ESPAÇOS DE LEITURA SUMÁRIO - TV Brasil
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<strong>SUMÁRIO</strong> <strong>SUMÁRIO</strong><br />
PROPOSTA PEDAGÓGICA<br />
<strong>ESPAÇOS</strong> <strong>ESPAÇOS</strong> <strong>DE</strong> <strong>DE</strong> <strong>LEITURA</strong><br />
<strong>ESPAÇOS</strong> <strong>DE</strong> <strong>LEITURA</strong> ….......................................................................................................................... 02<br />
Dante Henrique Moura<br />
PGM 1<br />
HISTÓRICO DA EJA NO BRASIL: <strong>DE</strong>SCONTINUIDA<strong>DE</strong>S E POLÍTICAS PÚBLICAS INSUFICIENTES..... 08<br />
Jane Paiva<br />
PGM 2<br />
PROEJA: O SIGNIFICADO SOCIOECONÔMICO E O <strong>DE</strong>SAFIO DA CONSTRUÇÃO <strong>DE</strong> UM CURRÍCULO<br />
INOVADOR......................................................................................................................................................29<br />
Lucília Machado<br />
PGM 3<br />
O PROEJA E O <strong>DE</strong>SAFIO DAS HETEROGENEIDA<strong>DE</strong>S ........................................................................... 36<br />
Simone Valdete dos Santos<br />
PGM 4<br />
O PROEJA E A RE<strong>DE</strong> FE<strong>DE</strong>RAL <strong>DE</strong> EDUCAÇÃO PROFISSIONAL E TECNOLÓGICA ............................ 47<br />
Dante Henrique Moura<br />
PGM 5<br />
O PROEJA E A NECESSIDA<strong>DE</strong> <strong>DE</strong> FORMAÇÃO <strong>DE</strong> PROFESSORES ................................................... 63<br />
Dante Henrique Moura<br />
<strong>ESPAÇOS</strong> <strong>DE</strong> <strong>LEITURA</strong>. 1 .
PROPOSTA PROPOSTA PEDAGÓGICA<br />
PEDAGÓGICA<br />
Edimir Perrotti1<br />
Ao falarmos de leitura, é comum pensarmos de imediato em textos, livros, autores. "Ah, aquele<br />
texto que eu li, quando estava na oitava série!". "E aquele livro que falava de um 'homem barata'.<br />
Até hoje tenho fascínio e pesadelo!". "Meu autor predileto? O Saramago". "Eu não! Gosto mesmo é<br />
da Clarice Lispector! Mas poeta é o Drummond".<br />
Pois é. Grandes autores, grandes livros, grandes textos deixam marcas tão intensas em nossas vidas<br />
– que graça teria a leitura, se não fosse assim! –, que acabamos muitas vezes achando que a leitura<br />
acontece fora do espaço e do tempo, somente num cosmo impalpável, além da órbita terrestre, num<br />
não-lugar.<br />
Sem dúvida, é preciso reconhecer: a leitura que conta, aquela que efetivamente toca, toma, agarra,<br />
essa institui um espaço/tempo interior esplêndido, com características distintas do mundo físico,<br />
concreto, objetivo em que nos movemos: memória, imaginação, pensamento, afetos, emoções,<br />
sensibilidade são algumas das forças mobilizadas e mobilizadoras dessa leitura que configura uma<br />
experiência única e inigualável. Se gostamos, se somos arrebatados pelo texto, a viagem interna é<br />
grande e, como se diz com freqüência, esquecemos o mundo! O grande Proust, escritor francês,<br />
num belo texto sobre a questão, relata as delícias inigualáveis das viagens literárias de sua infância.<br />
Quem é adulto hoje, se quando criança encontrou, por exemplo, com Lobato, com as artes da<br />
Emília, com o Sítio do Picapau Amarelo, entende perfeitamente Proust.<br />
Com isso, não é possível negar que a leitura é uma experiência interior magnífica, uma forma<br />
importantíssima e insubstituível de negociação de sentidos, de significados, um complexo e<br />
esplêndido jogo entre o texto e o leitor. Embate linguístico, a leitura é um fenômeno de ordem<br />
simbólica que extrapola os impuros territórios marcados por nossos desejos e interesses imediatos e<br />
cotidianos. De tal forma que muitas "leituras proveitosas" foram indicadas a moços e moças de<br />
antigamente. Acreditava-se que as boas leituras podiam purificar as almas.<br />
<strong>ESPAÇOS</strong> <strong>DE</strong> <strong>LEITURA</strong>. 2 .
