a ganhar na final do<br />
Concurso, os “Jets”, os “Cometas<br />
Negros” de Castelo Branco, os<br />
“Kímicos”, e os “Boys” de Coimbra.<br />
Da nossa experiência na<br />
eliminatória anterior já<br />
conhecíamos o ambiente<br />
escaldante gerado pelas claques<br />
e também sabíamos que estas<br />
eram muito sensíveis às músicas<br />
tocadas pelos diferentes<br />
conjuntos.<br />
Um êxito que estivesse no top<br />
ten e fosse bem interpretado,<br />
ou uma música de agrado geral,<br />
teriam francas possibilidades de<br />
gerar muito mais aplausos do que<br />
êxitos indiferenciados ou músicas<br />
pouco conhecidas.<br />
Em face destes considerandos,<br />
e de algumas dicas do Rui Oliveira<br />
e Costa, tivemos muito cuidado<br />
na selecção das músicas a<br />
interpretar, já que através delas<br />
poderíamos conquistar claques<br />
de Lisboa, sempre muito sensíveis<br />
ao último êxito, ao último grito<br />
musical, ou à letra mais radical.<br />
Assim a lista seleccionada<br />
incluiu “Satisfaction” dos<br />
“Rolling Stones”, “I Feel Fine”<br />
dos “Beatles”, “It’s My Life” e<br />
“We gotta get out of this place”<br />
dos “Animals”, conjunto que<br />
tinha dado dois concertos em<br />
Dezembro/65 no Monumental,<br />
esgotados e de sucesso<br />
retumbante. Era uma playlist<br />
fortíssima com músicas que<br />
permitiriam ao júri apreciar<br />
convenientemente as diferentes<br />
valências musicais do grupo,<br />
instrumental, vozes e o colectivo.
os tubarões ’66 101<br />
Foi uma sessão muito renhida<br />
e que nos correu muito bem.<br />
O ambiente era escaldante<br />
e o berreiro infernal. Em muitos<br />
momentos não nos ouvíamos<br />
uns aos outros e por vezes<br />
nem o próprio instrumento.<br />
Tocávamos por instinto com muita<br />
determinação e concentração.<br />
Naquele tempo não havia as<br />
tecnologias de hoje com sons<br />
de retorno e o controlo do som<br />
era feito directamente por nós<br />
em palco. Tudo era ao vivo saído<br />
directamente dos amplificadores.<br />
O palco do Monumental era<br />
enorme mas mesmo assim<br />
pequeno para as aparelhagens<br />
de seis conjuntos em simultâneo,<br />
mesmo partilhando uma única<br />
bateria. Ficávamos muito<br />
distantes uns dos outros e com<br />
muita pouca audição de conjunto.<br />
Mas era assim para nós e para<br />
todos.<br />
De novo se mobilizaram as nossas<br />
claques, a de Viseu e a de Lisboa.<br />
Entrámos em palco vestidos<br />
com um bonito fato cinzento de<br />
trespasse feito na Alfaiataria<br />
Freitas em S. Pedro do Sul e<br />
começámos com o “Satisfaction”,<br />
um clássico com aceitação muito<br />
generalizada e a adesão foi muito<br />
boa. Seguiram-se os primeiros<br />
acordes do baixo do “We gotta get<br />
out of this place”, último êxito dos<br />
“Animals”, grupo que tinha uma<br />
configuração instrumental muito<br />
semelhante à nossa, para além<br />
do timbre do Zé Merino lembrar<br />
o timbre do Eric Burdon. Ainda<br />
com os aplausos no ar o Quim<br />
arrancou com os inconfundíveis<br />
primeiros acordes do “I Feel<br />
Fine” e terminámos com uma<br />
fortíssima interpretação do<br />
Zé Merino no “It’s my life” dos<br />
“Animals”, uma música do final<br />
do ano de 1965 especialmente<br />
escrita para a voz do Eric Burdon,<br />
com uma construção musical<br />
forte iniciada pela viola baixo que<br />
sincroniza com a viola solo na<br />
segunda frase musical, e assim<br />
se mantém durante partes da<br />
música, sempre em crescendo,<br />
e sobre a qual evolui um timbre<br />
forte de voz que nalgumas fases<br />
incita ao diálogo com os coros.<br />
Sem dúvida uma boa música que<br />
nós tocávamos muito bem. E a<br />
plateia foi ao rubro. Foi uma tarde<br />
memorável. Não conseguíamos<br />
sair do palco pois os aplausos não<br />
paravam. O público pedia mais<br />
uma música e não se cansava<br />
de aplaudir. Nós agradecíamos<br />
no palco com o Zé a dizer estar<br />
rebentado da garganta. Então<br />
o Quim Guimarães virou-se<br />
para o Júri algures no Balcão<br />
à nossa direita, levantou o<br />
indicador direito e interrogou:<br />
“só mais uma?” e foi-nos dada<br />
autorização. Interpretámos o “voo<br />
do moscardo”, um instrumental<br />
clássico que o Quim tinha<br />
adaptado à viola eléctrica, e em<br />
que demonstrava todo o seu<br />
virtuosismo.
102 porViseu ’60s.<br />
.depoimento.<br />
João Correia dos Santos<br />
O Quim brilhou com todo o<br />
Monumental em pé quando<br />
colocou a viola no ombro direito<br />
e solava com a viola nas costas.<br />
Outra monumental tarde no<br />
Monumental!<br />
Durante esta música parti uma<br />
das baquetas que me feriu um<br />
dos dedos, jorrando sangue pela<br />
bateria. Tocámos até ao final com<br />
o público em pé. Foi uma ovação!<br />
Tudo nos correu bem nesta semi-<br />
-final, provavelmente a melhor<br />
actuação de toda a nossa vida<br />
musical. Saímos sem fazermos<br />
a menor ideia das classificações<br />
atribuídas pelo Júri, tendo<br />
constado que não havia consenso<br />
entre os seus membros.<br />
No dia seguinte o Século<br />
anunciava que o Júri iria reunir<br />
para atribuir as pontuações.<br />
E este facto foi estranho e gerou<br />
controvérsia, já que o normal<br />
era aquele jornal publicar as<br />
classificações no domingo<br />
seguinte.<br />
Mais em guedelhudos.blogspot.<br />
com/2010/01/ie-ie-em-janeiro.html<br />
CONCURSO IÉ-IÉ<br />
GRANDE SEMI-FINAL NO<br />
MONUMENTAL EM LISBOA<br />
Decorria o ano de 1965, e por<br />
inicativa do Movimento Nacional<br />
Feminino desenrolou-se um<br />
concurso de Bandas Rock a nível<br />
Nacional e que teve uma semifinal<br />
no Cinema Monumental em<br />
Janeiro de 1966 em que Viseu<br />
estava representado pelo “nosso”<br />
conjunto “Os Tubarões”.<br />
Se, para os visienses a qualidade<br />
e classe deste conjunto não era<br />
novidade ou espanto, para o<br />
País inteiro foi uma “bomba” que<br />
rebentou e que pôs em causa<br />
a hegemonia dos conjuntos<br />
lisboetas e portistas, que<br />
consideravam favas contadas.<br />
A SUA VITÓRIA FINAL.<br />
O Monumental encheu,<br />
com uma Juventude delirante,<br />
apoiando cada claque o seu Grupo<br />
preferido.<br />
No Balcão Superior encontrava-<br />
-se uma claque que se distinguia<br />
das outras pelo seu entusiasmo<br />
e bairrismo.<br />
A CLAQUE DE VISEU<br />
Constituída por antigos alunos<br />
que se encontravam a estudar ou<br />
a trabalhar em Lisboa e muitos<br />
apoiantes “Estrangeiros” rendidos<br />
à classe dos “Tubarões” foi um<br />
delírio e uma loucura o apoio<br />
à GENIAL interpretação dos<br />
“Tubarões” que arrebataram todo<br />
o auditório do Monumental, com<br />
as suas interpretações.<br />
Não seria justo destacar este ou<br />
aquele interveniente, pois todos<br />
demonstraram a categoria que<br />
tinham.<br />
Não seria por bairrismo ou<br />
patriotismo dizer que foram os<br />
melhores na semi-final e que<br />
mereciam – de longe – vencerem<br />
a eliminatória.<br />
Mas já naquela tempo outros<br />
“valores” mais altos se<br />
levantavam.<br />
Foi memorável esse dia e tive<br />
o privilégio de ter asssitido ao<br />
vivo a essa memorável jornada<br />
que levou bem alto o valor e<br />
a categoria dos “Tubarões”,<br />
considerado na época um dos<br />
melhores conjuntos Rock de<br />
Portugal.<br />
PARABÉNS e agradecido pelos<br />
momentos memoráveis que me<br />
proporcionaram.<br />
São estes episódios que nos<br />
deixam orgulhosos da nossa<br />
Juventude Visiense dos Anos 60.
os tubarões ’66 103<br />
.má.notícia.<br />
pior.decisão.<br />
1.<br />
Carnaval, Clube de Viseu<br />
1<br />
O Carnaval foi a 22 de Fevereiro<br />
e nós animámos no Clube de<br />
Viseu os vários bailes e matinés<br />
que eram habituais na época.<br />
Com o acordo da Direcção do<br />
Clube continuámos a ensaiar no<br />
Salão de Festas aguardando a<br />
evolução do Concurso ié-ié, em<br />
que os nossos 33,5 pontos nos<br />
davam alguma tranquilidade.<br />
Foi após o Carnaval que tivemos<br />
a pior notícia da vida do conjunto,<br />
que muito nos abalou e marcou.<br />
O Sr. Loureiro e o Quim Guimarães<br />
pediram uma reunião para nos<br />
comunicarem que, por razões<br />
muito particulares, o Quim<br />
tinha decidido ir estudar e viver<br />
para Lisboa. E tal mudança<br />
se concretizaria logo no início<br />
do mês de Março, data que<br />
poderia vir a colidir com a nossa<br />
possível presença na final do<br />
ié-ié, prevista para o mês de<br />
Abril ou Maio. Ficámos muito<br />
perturbados e a idade não nos<br />
permitia compreender a opção<br />
do Quim. Como poderia o Quim<br />
não considerar o conjunto uma<br />
prioridade, a prioridade, a coisa<br />
mais importante do mundo como<br />
todos nós, dois anos mais novos,<br />
considerávamos? Foi um embate<br />
muito forte que magoou todos os<br />
restantes membros do conjunto.<br />
E se fossemos apurados para<br />
final do ié-ié como faríamos?<br />
O Quim, apoiado pelo Sr. Loureiro,<br />
manifestou sempre a maior<br />
solidariedade connosco e a total<br />
disponibilidade para vir aos fins<br />
de semana ensaiar e assim poder<br />
estar presente connosco na final.<br />
Foram momentos muito tensos.<br />
Após muita discussão, e apesar<br />
da influência e dos pedidos<br />
de ponderação do Sr. Loureiro,<br />
rejeitámos a proposta do Quim<br />
e decidimos seguir sozinhos<br />
a nossa vida musical, mesmo<br />
a provável participação na final<br />
do ié-ié.<br />
Mais tarde, com a distância do<br />
tempo e longe das emoções,<br />
todos reconhecemos que a nossa<br />
decisão foi um perfeito, completo<br />
e rotundo disparate.
104 porViseu ’60s.<br />
nos acompanhava nas nossas<br />
actuações aos fins de semana<br />
aumentava de dia para dia.<br />
Só a 25 de Abril é que recebemos<br />
o telegrama com a informação<br />
de que estávamos apurados para<br />
a final. Dia 23 tinha ocorrido a<br />
semi-final dos conjuntos das ex-<br />
-colónias e dois deles, os “Rocks”<br />
de Angola e os “Night Stars” de<br />
Moçambique, foram apurados.<br />
.embaixadores.<br />
de.Viseu.<br />
Não havia muitas notícias sobre<br />
a evolução do Concurso ié-ié.<br />
Sabia-se que estariam a decorrer<br />
eliminatórias nas Colónias mas<br />
havia muito pouca informação<br />
sobre o tema. Nós continuávamos<br />
na expectativa a aguardar mais<br />
informações sobre o desenrolar<br />
do Concurso.<br />
Em Viseu, a expectativa e o<br />
carinho para com o conjunto eram<br />
enormes. Todos queriam saber<br />
novidades: os colegas, os amigos<br />
e conhecidos, os professores e<br />
todas as entidades da cidade.<br />
Vivíamos uma saudável atmosfera<br />
junto de todos os conterrâneos.<br />
E todos viviam connosco a nossa<br />
faceta artística e a comitiva que<br />
E foi com alguma surpresa<br />
que recebemos um convite<br />
do Governador Civil de Viseu,<br />
Sr. Eng.º Engrácia Carrilho, para<br />
uma audiência no Salão Nobre<br />
do Governo Civil.<br />
Dia 27 de Abril lá fomos<br />
devidamente aprumados com os<br />
fatos do conjunto, liderados pelo<br />
Sr. António Xavier de Sá Loureiro.<br />
Nunca entráramos naquele<br />
edifício na Av. 28 de Maio, hoje<br />
Alberto Sampaio. Aguardámos<br />
a audiência com o Sr. Eng.º<br />
Engrácia Carrilho.<br />
Era uma figura distinta e com<br />
grande prestígio em Viseu. Muito<br />
alto, sempre impecavelmente<br />
vestido de fato estilo inglês,<br />
casaco sempre abotoado, muito<br />
educado e muito simpático para<br />
todos com quem se cruzava.<br />
Uma figura ilustre da cidade!<br />
Para nós o gigantesco Salão<br />
que parecia vazio ficou<br />
completamente cheio quando<br />
o Eng.º Carrilho entrou.<br />
Iniciada a cerimónia ouvimos<br />
em palavras simples,
os tubarões ’66 105<br />
um pouco da história de Viseu,<br />
o seu passado, as suas gentes<br />
e a importância da cidade no<br />
contexto nacional e ibérico.<br />
As vias romanas que cruzaram<br />
a cidade, a Sé, as Muralhas e<br />
todo o passado histórico do qual<br />
existem tantos vestígios, os Reis<br />
e personalidades ligadas à cidade<br />
como D. Afonso Henriques,<br />
D. Duarte, Vasco Fernandes<br />
(Grão Vasco), João de Barros,<br />
Hilário, Emídio Navarro e<br />
seguramente muitos outros que<br />
já não recordamos. Após uma<br />
verdadeira aula de história viva da<br />
cidade, o Eng.º Engrácia Carrilho<br />
estimulou a nossa presença<br />
na final do ié-ié enaltecendo a<br />
proeza de termos ultrapassado<br />
com tanto mérito as eliminatórias<br />
que nos permitiam chegar à final.<br />
As palavras de incentivo, de<br />
enaltecimento das virtudes<br />
das gentes da nossa região,<br />
da importância da nossa<br />
presença enquanto viseenses no<br />
Monumental, caíram fundo em<br />
todos nós, e ainda mais pesaram<br />
quando fomos oficialmente<br />
nomeados “Embaixadores de<br />
Viseu no ié-ié”, mandatados<br />
para distribuirmos a todos os<br />
grupos presentes na Final,<br />
documentação e lembranças<br />
da região de Viseu.<br />
Saímos todos muito sérios e<br />
muito orgulhosos pela distinção<br />
e pelo importante papel que nos<br />
fora atribuído naquele acto no<br />
Governo Civil de Viseu.<br />
Ainda hoje, mais de 40 anos<br />
depois, várias vezes recordamos<br />
entre nós este episódio e o quanto<br />
nos marcou no amor a Viseu.<br />
Todos passámos a ver Viseu com<br />
outros e melhores olhos graças<br />
à inteligência de uma pessoa<br />
que, embora num lugar de grande<br />
prestígio, tomou a iniciativa de<br />
nos chamar, valorizar o nosso<br />
sucesso e transmitir<br />
com simplicidade e encanto<br />
a importância de se amar Viseu.<br />
Obrigado Eng.º Engrácia Carrilho.<br />
Nunca o esqueceremos.
106 porViseu ’60s.<br />
.concurso.<br />
ié-ié.final<br />
1<br />
2 3 4<br />
1.<br />
Livre-trânsito do Teatro<br />
Monumental<br />
2.<br />
Anúncio ao ié-ié<br />
3.<br />
Tarola Sonor<br />
4.<br />
Voucher M.N.F.<br />
Sexta-feira 29 de Abril, partimos<br />
para Lisboa com destino à Final<br />
do ié-ié. Tínhamos a obrigação de<br />
levar uma música em português.<br />
Poderia ser um original ou mesmo<br />
um cover mas com letra em<br />
português. O grupo dos nossos<br />
amigos, liderados pelo António<br />
Laranjeira, conseguiu arranjar<br />
uma letra em português adaptável<br />
à música dos “Beatles” “Eight<br />
days a week”, uma das que<br />
tínhamos seleccionado para levar<br />
à Final.<br />
E no sábado, 30 de Abril fomos<br />
de manhã para o Monumental<br />
preparar a Final com mais sete<br />
conjuntos: quatro de Lisboa<br />
(“Claves”, “Ekos”, “Jets” e<br />
“Chinchilas”), os “Espaciais” do<br />
Porto, os “Rocks” de Angola, os<br />
“Night Stars” de Moçambique.<br />
E logo à chegada cruzámo-nos<br />
com o Carlos Mendes que<br />
nos avisava de algumas<br />
irregularidades que teriam<br />
ocorrido e que justificavam a sua<br />
não presença na final. Constou ter<br />
havido algumas irregularidades<br />
na organização que terão<br />
beneficiado alguns conjuntos,<br />
mas nós, vivendo no interior, longe<br />
dos interesses comerciais, nunca<br />
soubemos nada de concreto, com<br />
excepção do que aconteceu na<br />
nossa semi-final com a demora<br />
na divulgação da classificação.<br />
Também houve reclamações<br />
quanto ao tratamento muito<br />
tolerante dado aos conjuntos das<br />
colónias que não foram sujeitos<br />
ao crivo tão exigente como o<br />
aplicado aos conjuntos que<br />
passaram nas eliminatórias do<br />
Monumental. E ficou por explicar<br />
a razão pela qual, numa Final<br />
com oito conjuntos seleccionados<br />
a partir do escrutínio entre os<br />
melhores nacionais, estava<br />
incluída a participação<br />
extra-concurso do conjunto<br />
“Os Deltons” que não tinha<br />
concorrido nem tinha projecção<br />
nacional para tal. Coisas à<br />
portuguesa.<br />
Terminava uma longa jornada<br />
após sete meses de eliminatórias<br />
onde nos cruzámos em palco com<br />
alguns dos melhores conjuntos<br />
da época, além dos da final:<br />
“Sheiks”, “Galãs”, “Kzares”, “Jovens<br />
do Ritmo”, “Químicos”, “Cometas<br />
Negros” e “Boys”. Muito trabalho,<br />
muitos ensaios, muitas canseiras,<br />
e uma grande alegria: a Final!<br />
Voltámos ao ambiente frenético<br />
do ié-ié no Monumental, ainda<br />
com mais confusão pois eram<br />
nove conjuntos em palco e uma<br />
organização muito deficiente no<br />
backstage. Um verdadeiro caos.<br />
Foi a maior desorganização em<br />
todas as nossas participações<br />
no Festival. Ninguém dava<br />
informações, tivemos de nos<br />
organizar por nossa iniciativa, não<br />
havia comando nem coordenação<br />
de palco.<br />
A Final foi de facto muito<br />
polémica e foram apresentados<br />
os seguintes resultados:
os tubarões ’66 107<br />
1º. CLAVES Lisboa - 55 pontos<br />
2º. ROCKS Angola - 45 pontos<br />
3º. NIGHT STARS Moçambique - 39,5 pontos<br />
4º. JETS Lisboa - 35 pontos<br />
5º. EKOS Lisboa - 29,5 pontos<br />
6º. CHINCHILAS Lisboa 29 pontos<br />
7º. ESPACIAIS Porto -18 pontos<br />
8º. TUBARÕES Viseu - 18 pontos<br />
Mais em guedelhudos.blogspot.<br />
com/2007/11/claves-campees-do-y-y.<br />
html<br />
Recebemos alguns prémios o<br />
melhor dos quais me coube a<br />
mim com a oferta de uma tarola<br />
Sonor metálica. Também nos<br />
entregaram um par de sapatos,<br />
castanhos e brancos, tamanho<br />
gigante, que oferecemos ao<br />
Eduardo Nascimento, vocalista<br />
dos “Rocks”, que adorou o<br />
presente.<br />
Foi uma jornada muito importante<br />
na vida do conjunto, que marcou<br />
cada um de nós, e trouxe o nome<br />
do conjunto e da cidade para a<br />
comunicação social por uma boa<br />
razão. Foi um grande salto na<br />
nossa carreira musical.
108 porViseu ’60s.<br />
.espectáculo.<br />
no.cine.rossio.<br />
Regressámos à nossa linda<br />
terra, às aulas, aos ensaios no<br />
Cine-Rossio, aos bailes, aos<br />
espectáculos e aos amigos.<br />
E Viseu recebeu-nos muito bem.<br />
Toda a cidade falava connosco.<br />
E a nossa vida agitou-se ainda<br />
mais.<br />
Aumentaram as solicitações, os<br />
contactos, os contratos e o nosso<br />
cachet subiu.<br />
O Sr. Severo queria fazer um<br />
espectáculo no Cine-Rossio para<br />
nos apresentar em Viseu após a<br />
nossa participação na final do<br />
ié-ié. O mesmo ficou marcado<br />
para 28 de Maio, aproveitando a<br />
projecção da comédia musical<br />
“Every Day’s a Holiday” com<br />
Freddie and “The Dreamers”, John<br />
Leyton, Mike Sarne, Ron Moody, Liz<br />
Fraser entre outros. Foi o nosso<br />
1.º Concerto em Viseu depois da<br />
final do ié-ié. O preço dos bilhetes<br />
era de 5$50 para a 2.ª Plateia,<br />
9$50 para a 1.ª Plateia e 12$50<br />
para as poltronas. As Frisas<br />
(6 lugares) eram a 57$50. Sessão<br />
completamente esgotada com<br />
todas as frisas com cadeiras extra.<br />
Foi um sucesso que terminou tarde<br />
com vários encore, muitos pedidos<br />
do Clube de Fãs, e uma dedicatória<br />
especial do “E que tudo o mais vá<br />
pró inferno” para umas fãs do Brasil<br />
que haviam chegado para umas<br />
férias em Vil de Soito.<br />
Foi um espectáculo muito divertido<br />
e animado.
os tubarões ’66 109<br />
.depoimento.<br />
Ledinha e Kinga<br />
Como caçadores do tempo,<br />
os personagens são também<br />
pastores que escolhem<br />
prados férteis, presenciando<br />
a essencialidade da vida.<br />
Entre a fantasia e o mais real<br />
dos momentos, reabrimos o<br />
frasco onde ficou guardado o<br />
perfume dos altos pinheirais<br />
emproados e majestosos. Extrair<br />
das profundezas da criação<br />
as grandes alegrias é como<br />
desvendar os segredos da alma, é<br />
revelar o refúgio do passado, que,<br />
desavisado, transcende aos anos.<br />
E se um doce assobio criar um<br />
eco pouco ouvido e vier aguçar os<br />
sentimentos para arfar o fio às<br />
conversas de uma época?<br />
Ah! se sobre as pontes férteis da<br />
paixão pudermos buscar a poesia<br />
e contemplar, com lucidez, nossa<br />
história de vida.<br />
Viseu, Abril de 1966.<br />
Chegamos às terras lusas para<br />
ficar durante 10 meses. O Casal de<br />
Vil de Soito parecia calmo demais<br />
para duas meninas urbanas e<br />
festeiras. O nosso período de<br />
“europeização” que se iniciava,<br />
com certeza teria sido monótono<br />
se não fossem “Os Tubarões”.<br />
Foi no dia (na noite, melhor<br />
dizendo) 28 de Maio que ouvimos<br />
“Quero que tudo o mais vá pró<br />
inferno”, música de Roberto Carlos<br />
e que nos foi oferecida pelos<br />
Tubarões. Mais inesquecível do<br />
que a canção foi, após o show,<br />
conhecermos os componentes do<br />
Conjunto e, em especial, Eduardo<br />
e Luís por quem nos apaixonamos<br />
(e, apesar dos dois terem<br />
namoradas “firmes”, começámos a<br />
namorar).<br />
Fechando os olhos nos permitimos<br />
reencontrar com o passado onde<br />
há saudade da adolescência, dos<br />
amores vividos.<br />
Durante os meses que se seguiram<br />
àquela noite perdemos muito<br />
poucos ensaios dos “Tubarões”.<br />
Na verdade o melhor eram<br />
os “pós-ensaios” quando<br />
namorávamos até a hora de<br />
voltar ao Casal de Vil de Soito.<br />
Ensaios, pós-ensaios, lanches na<br />
pastelaria Horta, “às 10 p’ras 3”.<br />
Que vendaval de lembranças,<br />
meu Deus!<br />
Houve uma época em que<br />
levávamos nossos primos aos<br />
ensaios. Numa tarde um deles<br />
passou mal e, enrolando-se<br />
– literalmente – na cortina que<br />
separava o salão do “quarto de<br />
banho” sujou todo o local.<br />
A senhora responsável pela<br />
limpeza quando foi fazer a<br />
inspeção para se certificar de que<br />
estava tudo pronto para a sessão<br />
de cinema, teve a verdadeira visão<br />
do inferno.<br />
A “culpa” caiu nos “Tubarões”,<br />
todos os membros tornaram-se<br />
suspeitos e, acreditamos que, por<br />
pouco eles não ficaram proibidos<br />
de lá ensaiar.<br />
Falando em suspeitos, lembramos<br />
que só poderiam mesmo ser eles,<br />
já que era proibido entrar no<br />
recinto qualquer pessoa que não<br />
fossem os integrantes do grupo.<br />
Para nós, que estávamos sendo<br />
preparadas para seguir os passos<br />
das Meninas Exemplares da<br />
Condessa de Ségur, ir aos ensaios<br />
– escondido – era uma aventura<br />
e tanto.<br />
Em Agosto, na praia da Figueira<br />
da Foz, um fim de semana com<br />
“Os Tubarões”!<br />
O namoro à luz de velas, as lúdicas<br />
histórias contadas ao som de, ora<br />
um fado, ora de um rock. Ingénuas,<br />
acreditávamos que esses<br />
momentos reais não acabariam<br />
nunca.<br />
Definitivamente, Viseu sem<br />
Eduardo e Luís não tinha a menor<br />
graça.<br />
Ainda podemos ouvir o som da<br />
maré alta despertando em raios<br />
luminosos nas areias daquela<br />
praia perdidamente lusa. Já se<br />
faz distante essa passagem por<br />
paisagens enevoadas na nossa<br />
lembrança. Esquecer, jamais.<br />
Ah! se o cheiro dos rosmaninhos<br />
pudesse nos alcançar...!<br />
Ah! se esse lamento percorresse<br />
os oceanos, sem margens ...!<br />
Veríamos que ainda podemos<br />
sonhar!
