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Retratos de Viseu nos 60's e a carreira musical da Banda POP Os Tubarões de Viseu, Portugal.

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37<br />

retratos de viseu nos anos 60<br />

.depoimento.<br />

Manuel Maria Carrilho a)<br />

Refere-se sempre, quando se<br />

evocam os finais nos anos 60<br />

em Viseu, o episódio das “boinas<br />

à Guevara” que eu e um grupo<br />

de amigos usámos durante<br />

algum tempo. Muitas vezes me<br />

interroguei porque é que, no meio<br />

de tantas coisas irreverentes<br />

que então se fizeram, essa se<br />

destacou. Mas a razão é simples,<br />

ela está no significado simbólico<br />

desse gesto: não só pela sua carga<br />

revolucionária, dada a ditadura em<br />

que então se vivia, mas sobretudo<br />

pelo facto de ele ter sido assumido<br />

publicamente por um grupo de<br />

jovens estudantes liceais.<br />

Este gesto é, contudo,<br />

indissociável de um contexto que<br />

se viveu em Viseu nesses anos, já<br />

muito marcados por uma rebeldia<br />

civilizacional a que, por exemplo,<br />

“Os Tubarões” tinham dado uma<br />

expressiva forma musical. Para<br />

mim, na altura, a opção pela<br />

boina “à Guevara” teve tanta<br />

importância como tinha tido o uso<br />

do cabelo “à Beatles”, a que só<br />

uma visita surpresa a minha casa<br />

do Senhor Filipe, barbeiro do meu<br />

pai, pôs transitoriamente termo.<br />

Ou o uso de jeans – calças e<br />

blusão “Lee” –, então inexistentes<br />

em Portugal, que eu tinha pedido<br />

secretamente a uma antiga<br />

costureira da minha Avó Georgina,<br />

que vivia nos Estados Unidos, para<br />

me mandar. Em todos os casos,<br />

do que se tratava era sempre<br />

de marcar uma ruptura e de<br />

expressar um desejo de revolução,<br />

cruzando diversos tipos de<br />

reivindicações: de costumes,<br />

de imaginários e de políticas.<br />

O resto viria depois: por um lado,<br />

com as inesquecíveis aulas e<br />

conversas com Osório Mateus,<br />

José Manuel de Melo, Augusto<br />

Saraiva, entre outros.<br />

Com Augusto Saraiva confirmei<br />

o pressentimento de uma vocação<br />

que tinha começado a descobrir<br />

num período de internato no<br />

Colégio dos Beneditinos, em<br />

Lamego, graças às conversas com<br />

um homem singular, o Padre Jorge.<br />

As aulas de Augusto Saraiva<br />

eram momentos de culto e de<br />

inesperados olhares sobre a<br />

realidade, por onde passava tudo,<br />

desde os textos dos filósofos aos<br />

problemas da actualidade.<br />

E, por outro lado, com a criação<br />

de um círculo de cumplicidades<br />

extraordinárias, com o José<br />

Manuel Sobral, o Carlos Pessoa,<br />

o Alfredo Franco-Alexandre, o Zé<br />

Almeida, o Licínio, o Alvarenga...<br />

e tantos mais, que se alimentava<br />

de leituras obsessivas e de<br />

discussões intermináveis.<br />

Aos 17/18 anos, além dos<br />

romancistas e ensaístas<br />

portugueses, devorávamos<br />

Althusser, Levi-Strauss, Barthes,<br />

Foucault, etc., seguindo de perto<br />

todas as indicações que o jovem<br />

Eduardo Prado Coelho dava no<br />

suplemento cultural do Diário de<br />

Lisboa, à quinta feira.<br />

Tudo isto conheceu um epílogo<br />

em 1969, com os acontecimentos<br />

de Coimbra. Mas é também nesse<br />

ano que todos partimos de Viseu<br />

para a Universidade e para outras<br />

aventuras – umas comuns, outras<br />

mais singulares.<br />

a)<br />

www.manuelmariacarrilho.com

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