Se é certo ou errado esse ideal de purificação, de salvação pela palavra escrita, se ele continua vivo<br />
ou não, não vem aqui ao caso. O que conta, efetivamente, é que essa compreensão idealizante<br />
desviou nossa atenção e deixamos de atentar para o outro lado do espelho. Em outras palavras, a<br />
atenção concentrada apenas no processo interior, psicológico, da leitura impediu-nos de considerar<br />
outras questões essenciais e igualmente importantes à formação de leitores.<br />
Deixamos, assim, de considerar especialmente os aspectos socioculturais da leitura, ou seja, a trama<br />
histórica indispensável que a viabiliza e sustenta. Negligenciamos os circuitos da leitura, tratamos<br />
ações, instituições e lugares sociais concretos como mero pano de fundo, adorno inócuo,<br />
dispensável e secundário.<br />
Nessa linha de raciocínio reducionista, deixamos de considerar as mediações socioculturais como<br />
categoria intrínseca ao ato de ler, tomando a este como uma atividade abstrata, descolada das<br />
situações concretas em que se dá. Desse modo, não estranha que em nosso país os espaços de leitura<br />
sejam desconhecidos e desconsiderados, vistos apenas como ponto de apoio, peça secundária nos<br />
processos educativos e culturais. Tudo se passa como se bastasse oferecer bons textos e bons<br />
autores a nossos alunos para que, imediatamente, eles se pusessem a ler. As demais instâncias de<br />
mediação seriam meramente secundárias, acessórias.<br />
Ora, pelo menos duas visões dos processos de conhecimento, de aprendizagem estão implicadas<br />
nessa discussão que, a princípio, parece rasteira. Na primeira, acredita-se que aquele que aprende<br />
supera, por meio de qualidades pessoais, os quadros históricos e culturais em que se encontra e é<br />
capaz de aprender, de se interessar pelo conhecimento e pela cultura, independentemente dos<br />
contextos favoráveis ou não que lhe são oferecidos. Na segunda, acredita-se que a construção de<br />
conhecimentos e a aprendizagem, apesar de atos irredutivelmente subjetivos, pessoais e<br />
intransferíveis, ocorre em interações sociais e que os modos como a dinâmica social se organiza e<br />
funciona são parte atuante desses processos. Desse modo, se na primeira visão não importa em<br />
demasia o modo como os textos, os livros, a leitura chegam, por exemplo, às crianças, aos jovens<br />
–"o que importa é oferecer os livros", dizem os defensores desta postura –, na segunda, cuida-se da<br />
criação de ambientes favoráveis ao ato de ler, de não fazer apenas chegar os livros aos leitores, mas<br />
de preparar espaços e tempos de leitura capazes não só de oferecer materiais para a leitura, mas de<br />
sensibilizar, de vincular, de promover interesse pelos conteúdos que ela veicula. Trata-se, assim, de<br />
criar instâncias de mediação de leitura que, além do acesso físico aos livros, promovam a<br />
<strong>ESPAÇOS</strong> <strong>DE</strong> <strong>LEITURA</strong>. 3 .
apropriação de seus conteúdos.<br />
Discutir, portanto, nesta perspectiva, a importância dos espaços de leitura na educação é tema de<br />
extrema relevância e pertinência no quadro atual da educação brasileira que, além do livro didático,<br />
vem oferecendo, mesmo que timidamente, outras modalidades de publicações aos alunos de nossas<br />
escolas públicas. Se esses materiais bibliográficos chegam de diferentes agências governamentais<br />
(federal, estadual, municipal), não se têm observado, contudo, discussões e reflexões sistemáticas<br />
sobre o significado educacional dessa nova realidade e o tratamento a ser dado a ela. Na verdade,<br />
diferentemente do que ocorre em inúmeros países europeus, nos Estados Unidos, no Canadá ou no<br />
Japão, não elaboramos ainda um pensamento minimamente compatível com a realidade aludida e<br />
estamos enfrentando a questão com instrumentos e saberes antigos, completamente inadequados às<br />
necessidades educacionais de nossa época.<br />
Em razão disso, os atos de distribuição de livros às escolas não atentam para o potencial<br />
educacional renovador que tal ação poderia representar, fosse outro o encaminhamento dado a ela.<br />
Da forma como é feita, sem as mediações necessárias à alteração do quadro atual, a chegada de<br />
livros às escolas acaba significando mera forma de apoio, de complementação, de ilustração de<br />
aulas tradicionais em que os professores falam e sabem e os alunos escutam e não sabem. Ao invés<br />
de oportunidade de transformação pedagógica, os livros representam a chegada de um recurso novo<br />
a serviço de práticas didático-pedagógicas tradicionais. Isso, claro, quando chegam realmente às<br />
mãos dos alunos. Muitas vezes, os livros perdem-se nos caminhos da burocracia ou em armários<br />
cujas chaves supostos defensores do patrimônio público guardam zelosamente consigo, sem<br />
permitir o acesso livre e necessário da comunidade escolar aos acervos escolares. Ao contrário,<br />
portanto, de oportunidade para o estabelecimento de um novo pacto pedagógico, baseado na<br />
pluralidade, na polifonia, na multiplicidade de dizeres e fazeres, a chegada de livros às escolas nem<br />
sempre consegue configurar novo quadro de relações entre conhecimento e educação. Apesar dos<br />
livros, prevalece a monologia pedagógica tradicional, em detrimento da necessária e desejável<br />
dialogia.<br />
A partir dessa realidade, discutir sob diferentes aspectos os espaços de leitura na educação é<br />
questão essencial. A escola, por exemplo, como espaço de leitura, vem se modificando nos tempos<br />
atuais? As práticas docentes e discentes em sala de aula estão sendo desenvolvidas em consonância<br />
com as novas realidades históricas e culturais? Estão sendo organizados novos espaços de leitura<br />
<strong>ESPAÇOS</strong> <strong>DE</strong> <strong>LEITURA</strong>. 4 .