110 porViseu ’60s.<br />
.café.snack.<br />
bar.alvorada.<br />
Já referi a importância que os<br />
cafés assumiam naquela época.<br />
Eram os locais de encontro e<br />
convívio das pessoas, onde<br />
conversavam e comentavam<br />
as novidades ou viam a TV.<br />
Normalmente cada café tinha<br />
um grupo específico de clientes<br />
habituais.<br />
O nosso café passou a ser o<br />
Snack-Bar Alvorada, que após<br />
obras teve a sua gestão entregue<br />
ao Sr. António de Matos Cardoso,<br />
pai dos nossos amigos Toninho<br />
Matos e Fernanda Matos, pessoa<br />
muito experiente na actividade<br />
hoteleira sendo o responsável<br />
do Hotel Avenida, que pertencia<br />
à família.<br />
O Alvorada reiniciou a sua<br />
exploração com grande sucesso<br />
no restaurante utilizando a<br />
Sala -1 que esgotava diariamente<br />
graças à excelente cozinheira<br />
esposa do Sr. Correia, o Chefe de<br />
Mesa. E nós utilizávamos<br />
o r/c enquanto café, snack-bar e<br />
local de convívio. O Alvorada fica<br />
na Rua Gaspar Barreiros,<br />
de frente para a entrada do Hotel<br />
Grão Vasco, num ponto central<br />
da cidade, perto da casa do<br />
Sr. Loureiro e do Cine-Rossio,<br />
de rápido acesso, com uma<br />
pequena área de café e snack<br />
no r/c, e era bastante reservado<br />
na sua frequência.<br />
Não menos importante para nós<br />
é que ficava localizado mesmo<br />
ao lado da porta do explicador de<br />
Matemática Dr. Alcindo Sampaio,<br />
que quase todos frequentámos.<br />
O Alvorada foi mais um dos<br />
nossos lugares de referência na<br />
cidade que acompanhou a vida<br />
do conjunto até 1968. Éramos<br />
clientes fiéis e mobilizámos para<br />
lá muitos amigos e pessoas que<br />
nos visitavam. Passou a estar<br />
muito ligado à vida do conjunto<br />
pois também servia de local<br />
de contacto e recepção dos<br />
inúmeros pedidos de quem nos<br />
queria contratar, embora o nosso<br />
escritório oficial fosse na casa<br />
do Sr. Loureiro na Rua Alexandre<br />
Herculano.<br />
A família Correia, que entretanto<br />
assumiu a gestão da casa, toda<br />
se mobilizava para nada nos<br />
faltar, tomando conta de todas as<br />
mensagens recebidas na nossa<br />
ausência. Até as sobrinhas Bé<br />
e Tecas, ainda novitas, ajudavam<br />
em tais actividades.<br />
Passámos ali bons momentos<br />
de convívio e vivências com<br />
muitos dos nossos amigos mais<br />
chegados. Recordamos o Rogério<br />
Dourado que nos acompanhou<br />
diariamente como Road Manager<br />
a partir de 1967, o Maurício e a<br />
Fernanda Madeira, o Dr. Vasco<br />
Cunha, o Tó Oliva, o Zé Barata,<br />
o Arnaldo Machado e a Guida,<br />
e muitos, muitos outros que nos<br />
apoiaram durante a nossa alegre<br />
vida musical.
os tubarões ’66 111<br />
1<br />
1.<br />
Postal ilustrado “Os Tubarões”<br />
(foto Germano)<br />
O aumento da nossa<br />
popularidade levou a que o<br />
Germano, um grande artista da<br />
Fotografia a quem a memória<br />
de Viseu muito deve, nos tenha<br />
convidado para a realização de<br />
uma sessão de fotografias do<br />
conjunto. Uma delas, tirada na<br />
escadaria do hotel Grão Vasco,<br />
ficou famosa e foi transformada<br />
em postal ilustrado, vendendo-<br />
-se nos expositores da cidade,<br />
esgotando várias edições.
112 porViseu ’60s.<br />
.o.casino.<br />
da.figueira.<br />
da.foz.<br />
1<br />
2 3<br />
1.<br />
No Casino, num intervalo de ensaio:<br />
Carlos Alberto, Beto Carrilho, Vitó,<br />
Eduardo, Dutra<br />
2.<br />
Cartaz Casino<br />
3.<br />
Programa Casino de 24 Agosto<br />
a)<br />
www.youtube.com/<br />
watch?v=gR3pFuLdITA<br />
A 15 de Maio voltámos ao<br />
Grande Casino Peninsular<br />
para animarmos a matiné de<br />
apresentação da época 1966.<br />
A Administração do Casino<br />
mostrou uma vez mais o grande<br />
apreço que nutria pelo conjunto,<br />
manifestando o contentamento<br />
por termos ajudado a recuperar<br />
o público jovem que andava<br />
arredado das suas salas.<br />
E o programa para a época de<br />
1966 anunciava os restantes<br />
conjuntos já contratados:<br />
“Shegundo Galarza”, “Orquestra<br />
de José Santos Rosa” e o “Trio<br />
Juan Ferret”.<br />
Em Julho, logo que nos libertámos<br />
dos afazeres escolares, iniciámos<br />
nova época no Grande Casino<br />
Peninsular da Figueira da Foz.<br />
A logística da estadia e<br />
alimentação ficou a cargo de<br />
um dos fornecedores habituais<br />
do Casino, a Residencial O Júlio,<br />
com óptima cozinha regional,<br />
muito simpáticos, cúmplices e<br />
tolerantes com os nossos horários<br />
sempre desregrados. Dormíamos<br />
na Rua Ernesto da Silva, muito<br />
perto do Casino.<br />
O Casino tinha um programa de<br />
animação geral muito variado<br />
que procurava atingir todos<br />
os públicos. Todas as noites<br />
Variedades no Salão de Café<br />
e Baile no Salão Nobre, por<br />
vezes animados com a Eleição<br />
de Misses, Tômbolas e outras<br />
promoções.<br />
As tardes eram destinadas<br />
aos públicos mais jovens com<br />
matinés gançantes, garraiadas,<br />
matinés infantis, teatro infantil,<br />
concursos. Para além deste tipo<br />
de animação, o Casino organizava<br />
diversos torneios, Bridge e outros,<br />
e múltiplas exposições na sua<br />
Galeria de Arte.<br />
Com uma Direcção muito<br />
dinâmica liderada pelo Sr. Mendes<br />
Pinto, o Casino era um pólo de<br />
atracção para os milhares de<br />
turistas que nos meses de Julho,<br />
Agosto e Setembro passavam pela<br />
Figueira da Foz. Nos bastidores do<br />
Casino sentia-se muita energia, e<br />
um ritmo constante de mudança<br />
de cenários e ambientes, com<br />
o nítido intuito de servir todos os<br />
públicos, do infantil ao adulto,<br />
do amador ao jogador<br />
profissional.<br />
E tudo funcionava a preceito, sem<br />
falhas nem contratempos, e com<br />
um ritmo impressionante.<br />
Às quintas-feiras, no Salão de<br />
Café, era montado um redondel<br />
com todos os atributos de uma<br />
Praça de Touros para a realização<br />
das garraiadas infantis, com<br />
gravilha no chão, escotilhas,<br />
e valentes garraios que os mais<br />
jovens e atrevidos, durante<br />
a tarde, tentavam pegar.<br />
Mas à noite, à hora marcada,<br />
o Salão de Café estava de novo<br />
impecável para as Variedades<br />
que iam começar.<br />
Na época de 1966 cruzámo-nos<br />
no casino com vários artistas.
113<br />
.orquestra.de.josé.santos.rosa. a)<br />
As Variedades começavam às<br />
22h30 no Salão de Café após<br />
as quais abria o Baile no Salão<br />
Nobre. No ano de 1966 tiveram o<br />
suporte musical da “Orquestra de<br />
José Santos Rosa” composta por<br />
excelentes músicos profissionais,<br />
alguns deles elementos de<br />
Bandas Militares, ao tempo<br />
grandes escolas de música. Além<br />
do excelente Maestro, lembro-me,<br />
entre outros, do Estêvão Ferreira<br />
na bateria, do Floriano Silva, do<br />
Agostinho Caineta e do João de<br />
Sousa Galvão que veio a ter o<br />
seu próprio Conjunto com edição<br />
de discos. Impressionava-nos a<br />
rapidez e facilidade com que esta<br />
Orquestra pegava nas pautas<br />
dos artistas e em pouco tempo<br />
ensaiava, compunha ou refazia<br />
os arranjos musicais. E à noite<br />
tudo saía perfeito. Fantástico,<br />
pensávamos nós.<br />
.shegundo.galarza. b)<br />
Era compreensível o nervoso e a<br />
responsabilidade que sentimos<br />
quando começámos a alternar<br />
com um dos melhores conjuntos<br />
portugueses como era o de<br />
“Shegundo Galarza”.<br />
O quarteto era composto pelo<br />
Maestro, pelo Carlos Menezes,<br />
mestre em viola, pelo José Manuel<br />
(o Baby Rock) no baixo e pelo<br />
Eduardo Esteves, um figueirense,<br />
na bateria. Eram uns Senhores<br />
e muito aprendemos a vê-los, a<br />
ouvi-los e a assistirmos aos seus<br />
ensaios. O mais trabalhador era<br />
sem dúvida o Carlos Menezes<br />
que chegava sempre uma hora<br />
mais cedo para aquecer os dedos,<br />
fosse para o ensaio, actuação ou<br />
mesmo que não tivesse nada para<br />
fazer. Estava sempre a “estudar”<br />
viola, como dizia com a sua<br />
simpatia e simplicidade.<br />
E também aprendemos com estes<br />
profissionais que para se tocar<br />
bem é preciso ensaiar muito.<br />
E isso nunca seria esquecido e foi<br />
um bom exemplo que procurámos<br />
seguir, de forma menos regular do<br />
que eles, é certo. O conjunto de<br />
“Shegundo Galarza” passou a ser<br />
uma referência musical para nós.<br />
Voltámos a cruzar-nos numas<br />
Festas de Tondela e ainda em<br />
outros lugares.<br />
b)<br />
pt.wikipedia.org/wiki/Shegundo_<br />
Galarza
114<br />
.amália. c)<br />
c)<br />
www.amalia.com/main.htm<br />
d)<br />
http://guedelhudos.blogspot.<br />
com/2009/09/premio-pozaldomingues.html<br />
1<br />
2<br />
1.<br />
Com Amália, 26 Agosto<br />
2.<br />
Visto da inspecção dos espectáculos<br />
do programa de Casino de 26 Agosto<br />
Na época alta de Verão, aos<br />
fins de semana, o programa do<br />
Casino variava um pouco com a<br />
apresentação de uma atracção<br />
especial que actuava no Salão<br />
Nobre a partir das 00h30.<br />
Para 26 de Agosto foi anunciada a<br />
presença de Amália Rodrigues.<br />
Num ano em que Amália recebeu<br />
o prémio Pozal Domingues d)<br />
o Casino teve uma das maiores<br />
enchentes, mesmo com as<br />
entradas a 60$00.<br />
Após as variedades no Salão<br />
de Café o Casino teve de abrir,<br />
excepcionalmente, os dois Salões<br />
de Baile, Salão Nobre e Salão de<br />
Café, para o público dançar pois<br />
as pessoas não cabiam num só.<br />
O conjunto de “Shegundo Galarza”<br />
tocava no Salão Nobre e nós no<br />
Salão de Café. E mesmo assim<br />
ambos estavam cheios. Até nas<br />
galerias do Salão de Café se<br />
dançava.<br />
Foi uma grande prova de fogo para<br />
o conjunto, pois tivemos de tocar<br />
toda a noite num dos Salões em<br />
concorrência com o “Shegundo<br />
Galarza” que tocava no Salão<br />
Nobre.<br />
Tocámos a primeira parte entre<br />
o final das Variedades do Salão<br />
de Café e o início do concerto da<br />
Amália (23h15 às 00h30) e depois<br />
do concerto de Amália, já que<br />
a noite prolongou-se até muito<br />
tarde.<br />
A partir dessa noite e até ao<br />
final da época, por sugestão da
os tubarões ’66 115<br />
Administração do Casino, com<br />
o acordo de todos, passámos a<br />
tocar todas as noites, alternando<br />
de hora a hora com o conjunto de<br />
“Shegundo Galarza”, facto que<br />
nos honrou.<br />
Os camarins do Casino situavam-<br />
-se mesmo por baixo do palco do<br />
Salão de Café, onde Amália se<br />
preparava para a sua actuação<br />
às 00h30. Ouviu-nos tocar e<br />
manifestou agrado a quem a<br />
acompanhava de querer saber<br />
quem éramos. Quando subiu para<br />
entrar em cena, momentos antes<br />
da sua actuação, nós tínhamos<br />
acabado o nosso primeiro take<br />
e ainda nos encontrávamos no<br />
palco do Salão de Café.<br />
Então Amália convidou-nos a tirar<br />
uma foto. Foi interessante, pois<br />
a Amália, nervosíssima, fumava<br />
cigarro atrás de cigarro, e nós<br />
estávamos incrédulos com tão<br />
honroso convite. E lá estávamos<br />
nós à frente da objectiva do Zé<br />
Gordo, fotógrafo oficial do Casino,<br />
simpático fanático da Briosa,<br />
e a Amália, virando-se para nós,<br />
“…vamos lá rapazes, isto é muito<br />
simples, eu abro os braços, e... já<br />
está”. E ficaram as fotos para a<br />
nossa história.<br />
Muito simpática e conversadora<br />
quis saber mais sobre nós,<br />
conversou, tirámos outras fotos,<br />
e quando chegou a hora foi para<br />
o Salão Nobre para mais uma<br />
noite de retumbante sucesso.<br />
Surpreendeu-nos a simplicidade<br />
e franqueza, o tabaco e o nervoso<br />
de tão grande estrela.<br />
Marcou-nos, claro!<br />
.artistas.com.quem.nos.<br />
cruzámos.<br />
Em 1966 o Casino apresentou<br />
um programa de variedades mais<br />
agressivo do que no ano anterior<br />
e reforçou a sua capacidade para<br />
atrair todos os públicos, do infantil<br />
ao adulto, do mais ligeiro ao<br />
mais erudito. Lá assistimos pela<br />
primeira vez ao vivo a um concerto<br />
do Carlos Paredes acompanhado<br />
pelo Fernando Alvim.
116 porViseu ’60s.<br />
ARTISTA<br />
ALICE AMARO<br />
AMÁLIA<br />
ANA MÓNICA<br />
ANITA GERREIRO<br />
BADARÓ<br />
CANTINFLAS JUNIOR<br />
CARLOS PAREDES<br />
CARLOS VILAR<br />
CIDÁLIA MEIRELES<br />
CONDE DE AGUILAR<br />
DUO OURO NEGRO<br />
JOSÉ VIANA<br />
FERNANDO ALVIM<br />
FLORBELA QUEIRÓS<br />
LENITA GENTIL<br />
MARA ABRANTES<br />
NATÉRCIA MARIA<br />
OQUESTRA SINFÓNICA DO PORTO<br />
OS DINÂMICOS<br />
OS ESPACIAIS<br />
PAULA RIBAS<br />
TONI DE MATOS<br />
TONICHA<br />
TRIO GUADIANA<br />
VALÉRIO SILVA<br />
DATA<br />
20 out<br />
26 ago<br />
11 set<br />
26 ago<br />
14 set<br />
31 out<br />
24 set<br />
02 set<br />
29 out<br />
05 set<br />
17 set<br />
22 ago<br />
24 set<br />
10 set<br />
29 out<br />
08 set<br />
17 set<br />
16 set<br />
03 set<br />
17 set<br />
22 ago<br />
27 ago<br />
05 set<br />
29 out<br />
03 set<br />
A importância do Casino da<br />
Figueira da Foz para o mundo<br />
artístico nacional era muito<br />
grande como se pode constatar<br />
pela lista de artistas com quem<br />
nos cruzámos naquele verão:<br />
os conjuntos residentes da época<br />
foram: “Arlindo Sousa”, “José<br />
Santos Rosa”, “Shegundo Galarza”<br />
e “Os Tubarões”.<br />
A 18 de Setembro o Salão Nobre<br />
encerrou a época de verão e a<br />
31 de Outubro foi a Festa de<br />
encerramento da época de 1966.
os tubarões ’66 117<br />
.má.nota.<br />
na.ota.<br />
Regressámos a Viseu depois<br />
de uma boa época no Casino<br />
da Figueira da Foz. O Zé Merino<br />
andava com uma rouquidão que<br />
não passava e foi a uma consulta<br />
ao Dr. Fernando Nascimento<br />
Ferreira, primo do Sr. Loureiro,<br />
que diagnosticou uma grande<br />
inflamação nas cordas vocais<br />
com um nódulo numa delas.<br />
A prescrição médica foi muito<br />
dura com um tratamento de<br />
choque, descanso vocal total,<br />
e proibição de falar.<br />
Entre os vários compromissos<br />
assumidos estava uma<br />
deslocação à OTA para o Grande<br />
Baile da Força Aérea com<br />
os conjuntos “Os Ekos” e<br />
“Os Tubarões”, a ter lugar<br />
no fim de semana seguinte.<br />
Ponderámos várias hipóteses,<br />
até não irmos actuar à OTA pois<br />
havia fortes motivos para tal.<br />
Mas uma vez que era a festa<br />
do Beto Carrilho, já a cumprir o<br />
Serviço Militar naquela unidade,<br />
que muito se esforçara pela<br />
nossa participação em tal evento,<br />
avaliámos a possibilidade de<br />
convidarmos alguém que tivesse<br />
um repertório próximo do nosso<br />
e nos pudesse ajudar como<br />
vocalista em tal compromisso.<br />
Dos contactos com outros<br />
conjuntos, tínhamos feito<br />
amizade com o “Tude Portugal”,<br />
viola baixo do conjunto de “José<br />
Nóvoa”, natural da Guarda a quem<br />
resolvemos lançar o desafio, e<br />
que aceitou. Assim na sexta-feira,<br />
vindo de comboio de Aveiro pela<br />
Linha do Vouga, chegou o “Tude<br />
Portugal”.<br />
Fomos jantar todos à Gruta,<br />
o snack-bar da Pensão Central<br />
com entrada pela Rua da Cadeia,<br />
onde discutimos o repertório<br />
das músicas que poderiam ser<br />
cantadas pelo “Tude”. Sim, o<br />
“Tude” iria actuar como vocalista,<br />
o que não era propriamente a sua<br />
especialidade. Era viola baixo<br />
e interpretava bem e de forma<br />
muito pessoal algumas músicas<br />
com a sua voz rouca à “Cocker”.<br />
E lá se fez a set-list possível<br />
que incluía “Beatles” e vários<br />
clássicos em voga por aquela<br />
altura.
118 porViseu ’60s.<br />
1<br />
1.<br />
Microfone MC60<br />
No dia seguinte lá partimos para a<br />
OTA. Fomos em dois carros, o Ford<br />
Cortina do Sr. Loureiro e o Cortina<br />
GT do Né-Né Lopes, bom amigo<br />
que tinha, à época, um dos carros<br />
mais bonitos de Viseu (branco<br />
com faixa verde).<br />
Chegados à Base Aérea<br />
montámos as aparelhagens<br />
e fizemos o teste de som, um<br />
muito pequeno ensaio e lá nos<br />
abalançámos para uma actuação<br />
que não poderia ter corrido pior.<br />
O espaço do evento era enorme,<br />
um antigo hangar adaptado a<br />
lugar de eventos recreativos como<br />
o Cinema e este Baile e teria uma<br />
lotação aproximada de 1.000<br />
pessoas.<br />
Iniciada a sessão, o entrosamento<br />
com a participação do “Tude”<br />
não correu bem. Salvaram-se as<br />
músicas instrumentais já que nas<br />
vocais não conseguíamos acertar.<br />
Até o Zé Merino, fazendo ouvidos<br />
moucos à proibição médica<br />
de falar, saltou para o palco e<br />
exigiu que o acompanhássemos<br />
numa das suas músicas<br />
preferidas a meio da qual ficou<br />
completamente afónico e sem pio.<br />
Pior não seria possível.<br />
O Sr. Loureiro deitava as mãos<br />
à cabeça pois não conseguia ter<br />
mão em nós nem nunca tinha<br />
assistido a tal.<br />
E como não bastasse o que<br />
ocorria na festa, o Né-Né Lopes<br />
resolveu ir acelerar o seu Cortina<br />
GT para a pista dos aviões tendo<br />
sido perseguido e travado pela<br />
Polícia Militar.<br />
Seguramente terá sido a pior<br />
prestação pública na vida musical<br />
de “Os Tubarões”.<br />
E hoje ainda não percebemos<br />
como permitimos que tal situação<br />
pudesse acontecer.
os tubarões ’66 119<br />
O “Conjunto Académico João<br />
Paulo” fazia uma tournée pelo país<br />
e passou por Viseu, onde deu um<br />
excelente espectáculo no Cine-<br />
-Rossio. Teve um problema com<br />
um equipamento e nós demos todo<br />
o apoio logístico que necessitaram<br />
o que mereceu a cortesia de nos<br />
chamarem ao palco manifestando<br />
o seu agradecimento público.<br />
Foi uma cortesia simpática.<br />
.de.novo.<br />
Viseu.<br />
Tínhamos vários amigos em Lisboa<br />
a quem recorríamos sempre que<br />
era necessário e que vinham<br />
passar o mês de Setembro<br />
a Viseu, época da Feira Franca:<br />
o Rui Oliveira e Costa, que<br />
andava metido no meio<br />
musical na altura com<br />
“Os Deltons”, passava um mês de<br />
férias em Viseu e lá nos ia dando<br />
as suas dicas sobre os meandros<br />
musicais da capital; e o José<br />
Sacadura, sempre vivo e metediço,<br />
que se esforçava por fazer o seu<br />
melhor sempre que lhe pedíamos<br />
algo em prol do conjunto.<br />
Tirando proveito da ida para<br />
Lisboa do Fernando Pascoal<br />
de Matos a fim de frequentar<br />
o Curso de Economia, nomeámo-<br />
-lo o nosso representante oficial<br />
na capital a partir do último<br />
trimestre de 1966, tendo como<br />
missão elaborar contactos com<br />
editoras e também contratos<br />
para a nossa actuação na capital.<br />
E alguns concretizaram-se como<br />
veremos a seguir.
120 porViseu ’60s.<br />
.as.primeiras.<br />
gravações.<br />
2 3 4<br />
1.<br />
No Clube de Viseu, gravação do “old lady”<br />
a)<br />
http://www.myspace.com/tubaroes/<br />
music/songs/a-girl-for-me-50263664<br />
b)<br />
http://www.myspace.com/tubaroes/<br />
music/songs/old-lady-49826713<br />
c)<br />
http://www.myspace.com/tubaroes/<br />
music/songs/come-back-50928729<br />
1<br />
2. 3. 4.<br />
pautas das músicas<br />
O sucesso também incentivou a<br />
criatividade musical do conjunto<br />
e em particular do Zé Merino,<br />
tendo-o inspirado para as<br />
primeiras criações musicais ainda<br />
em 1966.<br />
Com base nos múltiplos apelos do<br />
seu coração, tendo como modelos<br />
músicas dos “Beatles”, dos<br />
“Hollies” ou “Searchers”,<br />
o Zé trauteava a música, ia<br />
criando a letra e com a ajuda do<br />
Carlos Alberto, do Vitó ou do Luís<br />
Dutra lá passavam do éter<br />
à prática musical.<br />
Foi assim que ainda em 1966<br />
criámos os primeiros originais<br />
do conjunto.<br />
.a.girl.for.me. a)<br />
O par, ela e o Zé, viviam uma<br />
grande paixão no Liceu de Viseu.<br />
Ela era menina, bonita, rabina e ar<br />
de muito novinha.<br />
Um dia saímos do Liceu pela<br />
manhã e virámos à esquerda a<br />
caminho do “TIC-TAC”. De repente<br />
ela aparece vinda do outro lado<br />
da rua, muito nervosa e ofegante.<br />
Afasto-me e aguardo. Foi muito<br />
pouco o tempo do encontro e ela<br />
saiu de novo a correr e a chorar.<br />
Percebi que não eram boas as<br />
notícias.<br />
Caminhámos um pouco sem<br />
qualquer palavra. Entrámos<br />
no “TIC-TAC” e ele explodiu,<br />
revoltado. Ficámos a saber que<br />
aquele grande Amor, a partir dali,
os tubarões ’66 121<br />
era completamente proibido.<br />
E isso doeu. Da dor do amor<br />
nasceu “A girl for me”, uma<br />
melodia suave e um hino de apoio<br />
à sua amada, que passou a fazer<br />
parte da nossa playlist.<br />
.old.lady. b)<br />
A inspiração para esta música<br />
surgiu ao Zé quando íamos<br />
a caminho do Liceu e na Rua<br />
Formosa ajudámos uma velhinha<br />
em dificuldades para atravessar<br />
a rua, ao tempo com tráfego<br />
intenso em direcção ao Rossio.<br />
No passeio do Horta a velhinha<br />
hesitava a atravessar a rua e<br />
sempre que tentava aparecia<br />
logo outro carro. Nós, do lado da<br />
Praça, parámos e o Zé correu, deu<br />
o braço à velhinha e atravessou<br />
a Rua Formosa com ela. E daí<br />
nasceu quase de imediato a<br />
canção que compôs mentalmente,<br />
música e letra, que o Carlos e<br />
o Victor traduziram em notas<br />
musicais.<br />
.come.back. c)<br />
Figueira da Foz, 24 de Agosto.<br />
Após a matiné no Casino<br />
Peninsular, saímos pelo Páteo das<br />
Galinhas. O Zé saíra mais cedo,<br />
algo irrequieto, sem percebermos<br />
as razões. Descíamos a Rua dos<br />
Casinos e mesmo em frente<br />
ao Casino Oceano acercou-se<br />
de nós a M.B., interrogandonos<br />
sobre o comportamento<br />
inexplicável do Zé, que ao passar<br />
por ela nem lhe dirigiu palavra.<br />
Seguramente uma crise de uma<br />
paixão obsessiva, como era o Zé<br />
nos amores. Entrámos no Casino<br />
Oceano, jogámos matraquilhos,<br />
passeámos e aguardámos que<br />
a crise passasse.<br />
…Mais tarde, durante um ensaio,<br />
o Zé Merino trauteou os primeiros<br />
acordes e com o Vitó vieram a<br />
compor “Come Back”, música<br />
dedicada à Miss Figueira 1966.<br />
Em Outubro de 1966 tínhamos<br />
estes três originais.
122 por.Viseu ’60s.<br />
O Clube de Viseu tinha na altura<br />
na sua Direcção um grupo<br />
de jovens casais advogados<br />
democratas que procuravam<br />
dinamizar as actividades culturais<br />
com a realização de palestras<br />
e teatro. Deste grupo fazia parte<br />
o Dr. João Lima que tinha acabado<br />
de comprar um gravador Grundig<br />
de “n” pistas, último grito da<br />
tecnologia. Numa amena conversa<br />
sobre o futuro do conjunto com<br />
o Rogério Dourado, nosso amigo<br />
que convivia dia-a-dia connosco,<br />
o Dr. João Lima sugeriu que<br />
fizéssemos um teste de gravação<br />
de algumas das nossas músicas.<br />
E logo se marcou o teste no Salão<br />
de Festas do Clube, num dia a<br />
partir das 18h.<br />
Montámos todo o nosso<br />
equipamento no palco do Clube<br />
que ainda tinha os cenários<br />
da última peça de Teatro ali<br />
representada, que aproveitámos<br />
como cenário para a nossa<br />
gravação, como é visível na foto<br />
anexa.<br />
Ensaiámos o Old Lady para testes<br />
de som por ser a música mais<br />
rápida e que tinha mais coros.<br />
O microfone do gravador, de corpo<br />
duplo, e o restante equipamento<br />
de gravação foram instalados<br />
no meio do salão e ao comando<br />
destes estava o Dr. João Lima<br />
com o Rogério Dourado a dar<br />
apoio. Após o teste fizemos as<br />
gravações, sempre em duplicado<br />
de cada uma das músicas.<br />
Para o dia seguinte ficou marcada<br />
uma audição mais rigorosa na<br />
casa do Dr. João Lima onde nos<br />
fez a entrega da tape com as<br />
“preciosidades”.<br />
Foi assim que gravámos os três<br />
originais indicados que nunca<br />
foram editados comercialmente.
os tubarões ’66 123<br />
.o.estúdio.<br />
2<br />
1<br />
1.<br />
Ensaio no estúdio<br />
2.<br />
Tarola Premier 2000<br />
Quando em Setembro de 1966<br />
regressámos a Viseu constatámos<br />
não ser possível continuarmos<br />
a ensaiar no Cine-Rossio e a<br />
opção do Clube de Viseu, sujeita<br />
a disponibilidade de sala e à<br />
realização crescente de outros<br />
eventos, não era compatível<br />
com o volume cada vez maior<br />
dos nossos compromissos. Para<br />
além disto acrescia o facto de<br />
ninguém se responsabilizar pela<br />
segurança das aparelhagens e<br />
instrumentos, cuja qualidade e<br />
valor cresciam exponencialmente.<br />
Ora tudo somado levou-nos a<br />
ponderar o aluguer de um espaço<br />
que servisse os nossos propósitos<br />
de termos um local para<br />
ensaios e para a instalação das<br />
aparelhagens e instrumentos.<br />
Uma das nossas maiores fãs era<br />
a Fernanda Maria Matos, irmã<br />
de um grande Amigo, o Toninho<br />
Matos que chegou a ser nosso<br />
Road Manager em 1965/6 e só<br />
os seus afazeres profissionais o<br />
impediam de passar mais tempo<br />
connosco, tal era o interesse,<br />
gosto e amizade. A Fernanda<br />
Maria (Fernandinha) era um pouco<br />
mais nova do que nós (n. 1951).<br />
Era uma moça fantástica,<br />
simpática e com uma alegria<br />
contagiante.<br />
E era a primeira a querer<br />
saber tudo o que se passava<br />
com o conjunto, divulgando e<br />
mobilizando amigas e amigos<br />
para os nossos espectáculos.
124 porViseu ’60s.<br />
A Fernandinha vivia na vivenda<br />
da Quinta do Cano, que ficava na<br />
Rua Alexandre Herculano n.º 585,<br />
muito perto da Circunvalação.<br />
Ora o r/c estava desocupado e<br />
a Fernandinha lembrou-se logo<br />
dele para nossa sala de ensaios.<br />
Com uma área aproximada<br />
de 70m 2 (10x7m), de formato<br />
rectangular, com o chão em<br />
cimento, tinha uma boa área que<br />
dava para ter sempre montadas<br />
as aparelhagens e ainda<br />
sobrava espaço. Feito o contrato<br />
decidimos forrar todas as paredes<br />
e o tecto com cobertores grossos<br />
de papa que o armazém do pai<br />
do Merino tinha recebido dos<br />
Estados Unidos. Eram grossos,<br />
muito resistentes e resultaram na<br />
perfeição quanto ao isolamento<br />
acústico do estúdio. Atendendo<br />
ao piso em cimento foi feito<br />
um estrado em madeira a toda<br />
a largura do estúdio em cima<br />
do qual se instalava toda a<br />
aparelhagem e instrumentos<br />
(cerca de 40m 2 ).<br />
Acedia-se ao estúdio por uma<br />
porta central a meio do edifício.<br />
A sala estúdio tinha três zonas<br />
essenciais: a zona do palco/<br />
ensaios de formato rectangular a<br />
toda a largura da sala, ocupando<br />
a metade mais interior, e onde<br />
estavam os instrumentos.<br />
Orgão, viola ritmo, vocalista, viola<br />
baixo, bateria e viola solo.<br />
No canto esquerdo ao lado da<br />
porta de entrada havia a zona<br />
de convívio com umas cadeiras,<br />
mesa, e o bar. Do lado direito da<br />
porta estava o gira-discos, os<br />
discos, ao lado dos quais estavam<br />
alguns instrumentos. A meio da<br />
parede lateral direita havia uma<br />
porta de acesso à quinta.<br />
Foi o melhor investimento feito<br />
pelo conjunto: total autonomia<br />
para ensaiarmos, disponibilidade<br />
permanente, sossego, discrição,<br />
equipamentos e instrumentos<br />
sempre montados e arrumados.<br />
Embora com algum recato<br />
e cuidado, o estúdio passou<br />
a ser um lugar frequentado pelos<br />
nossos amigos sempre que tal<br />
era possível. E ali fizemos muitos<br />
convívios musicais, sempre<br />
que algum músico ficava por<br />
Viseu, por lá passava para dar<br />
uns toques, e também alguns<br />
convívios sociais como pequenas<br />
festas, sempre ao som de muito<br />
boa música à qual era muito difícil<br />
resistir.<br />
E houve muitos amigos e amigas<br />
que visitaram o nosso estúdio,<br />
e que nós não nos escusávamos<br />
a mostrar. Até alguns dos nossos<br />
professores do Liceu por lá<br />
passaram, gostaram do que viram,<br />
dançaram e até repetiram.<br />
Era muito agradável, tinha muito<br />
boa onda e nele passámos bons<br />
momentos do resto da nossa vida<br />
artística.
os tubarões ’66 125<br />
.passagem.<br />
do.ano.<br />
no.grande.<br />
hotel.<br />
1.<br />
Autógrafos no Cine-Teatro da<br />
Guarda após o concerto de<br />
11 de Dezembro de 1966<br />
1<br />
Da Guarda veio um pedido<br />
especial para fazermos um<br />
espectáculo integrado nas<br />
Festas dos Finalistas. Foi num<br />
Domingo a 11 de Dezembro que,<br />
com a lotação do Cine-Teatro<br />
da Guarda esgotada, demos<br />
um concerto que nos ficou na<br />
memória. Normalmente as<br />
nossas actuações destinavam-<br />
-se a animar os bailes tão em<br />
voga, não havia tradição de<br />
concertos. Por esse motivo<br />
planeámos bem o espectáculo<br />
que nos foi solicitado para duas<br />
horas em palco, com duas partes<br />
separadas por um intervalo,<br />
cuidámos a apresentação,<br />
o alinhamento e ensaiámos<br />
músicas específicas para o tipo<br />
de actuação que íamos fazer.<br />
Foi um espectáculo que correu<br />
muito bem, equilibrado, com<br />
uma fase mais intimista em<br />
que apresentámos um arranjo<br />
especial e acústico de “As tears<br />
go by” dos “Rolling Stones”,<br />
sem bateria, com três violas<br />
e em que eu tocava viola baixo.<br />
Resultou em pleno o alinhamento<br />
apresentado que deu uma mostra<br />
real do nosso alargado repertório,<br />
sempre num ritmo em crescendo,<br />
com um final mais exuberante<br />
que mereceu calorosos aplausos,<br />
quatro encore, e muitos pedidos<br />
de autógrafos.
126 porViseu ’60s.<br />
a)<br />
http://istoeespectaculo.<br />
blogspot.com/2009/11/marialeonor-locutora.html<br />
No fim do ano voltámos à Figueira<br />
da Foz, desta vez ao Grande<br />
Hotel, onde animámos a noite<br />
do Fim do Ano e na matiné de<br />
1 de Janeiro. A Maria Leonor a) ,<br />
uma das maiores locutoras da<br />
rádio e televisão, apresentou<br />
um desfile de Moda Woolmark.<br />
Como estávamos no palco a<br />
Maria Leonor, com a sua habitual<br />
descontracção e simplicidade,<br />
desafiou-nos a fazermos um<br />
fundo musical. O Carlos Alberto<br />
arrancou então com a nossa série<br />
de slows de música portuguesa,<br />
“Abril em Portugal”, “Coimbra<br />
menina e moça”, e a “Rua do<br />
Capelão”, todas seguidas, após<br />
o que evoluímos para outras<br />
músicas com o ritmo mais<br />
marcado dando suporte musical<br />
aos diferentes quadros do desfile.<br />
No final a Maria Leonor chamou-<br />
-nos, agradeceu-nos, deu um<br />
beijinho a todos, e após alguma<br />
conversa intitulou-se nossa<br />
Madrinha e convidou-nos para<br />
sermos o Conjunto Oficial para as<br />
passagens de modelos Sidney/<br />
Woolmark.<br />
E assim aconteceu.<br />
Crescemos e 1966 foi um ano de<br />
grandes conquistas:<br />
<br />
<br />
Conjunto Oficial do Casino da<br />
Figueira da Foz;<br />
<br />
<br />
Conquistámos!
.consolidar.<br />
.o.fidalgo.aprendiz.por.antónio.valarinho<br />
.a.d.urraca.<br />
.os.bailes.de.finalistas.<br />
.depoimento.rui.oliveira.e.costa.<br />
.no.hotel.grão.vasco.<br />
.casa.dos.viscondes.de.treixedo.por.luis.cunha.matos.<br />
.casa.do.cruzeiro.por.luis.cunha.matos.<br />
.depoimento.carlos.manuel.serpa.<br />
.festa.do.3º.aniversário.<br />
.no.caruncho…e.em.massamá.<br />
.o.meu.retrato.dos.tubarões,<br />
.woolmark.e.s.pedro.do.sul.<br />
.de.novo.no.casino.<br />
.a.vida.no.casino.<br />
.miss.espanha.<br />
.artistas.com.quem.nos.cruzámos.<br />
.peiró.<br />
.com.o.nicolau.no.casino.<br />
.novo.viola.solo.<br />
.os.chinchilas.no.casino.<br />
.o.convite.ao.vató.<br />
.as.casacas.à.beatles.<br />
.gravação.do.disco.<br />
.depoimento.fernando.pascoal.de.matos.<br />
.fim.do.ano.no.grande.hotel.<br />
67<br />
.consolidar.<br />
128<br />
129<br />
131<br />
132<br />
134<br />
135<br />
138<br />
138<br />
140<br />
141<br />
143<br />
145<br />
147<br />
148<br />
149<br />
150<br />
150<br />
151<br />
152<br />
155<br />
155<br />
155<br />
156<br />
157<br />
162<br />
163
128 porViseu ’60s.<br />
.consolidar.<br />
1. 2. 3.<br />
Baile de finalistas 7 Janeiro<br />
no Salão Cine-Rossio<br />
a)<br />
http://pt.wikipedia.org/wiki/<br />
Quinteto_Acad%C3%A9mico<br />
1<br />
2<br />
3<br />
1967 foi um ano excepcional<br />
para o Conjunto Académico<br />
“Os Tubarões”.<br />
Já conhecidos a nível nacional,<br />
com inúmeros contratos com<br />
cachets elevados, animámos<br />
muitos Bailes de Finalistas,<br />
animámos muitas festas e<br />
participámos em inúmeros<br />
concertos. No primeiro semestre<br />
não parámos aos fins de semana.<br />
Depois do Fim do Ano no Grande<br />
Hotel da Figueira da Foz, num<br />
ambiente de luxo e muita<br />
animação, regressámos a Viseu<br />
para animarmos o nosso Baile de<br />
Finalistas já que vários elementos<br />
do conjunto finalizavam<br />
o Liceu nesse ano (Carlos, Luís<br />
e eu). O Baile realizou-se a<br />
7 de Janeiro, com o “Quinteto<br />
Académico” a) a referência do<br />
Pop/Rock/Soul em Portugal na<br />
época, como cabeça de cartaz.<br />
Voltámos a tocar várias vezes<br />
com o “Quinteto Académico”,<br />
nomeadamente um mês depois<br />
na Festa dos Finalistas da<br />
Guarda.<br />
Duas semanas depois do Baile<br />
realizou-se o Sarau do Liceu<br />
no qual participámos na Peça<br />
de Teatro “O Fidalgo Aprendiz”<br />
ensaiada pelo saudoso professor<br />
e amigo Osório Mateus, com uma<br />
encenação arrojada para a época<br />
que foi um grande sucesso e<br />
marcou para sempre muitos dos<br />
seus alunos. Na peça, o Luís Dutra<br />
acompanhava na viola um trecho<br />
musical cantado pelos actores<br />
enquanto eu dava umas pancadas<br />
na tarola que simulavam o<br />
barulho das pedras que o Fidalgo<br />
Aprendiz atirava à janela.<br />
Encerrámos o Sarau com um<br />
mini concerto muito animado do<br />
Conjunto com alguns encore que<br />
o Reitor autorizou. Já tínhamos<br />
algum estatuto de vedetas o que<br />
simplificou as coisas. O Ginásio<br />
do Liceu, onde decorria o Sarau,<br />
estava completamente esgotado.
os tubarões ’67 129<br />
.o.fidalgo.<br />
aprendiz.<br />
António Júlio Valarinho<br />
AUTO DO FIDALGO APRENDIZ<br />
No Sarau dos alunos Finalistas do<br />
Liceu de Viseu “O Auto do Fidalgo<br />
Aprendiz” de D. Francisco Manuel<br />
de Mello (séc. XVII) surge como<br />
segunda escolha do Prof.José<br />
Alberto Osório Mateus, depois do<br />
Reitor deste Liceu ter censurado<br />
a encenação da peça “O Sétimo<br />
Selo” de Ingmar Bergman.<br />
Integrada como principal<br />
“atracção” deste Sarau de alunos<br />
finalistas, o Prof. José Alberto<br />
Osório Mateus, professor de<br />
Português neste estabelecimento<br />
de ensino, pretendeu construir<br />
uma dramaturgia que espelhasse<br />
a virtude de saber viver a vida<br />
segundo os princípios da ética,<br />
cultura, e do aprender a pensar e<br />
a imaginar o imaginário ainda por<br />
imaginar.<br />
É neste ambiente, que todo o<br />
trabalho se desenrola, sendo o<br />
motor de toda a dramaturgia,<br />
cenografia e encenação a<br />
participação activa de todos os<br />
intervenientes sem qualquer<br />
exclusão – actores, técnico<br />
de luzes, músicos, figurinista,<br />
cenógrafos, contra-rega…<br />
O Prof. José Alberto Osório Mateus<br />
era o agente catalisador de uma<br />
encenação construída segundo<br />
um programa de ensaios pré-<br />
-estabelecidos logo de início, onde<br />
o seu horário era calculado ao<br />
minuto.<br />
Ninguém podia chegar atrasado.<br />
A adesão de todos foi<br />
imediata, sempre rodeada de<br />
uma paixão por um projecto<br />
que progressivamente nos<br />
transformou em jovens que<br />
sabiam de antemão, que a partir<br />
daqui, nada ficaria como dantes e<br />
seria deste modo que de imediato<br />
nasceu o CETEV (Centro de<br />
Teatro dos Estudantes de Viseu)<br />
que com o CITAC de Coimbra e o<br />
CETA de Aveiro (Júlio Fino e Júlio<br />
Henriques) formavam um triângulo<br />
de cumplicidades políticas e<br />
culturais.<br />
Do projecto de encenação<br />
e das suas dificuldades e<br />
cumplicidades, os episódios<br />
multiplicaram-se como, a título<br />
de exemplo, por ser talvez o<br />
mais divertido, eram as batidas<br />
de bateria a cargo do Eduardo<br />
Pinto, que colocado num ponto<br />
sem visão da cena, tinha de<br />
rigorosamente acompanhar o<br />
diálogo dos actores, acrescido dos<br />
seus movimentos subsequentes,<br />
para no momento exacto poder<br />
intervir.<br />
O “Auto do Fidalgo Aprendiz” foi<br />
integralmente construído segundo<br />
os conceitos do teatro didáctico<br />
de Piscator e Brecht, aproximando<br />
a personagem principal (D. Gil)<br />
no perfil do português espertalhão<br />
que vive sob o signo das<br />
aparências, fora da realidade,<br />
cheio de dívidas, perseguido<br />
e atraiçoado pelos seus credores<br />
e “amigos”.<br />
As ambições de D. Gil<br />
correspondem às de um fidalgo<br />
provinciano, pelintra, (mas que<br />
necessita que o julguem rico),<br />
pretendente a entrar na corte sem<br />
aceitar a “constante adaptação à<br />
realidade da vida”, que o condena<br />
no final, ao sofrimento e à<br />
desgraça.
130 porViseu ’60s.<br />
1<br />
2<br />
“Só da desonra me pesa<br />
Que dirão de mim na corte.<br />
Meu amigo Dom Beltrão<br />
E meu aio Afonso Mendes<br />
Amigo nem amo tendes:<br />
D.Gil tornou-se carvão!<br />
1.<br />
Elenco do<br />
Fidalgo Aprendiz<br />
2.<br />
Actuação no Sarau do Liceu,<br />
Zé Merino e Vitó<br />
Homens que vos enxeis<br />
Na corte como na bigorna<br />
Vede no que se torna<br />
Qualquer fidalgo aprendiz.”<br />
PERSONAGENS POR ORDEM<br />
DE ENTRADA EM CENA<br />
D. Gil<br />
António Júlio Valarinho<br />
Afonso Mendes<br />
Mário Videira Lopes<br />
Beltrão<br />
João Carlos Albernaz<br />
Um Mestre de Esgrima<br />
Jorge Figueiredo Ramalho<br />
Um Mestre de Dança<br />
José Manuel Borges Soeiro<br />
Um Poeta<br />
Adelino Patrício Moreira e Castro<br />
Um Moço de Cavalos<br />
Jorge Figueiredo Ramalho<br />
Uma Comadre<br />
Maria Edite Marques<br />
Um Homem que passa<br />
José Maximiano Leitão<br />
Um Homem das Almas<br />
Cristiano Kruss Gomes<br />
Bateria<br />
Eduardo Pinto<br />
Viola<br />
Luís Dutra Santos Figueiredo<br />
No Cine-Teatro de S. Pedro do<br />
Sul realizou-se um espectáculo<br />
de beneficência a favor dos<br />
Bombeiros Voluntários no qual<br />
participámos graciosamente e<br />
acompanhámos a Lenita Gentil,<br />
em fase ascensional da sua<br />
carreira.<br />
Animámos o Carnaval do<br />
Clube de Viseu e aos fins de<br />
semana fizemos muitos bailes<br />
de Finalistas por todo o País<br />
partilhados com muitos conjuntos<br />
como o “Quinteto Académico”,<br />
“Shegundo Galarza”, “José Nóvoa”,<br />
“Os Álamos”, “Hi-Fi”, “Cometas<br />
Negros”, “Os Corsários”, entre<br />
outros.<br />
O nosso escritório continuava a<br />
ser o Snack-Bar Alvorada, mesmo<br />
em frente ao Hotel Grão Vasco,<br />
onde a família do Sr. Correia<br />
tomava conta das chamadas de<br />
quem nos queria contactar. Quem<br />
nos acompanhava e ajudava na<br />
logística dos transportes era<br />
o Rogério Dourado, que veio a<br />
ser o responsável pela D. Urraca,<br />
e também uma falange de 14<br />
admiradores/apoiantes que nos<br />
seguiam para todo o lado.
os tubarões ’67 131<br />
.a.d.urraca.<br />
1<br />
2<br />
1.<br />
Carrinha D. Urraca<br />
2.<br />
Orgão Farfisa Compact Duo<br />
A logística das deslocações e do<br />
transporte dos equipamentos e<br />
amplificadores implicava sempre<br />
mais do que uma viatura.<br />
Ia sempre a viatura do Sr. Loureiro,<br />
algumas viaturas de amigos<br />
que nos acompanhavam e se<br />
ofereciam para o transporte de<br />
um ou outro equipamento, e um<br />
carro de aluguer A com uma mala<br />
grande onde eram transportados<br />
os maiores volumes de<br />
equipamentos. Naquele tempo já<br />
tínhamos um Roadie. Tratava-se<br />
do Nogueira, amigo de infância do<br />
Zé Merino, que nos acompanhava<br />
e se responsabilizava pela<br />
logística do transporte e<br />
montagem dos equipamentos<br />
e aparelhagens.<br />
Por mera questão de<br />
oportunidade, o Sr. Loureiro<br />
comprou por 20.000$00, em<br />
2.ª mão, uma carrinha VW,<br />
modelo pão de forma, azul, que<br />
baptizámos como D. Urraca.<br />
Esta aquisição deu-nos uma<br />
maior independência nas nossas<br />
deslocações e uma segurança<br />
elevada para o transporte dos<br />
equipamentos.<br />
Levantava-se um problema.<br />
Embora alguns de nós tivessem<br />
a carta de condução ninguém<br />
estava interessado em conduzir<br />
a D. Urraca quando nos tínhamos<br />
de deslocar, principalmente<br />
quando o regresso se seguia<br />
à actuação. Foi então que se<br />
consolidou a presença dentro<br />
do conjunto do Rogério<br />
Dourado, um amigo que já nos<br />
acompanhava no dia-a-dia,<br />
um fã da VW que treinava na<br />
condução do carocha do pai,<br />
nas inúmeras escapadelas que<br />
fazíamos ao serão ao Caramulo e<br />
outras redondezas para muitos e<br />
agradáveis serões de folia.<br />
O Rogério Dourado passou a<br />
cuidar e a ser o responsável pela<br />
D. Urraca. Esta passou a ser mais<br />
um excelente elemento do<br />
Conjunto responsável pela<br />
deslocação confortável dos<br />
nossos equipamentos.<br />
E acompanhou-nos até ao fim<br />
com algumas remodelações no<br />
motor, cores e coreografia.
132 porViseu ’60s.<br />
.os.bailes.de.<br />
finalistas.<br />
Os bailes de Finalistas eram<br />
animados normalmente por dois<br />
conjuntos que alternavam entre<br />
si com takes de 1 hora cada, e a<br />
duração total de um baile poderia<br />
ir até às 6 horas, consoante<br />
evoluía a animação da noite e<br />
dos foliões. Este tempo impunha<br />
que cada conjunto tivesse uma<br />
playlist com um número mínimo<br />
de 40 músicas (cerca de 20<br />
músicas/hora). Nós, como a<br />
maior parte dos conjuntos, para<br />
além dos covers/êxitos em voga<br />
tínhamos ainda um conjunto<br />
de músicas instrumentais<br />
essencialmente vocacionadas<br />
para os mais dançarinos. Era o<br />
caso das marchas, valsas, tangos,<br />
passo doble, e até chachachá,<br />
para além de algumas rapsódias<br />
em slow de música portuguesa.<br />
Em todos os Bailes aparecia<br />
sempre alguém a pedir um destes<br />
géneros musicais. Este set de<br />
músicas possibilitava o descanso<br />
do vocalista e aumentava a nossa<br />
oferta de géneros musicais, facto<br />
que foi inúmeras vezes apreciado<br />
e salientado por diferentes<br />
públicos, nomeadamente de<br />
idades mais avançadas.<br />
O baile de finalistas do Liceu da<br />
Covilhã apresentava no seu cartaz<br />
os conjuntos “Os Deltons” e nós.<br />
O baile realizava-se no Salão do<br />
Cine-Teatro da Covilhã, o qual se<br />
situava na Praça principal, ao lado<br />
da Câmara, num 2.º andar alto<br />
com uma escadaria interminável.<br />
Todos colaborámos e ajudámos<br />
o Nogueira no transporte das<br />
aparelhagens e instrumentos.<br />
Estávamos nos trabalhos<br />
de montagem e chegaram<br />
“Os Deltons” que eram formados<br />
pelo Luís Moutinho na bateria,<br />
o Luís Antero na viola solo, o<br />
Fernando Tordo na viola ritmo<br />
e voz e o Toi Queimado na viola<br />
baixo. Tinham como Manager o<br />
nosso amigo Rui Oliveira e Costa.<br />
O Luís Moutinho chegou ao Salão,<br />
olhou à sua volta e perguntou:<br />
“É aqui o espectáculo?”<br />
Nós olhámos uns para os outros<br />
e apontámos o cartaz que
os tubarões ’67 133<br />
anunciava Baile de Finalistas<br />
do Liceu da Covilhã com os<br />
conjuntos “Os Deltons” de<br />
Lisboa e “Os Tubarões” de Viseu.<br />
Percebemos que “Os Deltons” não<br />
tinham muita prática de Bailes<br />
de Finalistas, como se veio a<br />
confirmar.<br />
Feito o alinhamento da festa com<br />
a organização soube-se então<br />
que “Os Deltons” tinham na sua<br />
playlist apenas 14 músicas,<br />
14 covers de êxitos de música<br />
anglo-saxónica, e que não<br />
aguentariam a alternância de<br />
um baile de finalistas. Com 14<br />
músicas, só muito esticadas, é<br />
que dariam para 1 hora. Ora no<br />
baile, e era um Baile de Finalistas,<br />
tal como estava contratualizado,<br />
com dois conjuntos, teria de<br />
haver alternância de hora a<br />
hora enquanto a pista tivesse<br />
dançarinos e tipos de músicas<br />
variadas para que o público as<br />
dançasse. Nalguns Bailes de<br />
Finalistas a tradição até obrigava<br />
a que a música de abertura fosse<br />
uma valsa.<br />
Seria um problema se do lado<br />
d’ “Os Deltons” não estivesse o Rui<br />
Oliveira e Costa e do nosso lado<br />
houvesse alguma intolerância<br />
para tornear a situação. Com boa<br />
vontade lá os ajudámos a resolver<br />
o problema tocando um pouco<br />
mais do que deveríamos.<br />
E “Os Deltons” lá fizeram um<br />
2.º take com um alinhamento um<br />
pouco diferente do seu set de 14<br />
músicas, repetindo como entrada<br />
e na despedida o “No milk today”,<br />
êxito recente dos “Herman’s<br />
Hermits”.<br />
Soubemos depois que o Rui<br />
Oliveira e Costa tinha angariado<br />
tal contrato através de um colega<br />
do Liceu D. João de Castro em<br />
Lisboa que era Covilhanense.<br />
Durante o 2.º set d’ “Os Deltons”,<br />
o Rogério Dourado chamou-nos<br />
ao 1.º andar, piso da sala de<br />
Cinema, para nos apresentar um<br />
antigo professor de Português<br />
ainda dos seus tempos de<br />
estudante em Castelo Branco, que<br />
era um fanático de José Régio.<br />
E assistimos à sua excelente<br />
declamação do “Cântico Negro”,<br />
que ainda hoje guardamos na<br />
nossa memória. a)<br />
Coisas impensáveis que nos iam<br />
acontecendo na vida musical:<br />
a meio de um Baile de Finalistas<br />
ouvir uma excelente declamação<br />
privada e em exclusivo, do<br />
“Cântico Negro” do José Régio por<br />
um Professor de Liceu, na Covilhã.<br />
Claro que mereceu a pena.<br />
E ficou para a memória.<br />
1<br />
1.<br />
Microfone Shure<br />
a)<br />
http://www2.mat.ua.pt/rosalia/<br />
caminhos/JRegio/index.html
134 porViseu ’60s.<br />
.depoimento.<br />
Rui Oliveira e Costa<br />
VISEU E “OS TUBARÕES”<br />
Nasci em Lisboa, bem como os<br />
meus pais e três dos meus quatro<br />
avós. O outro avô (Raul Raimundo)<br />
era de Viseu, bem como toda a sua<br />
grande família.<br />
Como alfacinha, sem outra terra,<br />
Viseu foi a minha adopção, pois<br />
para lá fui durante grande parte<br />
do Verão na década de sessenta.<br />
Tinha lá os tios e primos, e a<br />
Feira de São Mateus, na altura<br />
muito animada, com os bailes de<br />
Salão dos Bombeiros Voluntários,<br />
de que o meu tio Edmundo foi<br />
comandante.<br />
Conheci assim o Eduardo Pinto,<br />
o José Merino e o Rogério Dourado<br />
(estes últimos infelizmente já<br />
falecidos), e outros, com quem<br />
convivi nas festas de garagem com<br />
gira-discos. Bons tempos.<br />
Entretanto, em Lisboa, após 1965<br />
(então com 17 anos), tornei-<br />
-me manager (o termo se calhar<br />
ainda não existia) d’ “Os Deltons”,<br />
um conjunto de meninos bem do<br />
Restelo, que gravitava à volta do<br />
Luís Antero (que infelizmente já<br />
morreu). Para reforçar os miúdos<br />
do Restelo, levei comigo um viola<br />
acompanhamento que cantava<br />
muito bem – o Fernando Tordo –,<br />
e um baterista, aliás grande<br />
amigo, o Luís Moutinho.<br />
O conjunto cresceu, e creio que em<br />
1967 fomos actuar na Festa dos<br />
Finalistas do Liceu da Covilhã (não<br />
havia na altura Universidade da<br />
Beira Interior). Quem foi o conjunto<br />
alternante? “Os Tubarões”.<br />
Os meus amigos de Viseu, então já<br />
com nome feito.<br />
Mas voltando um pouco atrás, em<br />
1965/66 teve lugar em Lisboa, no<br />
Teatro Monumental (ao Saldanha)<br />
um concurso nacional da então<br />
denominada música ié-ié.<br />
“Os Tubarões” apareceram e<br />
passaram uma eliminatória. Mas<br />
a progressão não era fácil. Disse<br />
então aos meus amigos, creio que<br />
ao José Merino e ao Eduardo Pinto,<br />
que o repertório era essencial para<br />
fazer a diferença. Tinham vindo<br />
actuar há pouco tempo a Lisboa<br />
“Os Animals”, com o seu excelente<br />
vocalista Eric Burdon.<br />
E instiguei-os a incluírem no<br />
repertório duas músicas dos<br />
“Os Animals” – “We gota get out of<br />
this place” e o “It’s my life”.<br />
A proposta de um Lisboeta dentro<br />
dos meandros do concurso foi por<br />
eles aceite. E com estes temas<br />
foram à final. Só muito depois me<br />
apercebi que o meu conselho tinha<br />
sido importante. Ainda bem.<br />
Eu continuei como manager,<br />
e quando os “Sheiks”, regressados<br />
de uma estada em Paris, ficaram<br />
sem o manager (Rui Simões, que<br />
por lá ficou) e o Carlos Mendes<br />
(que foi tirar arquitectura),<br />
transferi-me então para os<br />
“Sheiks”, juntamente com o<br />
Fernando Tordo.<br />
Em 1967 estivemos todo o verão<br />
em Albufeira no Sete e meio. Um<br />
verão para mais tarde recordar.<br />
Depois veio a tropa, e a relação<br />
com a música amorteceu. Mas<br />
manteve-se a amizade, e a minha<br />
ligação a Viseu. Com os “Sheiks”<br />
ainda fomos lá a um baile de<br />
Finalistas em 1968, novamente<br />
com “Os Tubarões”. Revi os amigos<br />
e alguns tios e primos.<br />
Viseu é a minha segunda<br />
cidade, hoje muito diferente, e<br />
“Os Tubarões” uma excelente<br />
recordação da adolescência.<br />
Com muita música!”