nas escolas? Se não, por quê ? Se sim, que papéis vêm sendo reservados aos cantos de leitura, às<br />
salas de leitura, às bibliotecas escolares? Estão os professores lendo? Para os alunos, para si?<br />
Coordenadores, diretores e demais responsáveis por opções educacionais têm consciência do papel<br />
desses espaços, estão preocupados e empenhados com a criação de novas condições institucionais,<br />
de situações e lugares alternativos à sala de aula?<br />
Além disso, de que modo a escola se relaciona com espaços de leitura situados além de seus muros,<br />
mas igualmente essenciais à formação do leitor? Sabemos, por exemplo, que, dependendo dos<br />
modos como a escola desenvolve os processos de leitura, caminha-se para um paradigma da leitura<br />
como forma de diferenciação ou de identificação sociocultural. No <strong>Brasil</strong>, crianças que aprendem a<br />
ler muitas vezes ingressam num circuito distinto do de sua origem. Desse modo, elas correm riscos<br />
de desenraizamento, caso não sejam estabelecidas pontes entre tal aprendizagem e os ambientes<br />
familiares. De que modo, portanto, são criados tais vínculos, que trânsitos, que espaços de leitura<br />
são promovidos nas interações escola-família? Pais são chamados a participar dos espaços de leitura<br />
da escola? E outros familiares, vizinhos, amigos, comunidade?<br />
Da mesma forma, quais as colaborações, por exemplo, entre escola e bibliotecas públicas? Os<br />
alunos são estimulados pelos professores a freqüentar tais espaços? Como? Quando? Para quê? Por<br />
outro lado, são ensinados a percorrer seus meandros, são orientados nas pesquisas que devem<br />
realizar, aprendem a utilizar os recursos disponibilizados? Sabem localizar os livros, as<br />
informações? Sabem selecioná-las, registrá-las, tomar notas? Ora, estudos de várias naturezas,<br />
nacionais e internacionais, mostram que tudo isso é indispensável: leitura é fruição, mas é também<br />
trabalho, método, pesquisa, busca sistemática de informações e conhecimento.<br />
Debater, portanto, tais questões mostra-se como caminho indispensável e importante ao<br />
desenvolvimento educacional e cultural, já que este depende com certeza da superação de velhas<br />
formas incapazes de responder satisfatoriamente aos desafios que são colocados pela<br />
contemporaneidade.<br />
Objetivos:<br />
Discutir sobre a importância dos espaços de leitura na formação de leitores;<br />
<strong>ESPAÇOS</strong> <strong>DE</strong> <strong>LEITURA</strong>. 5 .
Refletir sobre diferentes modalidades e funções de espaços de leitura na escola: cantos de leitura,<br />
salas de leitura, bibliotecas escolares;<br />
Discutir as relações entre escola, espaços de leitura, família e comunidade ;<br />
Discutir as relações entre sala de aula e bibliotecas (escolares/públicas);<br />
Apresentar práticas de leitura na biblioteca.<br />
Ementas dos programas da série, que será apresentada no programa Salto para o Futuro/<strong>TV</strong><br />
Escola, de 18 a 22 de outubro :<br />
PGM 1: Lugares da leitura: a escola como espaço de leitura<br />
O objetivo desse programa é mostrar o espaço como categoria constitutiva e essencial dos processos<br />
de leitura. Dentre os espaços em que a leitura acontece, será apresentada a escola como espaço<br />
formal e informal de leitura. Por meio de diferentes situações, o programa focalizará os lugares de<br />
leitura como, por exemplo: praia, banca de jornal, ônibus, rua, praça, etc. Qual a importância<br />
desses diferentes lugares? Quais devem ser suas características, sua natureza e suas funções? Qual<br />
a relação desses lugares com a corporalidade?<br />
PGM 2: Espaços de leitura na escola: sala de aula/ cantos de leitura<br />
O objetivo deste programa é apresentar a sala de aula como espaço de leitura fundamental, bem<br />
como atividades de leitura que ali podem ser desenvolvidas. O papel da escola enquanto espaço de<br />
leitura e de formação de leitores será abordado, salientando-se a importância de promoção da<br />
leitura nas diferentes atividades propostas aos alunos, pelas diferentes disciplinas, evidenciando a<br />
importância dos projetos integrados.<br />
PGM 3: Espaços de leitura na escola: salas de leitura/bibliotecas escolares<br />
Nesse programa, o foco das discussões será o papel das salas de leitura/bibliotecas escolares na<br />
<strong>ESPAÇOS</strong> <strong>DE</strong> <strong>LEITURA</strong>. 6 .
educação, destacando-se as suas funções pedagógicas e culturais. Discutir concepções de<br />
bibliotecas escolares, destacando as bibliotecas de conservação e de difusão, e as de apropriação de<br />
informação, comprometidas com a construção do conhecimento pelo aluno.<br />
PGM 4: Espaços de leitura articulados: a escola, a casa, a comunidade<br />
O programa pretende mostrar a importância do estabelecimento de vínculos entre os espaços de<br />
leitura da escola, da casa e da comunidade na formação de leitores. Vai apresentar também ações de<br />
promoção de leitura integrando escola e família em estratégias comuns, da mesma forma que a<br />
participação da comunidade. Será ressaltada a importância das atividades envolvendo a memória<br />
local, como ponto de partida para a constituição de acervos e do desenvolvimento de práticas<br />
culturais variadas, dentre elas a leitura.<br />
PGM 5: Espaços de leitura articulados: a escola na biblioteca pública<br />
O foco desse programa será a importância educacional e cultural de vínculos entre a escola e a<br />
biblioteca pública. Serão abordadas as relações entre escola e biblioteca pública, ressaltando o papel<br />
da biblioteca no apoio às demandas escolares e, ao mesmo tempo, espaço de promoção de leitura e<br />
de cultura.<br />
1 Doutor em Comunicação, Professor da Pós-Graduação da ECA/USP. Autor de livros sobre<br />
leitura e literatura infantil; autor e coordenador de projetos de bibliotecas escolares que<br />
buscam um novo conceito de espaço de informação e cultura em educação. Consultor dessa<br />
série.<br />
<strong>ESPAÇOS</strong> <strong>DE</strong> <strong>LEITURA</strong>. 7 .