os tubarões ’67 135<br />
.no.hotel.<br />
grão.vasco.<br />
O Café Restaurante Snack-Bar<br />
Alvorada, situado na Rua Gaspar<br />
Barreiros, fica de frente para a<br />
entrada do Hotel Grão Vasco.<br />
Era a nossa base logística natural<br />
durante o dia e onde tudo se sabia<br />
da nossa vida artística, servindo<br />
como ponto de contacto para<br />
muitos contratos. Nas noites de<br />
Inverno o movimento na parte<br />
do Restaurante Alvorada era<br />
pequeno e praticamente só nós<br />
ali nos encontrávamos após o<br />
jantar, a tomar o nosso café, o que<br />
levou a que passasse a encerrar<br />
cada vez mais cedo. Este facto e<br />
também uma actividade turística<br />
mais intensa no Hotel Grão<br />
Vasco com a chegada frequente<br />
de autocarros com turistas<br />
americanos, franceses e italianos,<br />
levaram-nos a alterar o lugar de<br />
encontro nocturno que passou a<br />
ser o Hotel Grão Vasco.<br />
Sempre que chegava um novo<br />
grupo de turistas ao Hotel era<br />
devidamente avaliada a sua<br />
composição por sexo e faixa<br />
etária. Quando bastante feminina<br />
e não demasiado antiga logo<br />
se previa o que seria mais<br />
recomendável como programa<br />
alternativo para depois do jantar:<br />
ou baile no próprio bar do hotel<br />
o que sempre dinamizava a<br />
receita do barmen Sr. Manuel, ou<br />
uma ida a S. João de Lourosa a<br />
casa da família Rosado, sempre<br />
disponíveis para as nossas<br />
diabruras e iniciativas com uma<br />
boa chouriça assada, bom tinto<br />
e um bailarico a rematar, ou uma<br />
visita guiada pelo centro histórico<br />
da cidade com estórias e detalhes<br />
que só nós sabíamos contar.<br />
Era o nosso serviço cívico e<br />
não foram poucos os suspiros<br />
e as alegrias que propiciámos,<br />
algumas também a finalizarem<br />
com uma ou outra lágrima<br />
na despedida. Imaginem<br />
quarentonas (ou mais)<br />
Americanas a dançarem à<br />
portuguesa (2 por 1), com<br />
beirões adolescentes, delicados,<br />
educadinhos e bem comportados?<br />
Claro que acabava sempre<br />
um par bem apertado, muito<br />
apertadinho, tão juntinho que até<br />
doía. E quantas, tão felizes, não<br />
ultrapassaram o beijinho?
136 porViseu ’60s.<br />
Um fim de tarde estávamos nós<br />
em amena cavaqueira no bar do<br />
hotel e entrou para o restaurante<br />
um casal italiano em que a<br />
senhora, bastante mais jovem que<br />
o cavalheiro, era muito bonita,<br />
elegante e tinha todos os outros<br />
atributos que estão a imaginar.<br />
Uma verdadeira Diva só vista<br />
em cinema. Entre nós fez-se o<br />
silêncio só interrompido pelo<br />
suspiro do Tó Oliva: “sheeeeeee.<br />
Que sonho! Eu tenho de beijar<br />
esta mulher”. E nós, o Rogério, o<br />
Dutra, e o Dr. Vasco, entre outros,<br />
logo ríamos perante a efectiva<br />
impossibilidade de tal desejo da<br />
mente do Tó Oliva, o amigo<br />
mais divertido e criativo que<br />
conhecemos. E fizeram-se<br />
apostas. Após o jantar<br />
regressámos ao hotel e o casal<br />
ainda jantava, tendo saído um<br />
pouco depois. A noite estava boa<br />
e resolveram dar um passeio pela<br />
zona histórica da cidade, após<br />
as devidas instruções dadas na<br />
recepção do hotel.<br />
E nós seguíamos à distância com<br />
o devido recato. Subiram a Rua<br />
do Comércio, Praça D. Duarte e<br />
Adro da Sé, após o que desceram<br />
a Rua do Hilário até à Rua Direita<br />
que na esquina tinha a Papelaria<br />
Figueiredo, hoje a Judiaria.<br />
Viraram à direita subindo a rua<br />
a caminho da Rua Formosa,<br />
passaram o Bazar do Porto, a<br />
melhor loja de brinquedos da<br />
nossa juventude, e pararam frente<br />
ao Solar do Visconde de Treixedo.<br />
Enquanto admiravam a fachada<br />
e a arquitectura do edifício, o Tó<br />
Oliva arrancou com o Rogério ao<br />
lado e dirigiu-se ao casal a quem<br />
convidou a entrar no Solar que<br />
afirmava ser de sua família. Eles<br />
um pouco incrédulos aceitaram<br />
tal convite e acompanharam-nos<br />
até à entrada do edifício, com<br />
uma porta em madeira maciça,<br />
antiga e muito pesada e que<br />
nunca estava fechada à chave,<br />
apenas com um trinco quase<br />
medieval. O Tó Oliva puxa de uma<br />
chave, simula que abre a porta do<br />
Solar, levanta o trinco e entram no<br />
hall com a escadaria de acesso ao<br />
1.º piso. Lá inventa pormenores<br />
dos seus antepassados e insiste<br />
em que o acompanhem para uma<br />
visita ao interior, o que o casal<br />
recusou, ficando no entanto muito<br />
agradecido, pela hospitalidade e<br />
informações prestadas. E saíram<br />
todos até à rua. Na despedida<br />
o Tó Oliva, rei do improviso e do<br />
desenrascanço, logo se candidatou<br />
a dar dois beijos na face da italiana<br />
que tanto nos encantou. E deu.<br />
E nós ficámos de boca aberta!<br />
Ganhou merecidamente a aposta e<br />
esta história foi uma entre muitas<br />
outras, tão ou mais divertidas, com<br />
que nos presenteou.<br />
Progressivamente começámos<br />
a utilizar o Hotel Grão Vasco<br />
como o nosso local de encontro,<br />
mesmo durante o dia. Era discreto,<br />
possibilitava entradas desfasadas,
os tubarões ’67 137<br />
tinha estacionamento e um<br />
horário que possibilitava<br />
uma grande autonomia e<br />
independência a todos nós.<br />
Era o local ideal que propiciava<br />
bons e discretos encontros com<br />
fãs, admiradoras e namoradas.<br />
Nas noites mais quentes ou<br />
quando o bar do Hotel Grão<br />
Vasco encerrava mais cedo<br />
começámos a frequentar o Café<br />
Paladium, recém aberto por<br />
um ex-emigrante da África do<br />
Sul, que fechava tarde e tinha<br />
uma cozinheira muito simpática<br />
sempre pronta para nos servir<br />
qualquer petisco, já que éramos<br />
novos e tínhamos sempre muito<br />
apetite.<br />
O nosso grupo de amigos e<br />
de convívio foi-se alargando,<br />
passando a incluir alguns jovens<br />
casais, intelectuais, advogados<br />
e outros profissionais liberais,<br />
e ainda outras pessoas que<br />
apreciavam o convívio nocturno.<br />
Começaram a aparecer inúmeros<br />
convites para algumas tertúlias<br />
nocturnas bem animadas.<br />
Houve uma fase em que íamos<br />
quase todas as semanas até<br />
ao Caramulo onde um grupo de<br />
pessoas em recuperação promovia<br />
sessões de fados e de convívio até<br />
altas horas da madrugada.<br />
Muito agradáveis, úteis e cultas<br />
eram as noitadas na Casa do<br />
Cruzeiro, a casa do Dr. Vasco<br />
Cunha, descendente do Visconde<br />
de Rio Torto. A Casa do Cruzeiro<br />
fica à entrada do caminho para<br />
o Fontelo, e o nome deve-se à<br />
escultura granítica por cima do<br />
portão, hoje Monumento Nacional.<br />
Tinha um páteo interior lindíssimo,<br />
aberto, com um bonito relvado<br />
que, no Verão, servia de cenário<br />
às nossas audições de discos, às<br />
tertúlias e récitas poéticas. No<br />
inverno ouvíamos os discos na<br />
sala de leitura. Nas madrugadas,<br />
quando a fome apertava, lá íamos<br />
à cozinha à prova de queijos da<br />
Serra, produto da renda de uma<br />
das propriedades da família. Tudo<br />
era motivo de conversa nestas<br />
tertúlias nocturnas. E o nível era<br />
elevado e de grande abrangência<br />
cultural. Por ali aprendemos<br />
muito. O nosso amigo e anfitrião,<br />
advogado com cultura superior<br />
o Dr. Vasco Martins da Cunha<br />
tinha regressado de Angola, tinha<br />
uma excelente discografia e uma<br />
fantástica aparelhagem sonora<br />
com o seu gira-discos Garrard,<br />
o que nos propiciava audições de<br />
LP’s de boa música brasileira<br />
onde nunca faltavam o “João<br />
Gilberto”, “Vinícius de Moraes”,<br />
e a terminar essa interpretação<br />
única do “Camisa Amarela” pela<br />
“Nara Leão”.<br />
1 2<br />
1.<br />
Casa dos Viscondes de Treixedo,<br />
Rua Direita (foto Germano)<br />
2.<br />
Casa do Cruzeiro, terraço interior<br />
(foto Germano)
138 porViseu ’60s.<br />
.casa.dos.<br />
viscondes.<br />
de.treixedo.<br />
Luís Cunha Matos<br />
Situada na parte ainda nobre da<br />
Rua Direita, com uma frente longa<br />
e com dois pisos, edifício senhorial<br />
do Séc. XVIII de arquitectura<br />
barroca, com dois portais com<br />
frontão partido e heráldico,<br />
detentora das mais ricas cantarias<br />
de Viseu, coeva da Igreja da<br />
Misericórdia, foi até ao final dos<br />
anos 60 do Séc. XX propriedade da<br />
Família Queirós Pinto de Athayde<br />
Mascarenhas, sendo os seus<br />
últimos residentes a Viscondessa<br />
de Treixedo e seu irmão, que era<br />
surdo-mudo, passando depois a<br />
ser um banco.<br />
Desde que casou, o último<br />
Visconde de Treixedo, filho da<br />
referida e de nome Francisco,<br />
instalou-se em Lourosa, numa<br />
propriedade com uma bela Casa<br />
com Capela e grande Quinta<br />
agrícola de que recordo os<br />
pomares, as vinhas, os tanques<br />
de rega e a mata variada,<br />
além de vários animais de que<br />
sobressaíam sempre os cavalos<br />
com que se passeavam montando<br />
ou em atrelado por Viseu,<br />
especialmente durante a Feira de<br />
São Mateus.<br />
Este último Visconde de Treixedo,<br />
que sempre se manteve em<br />
Lourosa como proprietário<br />
agrícola, era o mais velho de vários<br />
irmãos de que recordo dois:<br />
<br />
foi o primeiro Presidente do<br />
Conselho de Administração da<br />
Radiotelevisão Portuguesa (RTP),<br />
onde se manteve durante quase<br />
uma década;<br />
<br />
de Mascarenhas que foi durante<br />
décadas Vice-Presidente, e mais<br />
tarde Presidente do Conselho de<br />
Administração da Marconi.<br />
Este Dr. Manuel de Athayde Pinto<br />
de Mascarenhas ficou conhecido<br />
entre o pessoal da Marconi como<br />
um gestor extraordinariamente<br />
preocupado com o desperdício,<br />
pelo que se contava a “estória”<br />
de só deixar fornecer um<br />
lápis novo aos trabalhadores<br />
que mostrassem um lápis,<br />
anteriormente disponibilizado,<br />
já gasto!<br />
Quanto à Casa da Rua Direita, sei<br />
que tem um “torreão” ou clarabóia,<br />
do lado nascente, portanto<br />
dando para os jardins da Casa da<br />
Prebenda, da Família Quevedo<br />
Crespo, que era visível da Casa<br />
do Serrado.<br />
Em tempos, por ocasião das<br />
invasões francesas e dos<br />
assaltos/visitas de um tal João<br />
Brandão, bem relacionado<br />
socialmente mas brutal salteador<br />
natural e residente em Midões,<br />
para lá de Carregal do Sal,<br />
utilizando candeeiros a petróleo,<br />
trocavam-se avisos de perigo<br />
entre as Casas dos Viscondes<br />
de Treixedo e do Serrado!<br />
.casa.do.cruzeiro.<br />
Luís Cunha Matos<br />
Propriedade da Família Queiróz<br />
Pinto de Athayde (parentes muito<br />
próximos dos Treixedos) cujos dois<br />
últimos proprietários conheci e<br />
que entre si, e em partilhas,<br />
a dividiram – de modo a que:<br />
o piso térreo e o pequeno mas<br />
magnífico “green” a que se acedia<br />
do exterior pelo portão de granito<br />
encimado pelo “Cruzeiro” que dá<br />
nome à Casa e é peça escultórica<br />
classificada, ficou a pertencer à<br />
D. Maria do Amparo que casou<br />
com o Juíz Conselheiro<br />
Dr. Joaquim Martins da Cunha,<br />
Visconde de Rio Torto, que teve 4<br />
Filhos, todos já falecidos:<br />
<br />
viveu desde jovem em Angola<br />
onde administrava propriedades<br />
da família e que eu conheci,<br />
nos anos 90, por ocasião da<br />
integração/fusão da empresa no<br />
“universo” Portugal Telecom, como<br />
importante accionista da Marconi;<br />
<br />
que exerceu o cargo de Delegado<br />
do Ministério Público e depois<br />
foi trabalhar para Angola numa<br />
fábrica de Celulose, regressando<br />
nos anos 60 a Viseu onde se<br />
entretinha com leituras, música e<br />
convívio, quer em casa quer no bar<br />
do Hotel Grão Vasco, e conhecidos<br />
cafés de que se destacavam o<br />
Horta e o Alvorada. Era senhor<br />
de uma cultura acima do normal,<br />
com um fino humor e que manteve
os tubarões ’67 139<br />
durante toda a vida um carro da<br />
juventude, um MGA branco dos<br />
anos 40.<br />
<br />
Zé, que se manteve solteira e era<br />
a companhia do Dr. Vasco, quer<br />
em Viseu, quer na Figueira da<br />
Foz – onde tinham casa na Rua<br />
dos Casinos – quer em Lisboa, na<br />
Rua da Sociedade Farmacêutica,<br />
exactamente no mesmo prédio<br />
onde viveu e faleceu o escritor<br />
açoriano Vitorino Nemésio.<br />
<br />
especializado em fisioterapia que<br />
participou, no final dos anos 60,<br />
na recuperação do Prof. Oliveira<br />
Salazar depois da “queda” no<br />
Forte de Santo António do Estoril!<br />
Hoje existe a Viúva do Henrique,<br />
e os 4 filhos deste, de que o mais<br />
velho, Pedro, é advogado em<br />
Lisboa.<br />
A outra parte da casa, isto é,<br />
o primeiro andar e uma pequena<br />
parte do piso térreo e quintal<br />
atrás da casa, pertence hoje aos<br />
descendentes do Dr. Queirós de<br />
Ataíde, irmão da referida D. Maria<br />
do Amparo, que era Notário ou<br />
Conservador e de que conheci os<br />
filhos Henrique e Agostinho, já<br />
falecidos, e conheço o Miguel que<br />
foi, durante anos, Presidente do<br />
Partido Popular Monárquico.<br />
3<br />
3.<br />
Portão granítico da<br />
Casa do Cruzeiro, peça classificada.<br />
A Casa do Cruzeiro fica na Rotunda<br />
do Fontelo
140 porViseu ’60s.<br />
.depoimento.<br />
Carlos Manuel Serpa<br />
DEBUTANTES BRASILEIRAS<br />
Recordo um acontecimento,<br />
do qual certamente poucos se<br />
lembrarão, passado no Hotel Grão<br />
Vasco, corria o ano de 1967, se não<br />
me falha a memória.<br />
Como era habitual, encontrávamo-<br />
-nos diáriamente no bar<br />
deste hotel, onde, para além<br />
da conversa, aguardávamos<br />
ansiosamente a chegada de novos<br />
hóspedes, preferencialmente<br />
do sexo feminino, com os quais<br />
tentávamos travar conhecimento.<br />
Eis que certo dia, deparámo-<br />
-nos com um grupo de cerca de<br />
20 lindíssimas brasileiras, com<br />
as quais iniciámos de imediato<br />
o desejado contacto (verbal,<br />
entenda-se).<br />
Ficámos a saber que se tratava<br />
de um grupo de debutantes,<br />
pertecentes às melhores famílias<br />
da cidade de Belém do Pará,<br />
a quem um Comendador<br />
português ali residente, de nome<br />
Marques dos Reis, oferecia todos<br />
os anos uma viagem a Portugal.<br />
Ora depois de muita conversa e<br />
de várias insistências por parte<br />
das fogosas meninas para que<br />
pudéssemos organizar um baile,<br />
resolveu o Rogério Dourado,<br />
chamar “Os Tubarões”, que<br />
rapidamente chegaram, montaram<br />
a aparelhagem no próprio bar<br />
do hotel, e iniciaram a actuação,<br />
deixando completamente loucas<br />
as nossas amigas, que não nos<br />
deram descanso na dança e no<br />
assédio aos “Tubarões”.
141<br />
.festa.do.3º.<br />
aniversário.<br />
a)<br />
pt.wikipedia.org/wiki/<br />
Tonicha<br />
O sucesso espevitou uma vez<br />
mais a veia comercial do<br />
Sr. Severo, Gerente do Cine-<br />
-Rossio, que nos queria à viva<br />
força num espectáculo naquela<br />
sala de Cinema. Foi então<br />
que decidimos realizar um<br />
espectáculo comemorando o<br />
nosso terceiro aniversário, tendo<br />
por base a data do nosso primeiro<br />
concerto realizado no Clube de<br />
Viseu em Abril de 1964.<br />
Na concepção da Festa<br />
planeámos duas partes:<br />
na primeira iríamos convidar<br />
alguns artistas de Viseu. Assim<br />
aconteceu e convidámos o Rui<br />
Correia, irmão do Zeca e do Beto,<br />
amigos de longa data e colegas do<br />
Liceu. O Rui tinha-se destacado<br />
num Sarau do Liceu com uma<br />
récita de grande qualidade.<br />
Era um jovem muito simpático<br />
e talentoso por quem nutríamos<br />
grande simpatia e que, embora<br />
com algum receio, aceitou o nosso<br />
convite. Convidámos ainda “Os<br />
Corsários” e o Viçoso Caetano, que<br />
em Moçambique, no serviço militar,<br />
tinha alcançado grande sucesso<br />
com o êxito “os Boinas Verdes”,<br />
o hino dos paraquedistas que<br />
chegou a gravar em disco.<br />
E para apresentar o espectáculo<br />
tínhamos o Jorge Martins, irmão<br />
dos Antas de Barros, locutor<br />
profissional radicado no Asas do<br />
Atlântico, uma Emissora Açoriana,<br />
e que se encontrava de passagem<br />
por Viseu fazendo parte do nosso<br />
círculo de amigos. Para a segunda<br />
parte pesquisámos um artista de<br />
Cartaz que nunca tivesse actuado<br />
em Viseu. E facilmente chegámos<br />
à conclusão de que a Tonicha a)<br />
com quem estivéramos no Casino<br />
em 1966 seria a melhor escolha,<br />
já que era uma jovem em grande<br />
ascensão, havia ganho em 1966<br />
o primeiro prémio no Festival da<br />
Canção da Figueira da Foz com<br />
“Boca de Amora”, letra e música<br />
de José Gouveia. Participou ainda<br />
no filme “Sarilho de Fraldas”,<br />
de Constantino Esteves, com<br />
Nicolau Breyner, António Calvário<br />
e Madalena Iglésias, recebeu o<br />
“Microfone de Ouro” do Rádio<br />
Clube Português e foi eleita<br />
“Mulher Portuguesa do Ano”, pelo<br />
Clube das Donas de Casa.
142 porViseu ’60s.<br />
Venceu ainda o Prémio de<br />
Imprensa do ano de 1967.<br />
Em suma, ia ao encontro do que<br />
pretendíamos. E foi muito fácil<br />
convidá-la, chegar a acordo, tendo<br />
aceite de imediato que fosse o<br />
nosso conjunto a acompanhá-la<br />
no seu concerto. Enviou-nos as<br />
partituras e o alinhamento das<br />
15 músicas, com mais duas para<br />
encore que desejava levar a cena.<br />
Ensaiámos as músicas ouvindo os<br />
discos e recorrendo às partituras<br />
recebidas, encarregando-se<br />
o Carlos Alberto dos solos,<br />
enquanto o Victor tomava conta<br />
das harmonias.<br />
Entretanto telefonaram da Casa<br />
Ruvina a informar ter chegado a<br />
minha nova bateria. E lá fomos<br />
ao Porto ver a nova bateria<br />
que era japonesa de uma nova<br />
geração feita com madeira de<br />
tília, muito leve e bonita, em que<br />
o bombo tinha uma dimensão um<br />
pouco menor do que o habitual.<br />
Com peles sintéticas tinha bom<br />
som, de simples afinação e fácil<br />
transporte. Só a tarola é que<br />
não agradou e trocámos por<br />
uma Premier metálica (20cm)<br />
de grande qualidade. Todos os<br />
pratos, incluindo os de choque,<br />
eram Zildjian (2 livres). E foi uma<br />
bateria que nos agradou muito<br />
e respondia a todas as nossas<br />
necessidades. Pronta a estrear<br />
no nosso aniversário.<br />
Tratámos da promoção do<br />
espectáculo com cartazes<br />
e flyers, dos quais fomos forçados<br />
a imprimir duas edições pois<br />
um familiar de um dos artistas<br />
obrigou-nos a fazermos novas<br />
edições exigindo tamanho da<br />
letra igual ao da atracção Tonicha.<br />
E, à última hora, lá tivemos de<br />
fazer uma 2.ª edição do Cartaz<br />
e dos flyers respeitando tal<br />
reivindicação.<br />
O Cine-Rossio esgotou.<br />
A primeira parte teve na abertura<br />
“Os Corsários” a que se seguiu<br />
o Rui Correia a declamar,<br />
e a finalizar o Viçoso Caetano,<br />
acompanhado pelo nosso<br />
conjunto. Após o intervalo, nós já<br />
vestidos a rigor com o nosso lindo<br />
smoking preto, abrimos a 2.ª parte<br />
com duas músicas, após o que<br />
entrou em palco a Tonicha que<br />
fez um excelente concerto, com<br />
direito a músicas extras<br />
e entrega de flores.<br />
E tivemos de terminar pois a tarde<br />
ia longa e o Cinema tinha de estar<br />
preparado para a sessão das<br />
21h30.
os tubarões ’67 143<br />
.no.<br />
caruncho…<br />
a)<br />
http://guedelhudos.blogspot.<br />
com/2009/03/pop-clube.html<br />
b)<br />
http://guedelhudos.blogspot.<br />
com/2008/02/caruncho-alfredobarroso.html<br />
c)<br />
http://pt.wikipedia.org/wiki/<br />
Pedro_Castelo<br />
Faziam parte do nosso círculo<br />
de amigos próximos dois<br />
jovens casais que muito nos<br />
acompanharam a partir de 1966.<br />
Eram o Arnaldo Machado e a<br />
Guida Vilhena, e o Maurício de<br />
Sousa e a Fernanda Madeira,<br />
jovens casais com grande<br />
abertura de espírito<br />
e apreciadores de música em<br />
termos gerais e da nossa música<br />
em particular, que sempre que<br />
podiam nos acompanhavam nas<br />
nossas actuações.<br />
Numa das suas frequentes<br />
deslocações a Lisboa, onde<br />
frequentavam as boîtes da moda<br />
como o Pop a) juntamente com o<br />
nosso representante em Lisboa<br />
– o Fernando Matos (o Pascoal)<br />
e outros amigos, foram até ao<br />
Caruncho b) no Lumiar, que já<br />
contratara aos fins de semana<br />
alguns dos conjuntos da moda<br />
a animar as noites de então.<br />
Passaram por lá o “Quinteto<br />
Académico”, “Os Claves”,<br />
“Os Sheiks” e alguns estrangeiros<br />
como o Nino Ferrer. Nessa noite<br />
encontraram o Pedro Castelo c)<br />
grande locutor da Rádio jovem<br />
de então, nomeadamente dos<br />
programas a “23.ª Hora” e do<br />
“Enquanto for bom dia” da<br />
Renascença, e sugeriram a nossa<br />
ida ao Caruncho, que ficou logo<br />
combinada com a Gerência para<br />
um fim de semana do mês de<br />
Maio. Havia apenas uma ressalva<br />
quanto às aparelhagens a<br />
montar já que o espaço era muito<br />
pequeno e teríamos de ter em<br />
conta esse aspecto.<br />
E assim aconteceu. Partimos<br />
de Viseu num sábado de manhã,<br />
em caravana com a D. Urraca<br />
e uma grande comitiva que nos<br />
acompanhava, montámos os<br />
equipamentos possíveis e ainda<br />
actuámos nesse fim de tarde ao<br />
jeito de teste de som. Actuámos<br />
nessa noite de sábado e fizemos<br />
a matiné do domingo. Claro que<br />
tratámos de divulgar a nossa<br />
presença em Lisboa e apareceram<br />
as nossas habituais claques de<br />
Viseu, de Lisboa e muitos amigos.<br />
E foram duas sessões animadas,<br />
embora com as limitações de som<br />
que não eram do nosso agrado.<br />
Mas foi o som possível e as<br />
sessões não foram prejudicadas<br />
por isso.<br />
…e.em.massamá.<br />
Desde Janeiro de 66 que tínhamos<br />
a promessa de ir tocar a Massamá<br />
a casa do meu tio Vasco.<br />
Logo que soube que íamos a<br />
Lisboa o tio Vasco exigiu a nossa<br />
presença em sua casa e convidou<br />
todos os seus amigos para uma<br />
grande festa marcada para esse<br />
domingo à noite. Foi o tempo de<br />
desmontarmos o equipamento<br />
no Caruncho e seguirmos em<br />
comitiva para Massamá onde<br />
o tio Vasco além da vivenda<br />
com cães, macacos e araras, a<br />
passareira que servia de parede<br />
interior da sala, tinha uma capela
144 porViseu ’60s.<br />
1.<br />
Amigos Maurício Sousa<br />
e esposa, Fernanda Madeira,<br />
com o Vitó e o Dutra<br />
1<br />
e um anexo com dois pisos,<br />
no 2.º dos quais tinha uma boìte<br />
com um piano branco de meia<br />
cauda muito bonito. Era aí a<br />
festa. A casa estava cheia e já a<br />
animação era grande.<br />
Maior foi o reboliço pois o acesso<br />
ao 2.º piso era terrível com uma<br />
escada em caracol muito estreita<br />
que dificultava muito o transporte<br />
dos instrumentos. Toda a gente<br />
quis ajudar a transportar os<br />
instrumentos para o 2.º piso.<br />
Foi uma confusão muito divertida<br />
e quando começámos a tocar já a<br />
noite ia longa. Foi muita agitação,<br />
animação e confusão e o espaço<br />
era pequeno para tanta gente.<br />
Alguns de nós interrogávamo-nos<br />
se o piso ia aguentar com tanto<br />
salto e animação. Havia muita<br />
gente jovem, miúdas bonitas<br />
como as manas Pontes de Sousa<br />
e outras ainda desconhecidas.<br />
Foi muito, muito divertido com<br />
muitos copos e muita cantoria até<br />
às tantas.<br />
Até a D. Urraca foi testemunha<br />
da grande confusão gerada com<br />
tal festa e assistiu a vários beijos<br />
trocados, roubados e consentidos<br />
no seu interior com as bonitas<br />
ajudantes voluntárias no tirar<br />
e pôr das aparelhagens.<br />
Seguramente em Massamá,<br />
nos dias seguintes, muito se terá<br />
comentado tal noitada.
os tubarões ’67 145<br />
.o.meu.<br />
retrato.dos.<br />
tubarões.<br />
Estaríamos na fase mais<br />
equilibrada do conjunto com a<br />
nossa formação base estabilizada<br />
desde 1964 composta pelo José<br />
Merino, vocalista, Carlos Alberto<br />
nas teclas, Victor Barros na viola<br />
solo e ritmo, Luís Dutra na vila<br />
baixo e eu na bateria. Tínhamos<br />
tido como violas solo o Tó Fifas<br />
em 1964, o Quim Guimarães em<br />
1965 até Março de 1966, e sem<br />
viola solo desde essa altura,<br />
tendo começado o Victor a exercer<br />
tal função.<br />
O Zé Merino era o mais criativo<br />
de todos nós. Tinha uma voz<br />
poderosa que tanto cantava Tom<br />
Jones, Eric Burdon, Bécaud ou<br />
“Bee Gees”, nunca faltando os<br />
seus idolatrados “Beatles” de<br />
quem absorvia tudo, conhecia<br />
todas as músicas, e sabia quase<br />
todas as letras. E este pormenor<br />
muito contribuiu para a sua<br />
evolução enquanto vocalista e<br />
também fomentou a sua veia<br />
criativa. Tudo o inspirava para a<br />
criação de novos temas. O Zé, se<br />
tivesse tocado um instrumento,<br />
teria sido um criador musical<br />
único. Dos sete originais que<br />
temos registados esteve presente<br />
em seis e foi o principal autor<br />
de cinco. E mais não fez por se<br />
esquecer das muitas criações que<br />
lhe surgiam na cabeça e que mais<br />
tarde não conseguia reproduzir<br />
junto dos restantes membros do<br />
conjunto. Seguramente com um<br />
instrumento à mão tais criações<br />
não seriam esquecidas. O timbre<br />
da sua voz era uma das marcas<br />
do nosso conjunto.<br />
O Carlos Alberto nos teclados<br />
era outra das marcas do som<br />
do nosso conjunto. Iniciou a sua<br />
aprendizagem musical na Escola<br />
de Acordeões Mário Costa, e tais<br />
conhecimentos foram sempre<br />
preciosos para todos nós.<br />
Era muito completo, discreto<br />
e exigente. E quando algo não<br />
lhe soava bem não descansava<br />
enquanto não descobrisse a<br />
imperfeição. E tinha sempre<br />
razão. Completo, estudava<br />
sózinho o seu instrumento,<br />
dedicava especial atenção aos<br />
solos que interpretava como
146 porViseu ’60s.<br />
poucos, como o do “I put a<br />
spell on you”, e era exímio no<br />
uso da pedaleira. Tinha uma<br />
particularidade única. Nas noites<br />
mais longas, quando tocávamos<br />
séries de slows (rapsódias de<br />
músicas instrumentais tocadas<br />
de seguida, sempre ligadas, com<br />
o mesmo ritmo), que o público<br />
muito apreciava para dançar<br />
mais aconchegado, conseguia<br />
adormecer, tocar as músicas<br />
completas sem qualquer falha.<br />
Só tínhamos que o acordar<br />
no ponto certo para ele não<br />
estremunhar. Ninguém notava.<br />
Só nós.<br />
O Victor Barros (Vitó) era o perito<br />
em ritmo e harmonia. “Batia”<br />
a bossa como poucos e ainda<br />
hoje, sempre que pega no violão,<br />
é difícil resistir ao ritmo e ao<br />
balanço que imprime quer com a<br />
batida, quer com o som resultante<br />
do diálogo das duas mãos. Solava<br />
sempre que necessário mas<br />
era na melodia onde se sentia<br />
mais à vontade, na sétima,<br />
na dissonante, nos coros, no<br />
pormenor que fazia a diferença,<br />
como o prova o “Você vai<br />
chorar” de sua autoria. Também<br />
interpretava bem “I’ve Got My<br />
Mojo Working” numa versão mista<br />
de Jimmy Smith e “Quinteto<br />
Académico”. Nós gostávamos<br />
muito.<br />
O Dutra era sem dúvida o mais<br />
dorminhoco e o sempre atrasado.<br />
Com a eterna ajuda do Carlos e<br />
do Victor cumpria a sua missão.<br />
Evoluiu muito e poderia ir<br />
ainda mais longe mas os seus<br />
atrasos constantes a todos os<br />
compromissos, ensaios, namoros,<br />
refeições, exames, não lhe davam<br />
tempo para mais. Conseguia moer<br />
a cabeça de toda a gente, mas<br />
bom rapaz e bem disposto, com<br />
muita graça, lá conseguia levar a<br />
água ao seu moinho, mesmo para<br />
as mós mais exigentes.<br />
A sua coroa de glória era a<br />
interpretação de “The more I see<br />
you”, numa versão revitalizada do<br />
Chris Montez.<br />
Quanto a mim ainda hoje não<br />
estou seguro se a bateria teria<br />
sido o instrumento para o qual<br />
teria mais vocação. O que aprendi<br />
em 1963 com o Tó Fifas foi a<br />
melhor base de conceitos que me<br />
serviu para a vida musical. Nunca<br />
tive outro instrutor, tudo o que<br />
vim a saber foi por observação,<br />
algumas dicas e intuição.<br />
E é este motivo que leva à minha<br />
dúvida. Era um baterista mais<br />
na base da força do que no jeito.<br />
Hoje cada vez mais aprecio os da<br />
arte pela suavidade e leveza do<br />
toque. Consegui “bater” bossa<br />
com algum à vontade muito<br />
impulsionado pelo toque do<br />
Victor, que sempre acompanhei<br />
a preceito. Era certinho qb para<br />
o conjunto que éramos.<br />
Solos de bateria só a pedido e<br />
não foram muitos os solicitados.<br />
Em termos vocais tentavam<br />
sempre empurrar-me para<br />
cantar “o Pato” de “João Gilberto”<br />
(Vinícius de Moraes/Toquinho/<br />
Paulo Soledade) mas a minha<br />
interpretação era efectivamente<br />
uma séria ameaça à do “Juca<br />
Chaves”.
os tubarões ’67 147<br />
.woolmark.e.<br />
s.pedro.do.sul.<br />
1<br />
1.<br />
Desfile Woolmark no<br />
Hotel Grão Vasco<br />
Finalmente chegou de Itália o<br />
novo orgão Farfisa Compaq Duo,<br />
o topo da gama Farfisa, que todos<br />
nós desejávamos, já que era o<br />
instrumento crucial do nosso<br />
conjunto e tinha para o explorar<br />
musicalmente o, de todos nós<br />
mais bem preparado e dotado,<br />
Carlos Alberto. Desde finais de 64<br />
que o órgão fez sempre parte da<br />
nossa formação. Era fundamental.<br />
Regressámos às Passagens de<br />
Modelos Woolmark, sempre<br />
apresentadas pela nossa<br />
madrinha Maria Leonor e no<br />
S. Pedro fomos animar as festas<br />
em S. Pedro do Sul no Palácio<br />
de Reriz, mesmo no meio da<br />
época de exames. Nestas<br />
deslocações, próximas de Viseu,<br />
tínhamos sempre vários grupos<br />
de admiradores que nos seguiam<br />
e que por vezes ultrapassavam<br />
as 50 pessoas. Um deles era<br />
formado só por amigas e colegas,<br />
que nos mantinham sempre a<br />
alguma distância, sempre muito<br />
animadas e prontas para um<br />
pézinho de dança. Sem nunca<br />
o anunciarem, lá se metiam<br />
nas suas viaturas e apareciam<br />
com um arzinho da sua graça.<br />
Era o grupo da “Capitão Silva<br />
Pereira”, bem divertido, grandes<br />
dançarinas e cuja presença, que<br />
sempre nos agradou, era muito<br />
regular nestas festas.
148 porViseu ’60s.<br />
permitiu ouvir grande parte da<br />
música, que mal terminou o Zé<br />
logo cantarolou o conhecido<br />
refrão com o Victor a tentar<br />
“tirar os tons” na sua Fender.<br />
Na Época de 1967 as Variedades<br />
eram acompanhadas pela<br />
“Orquestra de José Santos Rosa”<br />
e a nós, pela primeira vez como<br />
cabeças de cartaz, competiam-<br />
-nos os bailes e as matinés,<br />
estas por vezes partilhadas com<br />
os “Vodkas”, e aqueles, em dias<br />
de enchente, reforçados pelo<br />
conjunto “Nelo Costa”.<br />
.de.novo.no.<br />
.casino.<br />
1<br />
1.<br />
Festa à Portuguesa no Salão de Café<br />
2<br />
3<br />
4<br />
2. 3. e 4.<br />
Programas do Casino<br />
Estreámos no Grande Casino<br />
Peninsular da Figueira da Foz<br />
a 22 de Julho, com o conjunto de<br />
João Paulo com Sérgio Borges,<br />
com quem partilhámos a matiné<br />
do domingo seguinte, 23.<br />
Recorde-se que foi a 25 de Junho<br />
que os “Beatles” lançaram “All<br />
You need is love”, essa obra prima<br />
à amizade, no programa da BBC<br />
“Our World” lançado para 26<br />
países, directamente do Abbey<br />
Road Studios com a presença<br />
de Mick Jagger, Eric Clapton,<br />
Marianne Faithfull, Keith Moon<br />
e Graham Nash. Nessa tarde<br />
estávamos nós a ensaiar no Salão<br />
Nobre do Casino e apareceu<br />
alguém com um rádio que nos<br />
Como vinha a acontecer desde<br />
1965 a logística da estadia e<br />
alimentação estava a cargo da<br />
Residencial Júlio, e vivíamos num<br />
prédio na Rua Bernardo Lopes,<br />
numa zona sossegada perto do<br />
Casino que nos permitia dormir<br />
até tarde, já que as noites eram<br />
sempre longas, e terminavam<br />
em regra com uma boa ceia,<br />
acompanhada com o humor<br />
constante, as anedotas e a boa<br />
disposição do Zé Gordo,<br />
o fotógrafo do Casino, muito<br />
nosso amigo e sempre bem<br />
disposto mesmo nos piores<br />
momentos da sua “Briosa”.<br />
A ceia, dependendo das horas<br />
e do local ainda aberto, podia<br />
ocorrer no Casino, ou no Nicola<br />
com o seu bife à café, ou nas<br />
bombas da Sacor, junto da<br />
Estação.
os tubarões ’67 149<br />
.a.vida.no.casino.<br />
O nosso dia-a-dia não dava<br />
para muitos veraneios já que<br />
tocávamos todas as noites e<br />
fazíamos duas matinés por<br />
semana. Acordávamos tarde.<br />
Em dias de matiné almoçávamos<br />
por volta das 15h para<br />
começarmos a tocar ás 16h30<br />
até às 19h50. Após um banho e<br />
nova indumentária, jantávamos<br />
para voltarmos ao Casino às<br />
22h30, começando a tocar por<br />
volta das 23h até às 2h. Em noites<br />
de eleição e por convite pessoal<br />
e exclusivo, cada um de nós ia<br />
alternadamente jantar a casa<br />
do nosso amigo e empresário<br />
Sr. António Xavier Loureiro, que<br />
tinha alugado uma casa com a<br />
família próxima do Casino. Eu fui<br />
um privilegiado pois seguramente<br />
fui o frequentador mais assíduo<br />
daqueles excelentes jantares.<br />
Era sempre uma noite em cheio<br />
pois o manjar era óptimo, farto<br />
e muito bem regado com o Dão<br />
especial da Quinta de Pindelo.<br />
Único!<br />
As Variedades iniciavam-se às<br />
22h30 no Salão de Café e tinham<br />
uma duração aproximada de<br />
meia hora a 40 minutos. Sempre<br />
que havia uma atracção especial<br />
(Amália, Rui de Mascarenhas,<br />
e outros que o justificassem)<br />
havia uma segunda parte no Salão<br />
Nobre à 1h com essa vedeta.<br />
Os preços variavam consoante<br />
o mês. Em Agosto de 1967 as<br />
matinés tinham o preço de<br />
10$00. As noites de sexta-feira<br />
e sábados eram as mais caras,<br />
no geral 40$00, mas com uma<br />
atracção especial iam aos 50$00<br />
e até aos 60$00. Os restantes dias<br />
da semana os preços variavam<br />
entre 25$00 e 30$00 dependente<br />
do cartaz.<br />
Quanto a nós, nos dias em<br />
que não fazíamos as matinés,<br />
descansávamos um pouco mais<br />
sacrificando por vezes o almoço,<br />
ou procurávamos o convívio<br />
descontraído com os muitos<br />
amigos que tínhamos.<br />
Num eventual descanso semanal<br />
ensaiávamos ou aceitávamos um<br />
dos inúmeros convites e que iam<br />
desde as paellas na praia com<br />
o grupo espanhol liderado pelo<br />
Manolo e pela Apy, os lanches<br />
retemperadores na Serra da Boa<br />
Viagem, as festas do amendoim<br />
em casa do Victor Pais, ou<br />
os passeios pelos arredores.<br />
Passámos por todos eles.<br />
Tínhamos um óptimo<br />
relacionamento com a Direcção<br />
do Casino e um convívio muito<br />
agradável com todos os artistas,<br />
com especial simpatia com a<br />
“Orquestra de José Santos Rosa”<br />
e vários dos seus elementos,<br />
além do Maestro. E aos poucos<br />
dominávamos os meandros<br />
e os corredores do Casino,<br />
influenciámos as eleições das<br />
Misses conseguindo que de facto,<br />
e em nosso entender, fossem<br />
eleitas as mais elegantes<br />
e bonitas candidatas.
150 porViseu ’60s.<br />
.miss.espanha.<br />
Uma das iniciativas do Casino<br />
era a eleição de Miss Espanha<br />
dedicada à grande colónia<br />
espanhola de Badajoz, Cáceres,<br />
Sevilha, Salamanca e até Madrid,<br />
com grandes aficionados do jogo<br />
e, naturalmente, das corridas de<br />
touros. E a Figueira tinha como<br />
oferta estas duas diversões.<br />
Pois numa terça-feira, dia 15 de<br />
Agosto, o Casino comemorava o<br />
dia de Espanha com um programa<br />
especial dedicado à comunidade<br />
do país vizinho. Fez decoração<br />
especial a condizer e além da<br />
grande atracção nacional Rui de<br />
Mascarenhas, apresentou o Grupo<br />
Coral e Folclórico de Alicante. Era<br />
um programa totalmente dedicado<br />
a Espanha e a língua oficial do<br />
5 6<br />
8<br />
7 9<br />
5. 8. e 9.<br />
Programas do Casino<br />
6.<br />
Eduardo, Vitó, Dutra e Carlos<br />
Alberto com Miss Espanha<br />
7.<br />
Com Simone de Oliveira<br />
Casino era o espanhol, tantos<br />
eram os presentes daquele país.<br />
Mais uma noite de casa cheia.<br />
A eleição da Miss Espanha e<br />
respectivas Damas de Honor era<br />
feita sob proposta de cada grupo<br />
de amigos ou comunidades de<br />
origem que indicavam o nome<br />
das suas candidatas. Fechadas<br />
as inscrições as candidatas eram<br />
chamadas, por vezes algumas<br />
delas não sabiam que tinham sido<br />
propostas, e depois de algumas<br />
voltinhas no palco havia um<br />
período para a votação.<br />
Nessa noite estava entre as<br />
candidatas uma nossa amiga de<br />
Cáceres, muito bonita, simpática,<br />
suave e com um sorriso bonito<br />
e tranquilo. Para nós, melhor,<br />
para os portugueses, era quem<br />
merecia ganhar. Mas como era do<br />
grupo de Cáceres e havia grupos<br />
de outras localidades muito mais<br />
numerosos poderia correr-se o<br />
risco de ganhar alguém que não<br />
merecia tal título. Assim, e com a<br />
conivência de alguns elementos<br />
do Casino, conseguimos arranjar<br />
uma caderneta dos canhotos<br />
utilizados na votação, e coube-<br />
-nos a nós, e alguns amigos,<br />
preenchermos talões suficientes<br />
para se conseguir uma votação<br />
adequada para a Miss Espanha,<br />
que conquistou o ceptro por<br />
maioria clara e foi objecto de<br />
grande ovação. Concretizado<br />
o acto conseguimos uma foto<br />
para a prosperidade com a Miss<br />
Espanha eleita.<br />
.artistas.com.quem.nos.<br />
cruzámos.<br />
Privámos de perto com os<br />
maiores artistas portugueses<br />
da época.<br />
O Casino era de facto uma casa de<br />
trabalho para todos. Segue-se a<br />
lista não exaustiva dos principais<br />
artistas com quem privámos<br />
no Casino em 1967:<br />
CONJUNTOS E ORQUESTRA<br />
ARLINDO SOUSA<br />
JOSÉ SANTOS ROSA<br />
NELO COSTA<br />
OS VODKAS
os tubarões ’67 151<br />
ARTISTA<br />
AMÁLIA<br />
ANTÓNIO MAFRA<br />
CONJUNTO JOÃO PAULO<br />
DUO OURO NEGRO<br />
FERNANDO CORREIA<br />
FRANCISCO JOSÉ<br />
HERMÍNIA SILVA<br />
JOÃO MARIA TUDELA<br />
LUIS GUILHERME<br />
MANUEL FERNANDES<br />
MARA ABRANTES<br />
MARIA DE LOURDES RESENDE<br />
MARIA VALEJO<br />
MARIETE PESSANHA<br />
NICOLAU BREYNER<br />
PEIRÓ<br />
RUI DE MASCARENHAS<br />
SIMONE DE OLIVEIRA<br />
TERESA TAROUCA<br />
TONI DE MATOS<br />
TONICHA<br />
TRISTÃO DA SILVA<br />
VERÓNICA<br />
DATA<br />
ago<br />
16 set<br />
22 jul e 25 ago<br />
17 ago<br />
ago/set<br />
02 set<br />
26 ago<br />
26 jul<br />
25 ago<br />
16 set<br />
23 jul<br />
13 a 15 set<br />
15 ago<br />
25 ago<br />
29 a 31 ago<br />
ago/set<br />
12 a 15 ago<br />
25 a 28 ago<br />
19 a 21 ago<br />
9 a 12 set<br />
22 ago<br />
19 a 21 ago<br />
12 set<br />
.peiró.<br />
Além da orquestra e conjuntos<br />
para toda a época, o Casino tinha<br />
contratado outros artistas que<br />
completavam o elenco para as<br />
necessidades sentidas em três<br />
meses de grande exigência diária.<br />
Um deles era o apresentador<br />
e cantor Fernando Correia que<br />
fazia de anfitrião todas as noites<br />
apresentando o espectáculo<br />
e por vezes interpretava os<br />
seus próprios êxitos musicais<br />
acompanhado pela Orquestra.<br />
Outro era o Peiró, um exímio<br />
pianista que tanto tocava peças<br />
a solo como acompanhava alguns<br />
artistas e por vezes também<br />
integrava a própria Orquestra.
152 porViseu ’60s.<br />
Era um artista de grande<br />
qualidade, sensibilidade e gosto<br />
musical. Era um prazer vê-lo a<br />
tocar piano onde os seus dedos<br />
rasavam pelas teclas com uma<br />
suavidade imperceptível.<br />
Foi também um grande amigo<br />
nosso que procurava ouvir-nos<br />
com muita atenção, fazendo<br />
várias sugestões, críticas,<br />
e apreciações que nós muito<br />
considerávamos. Por vezes nas<br />
matinés sentava-se nas galerias<br />
a ouvir-nos e tecia os comentários<br />
que entendia devidos ao Rogério<br />
para nos transmitir.<br />
Sempre muito úteis.<br />
O Peiró foi um dos membros da<br />
primeira formação do quinteto<br />
“Thilo’s Combo”, um dos melhores<br />
conjuntos profissionais dos 60’s,<br />
criado em 1962 com a seguinte<br />
formação: Thilo Krasmann<br />
(contrabaixo e voz), José Luís<br />
Simões (guitarra eléctrica),<br />
Enrique Peiró Jr. (piano),<br />
Fernando Rueda (bateria) e Vítor<br />
Santos (saxofone).<br />
Quando havia estreias<br />
procurávamos assistir aos<br />
ensaios das vedetas com a<br />
“Orquestra de José Santos<br />
Rosa”. Formava-se uma plateia<br />
na assistência, normalmente do<br />
lado esquerdo do palco, o lado<br />
da porta dos artistas, composta<br />
pelos familiares dos elementos<br />
da orquestra. Para nós, aqueles<br />
ensaios eram aulas de música<br />
onde aprendíamos sempre<br />
alguma coisa, como tornear sons,<br />
instrumentos e resolver algumas<br />
situações musicais não previstas.<br />
Uma excelente escola.<br />
Passámos momentos bem<br />
divertidos com vários artistas,<br />
muitas festas, agradáveis<br />
convívios, inúmeras farras,<br />
e ganhámos muitos amigos.<br />
E temos memórias registadas<br />
com a Simone de Oliveira e com<br />
o Nicolau Breyner, merecendo<br />
este algum destaque pela<br />
amizade e conivências vividas,<br />
que perduram pelos tempos.<br />
.com.o.nicolau.no.casino.<br />
Conhecemos o Nicolau no Casino<br />
da Figueira. Estreou a 29 de<br />
Agosto, esteve presente na nossa<br />
matiné desse dia, imediatamente<br />
antes do seu ensaio, a que<br />
também assistimos. E sentimos<br />
alguma proximidade entre nós<br />
pela juventude e tipo de música.<br />
O Nicolau com os seus 26 anos<br />
era uma vedeta do Cinema e da<br />
Revista e tinha iniciado a carreira<br />
de cantor a solo. Começámos a<br />
conviver nesse dia com muita<br />
empatia mútua. Ao serão e após a<br />
estreia ceámos juntos no Casino<br />
e houve logo noitada. O Nicolau,<br />
qual vedeta, estava instalado no<br />
Grande Hotel. Quando saíamos<br />
do Casino já estava tudo fechado<br />
na zona central e acabámos<br />
por ir até à Sacor, o único lugar<br />
ainda aberto às 3 da manhã.<br />
Depois de alguns copos e muita<br />
laracha divertida regressámos<br />
a pé da Sacor que ficava perto<br />
da Estação dos Caminhos de<br />
Ferro. Quando passávamos nas<br />
Docas estavam a entrar algumas<br />
traineiras cheias de sardinha,<br />
com um brilho único tão reluzente<br />
que o Nicolau não resistiu e<br />
encomendou duas caixas pedindo<br />
que as entregassem de manhã<br />
no Grande Hotel. Combinou-se<br />
logo uma grande sardinhada<br />
para o dia seguinte com o nosso<br />
compromisso de tratarmos da<br />
logística necessária. O pescador,<br />
atónito, lá aceitou o dinheiro e<br />
comprometeu-se a entregar as<br />
caixas ao outro dia de manhã<br />
no Grande Hotel, como veio a<br />
acontecer. Ainda antes das 10h,<br />
madrugada para o Nico, toca o<br />
telefone da recepção. O Nicolau<br />
ainda a dormir perguntava: “Duas<br />
caixas de sardinha para mim? Para<br />
mim??? Oh Homem sei lá, leve-as<br />
para a cozinha que depois logo<br />
se vê; Olhe, ofereça-as aos seus<br />
Clientes ao almoço.” E nunca mais<br />
se lembrou da sardinhada.<br />
Como combinado encontrámo-<br />
-nos à tarde no Casino. Entretanto<br />
mobilizámos algumas amigas<br />
e amigos, uns com carro, e o<br />
Zé Gordo preparado com o seu<br />
Peugeot, para irmos à sardinhada<br />
do Nicolau cujo local mais<br />
sossegado e apropriado seria<br />
o Cabo Mondego. Quando o<br />
Nicolau chegou ao Casino é que se<br />
lembrou da sardinhada combinada<br />
e do que tinha dito no hotel.