PROGRAMA 1<br />
LUGARES DA <strong>LEITURA</strong>: A ESCOLA COMO ESPAÇO <strong>DE</strong> <strong>LEITURA</strong><br />
Estações de Leitura na escola: por uma Pedagogia Cultural<br />
Ler se aprende lendo<br />
Edimir Perrotti 1<br />
Às vezes as evidências não são tão evidentes assim. Se repetimos a todo momento, com tanta<br />
certeza, que ler se aprende lendo, somos levados a acreditar que nossos alunos – que têm à<br />
disposição livros, revistas, jornais, folhetos, textos impressos e até eletrônicos, sem contar<br />
manuscritos, cartas, trabalhos de colegas, próximos ou distantes – são permanentemente<br />
estimulados a ler.<br />
Ora, não é bem assim. Os diferentes materiais de leitura, mesmo quando existem na nossa escola,<br />
são ainda raros nas aulas, ficando muitas vezes, quando existem, adormecidos num armário,<br />
trancados a sete chaves. Como é que se aprende a ler lendo, se são sonegados os instrumentos<br />
necessários à leitura – os textos? Um educador francês, Freinet, achava-os tão indispensáveis, que<br />
criou uma nova pedagogia da escrita, na escola. Os textos dos alunos viravam textos impressos e<br />
eram trocados entre eles, entre classes, escolas. Hoje, há grupos no mundo todo trabalhando com<br />
suas idéias, trocando correspondências, aprendendo a escrever, escrevendo; aprendendo a ler, lendo.<br />
Cadê os textos?<br />
No passado, em nossas escolas aprendia-se a ler, lendo... sílabas, palavras, frases soltas... Repetia-<br />
se oralmente, até a exaustão, textos sem interesse ou sentido especial, escritos na lousa, nos<br />
cadernos, nas cartilhas. Quem não se lembra : a pata nada, pata pa, nada na...<br />
Mas tudo é uma questão de época, diz-se, sem se provar, no entanto. E hoje? Cadê os textos que<br />
fazem sentido, que vinculam as crianças ao mundo, à cultura ? Cadê os livros infantis, as histórias,<br />
<strong>ESPAÇOS</strong> <strong>DE</strong> <strong>LEITURA</strong>. 8 .
os contos, as narrativas que tanto encanto promovem ? Pouco aparecem. Em seu lugar, muitas vezes<br />
continuam os cadernos, as palavras vazias, descontextualizadas, as cópias da lousa. Muita<br />
repetição, pouca ou nenhuma invenção. E o tempo passa, a gente vai ficando mais velho e a pata<br />
continua a nadar... Ou será que não é mais assim? Que ela também envelheceu e cansou de tanto<br />
ficar na água?<br />
Viva o oral!<br />
Oral, ora o oral! Ele é fundamental, importante, imprescindível mesmo. Um bom contador de<br />
histórias é fantástico. Mas espera lá. Amigos, amigos, negócios... Oral é oral, escrito é escrito. São<br />
vizinhos, pertencem ao mesmo território da linguagem verbal. Mas não são a mesma coisa.<br />
Aprendemos a falar, falando. Aprendemos a ler, lendo, tomando contato com textos que fazem<br />
sentido. E eles demandam operações cognitivas distintas da fala. Chega, então, de ler pouco e, em<br />
substituição, ocupar o tempo falando, se o que se tem a fazer é aprender a ler, não acha, não? Tantas<br />
histórias fantásticas, livros cheios de imagens e imaginação, de personagens interessantes, de<br />
situações desafiadoras, de humor, de brincadeiras. Por que não oferecer isso às crianças ? Por que<br />
sonegar a escrita, quando ela foi feita para ser experimentada, vivenciada, praticada ? Por que<br />
mantê-la escravizada, sem autonomia, submetida à oralidade, que é tão livre, do mundo, e não gosta<br />
de ficar amarrada nem de amarrar nada, nem ninguém.<br />
Vamos aos livros: de literatura, de invenções, de imagens, de poesia, de construções; de pano, de<br />
plástico, de papel, aos e-books; vamos aos de montar, de brincadeiras, de fazer rir e até de chorar,<br />
por que não? Emoção faz bem. Vamos às revistas, aos jornais, aos folhetos de cordel; aos<br />
manuscritos, às cartas, às correspondências entre crianças, entre crianças e idosos; e avós, que é<br />
demais de bom ! Vamos brincar de ler, de escrever. Como as crianças gostam quando fazemos isso!<br />
Mas, claro, não vamos esquecer de contar histórias. As de assombração, elas adoram. Algumas,<br />
morrem de medo, mas não se rendem. Querem mais !<br />
Mamaluco x Maluco<br />
Tem gente que acha que é só decifrar o código escrito e pronto: virou leitor. Como se fosse mágica,<br />
só uma questão de quantidade de sílabas. Basta distinguir m-a-m-a-l-u-c-o de m-a-l-u-c-o e tudo<br />
será diferente !<br />
<strong>ESPAÇOS</strong> <strong>DE</strong> <strong>LEITURA</strong>. 9 .