os tubarões ’67 153<br />
Lá se desfez em desculpas e<br />
nos descompôs em riso com as<br />
sua inúmeras histórias e graças<br />
que lhe saíam em catadupa, não<br />
dando tempo para mais alguém<br />
falar. Meia hora depois, já com<br />
o grupo mais reduzido, o Nicolau<br />
manifestou algum interesse em<br />
dar uma volta pela Figueira.<br />
Logo o Zé Gordo ofereceu os seus<br />
préstimos e uma das figueirenses<br />
presentes prontificou-se a ser a<br />
cicerone na Figueira da Foz<br />
e arredores. Foi uma volta longa<br />
que terminou tarde na Serra<br />
da Boa Viagem. À noite, o Zé<br />
Gordo, muito entusiasmado,<br />
acercou-se de nós dizendo que<br />
o Nicolau tinha uma proposta<br />
irrecusável, aconselhando-nos a<br />
não dizermos que não. Ficámos<br />
expectantes pelas novidades que<br />
iriam aparecer. Após o Show, o<br />
Nicolau propôs-nos produzirmos<br />
um espectáculo em que ele<br />
seria a atracção, nós faríamos<br />
sozinhos a 1.ª parte e na 2.ª<br />
acompanharíamos o Show do<br />
Nicolau. E não haveria problema<br />
pois em Setembro já poderíamos<br />
ir para Lisboa e começar os<br />
ensaios para em Outubro<br />
começarmos a tournée. Foi um<br />
projecto que nos agradou sem<br />
dúvida, mas… e os estudos, …<br />
Ficou a ideia que a todos<br />
entusiasmou, e até o Zé Gordo<br />
estava disponível para fazer a<br />
cobertura fotográfica do evento<br />
de abrangência nacional.<br />
E tratámos logo de ensaiarmos<br />
uns toques que o Zé Gordo<br />
registou para a posteridade.<br />
Nunca conseguimos concretizar<br />
este projecto. O Nicolau somava<br />
êxitos sobre êxitos na arte de<br />
representar, e nós voltámos ao<br />
ano escolar, ainda um pouco<br />
meninos dos teen, em vésperas<br />
da guerra, marchar, marchar…<br />
No ano seguinte viemos a<br />
reencontrar o Nicolau no<br />
Casino e, em simultâneo com o<br />
Toni de Matos, vivemos cenas<br />
absolutamente hilariantes.<br />
Mais tarde, já a cumprir o<br />
serviço militar em Lisboa, voltei<br />
a conviver com o Nicolau no<br />
Monumental em 1969/70, e ainda<br />
mais tarde, a partir de 1997<br />
na RTP. Até hoje...<br />
10<br />
pág. seg.<br />
10.<br />
Com Nicolau Breyner no Casino<br />
11.<br />
Com Nicolau Breyner, ensaio<br />
no Salão Nobre do Casino<br />
12.<br />
Licença da inspecção dos<br />
espectáculos da programação<br />
dia 29 Agosto<br />
13.<br />
Luís Dutra e Vató num ensaio<br />
no estúdio<br />
11 12<br />
13
154 porViseu ’60s.<br />
Ainda em Agosto voltámos ao<br />
Clube de Ténis para duas matinés<br />
de beneficência, como já tinha<br />
acontecido nos anos anteriores.<br />
A pedido do primo do Rogério,<br />
o jornalista José Miguel Barros<br />
especialista em desportos<br />
motorizados, fomos fazer um<br />
baile no Cine-Teatro da Nazaré,<br />
muito animado e com grande<br />
sucesso, em que a D. Urraca<br />
voltou a ser de grande utilidade<br />
para uns autógrafos e uns beijos<br />
roubados com algumas das fãs<br />
que não nos largavam. A viagem<br />
de regresso à Figueira foi muito<br />
tormentosa pois o nevoeiro era<br />
cerrado e interminável. Ao volante<br />
ia o Rogério com o Pascoal<br />
como co-piloto. Nós, os artistas,<br />
dormimos a sono solto e profundo<br />
toda a viagem.<br />
Também em Agosto, numa das<br />
folgas demos um salto à Praia de<br />
Mira onde tocavam no Mirasol<br />
os nossos amigos “Kzares” de<br />
Aveiro. Mal nos viram dedicaram-<br />
-nos uma das suas interessantes<br />
interpretações. No intervalo,<br />
após algum convívio no Bar, os<br />
“Kzares” convidaram-nos a irmos<br />
até ao palco. Embora reticentes<br />
pois não tínhamos vocalista,<br />
uma vez que o Zé Merino não<br />
nos pode acompanhar, não<br />
conseguimos deixar de o fazer<br />
até porque o ambiente era<br />
fantástico, solto, animado, com<br />
uma larga comunidade viseense<br />
presente que não nos perdoaria.<br />
E assim fizemos, tocando alguns
os tubarões ’67 155<br />
dos números dos possíveis que<br />
entendemos serem os mais a<br />
propósito de tão inesperado<br />
momento. Foi uma agradável<br />
e descomprometida presença.<br />
Regressámos muito satisfeitos<br />
à Figueira com a promessa que<br />
voltaríamos com a formação<br />
completa. O que, com pena, não<br />
concretizámos.<br />
.novo.viola.solo.<br />
Foi durante este mês de Agosto<br />
que, em reflexão conjunta,<br />
começámos a ponderar a<br />
eventual entrada de um novo<br />
viola solo. A nossa vida musical<br />
era intensa, e seria extenuante,<br />
não fora a nossa alegria e o gosto<br />
de tocar. Gostávamos muito do<br />
que fazíamos. 1967 estava a ser<br />
o ano mais intenso da nossa vida<br />
artística. Terão sido muito raras as<br />
semanas em que não actuámos<br />
publicamente, e nalgumas mais<br />
de uma vez. No Casino facilmente<br />
ultrapassávamos as 30 actuações<br />
mensais e as 60 por época.<br />
A rotina começava a ser grande e<br />
nós não nos queríamos acomodar.<br />
Pretendíamos ir mais longe, dar<br />
um novo salto.<br />
.os.chinchilas.no.casino.<br />
Conhecíamos no grupo da<br />
Figueira o Vató que, quando<br />
podia ou o pai autorizava, tocava<br />
em Lisboa com os “Chinchilas”,<br />
muitas vezes às escondidas.<br />
O Filipe Mendes, líder do<br />
conjunto, passava as férias<br />
na Figueira pois tinha lá casa.<br />
Um belo dia os “Chinchilas”<br />
ofereceram-se ao Casino para<br />
fazerem uma matiné.<br />
O Sr. Mendes Pinto, gerente<br />
do Casino, pediu-nos a nossa<br />
opinião, que foi positiva pois,<br />
além de gostarmos de os ouvir, tal<br />
actuação também nos permitia<br />
um descanso suplementar.<br />
E então lá se realizou a matiné<br />
com os “Chinchilas” que durou<br />
pouco mais de meia hora, já que<br />
teve de ser interrompida pois o<br />
volume do som era tão alto, tão<br />
alto, que ia gerando a evacuação<br />
do Pátio das Galinhas. E este<br />
episódio, muito comentado na<br />
Rua do Casino, também nos<br />
ajudou a trazermos o Vató para o<br />
nosso conjunto.<br />
.o.convite.ao.vató.<br />
O pai do Vató, o Sr. Valdemar<br />
Ramalho, óptima pessoa muito<br />
conhecida e respeitada na<br />
Figueira, tudo fazia pelo filho e<br />
tudo lhe dava desde que ele fosse<br />
cumpridor nos estudos, o que<br />
nem sempre acontecia. Apesar<br />
de tudo, o Vató já tinha a sua<br />
viola Guild Star Fire, muito bonita<br />
e com som inigualável,<br />
e o seu amplificador Vox 730<br />
para “brincar” em casa.<br />
Após alguma aproximação com<br />
o Vató que começou a ir mais<br />
vezes ao Casino e a assistir às<br />
nossas actuações, o Sr. António<br />
Xavier Loureiro convidou os<br />
pais do Vató para jantarem no<br />
Casino e assistirem à nossa<br />
actuação. O que aconteceu com<br />
grande sucesso. Tocávamos no<br />
Salão Nobre que tinha péssimas<br />
condições acústicas com<br />
inúmeros ecos repartidos por<br />
todas as paredes e provocados<br />
pelos inúmeros espelhos do<br />
Salão. Com a experiência<br />
adquirida e o bom equipamento<br />
que tínhamos, dominávamos bem<br />
o som, o que era um dos factores<br />
muito apreciados por todos<br />
os públicos, mesmo aqueles<br />
que, não dançando, podiam<br />
estar nas mesas a ouvir música<br />
ou a conversar. E este factor<br />
diferenciador aliado a alguma<br />
boa fama de bons rapazes e<br />
estudantes razoáveis possibilitou<br />
que o Sr. Valdemar autorizasse a<br />
entrada do Vató para o conjunto.<br />
Aproximava-se o novo ano<br />
escolar e o Vató matriculou-se<br />
como aluno interno no Colégio<br />
do Carregal do Sal, bem perto<br />
de Viseu, o que iria facilitar os<br />
ensaios aos fins de semana,<br />
como veio a acontecer a partir<br />
de Outubro de 67.
156 porViseu ’60s.<br />
1<br />
1.<br />
Casaca preta do Zé Merino<br />
2.<br />
Casaca bordeaux<br />
do Carlos Alberto<br />
.as.casacas.<br />
à.beatles.<br />
2<br />
De regresso a Viseu fomos<br />
confrontados com um<br />
pedido peculiar. A Alfaiataria<br />
Álvaro Alfaiates, a de<br />
maior prestígio da cidade,<br />
ofereceu-se para nos<br />
vestir a custo zero. Só tínhamos<br />
de referenciar que era aquela<br />
casa que nos vestia e permitir<br />
a colocação da nossa foto nas<br />
montras da Alfaiataria, situada na<br />
Rua Alexandre Herculano, frente<br />
ao Lar. O Mestre Álvaro, através<br />
do pai do Zé Merino de quem<br />
era amigo e fornecedor, queria<br />
fazer um traje especial para o<br />
conjunto. Das conversas tidas<br />
com o Zé, inspirados no álbum<br />
“Sgt. Pepper’s Lonely Hearts<br />
Club Band” saído a 1 de Junho<br />
desse ano, desenham e projectam<br />
um novo traje, umas casacas à<br />
“Beatles”, num tecido especial<br />
que não foi fácil encontrar, cada<br />
uma de sua cor: Carlos Alberto,<br />
encarnada; Eduardo Pinto, roxa,<br />
José Merino, preta, Luís Dutra,<br />
verde, Vató, azul turquesa e Victor<br />
Barros, bordeaux.<br />
E assim nasceu mais uma<br />
fatiota que teve muito uso pela<br />
originalidade como se pode<br />
comprovar na capa do disco.<br />
E durante umas semanas as<br />
Casacas estiveram em exposição<br />
nas montras da Alfaiataria<br />
chamando a curiosidade de<br />
muitos visitantes que ali iam ver a<br />
obra de arte da Alfaiataria Álvaro.
os tubarões ’67 157<br />
.gravação.do.<br />
disco.<br />
1<br />
1.<br />
Cartaz de promoção do disco<br />
Iniciadas as aulas voltámos<br />
ao trabalho no nosso estúdio.<br />
Além da viola Guild Starfire<br />
e do amplificador Vox 730 do<br />
Vató ainda adquirimos um<br />
amplificador Baldwin que era um<br />
primor nos agudos. Para a mais<br />
rápida integração no conjunto<br />
ensaiávamos todos os fins de<br />
semana, por vezes também às<br />
quartas-feiras à tarde e sempre<br />
que havia um feriado.
158 porViseu ’60s.<br />
2.<br />
Artigo de revista Flama,<br />
Maio 1968<br />
2<br />
3<br />
4<br />
3.<br />
Amplificador VOX 730<br />
4.<br />
Viola Guild Starfire IV<br />
O Vató ficava instalado em casa<br />
do Sr. Loureiro e os ensaios eram<br />
contínuos e sem limites horários,<br />
ora revendo o repertório para a<br />
inclusão dos novos solos, ora<br />
actualizando-o com a inclusão<br />
de novos temas, ora criando as<br />
nossas próprias composições.<br />
Nos intervalos o Vató ia aos<br />
diferentes alfaiates fazer as suas<br />
indumentárias e nos descansos<br />
musicais fizemos um novo<br />
conjunto de fotografias com a<br />
nova formação. O nosso fotógrafo<br />
habitual era o Germano. O dono da<br />
Foto Aires manifestou junto do<br />
Sr. Loureiro muito interesse<br />
em fazer por sua conta e risco<br />
um novo conjunto de fotos do<br />
conjunto.<br />
E assim foi. Fizemos fotos no<br />
Estúdio da Foto Aires que deram<br />
origem ao cartaz azul, e outras<br />
fotos de exterior.<br />
Entretanto voltámos a ter<br />
contactos relativos à gravação<br />
de um disco. Foram várias as<br />
hipóteses mas a que veio a<br />
concretizar-se foi a da etiqueta<br />
Alvorada. Neste particular teve<br />
relevância o trabalho do António<br />
Matos e do Fernando Pascoal.<br />
Tínhamos quatro originais<br />
possíveis de gravação: a série
os tubarões ’67 159<br />
do “Old Lady” composta pelas<br />
músicas “Old Lady”, “A girl for me”<br />
e “Come back” e, mais recente,<br />
a criação do Victor dedicada à<br />
Fernanda “Você vai chorar”.<br />
De Lisboa recomendavam a<br />
criação e gravação de um tema<br />
com letra em português de um<br />
poeta de renome. E esta opção<br />
despertou a veia criadora do Vató<br />
que musicou o “Poema de um<br />
Homem Rã”, da autoria de António<br />
Gedeão. Embora com temas<br />
suficientes, o Zé Merino, muito<br />
inspirado nos últimos temas dos<br />
“Beatles”, cria o “Lucky Day”,<br />
e o “Baby it hurts”, este último<br />
bebendo alguma influência nos<br />
coros do “Holiday”, êxito dos “Bee<br />
Gees”. E ficaram seleccionados<br />
os 4 temas do nosso primeiro EP:<br />
“Poema de um Homem Rã”, criado<br />
no Colégio do Carregal do Sal<br />
pelo Vató, com letra adaptada do<br />
poema de António Gedeão; “Você<br />
vai chorar” do Victor Barros com<br />
letra do Zé Merino, “Lucky Day”<br />
com música e letra do Zé Merino<br />
e o “Baby it hurts” com letra e<br />
música do Zé Merino.<br />
Ensaiámos as músicas e num fim<br />
de semana de Novembro fomos<br />
para o estúdio em Lisboa.<br />
Terá sido próximo da data das<br />
grandes inundações desse ano.<br />
O estúdio ficava situado na<br />
Calçada de Santana e estava<br />
reservado a partir das 9h de<br />
sábado. O nosso amigo Maurício<br />
de Sousa partiu na sexta feira de<br />
manhã ao volante da D. Urraca<br />
com todos os equipamentos<br />
e nós partimos depois das aulas<br />
tendo chegado ao fim do dia,<br />
preparados para estarmos no<br />
estúdio a partir das 8h de Sábado<br />
para montarmos o equipamento<br />
e iniciarmos as gravações.<br />
A gravação correu bem. Primeiro<br />
gravámos a vertente instrumental<br />
e só depois as vozes. Por volta<br />
das 12h30 o técnico deu-se por<br />
satisfeito com as gravações<br />
feitas. Ficara por fazer o trabalho<br />
de mistura e uma pós-produção<br />
com a inclusão de sons externos,<br />
essencialmente no “Poema do<br />
Homem-Rã”. O Vató, autor da<br />
música, pretendia que fossem<br />
incluídos sons do mar, e sons de<br />
um mergulhador a entrar na água<br />
a descer ao fundo, misturados<br />
no refrão balanceado da música,<br />
nas partes onde, na gravação<br />
editada, se podem ouvir assobios<br />
e pequenos gritos. O próprio<br />
refrão foi assim gravado com esse<br />
propósito.<br />
Saliente-se que o disco era<br />
composto por quatro títulos<br />
originais completamente<br />
desconhecidos do público, o<br />
que naquele tempo não era<br />
vulgar pois as práticas correntes<br />
dos conjuntos como o nosso
160 porViseu ’60s.<br />
1<br />
2<br />
3<br />
1. 2.<br />
Fotos, Outubro 1967<br />
3.<br />
Cartaz do conjunto<br />
era editarem covers de êxitos<br />
internacionais. O exposto revela<br />
a importância que para nós<br />
tinha este trabalho cuidado de<br />
pós -produção, devidamente<br />
explicado aos técnicos do estúdio.<br />
A nossa tarde estava reservada<br />
para uma sessão fotográfica<br />
mas o mau tempo obrigou ao<br />
seu adiamento para a manhã<br />
seguinte. Este adiamento<br />
permitiu que a D. Urraca desse<br />
apoio aos desalojados das cheias<br />
em Alverca, onde a Associação<br />
dos Estudantes de Económicas<br />
colaborava com os bombeiros<br />
locais.<br />
Na manhã de domingo levantámo-<br />
-nos cedo e fomos até à beira<br />
rio tirar as fotos para a capa do<br />
disco. A foto seleccionada foi uma<br />
das tiradas junto ao Monumento<br />
dos Descobrimentos, coladinhos<br />
à sua base, com o Victor com<br />
os joelhos encolhidos para<br />
todos aparentarmos a mesma<br />
estatura. Com a excepção do Vató<br />
(1.º esquerda) e do Luís Dutra<br />
(penúltimo), vestíamos as nossas<br />
casacas inspiradas no modelo<br />
do Sargeant Pepper.<br />
Regressámos a Viseu confiantes<br />
no entusiasmo da equipa técnica<br />
e nos trabalhos de mistura e<br />
pós-produção acordados com<br />
a Editora, os quais infelizmente<br />
nunca vieram a ser concretizados,<br />
nem veio a ser cumprida a meta<br />
da Editora para o lançamento<br />
do disco no Natal.<br />
Na viagem de regresso a Viseu,<br />
no fim do dia desse domingo<br />
a D. Urraca, à saída de Leiria,<br />
na subida íngreme após a ponte<br />
começou a queixar-se do excesso<br />
de peso. Patinava, patinava,<br />
patinava e não subia.<br />
Lá tivemos de a deixar em Leiria<br />
para pôr uma embraiagem nova<br />
e fomos de táxi até Viseu.
os tubarões ’67 161
162 porViseu ’60s.<br />
.depoimento.<br />
Fernando Pascoal de Matos<br />
Em Outubro de 1966, acabadas as<br />
férias grandes, preparava-me para<br />
vir para Lisboa começar as aulas<br />
no ISCEF, quando me pediram,<br />
como velho amigo dos “Tubarões”,<br />
para os representar em Lisboa.<br />
Fui convencido (sem grande<br />
esforço!) e passei a ter como<br />
metas a atingir, fazer contactos<br />
com as Associações Académicas<br />
de Lisboa para apresentação do<br />
conjunto e para uma actuação<br />
numa das festas académicas<br />
e desenvolver os contactos, já<br />
iniciados, com as produtoras de<br />
discos, para a gravação de um EP.<br />
A Associação de Estudantes<br />
do Instituto Superior Técnico<br />
mostrou-se muito interessada e<br />
só não se concretizou a vinda dos<br />
“Tubarões” devido à sobreposição<br />
de datas e impossibilidade de<br />
mudanças.<br />
Comecei pela Arnaldo Trindade<br />
visto que um dos sócios era um<br />
velho amigo da família e pensei<br />
(erro da juventude!) que seria fácil.<br />
Não foi dito declaradamente que<br />
não, mas que naquele momento<br />
havia problemas de planeamento<br />
na etiqueta Orfeu, mas que depois<br />
falaríamos…<br />
Fiz contactos com outras<br />
firmas, que não vou nomear por<br />
exaustivo, referindo apenas que no<br />
contacto com a “Feira do Disco”<br />
fui informado que tinham em<br />
carteira milhares de conjuntos e<br />
que não tinham capacidade de os<br />
ouvir todos!<br />
Depois de varias tentativas e com<br />
auxílio de alguns amigos com<br />
conhecimentos no meio, tive uma<br />
serie de reuniões com a Valentim<br />
de Carvalho, tendo surgido a<br />
primeira abertura já em fins de<br />
Abril, começos de Maio de 1967.<br />
Marcou-se nova reunião, já com a<br />
presença do “Toninho” de Matos –<br />
ao tempo um dos “managers” do<br />
conjunto que fez entrega de uma<br />
bobine com uma gravação feita no<br />
“estúdio” em Viseu, para avaliarem<br />
as possibilidades do conjunto.<br />
Cerca de duas semanas depois,<br />
a Alvorada contactou-nos<br />
e marcou uma reunião<br />
manifestando o interesse em<br />
elaborar um contrato exclusivo<br />
por um período de dois anos com a<br />
edição mínima de um EP por ano.<br />
Tivémos uma reunião em Lisboa<br />
com a presença de representantes<br />
da Alvorada, com o António de<br />
Matos e comigo. Ficou assente a<br />
gravação de quatro originais e foi<br />
alvitrado que seria interessante<br />
um dos originais ser em português<br />
“…uma coisa assim como o<br />
D. Sebastião dos 1111”, que era<br />
um sucesso da época.<br />
Ficou marcada uma presença<br />
do conjunto em Lisboa para<br />
uma sessão fotográfica para<br />
elaboração da prova da capa e a<br />
entrada em estúdio a combinar<br />
em função das disponibilidades<br />
mútuas, do estúdio e do conjunto.<br />
A gravação acabou por se fazer<br />
fins de Novembro de 1967, uma<br />
semana depois das grandes<br />
inundações na região de Lisboa.<br />
O disco incluía o “Poema do<br />
Homem Rã” o tal original em<br />
português que tinha sido pedido e<br />
o disco foi o êxito que se conhece.<br />
Como nota final só há a referir que<br />
estavam “Os Tubarões” no estúdio<br />
a gravar, apareceu o dono da Feira<br />
do Disco – o tal que tinha milhares<br />
de conjuntos e nada de os ouvir<br />
todos – dizendo-se disposto a<br />
assinar já ali um contrato com<br />
muito melhores condições do que<br />
as da Alvorada.
os tubarões ’67 163<br />
.fim.do.ano.<br />
no.grande.hotel.<br />
No último trimestre do ano<br />
voltámos aos Bailes de Finalistas<br />
e no fim do ano regressámos ao<br />
Grande Hotel da Figueira da Foz.<br />
Do programa fez parte no dia 30 de<br />
Dezembro um “Jantar à Americana<br />
com uma Passagem de Modelos de<br />
Alta Costura WOOLMARK oferecido<br />
pelo Secretariado Internacional<br />
da Lã, com apresentação da<br />
distinta locutora MARIA LEONOR”<br />
que acompanhámos. Além<br />
da passagem do ano no dia 1<br />
animámos a entrega dos prémios<br />
do Concurso de Elegância e do<br />
Rallye.<br />
No Salão do Hotel repleto de<br />
público tínhamos muitos amigos<br />
na assistência quer da Figueira<br />
da Foz, quer de Lisboa, e as manas<br />
Pontes sempre a sorrir e a animar<br />
a pista de dança.<br />
Um final de um ano muito rico<br />
em trabalho, durante o qual<br />
seguramente ultrapassámos as<br />
90 actuações, número invejável<br />
para qualquer conjunto amador ou<br />
profissional, e mais ainda para um<br />
conjunto formado por estudantes<br />
de uma cidade do interior como<br />
Viseu.<br />
Em 1967 consolidámos de forma<br />
decisiva a nossa carreira musical!
68<br />
165<br />
166<br />
167<br />
169<br />
171<br />
172<br />
174<br />
175<br />
175<br />
176<br />
177<br />
177<br />
179<br />
181<br />
.gozar.<br />
.com.os.sheiks.em.viseu.<br />
.depoimento.jorge.marques.<br />
.a.1.ª.audição.do.ep-60-999.<br />
.o.carnaval.da.neve.<br />
.novos.instrumentos.<br />
.na.cabana.em.s.pedro.do.sul.<br />
.o.pânico.da.guerra.colonial.<br />
.de.novo.na.figueira.<br />
.na.casa.do.vató.<br />
.a.vida.musical.<br />
.pasqualle.con.franco.etti.<br />
.o.meu.primeiro.charro.<br />
.o.empresário.inglês.<br />
.no.último.palco.
os tubarões ’68 165<br />
.com.os.sheiks.<br />
em.Viseu.<br />
1.<br />
Convite baile de finalistas com<br />
“Os Sheiks” a 6 jan 1968<br />
2.<br />
No sarau do liceu a<br />
acompanhar uma finalista<br />
1<br />
2<br />
3<br />
4<br />
3.<br />
Actuação no sarau<br />
4.<br />
Amplificador Baldwin<br />
Iniciámos o ano animando mais<br />
um Baile de Finalistas do Liceu de<br />
Viseu no Cine-Rossio tendo como<br />
parceiros musicais “Os Sheiks”,<br />
(Fernando Chaby, Edmundo<br />
Silva, Fernando Tordo e Paulo de<br />
Carvalho). Animámos juntos quer<br />
o baile no dia 6 quer a matiné<br />
no domingo, dia 7, ambos com<br />
o mesmo cachet de 12.500$00<br />
cada.<br />
Como o Carlos Alberto e o Zé<br />
Merino eram finalistas do Liceu,<br />
voltámos a ser “convidados”<br />
a participar no sarau que se<br />
realizou umas semanas depois<br />
do baile, e onde acompanhámos<br />
algumas finalistas que<br />
interpretaram êxitos de então,<br />
antes de encerrarmos o sarau<br />
com um pequeno concerto.
166 porViseu ’60s.<br />
.depoimento.<br />
Jorge Marques<br />
O sétimo ano era uma festa<br />
que começava logo no início do<br />
ano lectivo com a colagem dos<br />
cartazes e que publicitavam o<br />
Baile dos Finalistas. A colagem<br />
era feita durante toda a noite<br />
e a malta – ao entardecer –<br />
encontrava-se toda no Café<br />
do Parque, naquilo a que<br />
chamávamos o arranha-céus,<br />
imaginem que era o nome do<br />
prédio mais alto da cidade e que<br />
tinha para aí uns sete andares.<br />
O engraxador desse café, que<br />
também era poeta e artista da<br />
bicicleta, figura castiça da cidade,<br />
tinha providenciado uma carroça<br />
com um burro e uma pipa de vinho,<br />
que tinha que ficar muito bem<br />
amarrada para não cair durante<br />
a viagem dessa noite. Era a nossa<br />
fonte de base para as horas que se<br />
iam seguir.<br />
A colagem dos primeiros cartazes<br />
era rápida, o pior era depois.<br />
No cartaz do nosso ano estava a<br />
figura do Viriato, imponente, lança<br />
em riste e o escudo recuado.<br />
O cartaz anunciava, como<br />
animação para o baile, os famosos<br />
conjuntos de “Os Sheiks” e<br />
“Os Tubarões”, estes últimos,<br />
que eram a malta lá do Liceu e<br />
que tinham chegado à final num<br />
concurso de rock em Lisboa.<br />
À medida que a noite avançava,<br />
era cada vez mais difícil subir<br />
as escadas, o vinho e outros<br />
derivados subiam à cabeça e<br />
desequilibravam os pés.<br />
Depois vinham as serenatas em<br />
vários lugares míticos como a<br />
Casa do Augusto Hilário, a Sé,<br />
a estátua do D. Duarte e nas<br />
janelas das nossas colegas que<br />
nos ofereciam comidinha boa,<br />
bolinhos, Vinho do Porto, mas que<br />
não nos deixavam pular a janela.<br />
A certa altura, havia quem<br />
quisesse saltar o muro do<br />
cemitério e ir cantar lá para<br />
dentro. Também porque a<br />
campa do Hilário estava naquele<br />
cemitério. Naquela noite até os<br />
polícias eram nossos amigos e<br />
guardavam as esquinas para<br />
nos defenderem das rondas, que<br />
eram os chefes deles. Na guitarra<br />
e na viola lá estavam os manos<br />
Gonçalves e as vozes eram de<br />
quem quisesse cantar.<br />
Nascia o dia e a magia acabava<br />
por dar lugar à ressaca que durava<br />
dois dias. Uma semana depois<br />
era o baile no Cine-Rossio, as<br />
nossas colegas estavam mais<br />
bonitas que nunca. Cada um<br />
tinha o seu par oficial, devida<br />
e democraticamente eleito em<br />
sorteio. Nós, os rapazes, de capa<br />
e batina a rigor, de laço, elas de<br />
branco que nem anjos, a maior<br />
parte pura de fazer doer os olhos.<br />
Lembro-me do meu par, chamava-<br />
-se Natércia como em Camões, era<br />
linda, pequenina, morena e com<br />
uns olhos muito brilhantes.<br />
Naquele tempo, tudo isto era<br />
bonito, rosa e azul, comovedor,<br />
emocionante e importante ao<br />
ponto de ainda hoje nos vir à<br />
memória e dar saudade!
os tubarões ’68 167<br />
.a.1.ª.audição.<br />
do.ep-60-999.<br />
1<br />
1.<br />
Capa do disco,<br />
Março 1968<br />
Continuávamos sem notícias<br />
da saída do disco. Insistíamos<br />
com inúmeros telefonemas quer<br />
para Lisboa quer para o Porto.<br />
Queríamos notícias sobre os<br />
trabalhos de pós-produção,<br />
mas não conseguíamos saber<br />
nem perceber como andavam os<br />
trabalhos. Dificuldades típicas de<br />
quem vivia numa pequena cidade<br />
do interior. Note-se que em 1965<br />
o país dispunha de 400.000<br />
linhas telefónicas. E nós, jovens<br />
ingénuos a viver na província,<br />
confiávamos que tudo estava<br />
a correr como o planeado.
168 porViseu ’60s.<br />
Quarta-feira, dia 21 de Fevereiro Ouvimos exactamente o que<br />
de 1968, alguém nos avisa que o gravámos directamente para a<br />
nosso disco estava nas montras Tape. Nada foi feito, mexido ou<br />
da Casa Torres e Torres na Rua corrigido.<br />
Alexandre Lobo, Viseu. E largámos Nem a mistura foi cuidada.<br />
tudo para o ir ver, ouvir e apalpar Ainda em estúdio, logo após a<br />
o nosso 45 RPM (rotações por gravação das vozes e na primeira<br />
minuto), EP-60-999.<br />
audição das músicas referimos o<br />
Gravado em Novembro de 1967 tema ao técnico de som que nos<br />
tínhamos grande ansiedade e garantiu ser esse o seu métier,<br />
muitas expectativas.<br />
e que não ficássemos<br />
Ao aproximarmo-nos da Casa preocupados.<br />
Torres e Torres já ouvíamos Ponderámos tudo, até processar<br />
alguns sons que nos eram a Editora. Não o fizemos<br />
familiares pois o disco tocava em mas ficámos profundamente<br />
altos berros com colunas à porta desiludidos, magoados e<br />
para todos ouvirem.<br />
completamente desmotivados<br />
No meio dos muitos jovens que para a edição de outro disco,<br />
compravam o disco, dos muitos como era o nosso compromisso.<br />
abraços e alguns autógrafos, Apesar disto o disco esgotou<br />
começámos a sentir algo de que rapidamente tendo sido objecto<br />
não estávamos à espera: nada de cinco reedições, e nos dias<br />
de pós-produção e até a mistura de hoje está bem cotado entre<br />
não estava bem feita, como é os coleccionadores de vinil.<br />
perceptível no “Lucky day”,<br />
por exemplo.<br />
Foi uma grande desilusão<br />
e enorme o desagrado.<br />
Foi assim a nossa primeira<br />
audição do disco.
os tubarões ’68 169<br />
.o.carnaval.<br />
da.neve.<br />
1<br />
1.<br />
Entrada do disco<br />
no Top dos “Reis do Disco”<br />
2<br />
2.<br />
Contracapa do disco<br />
O Carnaval de 1968 foi a 27 de<br />
Fevereiro.<br />
Fomos contratados para fazer<br />
o Canaval na Neve pelo Clube<br />
Nacional de Montanhismo. Foi um<br />
ótimo contrato objecto de leilão<br />
entre as várias propostas que nos<br />
surgiram, e que se fechou com<br />
um cachet no valor de 30.000$00,<br />
mais a estadia.<br />
Saímos de Viseu no sábado de<br />
manhã à frente de uma grande<br />
comitiva com vários carros e<br />
muitos amigos. Estava um dia<br />
muito frio, chovia muito, e por<br />
isso optámos pelo trajecto Viseu,<br />
Guarda, Covilhã, Torre. Nevava<br />
quando chegámos à Covilhã, onde<br />
nos concentrámos e almoçámos.<br />
A subida para a Serra foi muito<br />
difícil porque caía um grande<br />
nevão e havia uma grande fila de<br />
trânsito nos dois sentidos.<br />
Na frente seguia a D. Urraca<br />
com o Rogério Dourado e o<br />
Victor Barros, carregada com<br />
os instrumentos. Subia muito<br />
lentamente e começou a patinar.<br />
Sem correntes e com o trânsito<br />
completamente caótico tivemos<br />
de recorrer ao auxílio da GNR,<br />
presentes na subida, e com a<br />
ajuda de duas viaturas, uma<br />
à frente como batedores, e<br />
um jipe atrás, lá conseguimos<br />
chegar à Colónia do Clube<br />
de Montanhismo, bastante<br />
atrasados e com a D. Urraca<br />
muito doente. O motor tinha<br />
gripado.
170 porViseu ’60s.<br />
Com o Salão completamente<br />
esgotado, nessa noite a festa<br />
começou um pouco mais tarde<br />
mas animou muito e viveu-se<br />
o Carnaval até às tantas.<br />
Foi o Carnaval mais divertido<br />
da história do conjunto.<br />
Cá fora a neve caía<br />
incessantemente e as estradas<br />
continuavam bloqueadas.<br />
O Carnaval da Neve realizava-<br />
-se nas Penhas da Saúde na<br />
Colónia Infantil da Montanha,<br />
um edifício grande que além<br />
do Salão de Festas tinha várias<br />
camaratas. Como ninguém podia<br />
sair, a organização disponibilizou<br />
as camaratas, divididas em<br />
ala feminina e ala masculina,<br />
separadas por meias paredes<br />
que não chegavam ao tecto,<br />
equipadas com os tradicionais<br />
beliches militares de dois<br />
andares.<br />
Muito tarde e a más horas, depois<br />
de o baile acabar, começavam<br />
os diálogos entre os casais<br />
separados na busca dos artigos<br />
de higiene, que propiciavam<br />
comentários cruzados,<br />
oportunos, com muito humor<br />
e a gargalhada era geral.<br />
O Vató andava muito inspirado<br />
e saía-se com cada aparte que<br />
não deixava ninguém dormir.<br />
E como era Carnaval…<br />
Foi de morrer a rir!<br />
Quando a festa terminou,<br />
a D. Urraca ficou a arranjar numa<br />
garagem da Covilhã. Além do<br />
motor novo aproveitou-se para<br />
dar uma nova roupagem tendo<br />
sido pintada toda de cor de<br />
laranja com os rebordos salientes<br />
a preto.<br />
Na foto, da tarde de 25 de<br />
Fevereiro de 1968, o José<br />
Merino, o Carlos Assunção (“Os<br />
Corsários”) e o Carlos Alberto<br />
Loureiro brincam na neve frente<br />
à Colónia. Pode ainda ver-se o<br />
Cooper do Assunção estacionado<br />
junto à Colónia.
os tubarões ’68 171<br />
.novos.<br />
instrumentos.<br />
1<br />
1.<br />
Baile do Carregal do Sal,<br />
Isabel Machado dança com Vató<br />
2.<br />
Amplificador VOX UL460<br />
2<br />
Logo após o Carnaval, o Edmundo<br />
Silva, viola baixo dos “Sheiks”,<br />
com quem tínhamos feito o Baile<br />
de Finalistas de Viseu, informou-<br />
-nos ter à venda todo seu<br />
equipamento de baixo: viola baixo<br />
Guild e amplificador VOX UL460.<br />
O nosso equipamento de baixo já<br />
estava velhinho e bem precisava<br />
de uma reforma. Comprámos<br />
a viola e o amplificador por<br />
25.000$00, pagos através do<br />
envio de cinco vales telegráficos<br />
de 5.000$00, naquele tempo<br />
o valor limite por cada um.<br />
Com esta aquisição completámos<br />
o nosso equipamento musical,<br />
que era de grande qualidade<br />
e valor comercial.<br />
Seguiram-se de novo os Bailes<br />
de Finalistas entre os quais o do<br />
Colégio do Carregal do Sal, onde<br />
andava o Vató e onde voltámos<br />
a tocar com os nossos amigos<br />
“Os Corsários”.
172 porViseu ’60s.<br />
.na.cabana.<br />
em.s.pedro.<br />
do.sul.<br />
1<br />
1. e 2.<br />
Actuação na Cabana em<br />
S. Pedro do Sul<br />
3.<br />
Viola Guild Starfire Bass<br />
2<br />
3<br />
A Comissão das Festas de<br />
S. Pedro do Sul voltou a<br />
contratar-nos para as Festas<br />
do S. Pedro naquela vila. Iriam<br />
preparar um local especial numa<br />
vivenda frontal ao Jardim da<br />
Câmara, chamada Vivenda Maria<br />
José, onde foi construído o actual<br />
Palácio da Justiça. Estávamos em<br />
Junho, com pouca disponibilidade<br />
por ser época de exames, mas<br />
lá fomos e animámos as Festas<br />
da Vila com dois ou três bailes<br />
sempre muito concorridos.<br />
O Vató, interno no Colégio, é que<br />
não pôde estar presente.<br />
As Festas de S. Pedro eram<br />
muito concorridas. Vinham<br />
foliões de todos os lados: muitos<br />
veraneantes das Termas,<br />
e naturais radicados noutros<br />
locais do país que aproveitavam<br />
as festas para regressar às<br />
origens.<br />
O local dos bailes era muito<br />
bonito. Tratava-se do jardim da<br />
vivenda muito bem adaptado com<br />
um pequeno palco em forma de<br />
cabana, uma pista de dança em<br />
frente, logo seguido das mesas,<br />
com serviço de bar e ceia, sempre<br />
com o tradicional caldo-verde.<br />
Numa das noites, com muito<br />
calor, apareceu um enorme grupo<br />
das Belas Artes do Porto, com<br />
miúdas muito vistosas, giras e<br />
com alguns provocantes decotes.<br />
E davam muito nas vistas.<br />
Claro que causaram sensação<br />
e alguns locais não deixavam
os tubarões ’68 173<br />
de deitar o olho e, já noite dentro<br />
e mais animados, quiseram<br />
mesmo deitar a mão. Insistiam<br />
nos convites para dançar e a<br />
resposta era sempre negativa.<br />
A meio de uma das músicas<br />
mais animadas, dançadas em<br />
separado, com o grupo do Porto<br />
todo na pista, lá se meteu um<br />
mais atrevido com uma das<br />
visitantes e estalou a confusão.<br />
Era confuso mas ao mesmo<br />
tempo divertido.<br />
Não chegou a haver perigo, pois<br />
nesses tempos a ética e os bons<br />
modos imperavam. Era mais<br />
a confusão. Não parámos de<br />
tocar, tentávamos proteger os<br />
nossos equipamentos, até que o<br />
ambiente serenou, voltando<br />
à normalidade. Nunca nos tinha<br />
acontecido nada igual. Mas a<br />
nossa decisão de não pararmos<br />
de tocar foi a melhor, pois<br />
contribuiu de forma decisiva para<br />
o serenar dos ânimos na pista já<br />
que, fora desta, a festa decorria<br />
com alguma normalidade.<br />
Em cinco anos, em centenas de<br />
eventos musicais públicos foi o<br />
único desacato a que assistimos.<br />
Mas como se costuma dizer<br />
nestes casos, as moças do Porto<br />
também se puseram mesmo<br />
a jeito.<br />
Serenados os ânimos, a festa<br />
durou até às tantas.
174 porViseu ’60s.<br />
.o.pânico.<br />
da.guerra.<br />
colonial.<br />
Os rapazes, a partir dos 18 anos,<br />
viviam com uma grande ameaça:<br />
a Guerra Colonial.<br />
O primeiro passo era a Inspecção<br />
Militar. Aos 18 anos todos os<br />
rapazes eram chamados para<br />
fazerem um exame médico, do<br />
qual resultava a decisão quanto<br />
à sua aptidão para prestarem<br />
o Serviço Militar. Na minha<br />
meninice, em dia de Inspecção<br />
Militar, a cidade era invadida por<br />
jovens do Distrito/Concelho que,<br />
quando aptos, celebravam pelas<br />
ruas da cidade a sua entrada para<br />
o Serviço Militar. Era uma honra<br />
e alegria que significava saúde,<br />
virilidade e merecia celebração<br />
e divulgação, dando até lugar<br />
ao lançamento de foguetes.<br />
Coitados dos pobres inaptos<br />
que enfrentavam uma situação<br />
difícil até para conseguirem um<br />
casamento.<br />
Mas nos anos 60 com a ameaça<br />
da Guerra Colonial todos os<br />
jovens ambicionavam ficar<br />
inaptos. Todos procuravam<br />
arranjar cunhas a favor<br />
da inaptidão ou de uma<br />
especialidade que possibilitasse<br />
uma prestação longe das armas<br />
e dos territórios de guerra.<br />
Mas naquele tempo, só com<br />
um mal muito grave se poderia<br />
escapar ao terror da guerra.<br />
O aproveitamento escolar era<br />
fundamental para o adiamento<br />
da incorporação no serviço<br />
militar e a época de exames era<br />
dramática para os estudantes<br />
pré-universitários.<br />
Ou passavam e entravam<br />
na Universidade podendo<br />
eventualmente completar o seu<br />
curso académico ou corriam o<br />
risco de serem chamados de<br />
imediato, indo parar a uma das<br />
colónias onde era travada a<br />
Guerra Colonial.<br />
A lei permitia o chamado<br />
“adiamento” a todos os<br />
estudantes que tivessem<br />
aproveitamento contínuo na sua<br />
formação escolar.<br />
Era proibido chumbar.<br />
E nós, “Os Tubarões”, fomos todos<br />
à Inspecção Militar e ficámos<br />
apurados para todo o Serviço<br />
Militar. Passámos à situação<br />
de “mancebos”.
os tubarões ’68 175<br />
.de.novo.<br />
na.figueira.<br />
1<br />
1.<br />
No Casino da<br />
Figueira da Foz<br />
.na.casa.do.vató.<br />
No verão regressámos à “Rainha<br />
das praias de Portugal”, a<br />
Figueira da Foz, para nova época<br />
musical como conjunto residente<br />
no Grande Casino Peninsular.<br />
Os pais do Vató, naturais da<br />
Figueira da Foz, tinham uma<br />
enorme moradia na parte<br />
velha da cidade. Com a sua<br />
natural simpatia e cordialidade,<br />
disponibilizaram quartos para<br />
nós dormirmos. Ficámos lá<br />
instalados o José Merino, o Luís<br />
Dutra, o Rogério Dourado e eu,<br />
além do Vató, naturalmente.<br />
O dia-a-dia era uma festa naquela<br />
casa com muita tolerância do<br />
Sr. Valdemar Ramalho quanto<br />
aos nossos horários, que eram<br />
completamente contrários aos<br />
seus: sempre cedo, tudo a horas,<br />
ao contrário dos nossos, sempre<br />
tarde, tudo a desoras. Mas a sua<br />
tolerância e boa disposição bem<br />
como a simpatia da D. Lúcia,<br />
a esposa, associadas ao gosto<br />
de ouvir as histórias dos nossos<br />
êxitos musicais e das nossas<br />
aventuras, muito contribuíram<br />
para os inúmeros convites para<br />
fartos e bem regados almoços,<br />
sempre que o trabalho nos<br />
permitia.<br />
E dava gosto ver a satisfação do<br />
casal ao ouvir as peripécias muito<br />
bem romanceadas pelo Rogério.<br />
Uma festa.
176 porViseu ’60s.<br />
.a.vida.musical.<br />
1<br />
3<br />
2<br />
4<br />
1.<br />
Salão Nobre, Casino.<br />
Eduardo e Zé Merino<br />
2.<br />
Com o Duo Dinâmico<br />
3.<br />
Rogério, Vitó<br />
e Zé Merino<br />
4.<br />
Com Miss Espanha<br />
e 1.ª dama honor<br />
a)<br />
www.jmserrat.com/<br />
b)<br />
www.duodinamico.com/,<br />
No Casino, de novo nos<br />
cruzámos com grandes vedetas<br />
nacionais como Amália, Rui de<br />
Mascarenhas, e internacionais<br />
como Juan Manuel Serrat a) e o<br />
“Duo Dinâmico” b) , intérprete e<br />
autores da canção vencedora do<br />
Festival da Eurovisão de 1968.<br />
Em 1968 Juan Manuel Serrat<br />
foi nomeado o representante<br />
da Espanha no Festival da<br />
Eurovisão onde devia interpretar<br />
a canção “La, La, La”, composta<br />
propositadamente para ele pelo<br />
“Duo Dinâmico”.<br />
Depois de ter gravado a canção<br />
em diferentes idiomas, Serrat<br />
anuncia que só concorrerá ao<br />
Festival se lhe for permitido<br />
interpretar a canção em catalão,<br />
proposta que não é aceite<br />
pelo governo que proíbe a sua<br />
presença na TV e a transmissão<br />
das suas canções nas rádios<br />
de todo o país. “La La La” foi a<br />
canção vencedora do festival<br />
desse ano interpretada por<br />
Massiel.<br />
O representante português na<br />
Eurovisão desse ano foi Carlos<br />
Mendes, ex-“Sheiks”, com a<br />
canção “Verão”.<br />
Os conjuntos residentes nesse<br />
ano foram a “Orquestra José<br />
Santos Rosa”, “Os Vodkas”,<br />
“Arlindo de Sousa” e nós.<br />
Voltamos a destacar a “Orquestra<br />
José Santos Rosa”, que nos<br />
apraz aqui homenagear, com<br />
quem partilhámos quatro
os tubarões ’68 177<br />
épocas (1966-1968). Por esta<br />
orquestra passaram grandes<br />
músicos como Peiró, o Estêvão<br />
Ferreira, baterista de alto<br />
gabarito, o Fernando Correia,<br />
cantor, vocalista e apresentador,<br />
Fernando Potier e alguns outros<br />
já referidos.<br />
Durante o mês de Agosto foi ainda<br />
contratado o conjunto italiano<br />
“Pasquale com Franco Etti”,<br />
que muito nos impressionou.<br />
.pasqualle.con.franco.etti.<br />
Um dos melhores conjuntos<br />
musicais com quem nos<br />
cruzámos na nossa carreira<br />
musical foi sem dúvida o conjunto<br />
Italiano “Pasqualle con Franco<br />
Etti” que se estreou<br />
no Casino a 9 de Agosto.<br />
Formado por seis músicos de<br />
várias nacionalidades, três<br />
italianos, um espanhol, um<br />
alemão e um americano, com<br />
Pasqualle nas teclas, a voz<br />
fabulosa do Franco, dois sax, viola<br />
baixo e bateria, eram um conjunto<br />
de alta craveira. Ensaiavam<br />
muito, cuidavam dos mais<br />
ínfimos pormenores musicais<br />
e coreográficos, e tinham uma<br />
playlist excepcional. Tocavam<br />
todo o tipo de música desde<br />
“Otis Redding” aos “Beatles”,<br />
mas a interpretarem música<br />
italiana esmagavam qualquer<br />
audiência. Impressionaram-nos<br />
muito e, sempre que sabíamos<br />
e podíamos, assistíamos aos<br />
seus ensaios que eram muito<br />
frequentes.<br />
Teriam um contrato com alguma<br />
empresa pois todas as semanas<br />
recebiam por correio partituras<br />
de novas músicas e alguns top<br />
ten de vários países.<br />
.o.meu.primeiro.charro.<br />
Numa das noites de um fim de<br />
semana de Agosto, ainda antes<br />
da abertura do Salão Nobre,<br />
o baterista do conjunto<br />
“Pasqualle com Franco Etti”<br />
quis mostrar-me um acessório<br />
artesanal que usava para treinar<br />
as mãos, e que também utilizava<br />
para aquecer os braços dez
178 porViseu ’60s.<br />
5<br />
5.<br />
No Casino com<br />
Juan Manuel Serrat<br />
minutos antes de qualquer<br />
actuação. Tratava-se de um kit<br />
composto por uma pequena<br />
tábua de madeira sensivelmente<br />
do tamanho de uma folha de<br />
papel A5 completamente coberta<br />
com uma tira de borracha preta<br />
com uma espessura aproximada<br />
de 1cm. A tábua tinha umas<br />
tiras de cabedal com fivelas que<br />
possibilitavam a sua fixação<br />
a uma das pernas. Antes de<br />
actuar treinava os batimentos<br />
com as baquetas, sem barulho,<br />
sem incomodar ninguém e com<br />
óptimos resultados.<br />
Dizia ele ser o melhor antídoto<br />
a tendinites ou outras lesões<br />
musculares vulgares nos<br />
bateristas.<br />
Estava eu a experimentar<br />
o referido aparelho quando<br />
chegaram dois colegas músicos<br />
em amena cavaqueira que se<br />
juntaram a nós.<br />
Terminado o meu ensaio, um<br />
dos recém-chegados começa a<br />
enrolar um charro numa mortalha<br />
e, sem que eu o esperasse, tal<br />
charro começou a andar de<br />
mão em mão, à vez. Éramos<br />
três e foi efectivamente o meu<br />
primeiro charro, do qual não senti<br />
qualquer efeito especial.<br />
Um ou dois dias depois ainda<br />
experimentei de novo, mas não<br />
encontrei qualquer interesse<br />
que me levasse a substituir os<br />
meus cigarros por aquela palha<br />
queimada, que era então<br />
a perigosa droga da moda.<br />
Mais tarde voltei a experimentar<br />
outras semelhantes mas nunca<br />
fiquei fã nem nunca senti<br />
ameaças ou desejos que me<br />
impelissem a tais vícios.<br />
Passas, passas, só no Natal ou<br />
no tabaco, e deste nunca passei.
os tubarões ’68 179<br />
.o.empresário.<br />
inglês.<br />
1<br />
1.<br />
Com empresário inglês<br />
e o Rogério Dourado<br />
Uma das noites de Agosto o<br />
Sr. Mendes Pinto informa-nos<br />
que havia um cliente do Casino<br />
que queria falar connosco.<br />
Tratava-se de um cliente VIP,<br />
hospedado no Grande Hotel, onde<br />
ficou uma semana. Teve uma<br />
primeira reunião com o Rogério<br />
Dourado a quem explicou ser um<br />
empresário musical inglês, que<br />
viajava com regularidade por<br />
diversos locais de animação na<br />
busca de novos artistas e gostaria<br />
de saber da nossa disponibilidade<br />
para nos deslocarmos a Inglaterra.<br />
Ficámos muito entusiasmados<br />
com a ideia mas começaram a<br />
levantar-se inúmeras dúvidas<br />
que obrigaram a nova reunião de<br />
todos os elementos do conjunto<br />
com o referido empresário.<br />
Assim aconteceu e o empresário<br />
informou-nos ter gostado<br />
muito do nosso som e queria<br />
testar a nossa presença em<br />
Inglaterra durante um mês.<br />
Pagaria as despesas de viagem<br />
e estadia, sem cachet, e ao fim<br />
de duas semanas seria revista<br />
a situação para a elaboração de<br />
um contrato remunerado. Todos<br />
nós ficámos excitadíssimos com<br />
tal possibilidade e, radiantes,<br />
começámos logo a sonhar.<br />
No fim de semana seguinte, como<br />
habitualmente, o Sr. Loureiro, que<br />
durante a semana estava em Viseu<br />
nos seus afazeres profissionais,<br />
veio até à Figueira e relatamos<br />
o que se estava a passar.
180 porViseu ’60s.<br />
Ouviu e calou não nos parecendo<br />
muito entusiasmado com a<br />
ideia e à noite foi connosco ao<br />
Casino onde conheceu o referido<br />
empresário, que entretanto pediu<br />
para tirar umas fotos connosco.<br />
Nova conversa sobre o tema da<br />
nossa deslocação que deveria<br />
ocorrer tão cedo quanto possível,<br />
de preferência durante o mês de<br />
Setembro.<br />
O Rogério ficou com todas as<br />
coordenadas e contactos do<br />
empresário comprometendo-<br />
-se a dar uma resposta da<br />
nossa disponibilidade para nos<br />
deslocarmos a Inglaterra até ao<br />
final do mês de Agosto.<br />
Depois dos primeiros dias de<br />
sonho e após partilharmos tal<br />
possibilidade com as nossas<br />
famílias começámos a poisar na<br />
realidade.<br />
Alguns dos nossos pais<br />
opuseram-se argumentando<br />
que a nossa prioridade eram os<br />
estudos e que a música só nos<br />
tempos livres e férias.<br />
E para todos nós bastaria um só<br />
elemento não concordar para<br />
o conjunto não aderir.<br />
Sempre tivemos este conceito<br />
de que o conjunto éramos nós,<br />
um grupo de amigos, muito<br />
coesos e unidos.<br />
Como o provou a nossa vida<br />
artística ao longo dos seis anos<br />
o nosso conjunto teve sempre<br />
uma estabilidade muito grande,<br />
só sofrendo mudanças quando foi<br />
obrigado ou por opção dos cinco<br />
elementos do grupo base.<br />
Nunca passou pelas nossas<br />
cabeças substituir qualquer<br />
elemento por outro.<br />
E não fomos a Inglaterra.
os tubarões ’68 181<br />
.no.último.<br />
palco.<br />
E a ameaça militar chegou aos<br />
“Tubarões” com a chamada do<br />
primeiro elemento ao serviço<br />
militar. Foi o Victor Barros que<br />
recebeu a notificação para<br />
se apresentar na segunda<br />
incorporação em Abril de 1969.<br />
1<br />
1.<br />
O adeus à música,<br />
a última foto do conjunto<br />
Com grande mágoa rejeitámos<br />
os inúmeros convites e propostas<br />
para novos espectáculos.<br />
No final de Setembro, nas<br />
Festas das Vindimas em Nelas,<br />
anunciámos publicamente a<br />
nossa última actuação e o fim<br />
da carreira musical do Conjunto<br />
Académico “Os Tubarões”.