Não vá nessa conversa, não. Aprender a decifrar os códigos é aprender a decifrar os códigos. Virar<br />
leitor é virar leitor; outra coisa. Precisa distinguir, reconhecer os sinais? Claro. Se não souber, faz<br />
confusão, pode achar que a repetição do ma em mamaluco é erro de digitação. Agora, reconhecer os<br />
sinais depende principalmente do olho, da visão, e pode virar até ato quase mecânico. Virar leitor<br />
depende também do olho, claro, mas além disso de um olho interno, chamado pensamento. Não<br />
tem como ser mecânico!<br />
Teoria x Prática<br />
Tem outro tipo de gente que sabe que ler é pensamento, só questão de lógica. Então, confunde saber<br />
e ser. É saber e colocar em prática. Nessa, aprendeu a ler, virou leitor. Passe de mágica. Não, não é<br />
assim. Se fosse, todos os atos de quem sabe as coisas seriam refletidos, pensados, medidos. E não<br />
são. Alguns até podem ser. Outros, não, ainda bem. De outro jeito, não daria tempo pra gente fazer<br />
tanta coisa gostosa. Precisava pensar o tempo todo antes de decidir. Claro, talvez não fizéssemos<br />
também tanta besteira, não é? Vai ver até que é por isso que pensar e agir vivem brigando, que<br />
teoria e prática não conseguem nunca ficar completamente em paz. Não podem, são diferentes. Mas<br />
se se separam costuma ser um desastre! E se não quiser se preocupar com isso, o melhor é virar<br />
leitor: autor de uma prática que é pensamento. Ou de um pensamento que é uma prática? Pra ler<br />
não basta aprender. É preciso pensar. Mas também praticar.<br />
Leitura em família<br />
Quando minha irmã se punha a ler, logo vinha minha avó dizendo em seu sotaque português<br />
carregado: essa menina não faz nada?! Como não soubesse ler, minha avó não sabia que ler é fazer.<br />
Não podia achar que minha irmã estava, sim, fazendo alguma coisa. Dizia que ela ia ficar<br />
preguiçosa quando crescesse, que não ia fazer nada!<br />
Minha irmã vive dizendo que ainda bem que lia bastante de pequena. Que hoje, não dá mais tempo.<br />
Que ela quer mas não consegue. Coitada de minha irmã. Gosta tanto, mas não lê ! Vive reclamando<br />
que não faz nada.<br />
Será premonição de avó plugada com o além? Acho que não, que minha avó era muito "pão, pão,<br />
queijo, queijo". É pura coincidência, só que ao contrário!<br />
<strong>ESPAÇOS</strong> <strong>DE</strong> <strong>LEITURA</strong>. 10 .
Aprender a ler x aprender e ler<br />
Vamos nos entender. Competência não é a mesma coisa que performance. Não é desempenho,<br />
atuação. Posso ser capaz, mas não querer fazer, não gostar, não ter condições, não poder ou só fazer<br />
se for obrigado. E ponto final. Há mais mistérios entre o céu e a terra do que pode imaginar nossa<br />
vã filosofia, disse o grande Shakespeare.<br />
Por isso, é bom não confundir aprender a ler com aprender e ler, mesmo se os dois se combinem e<br />
até namorem. Aprender a ler é ato; aprender e ler, é gesto. Um é feminino, voltado para dentro; o<br />
outro, masculino, para fora. Por isso, não adianta só aprender para dentro ou só agir para fora.<br />
Cognição e ação separados não se completam, podem até sobreviver, mas ficam mancos. Ainda bem<br />
que sabemos diferenciar a do e, mas também juntar. Será que o "a-e-i-o-u" era ensinado pra isso?!<br />
Medo de ler<br />
Vivemos evitando a escrita no <strong>Brasil</strong>. Quando um grupo de trabalho precisa de alguém para tomar<br />
nota, é um "deus nos acuda". E mesmo que seja de universitários. Para ler um texto em público,<br />
então? Claro, posso gostar de ler quieto, no meu canto, e não gostar de me expor. Mas daí a me<br />
esconder, a ter medo é outra coisa. Por que será que não gostamos de dizer textos em público?<br />
Arrisco a hipótese de que uma das razões principais é a privatização da escrita. Ler não entrou<br />
ainda em nossa vida como gesto cultural. É apenas ato privado, particular, de foro íntimo,<br />
psicológico. Não é parte de nosso repertório, não faz parte de nossa identidade cultural, nosso modo<br />
de ser e de agir coletivos. Tratamos a escrita apenas como ato interno e não externo, separamos o<br />
dentro do fora. Por isso, ler para os outros, escrever numa reunião transformam-se em medo, pavor,<br />
trabalho evitado, mesmo pra quem sabe, quem não erra pontos, vírgulas e ortografias.<br />
Buscar o mesmoutro<br />
Ser leitor sem participar da cultura da escrita é tarefa de gigantes. É viver com a cabeça cheia de<br />
idéias sem ter com quem repartir. É quase como viver em estado de fuga, escondido. Se a<br />
imaginação for transbordante ou pequeno o interesse em dialogar com a realidade, aí as coisas<br />
pioram mesmo. Pode se transformar em delírio, como aconteceu com a Emma Bovary, personagem<br />
que dá título ao romance do Flaubert.<br />
<strong>ESPAÇOS</strong> <strong>DE</strong> <strong>LEITURA</strong>. 11 .