182 porViseu ’60s.<br />
.quem.foi.quem.<br />
O Conjunto Académico<br />
“Os Tubarões” teve desde 1964<br />
sempre a mesma formação base<br />
assente na seguinte composição<br />
musical: vocalista, orgão, viola<br />
ritmo, viola baixo e bateria.<br />
As únicas mudanças sofridas ao<br />
longo da sua carreira musical foi<br />
nos viola solo.<br />
Carlos Alberto Loureiro<br />
.teclas.<br />
1964-1968<br />
Eduardo Pinto<br />
.baterista.<br />
1963-1968
os tubarões ’quem foi quem 183<br />
José Alexandre Merino<br />
.vocalista.<br />
1963-1968<br />
Luís Dutra<br />
.viola.baixo.<br />
1963-1968<br />
Victor Barros (Vitó)<br />
.viola.ritmo.<br />
1963-1968
184 porViseu ’60s.<br />
António N. Fernandes<br />
.viola.solo.<br />
1963-1965<br />
Valdemar António (Vató)<br />
.viola.solo.<br />
1967-1968<br />
Joaquim Guimarães<br />
.viola.solo.<br />
1965-1966<br />
Para além dos músicos<br />
executantes o conjunto teve<br />
sempre consigo muitos amigos<br />
que acompanharam intensamente<br />
a nossa vida musical, alguns com<br />
funções específicas, sofreram,<br />
viveram e incentivaram-nos a<br />
irmos sempre mais longe.<br />
E estavam sempre connosco.<br />
Para estes “Tubarões” o nosso<br />
obrigado:<br />
Alberto Martins Carrilho<br />
António Júlio Valarinho<br />
António Pinto de Matos<br />
António Xavier de Sá Loureiro<br />
Carlos Manuel Ponces de Serpa<br />
Fernanda Madeira<br />
Fernanda Maria Matos<br />
Fernando Pascoal de Matos<br />
Isabel Machado<br />
José Manuel Sacadura<br />
Maurício de Sousa<br />
Nogueira<br />
Rogério dos Santos Dourado<br />
Rui Oliveira e Costa
os tubarões ’playlist 185<br />
.playlist.<br />
Nos anos 50/60 os bailes eram<br />
a diversão mais frequente e a<br />
principal oportunidade para<br />
jovens se conhecerem e iniciarem<br />
um convívio que de outro modo<br />
nunca seria possível. Havia bailes<br />
em todas as festas e romarias,<br />
num terreiro, num largo ou no<br />
pátio da freguesia.<br />
Por este motivo os bailes eram<br />
o mercado alvo dos conjuntos<br />
onde poderiam actuar e ver o seu<br />
trabalho remunerado.<br />
Para actuar num baile os<br />
conjuntos tinham de tocar todo<br />
o tipo de música pois havia<br />
dançarinos para todos os géneros<br />
musicais, do tango, rock, twist<br />
ao chachachá.<br />
Em Portugal os primeiros<br />
concertos em palco de conjuntos<br />
pop terão ocorrido no Teatro<br />
Monumental em Lisboa.<br />
Quanto a nós o primeiro conjunto<br />
pop português a apresentar um<br />
alinhamento de espectáculo/<br />
concerto terá sido o “Conjunto<br />
Académico João Paulo”.<br />
Concretizou várias tournées pelo<br />
país onde se apresentou nos<br />
teatros e cinemas existentes<br />
em cada localidade com um<br />
alinhamento específico de<br />
espectáculo devidamente<br />
montado, com duas partes<br />
separadas por um intervalo.<br />
O nosso repertório musical<br />
terá rondado os 150 títulos,<br />
considerando as músicas<br />
cantadas e as músicas soladas<br />
(instrumentais). Demos alguns<br />
concertos mas as centenas de<br />
actuações que fizemos ao longo<br />
da nossa carreira foi a animar<br />
bailes. Eis um extracto da nossa<br />
playlist musical.
186 porViseu ’60s.<br />
.por.música.<br />
.os.tubarões.playlist.parcial.<br />
.música.<br />
.intérprete.<br />
.música.<br />
.intérprete.<br />
1<br />
2<br />
3<br />
4<br />
5<br />
6<br />
7<br />
8<br />
9<br />
10<br />
a girl for me<br />
a little help from my friends<br />
america<br />
and i love her<br />
apache<br />
as tears go by<br />
au revoir<br />
baby it hurts<br />
bachelor boy<br />
bayby it’s you<br />
tubarões<br />
beatles<br />
trini lopez<br />
beatles<br />
shadows<br />
rolling stones<br />
gilbert becaud<br />
tubarões<br />
cliff richard<br />
beatles<br />
61<br />
62<br />
63<br />
64<br />
65<br />
66<br />
67<br />
68<br />
69<br />
70<br />
my girl<br />
nights in white satin<br />
o voo do moscardo<br />
oh carol<br />
old lady<br />
only the lonely<br />
peace pipe<br />
perfídia<br />
petite fleur<br />
poema do homem rã<br />
temptations<br />
moody blues<br />
nikolay rimsky-korsakov<br />
neil sedaka<br />
tubarões<br />
roy orbinson<br />
shadows<br />
shadows<br />
sidney bechet<br />
tubarões<br />
11<br />
12<br />
13<br />
14<br />
15<br />
16<br />
17<br />
18<br />
19<br />
20<br />
be-bop-a-lula<br />
begin the beguine<br />
blueberry hill<br />
bye bye love<br />
camino de sahara<br />
come back<br />
crying time<br />
dance on<br />
derniers baisers<br />
do you want to know a secret<br />
elvis<br />
shaw, artie<br />
louis armstrong<br />
everly brothers<br />
los tamara<br />
tubarões<br />
ray charles<br />
shadows<br />
les chat sauvages<br />
beatles<br />
71<br />
poetry in motion<br />
72 quando quando quando<br />
73 quero que vá tudo pró inferno<br />
74 reach out i’ll be there<br />
75<br />
release me<br />
76 rock around the clock<br />
77<br />
s.francisco<br />
78 samba de uma nota só<br />
79<br />
satisfaction<br />
80<br />
sleepwalk<br />
johnny tillotson<br />
trini lopez<br />
roberto carlos<br />
four tops<br />
engelbert humperdinck<br />
bill haley<br />
scot mckenzie<br />
tom jobim<br />
rolling stones<br />
shadows<br />
21<br />
22<br />
23<br />
24<br />
25<br />
26<br />
27<br />
28<br />
29<br />
30<br />
eight days a week<br />
et maintenant<br />
evergreen tree<br />
georgia on my mind<br />
ghost riders in the sky<br />
girl<br />
give me some loving<br />
good golly miss molly<br />
goodbye my love<br />
guantanamera<br />
beatles<br />
gilbert becaud<br />
cliff richard<br />
ray charles<br />
shadows<br />
beatles<br />
spencer davis group<br />
little richard<br />
searchers<br />
jose feliciano<br />
81<br />
82<br />
83<br />
84<br />
85<br />
86<br />
87<br />
88<br />
89<br />
90<br />
spanish harlem<br />
summertime<br />
susie q<br />
sweets for my sweet<br />
the dock of a bay<br />
the house of the rising sun<br />
the letter<br />
the more i see you<br />
the savage<br />
the young ones<br />
cliff richard<br />
gershwin<br />
creedance clearwater revival<br />
hollies<br />
otis redding<br />
animals<br />
box tops<br />
chris montez<br />
shadows<br />
cliff richard<br />
31<br />
32<br />
33<br />
34<br />
35<br />
36<br />
37<br />
38<br />
39<br />
40<br />
guitar tango<br />
hello mary lou<br />
here, there and everywhere<br />
hey jude<br />
holiday<br />
i call your name<br />
i can ‘t stop loving you<br />
i feel fine<br />
i put a spell on you<br />
i ‘ve got my mojo working baby<br />
shadows<br />
ricky nelson<br />
beatles<br />
beatles<br />
bee gees<br />
beatles<br />
ray charles<br />
beatles<br />
animals<br />
quinteto académico<br />
91<br />
92<br />
93<br />
94<br />
95<br />
96<br />
97<br />
98<br />
99<br />
100<br />
thicket to ride<br />
things we said today<br />
till there was you<br />
to love somebody<br />
together again<br />
tombe la neige<br />
tutti frutti<br />
twist and shout<br />
um homme et une femme<br />
unchain my heart<br />
beatles<br />
beatles<br />
beatles<br />
bee gees<br />
ray charles<br />
adamo<br />
elvis<br />
beatles<br />
francis lai<br />
ray charles<br />
41<br />
42<br />
43<br />
44<br />
45<br />
46<br />
47<br />
48<br />
49<br />
50<br />
if i had a hammer<br />
i’m a believer<br />
in summertime<br />
it s now or never<br />
it’s my life<br />
la bamba<br />
la plaga<br />
les cornichons<br />
let’s twist again<br />
l’important cést la rose<br />
trini lopez<br />
monkees<br />
mungo jerry<br />
elvis<br />
animals<br />
trini lopez<br />
los tampa<br />
nino ferrer<br />
chubby checker<br />
gilbert becaud<br />
101<br />
102<br />
103<br />
104<br />
105<br />
106<br />
107<br />
108<br />
109<br />
110<br />
você vai chorar<br />
we gotta get out of this place<br />
what a wonderful world<br />
when the girl in your arms<br />
when the saints go marching in<br />
whinchester cathedral<br />
wipe out<br />
words<br />
ya ya<br />
yellow submarine<br />
tubarões<br />
animals<br />
louis armstrong<br />
cliff richard<br />
louis armstrong<br />
new vaudeville band<br />
ventures<br />
bee gees<br />
trini lopez<br />
beatles<br />
51<br />
52<br />
53<br />
54<br />
55<br />
56<br />
57<br />
58<br />
59<br />
60<br />
living doll<br />
lucky day<br />
manhã de carnaval<br />
massachussets<br />
memphis, tennessee<br />
michael (aleluia)<br />
michelle<br />
mirza<br />
more<br />
my bonnie<br />
cliff richard<br />
tubarões<br />
luiz bonfá<br />
bee gees<br />
animals<br />
trini lopez<br />
beatles<br />
nino ferrer<br />
frank sinatra<br />
tony sheridan<br />
111<br />
112<br />
yesterday<br />
you ‘re no good<br />
beatles<br />
blue jeans
os tubarões ’playlist 187<br />
.por.intérprete.<br />
1<br />
2<br />
3<br />
4<br />
5<br />
6<br />
7<br />
8<br />
9<br />
10<br />
.intérprete.<br />
adamo<br />
animals<br />
animals<br />
animals<br />
animals<br />
animals<br />
beatles<br />
beatles<br />
beatles<br />
beatles<br />
.música.<br />
tombe la neige<br />
i put a spell on you<br />
it’s my life<br />
memphis, tennessee<br />
the house of the rising sun<br />
we gotta get out of this place<br />
a little help from my friends<br />
and i love her<br />
bayby it’s you<br />
do you want to know a secret<br />
61<br />
62<br />
63<br />
64<br />
65<br />
66<br />
67<br />
68<br />
69<br />
70<br />
.intérprete.<br />
louis armstrong<br />
luiz bonfá<br />
monkees<br />
moody blues<br />
mungo jerry<br />
neil sedaka<br />
new vaudeville band<br />
nikolay rimsky-korsakov<br />
nino ferrer<br />
nino ferrer<br />
.música.<br />
when the saints go marching in<br />
manhã de carnaval<br />
i’m a believer<br />
nights in white satin<br />
in summertime<br />
oh carol<br />
whinchester cathedral<br />
o voo do moscardo<br />
les cornichons<br />
mirza<br />
11<br />
12<br />
13<br />
14<br />
15<br />
16<br />
17<br />
18<br />
19<br />
20<br />
beatles<br />
beatles<br />
beatles<br />
beatles<br />
beatles<br />
beatles<br />
beatles<br />
beatles<br />
beatles<br />
beatles<br />
eight days a week<br />
girl<br />
here, there and everywhere<br />
hey jude<br />
i call your name<br />
i feel fine<br />
michelle<br />
thicket to ride<br />
things we said today<br />
till there was you<br />
71<br />
72<br />
73<br />
74<br />
75<br />
76<br />
77<br />
78<br />
79<br />
80<br />
otis redding<br />
quinteto académico<br />
ray charles<br />
ray charles<br />
ray charles<br />
ray charles<br />
ray charles<br />
ricky nelson<br />
roberto carlos<br />
rolling stones<br />
the dock of a bay<br />
i’ve got my mojo working baby<br />
crying time<br />
georgia on my mind<br />
i can’t stop loving you<br />
together again<br />
unchain my heart<br />
hello mary lou<br />
quero que vá tudo pró inferno<br />
as tears go by<br />
21<br />
22<br />
23<br />
24<br />
25<br />
26<br />
27<br />
28<br />
29<br />
30<br />
beatles<br />
beatles<br />
beatles<br />
bee gees<br />
bee gees<br />
bee gees<br />
bee gees<br />
bill haley<br />
blue jeans<br />
box tops<br />
twist and shout<br />
yellow submarine<br />
yesterday<br />
holiday<br />
massachussets<br />
to love somebody<br />
words<br />
rock around the clock<br />
you ‘re no good<br />
the letter<br />
81<br />
82<br />
83<br />
84<br />
85<br />
86<br />
87<br />
88<br />
89<br />
90<br />
rolling stones<br />
roy orbinson<br />
scot mckenzie<br />
searchers<br />
shadows<br />
shaw, artie<br />
shadows<br />
shadows<br />
shadows<br />
shadows<br />
satisfaction<br />
only the lonely<br />
s.francisco<br />
goodbye my love<br />
apache<br />
begin the beguine<br />
dance on<br />
ghost riders in the sky<br />
guitar tango<br />
peace pipe<br />
31<br />
32<br />
33<br />
34<br />
35<br />
36<br />
37<br />
38<br />
39<br />
40<br />
chris montez<br />
chubby checker<br />
cliff richard<br />
cliff richard<br />
cliff richard<br />
cliff richard<br />
cliff richard<br />
cliff richard<br />
creedance clearwater revival<br />
elvis<br />
the more i see you<br />
let’s twist again<br />
bachelor boy<br />
evergreen tree<br />
living doll<br />
spanish harlem<br />
the young ones<br />
when the girl in your arms<br />
susie q<br />
be-bop-a-lula<br />
91<br />
92<br />
93<br />
94<br />
95<br />
96<br />
97<br />
98<br />
99<br />
100<br />
shadows<br />
shadows<br />
shadows<br />
sidney bechet<br />
spencer davis group<br />
temptations<br />
tom jobim<br />
tony sheridan<br />
trini lopez<br />
trini lopez<br />
perfídia<br />
sleepwalk<br />
the savage<br />
petite fleur<br />
give me some loving<br />
my girl<br />
samba de uma nota só<br />
my bonnie<br />
america<br />
if i had a hammer<br />
41<br />
42<br />
43<br />
44<br />
45<br />
46<br />
47<br />
48<br />
49<br />
50<br />
elvis<br />
elvis<br />
engelbert humperdinck<br />
everly brothers<br />
four tops<br />
francis lai<br />
frank sinatra<br />
gershwin<br />
gilbert becaud<br />
gilbert becaud<br />
it’s now or never<br />
tutti frutti<br />
release me<br />
bye bye love<br />
reach out i’ll be there<br />
um homme et une femme<br />
more<br />
summertime<br />
au revoir<br />
et maintenant<br />
101<br />
102<br />
103<br />
104<br />
105<br />
106<br />
107<br />
108<br />
109<br />
110<br />
trini lopez<br />
trini lopez<br />
trini lopez<br />
trini lopez<br />
tubarões<br />
tubarões<br />
tubarões<br />
tubarões<br />
tubarões<br />
tubarões<br />
la bamba<br />
michael (aleluia)<br />
quando quando quando<br />
ya ya<br />
a girl for me<br />
baby it hurts<br />
come back<br />
lucky day<br />
old lady<br />
poema do homem rã<br />
51<br />
52<br />
53<br />
54<br />
55<br />
56<br />
57<br />
58<br />
59<br />
60<br />
gilbert becaud<br />
hollies<br />
johnny tillotson<br />
jose feliciano<br />
les chat sauvages<br />
little richard<br />
los tamara<br />
los tampa<br />
louis armstrong<br />
louis armstrong<br />
l’important cést la rose<br />
sweets for my sweet<br />
poetry in motion<br />
guantanamera<br />
derniers baisers<br />
good golly miss molly<br />
camino de sahara<br />
la plaga<br />
blueberry hill<br />
what a wonderfull world<br />
111<br />
112<br />
tubarões<br />
ventures<br />
você vai chorar<br />
wipe out
188 porViseu ’60s.<br />
.principais.equipamentos.<br />
.instrumentos.<br />
Ao longo dos anos foram<br />
vários os nossos fornecedores<br />
de instrumentos. Em Viseu<br />
adquirimos instrumentos na<br />
Papelaria Sequeira, alugámos<br />
aparelhagens de voz ao Sr. Carlos<br />
da Órbita na Rua da Vitória<br />
e também ao Sr. Morgado em<br />
S. Pedro do Sul.<br />
A partir de finais de 1964 o<br />
nosso principal fornecedor de<br />
instrumentos passou a ser a Casa<br />
Ruvina, da Rua Formosa no Porto<br />
seguida da Gouveia Machado de<br />
Lisboa.<br />
.orgãos/teclas.<br />
Pianola, Farfisa Compaq Uno,<br />
Farfisa Compaq Duo.<br />
.violas.<br />
Egmond Manhatan, VOX Shadow,<br />
Hofner 455/S/E2, Fender<br />
Sratocaster, Guild Starfire IV,<br />
Galani (v.baixo) e Guild Starfire<br />
Bass.<br />
.amplificadores.<br />
Farfisa Amplivox, Farfisa TR60,<br />
VOX AC30, VOX UL 460, VOX 730 e<br />
BALDWIN SONIC 55.<br />
.aparelhagens.de.voz.<br />
Burns 6X2 120, Câmara de Eco,<br />
Microfones Shure e MB.<br />
.bateria.<br />
Yamaha, Tarola PREMIER 2000<br />
aro metálico, pratos Zildjian.
e depois da música 189<br />
.e.depois.<br />
da.música…<br />
Em Abril de 1969 o Vitó foi<br />
incorporado no Serviço Militar,<br />
o Luís Dutra e eu em Julho,<br />
o Carlos Alberto e o Zé Merino<br />
em Outubro e o Vató em Janeiro<br />
de 1971.<br />
O Vitó, o Luís Dutra e eu<br />
encontrámo-nos nas<br />
telecomunicações militares na<br />
Guiné-Bissau. Passámos bons<br />
momentos juntos, incluindo na<br />
música, pois chegámos a formar<br />
um conjunto e tocávamos na boîte<br />
“Chez Moi” de Bissau.<br />
O Carlos Alberto, na força aérea,<br />
foi até S. Tomé e Principe.<br />
O Zé Merino enquanto “atirador”<br />
foi parar a Angola onde andou<br />
por zonas quentes em termos<br />
operacionais. O Vató, quando<br />
mobilizado para a Guiné-Bissau,<br />
desertou para Paris, de onde<br />
regressou tendo ficado preso<br />
durante dois anos, saindo em<br />
liberdade após o 25 de Abril.<br />
Em termos musicais participámos<br />
por brincadeira nas duas<br />
primeiras edições de<br />
“Os Melhores Anos” em Viseu<br />
em Setembro de 1993 e 1996,<br />
na festa que organizo anualmente<br />
com a Câmara Municipal de Viseu<br />
e o Grupo Visabeira.<br />
E de tudo isto ficou um grande<br />
amor à música e uma amizade de<br />
mais de cinquenta anos.<br />
Pouco vulgar e muito rica.<br />
Bem Haja à Vida!<br />
Cada um de nós seguiu a sua vida<br />
e profissão mas continuámos<br />
a fazer duas a três reuniões<br />
anuais com as nossas famílias.
190 porViseu ’60s.<br />
.agradecimentos. Um obrigado à Teresa por estar<br />
ao meu lado na vida, apoiar as<br />
minhas iniciativas e devaneios.<br />
Um obrigado à Gisela por estar<br />
sempre comigo nos projectos em<br />
que a envolvo.<br />
Um obrigado ao Carlos Cunha por<br />
responder sempre com um sim a<br />
todos os meus pedidos.<br />
O meu Bem Haja à cidade de Viseu<br />
e a todos os que tão bem dela têm<br />
tratado pois continua a encantar<br />
e a manter-me enamorado.<br />
O meu Bem Haja a todos os<br />
que me facultaram os seus<br />
depoimentos e com eles deram<br />
o valor efectivo a este livro;<br />
E aos “Tubarões”:<br />
Que bons têm sido todos os<br />
nossos mergulhos na música,<br />
nos prazeres, nos encontros,<br />
na vida.<br />
Obrigado.<br />
bibliografia<br />
Arquivo Histórico Municipal<br />
da Biblioteca da Figueira da Foz
191<br />
índice.geral<br />
.prefácio.<br />
.viseu ‘60.<br />
.a.rua.formosa.<br />
.o.café.rossio.<br />
.o.rossio.<br />
.a.rua.do.comércio.<br />
.teatros.e.cinemas.<br />
.a.estação.<br />
.a.feira.franca.<br />
.o.salão.de.chá.dos.bombeiros.voluntários.<br />
.o.hóquei.em.patins.<br />
.ambientes.<br />
.a.primeira.vez.<br />
.os.bailes.<br />
.a.juventude.<br />
.depoimento.serafim.matos.silva.<br />
.depoimento.manuel.maria.carrilho.<br />
.os.bailes.do.clube.de.viseu.<br />
.west.side.story.<br />
.grupos.e.clubes.de.garagem.<br />
.os.tubarões.conjunto. académico.<br />
’64 .aprender.<br />
.primeiro.trimestre.<br />
.viseu.pop.<br />
.os.condes.<br />
.os.diamantes.<br />
.the.kings.por.joão.correia.dos.santos.<br />
.os.ases.<br />
.os.corsários.<br />
.o.primeiro.concerto.<br />
.termas.de.s.pedro.do.sul.<br />
.dos.bailes.de.garagem.aos.da.gravata.<br />
.antónio.xavier.de.sá.loureiro.<br />
.fim.do.ano.no.hotel.grão.vasco.<br />
’65 .crescer.<br />
.crescer.<br />
.viseu.ié-ié.<br />
.figueira.da.foz.<br />
.rua.dos.ciprestes.<br />
.o.tubarão.<br />
.depoimento.vitor.f.pais.<br />
.o.casino.<br />
.os.amigos.<br />
.de.novo.viseu.<br />
.quim.guimarães.<br />
.concurso.ié-ié.7ª.eliminatória.<br />
.terraço.das.estrelas.do.hotel.embaixador.<br />
.fim.do.ano.<br />
’66 .conquistar.<br />
.conquistar.<br />
.concurso.ié-ié.semi.final.<br />
.depoimento.joão.correia.dos.santos.<br />
.má.notícia.pior.decisão.<br />
.embaixadores.de.viseu.<br />
.concurso.ié-ié.final.<br />
.espectáculo.no.cine.rossio.<br />
5<br />
6<br />
9<br />
10<br />
11<br />
13<br />
16<br />
19<br />
20<br />
22<br />
24<br />
26<br />
30<br />
32<br />
34<br />
36<br />
37<br />
38<br />
40<br />
42<br />
44<br />
50<br />
51<br />
53<br />
53<br />
54<br />
55<br />
56<br />
56<br />
58<br />
62<br />
68<br />
70<br />
72<br />
74<br />
75<br />
78<br />
80<br />
83<br />
84<br />
85<br />
86<br />
88<br />
89<br />
90<br />
93<br />
96<br />
97<br />
98<br />
99<br />
100<br />
102<br />
103<br />
104<br />
106<br />
108<br />
índice geral
.depoimento.ledinha.e.kinga.<br />
.café.snack.bar.alvorada.<br />
.o.casino.da.figueira.da.foz.<br />
.orquestra.de.josé.santos.rosa.<br />
.shegundo.galarza.<br />
.amália.<br />
.artistas.com.quem.nos.cruzámos.<br />
.má.nota.na.ota.<br />
.de.novo.viseu.<br />
.as.primeiras.gavações.<br />
.o.estúdio.<br />
.passagem.do.ano.no.grande.hotel.<br />
’67 .consolidar.<br />
.consolidar.<br />
.o.fidalgo.aprendiz.por.antónio.júlio.valarinho.<br />
.a.d.urraca.<br />
.os.bailes.de.finalistas.<br />
.depoimento.rui.oliveira.e.costa.<br />
.no.hotel.grão.vasco.<br />
.casa.dos.viscondes.de.treixedo.por.luís.cunha.matos.<br />
.casa.do.cruzeiro.por.luis.cunha.matos.<br />
.depoimento.carlos.manuel.serpa.<br />
.festa.do.3º.aniversário.<br />
.no.caruncho…e.em.massamá.<br />
.o.meu.retrato.dos.tubarões.<br />
.woolmark.e.s.pedro.do.sul.<br />
.de.novo.no.casino.<br />
.a.vida.no.casino.<br />
.miss.espanha.<br />
.artistas.com.quem.nos.cruzámos.<br />
.peiró.<br />
.com.o.nicolau.no.casino.<br />
.novo.viola.solo.<br />
.os.chinchilas.no.casino.<br />
.o.convite.ao.vató.<br />
.as.casacas.à.beatles.<br />
.gravação.do.disco.<br />
.depoimento.fernando.pascoal.de.matos.<br />
.fim.do.ano.no.grande.hotel.<br />
’68 .gozar.<br />
.com.os.sheiks.em.viseu.<br />
.depoimento.jorge.marques.<br />
.a.1ª.audição.do.ep-60-999.<br />
.o.carnaval.da.neve.<br />
.novos.instrumentos.<br />
.na.cabana.em.s.pedro.do.sul.<br />
.o.pânico.da.guerra.colonial.<br />
.de.novo.na.figueira.<br />
.na.casa.do.vató.<br />
.a.vida.musical.<br />
.pasqualle.con.franco.etti.<br />
.o.meu.primeiro.charro.<br />
.o.empresário.inglês.<br />
.no.último.palco.<br />
.quem.foi.quem.<br />
.playlist.<br />
.instrumentos.<br />
.e.depois.da.música...<br />
.agradecimentos.<br />
109<br />
110<br />
112<br />
113<br />
113<br />
114<br />
115<br />
117<br />
119<br />
120<br />
123<br />
125<br />
127<br />
128<br />
129<br />
131<br />
132<br />
134<br />
135<br />
138<br />
138<br />
140<br />
141<br />
143<br />
145<br />
147<br />
148<br />
149<br />
150<br />
150<br />
151<br />
152<br />
155<br />
155<br />
155<br />
156<br />
157<br />
162<br />
163<br />
164<br />
165<br />
166<br />
167<br />
169<br />
171<br />
172<br />
174<br />
175<br />
175<br />
176<br />
177<br />
177<br />
179<br />
181<br />
182<br />
185<br />
188<br />
189<br />
190