Por isso, muitos leitores se desinteressam, para não viverem sós, sem compartilhar imaginários,<br />
experiências simbólicas. Por não encontrarem pontos de apoio, estações onde possam reabastecer-<br />
se, conversar, mergulhar na realidade antes de seguir para novas e fantásticas rotas que só o mundo<br />
das palavras permite. Abandonam os caminhos, buscando formas de viagem que podem ser<br />
compartilhadas.<br />
O leitor necessita tanto da introspecção como da comunicação, dos silêncios como dos murmúrios,<br />
do distanciamento, como da presença do outro em carne e osso. Se a imediatez do mundo não lhe<br />
basta, se a experiência direta parece-lhe pequena, não lhe basta também somente a vivência<br />
interior, subjetiva. O leitor não busca nem a subjetividade, nem a objetividade. Busca a<br />
intersubjetividade ou a interobjetividade, tudo depende do ponto em que se olhe. Busca a si mesmo<br />
e ao outro; a si mesmo no outro. Busca o mesmoutro. Por isso, ler é isolamento e comunicação,<br />
ausência e presença, distância e intimidade.<br />
Pedagogia cultural<br />
Um escritor e grande estudioso da leitura, Robert Escarpit, disse há alguns anos que o leitor de<br />
massas, ao contrário do leitor das elites, não desfruta da cultura da escrita senão parcialmente. Se a<br />
divisão massas-elites não é tão clara assim, especialmente nos dias que correm, não é difícil,<br />
contudo, ver situações que acontecem com os alunos da maioria de nossas escolas.<br />
Dificilmente, freqüentam ou têm à disposição bibliotecas ou livrarias; raramente são ensinados a<br />
distinguir fontes de publicação. Muitas vezes não sabem reconhecer ou, se sabem, não aprenderam<br />
a explorar a variedade dos livros: dicionários (sejam os de sinônimos, antônimos, regência e outros<br />
tantos), enciclopédias, guias, obras de referência, livros literários, não-literários. Saber que há<br />
diferenças importantes entre versão completa e adaptada, nem pensar. Prestar atenção se é<br />
tradução ou original em língua materna, é requinte, chover no molhado. Paratexto? O que é isso,<br />
não é o autor que escreve todos os textos que vêm nos livros? E que importância tem, perguntam<br />
alguns responsáveis pela educação, irresponsavelmente ? Além disso, nem pensar também em<br />
acesso direto a autores ou a veículos de expressão de opinião, a debates, ciclos de estudo,<br />
palestras... Enfim, os livros, a leitura aparecem ao nosso aluno desencarnados, desvinculados,<br />
descontextualizados, apartados do mundo, da cultura, do cotidiano. Assim, não dá. A escola precisa<br />
reagir. É preciso que eduque as massas, mas que não massifique a educação. Há diferença essencial<br />
<strong>ESPAÇOS</strong> <strong>DE</strong> <strong>LEITURA</strong>. 12 .
de qualidade entre educação das massas e educação massificada. É preciso, assim, estabelecer<br />
pontos, criar relações, vínculos, inserir na vida cultural. Não se pode apenas desejar a competência,<br />
ensinar os códigos lingüísticos ou matemáticos desvinculados da vida. É preciso libertar o<br />
conhecimento das amarras do formalismo, abrir as portas da escola para o mundo, retirar os alunos<br />
do isolamento, da proteção controladora que os impede de caminhar com as próprias pernas, de<br />
escolher, de selecionar, de dialogar com o outro. É preciso que desde cedo eles tomem parte e<br />
partido no mundo. E escrevam, e leiam. É preciso abandonar de vez a pedagogização do<br />
conhecimento, sua transformação em exercício, mera preparação para um futuro que escapa e que<br />
ninguém pode saber, felizmente, como será. A pedagogia deve retornar ao seu devido e importante<br />
lugar: meio e não fim. Conhecer e conhecer-se, constituir e constituir-se, significar o mundo e<br />
significar-se, eis o objeto maior da educação.<br />
Só uma pedagogia cultural é capaz de resgatar o conhecimento, livrá-lo da pedagogização<br />
medíocre e obtusa. Sem tal pedagogia, não há senão fragmentação, especialização, formalização<br />
inócua. E vazio.<br />
Pedagogização e leitura<br />
A pedagogização desconsiderou a natureza específica da leitura: ato comunicacional. Logo, relação,<br />
interação, cultura. Reduzindo-a à operação mental, tratou-a apenas em sua dimensão psicológica,<br />
pessoal, narcísica. Impôs uma compreensão que Jerome Bruner, um psicólogo, chamou de visão<br />
computacional da mente. Ou seja, considerou o processamento de informações não só como ato<br />
interno, mas lógico, matemático, redutível a modelos fixos e imutáveis. Se não forem considerados<br />
os vaivéns da memória, da imaginação, dos afetos, das emoções, é possível realmente considerar a<br />
leitura um ato linear. Só que já não é ato humano.<br />
O conhecimento se alimenta do processamento de informações, como quer a visão computacional.<br />
A questão, como lembra Alfredo Bosi, um autor brasileiro que se dedica à leitura e à literatura, é<br />
que o processamento humano é sinuoso, dá voltas, não segue em linha reta. Assim, alerta: o tempo<br />
do processamento não acompanha a aceleração do tempo da produção e da circulação das<br />
informações. Tanta velocidade do mercado não encontra ritmo interno compatível.<br />
Sem o pulsar da vida e sua complexidade, sem a ruminação, a aparente lentidão dos afetos e do<br />
<strong>ESPAÇOS</strong> <strong>DE</strong> <strong>LEITURA</strong>. 13 .
verdadeiro pensamento, confinada à mente positiva e plana, a leitura não ganha vôo, extensão,<br />
plenitude. Para tanto, é preciso que ela dialogue, entre em relação, seja associada, comparada,<br />
confrontada com a complexidade da vida, seja contextualizada. Sem contextualização, o que se<br />
pensa ganho é, na verdade, perda de tempo. Se se pretende uma sociedade criativa e criadora, não<br />
robotizada, é claro.<br />
É preciso, pois, relacionar texto e contexto, oferecer aos leitores oportunidades de silêncios e de<br />
debates, de afastamentos e de discussões, de quietude e de conversas; é preciso comparações,<br />
distinções e identificações com outras leituras, leitores e contextos. É preciso injetar estranhamento<br />
e vida nos códigos.<br />
Estações de Leitura<br />
Podem ser cantos, nas próprias salas de aula. Podem também ser salas de leitura ou bibliotecas<br />
escolares; são válidas também estantes, caixas, armários, baús e tantos quantos forem os formatos<br />
que possamos inventar. Podem ser instalações fixas ou circulantes ou, então, parte fixa, parte<br />
circulante. Tudo depende das situações concretas, das lutas, das vontades, das prioridades, dos<br />
desejos e dos sonhos. Instâncias de acolhimento e de projeção de viajantes em novas e permanentes<br />
aventuras, as Estações de Leitura objetivam-se na escola de diferentes modos, tudo dependendo das<br />
condições possíveis e desejadas.<br />
Havendo disponibilidade, podem ter, além do bom e gostoso arroz com feijão, uma farofinha, que é<br />
sempre bem-vinda à mesa, assim como uma mandioquinha bem crocante. Bife de filé mignon,<br />
então, um luxo, delícia das delícias, se bem preparadinho e não houver vegetariano no pedaço! Em<br />
outras palavras, as Estações podem - e devem - ter livros variados, bonitos, bons, de diversos tipos<br />
e formatos. Mas são bem-vindos também os jornais, as revistas, os computadores e tudo o mais que<br />
a indústria de informações distribui pelo mundo afora e que nos dizem respeito e fascinam. Entrar<br />
numa boa livraria hoje em dia é quase luxúria.<br />
Agora, mesmo que faltem ingredientes que tornem a mesa farta e variada, não pode faltar emoção,<br />
sensibilidade, inteligência e, principalmente, sonho. Que o sonho é o sal do feijão. Sem imaginação,<br />
sem invenção, sem criação, já não é Estação, lugar de trânsito, de passagem, de movimento. É<br />
depósito, almoxarifado.<br />
<strong>ESPAÇOS</strong> <strong>DE</strong> <strong>LEITURA</strong>. 14 .
Há a história de um leitor medieval, contada por um italiano, Carlo Guinsburg. O leitor, um oleiro,<br />
como não era de regra na Idade Média, leu uns poucos livros. Somados a seu pensamento vivo e<br />
extraordinário, à sua imaginação abrasante, quanto conhecimento com esses poucos-muitos livros.<br />
Tanto que as labaredas da Inquisição não deixaram o pobre Menocchio em paz. Perseguiram-no<br />
até... bem, não vou contar o final. Quem sabe você queira ler e a pior coisa que pode acontecer é um<br />
desmancha-prazeres contar o final da história.<br />
Assim, o final do Menocchio você confere depois, que o que vem ao caso agora é a moral da<br />
história: os livros fazem os leitores e os leitores fazem os livros. O que isso quer dizer? Se temos<br />
que lutar para que o pequeno canto de leitura cresça, que vire sala de leitura, biblioteca, cheia não<br />
só de livros, mas de revistas, de textos impressos, eletrônicos, de CDs, vídeos e materiais de todas<br />
as naturezas, temos também, e principalmente, que ver em cada exemplar de nosso pequeno ou<br />
grande acervo uma possibilidade, promessa, potencialidade.<br />
Claro, nem todos os livros têm capacidades explosivas e o que pode funcionar para um leitor não<br />
funciona para outro. Mas entre a primeira e a quarta capa estão surpresas de que não podemos<br />
suspeitar. Não super, nem subestimemos os sinaizinhos sobre as páginas encadernadas de um livro.<br />
Mesmo porque não conhecemos os olhos que penetrarão nessas páginas. Os viajantes que passam<br />
pelas Estações de Leitura podem ser Menocchios disfarçados, fugindo da Inquisição!<br />
Emprestar livros<br />
Tem gente que não empresta livros. E não é por egoísmo, não, como aquela menina que maltratava<br />
a Clarice Lispector da Felicidade Clandestina. É por medo de perdê-los, pois tem quem pede<br />
emprestado, mas não devolve. E quem acaba pagando o pato é quem pede e devolve. Fica sem o<br />
livro. Que fazer?!<br />
Numa Estação da Leitura, não há segundas considerações. É máxima: nas Estações, os escritos<br />
circulam, hospedam-se nas estantes escolares, mas também nas domésticas, para serem lidos em<br />
família, com vizinhos, amigos, em grupo.<br />
O empréstimo domiciliar só não é obrigatório caso faltem materiais nas Estações, caso eles sejam<br />
escassos demais. Se não, não se justifica. E olhe que, mesmo assim, podem ser emprestados, por<br />
<strong>ESPAÇOS</strong> <strong>DE</strong> <strong>LEITURA</strong>. 15 .
exemplo, na sexta-feira ou no sábado para retornarem na segunda. Basta que se façam<br />
"combinados".<br />
Na Alemanha, numa pequena cidade perto de Sttutgart, uma biblioteca arrojada oferece cestas<br />
como as de supermercados para os empréstimos. Nas sextas-feiras, há filas: crianças, jovens,<br />
adultos. Eles vão lá, enchem a tal cesta com livros, vídeos e tudo o mais de direito. Diversão para o<br />
final de semana familiar. Eu vi.<br />
Em compensação, aqui no <strong>Brasil</strong>, empréstimo pode ser sinônimo de ameaça. Acreditam que ouvi<br />
falarem de uma escola pública que queria cobrar multa de crianças pequenas, por dia de atraso. Não<br />
sei onde foi, mas além de ilegal, que era escola pública, é impensável. Educação não é punição!<br />
Será que é por isso que a Alemanha tem tantos filósofos célebres? Algum deles terá pago multas<br />
quando criança? Se ficaram entretidos pensando, e esqueceram de devolver no dia, pagaram? Ou<br />
foram perdoados em nome do pensamento? Está certo que também lá não devem ficar de braços<br />
cruzados, esperando o livro que não chega nunca de volta. Mas cobrar multa de crianças de<br />
primário? Se eu aprender alemão e tiver a sorte de voltar à cidadezinha, vou perguntar o que fazem<br />
quando as crianças atrasam.<br />
Sabem aquela história do patinho feio ? O menino foi devolver o livro com a figura do patinho<br />
cortada. - Mas por que você fez isso? - perguntou a bibliotecária para entender, sem ameaçar. Se não<br />
me engano era na Alemanha. Ou seria a Dinamarca? Não sei, mas não vem ao caso. O menino, de<br />
poucos anos, respondeu: - Mas ninguém gosta do patinho feio. Eu gostei muito dele e por isso cortei<br />
o livro. Pro patinho ficar morando em minha casa.<br />
Uma professora que tomava conta de uma sala de leitura com crianças bem pequenas, um dia antes<br />
da data de devolução - os empréstimos domiciliares eram feitos por turma - ia na classe com um<br />
boneco e lembrava que no dia seguinte era para devolver os livros. Cantava uma música junto com<br />
eles para que lembrassem da devolução. E não é que eles devolviam ? Não tinham nem 6 anos<br />
ainda! Sensibilidade e inteligência juntas não levam a multas descabidas. Mania de embaralhar livro<br />
e dinheiro. Consumidor compra. Leitor apropria-se: pensa, age, senta, imagina, lembra, re-escreve.<br />
Será que isso vale só 50 centavos, o valor da multa ilegal que queriam impor aos viajantes que<br />
perderam o horário do ônibus ? Nem se dão ao trabalho de perguntar se leram o livro. E vivem<br />
<strong>ESPAÇOS</strong> <strong>DE</strong> <strong>LEITURA</strong>. 16 .
eclamando - com razão! - dos pedágios, mas logo querem cobrar pedágio! Vai ver que estão<br />
querendo a privatização da leitura e eu nem sabia...<br />
Tem que ser bonita!<br />
Estação de Leitura que se preze tem que ser bonita. Estética não é supérfluo. Beleza é mesmo<br />
fundamental. O poeta tinha razão. É que o conceito de beleza dele não é a bobagem que é enfiada<br />
pela publicidade na cabeça das pobres moças que vivem se achando feias por que não são como as<br />
deusas das telinhas. Para ele, ser bonita era cultivar a graça, o charme, o bom gosto, a fineza de<br />
gestos, de espírito. E isso qualquer pessoa pode fazer, independentemente dos dotes naturais,<br />
principalmente nos dias atuais, com tantos cosméticos, tratamentos estéticos, correções não sei “de<br />
que” nem “para que”...<br />
Pois bem: para começo de conversa, não dá pra achar que sujeira é natural. Que qualquer ambiente<br />
serve. Não serve, não. Criança tem que ser cuidada, tratada, cultivada.<br />
A Estação tem que ser limpa, arejada, gostosa de estar. É impressionante como a cor chama a<br />
atenção das crianças.<br />
Mas não é porque tem que ter cor que desenhos da parede serão do Disney. Sem preconceito, mas<br />
um pouquinho de imaginação não faz mal a ninguém. As crianças fazem cada desenho tão bonito,<br />
diferente. É só estimular e elas extrapolam limites. Por que não aproveitar? Além disso, elas<br />
passam a ser autoras, expostas nas paredes, ao lado de escritores famosos que estão nas estantes.<br />
Ah, se não pode ter estantes novas, uma latinha ou duas de tinta fazem milagres. Sem contar que<br />
permitem criar uma linguagem, se combinadas umas às outras, por contraste ou<br />
complementaridade. Se batom deixa os lábios mais bonitos ainda, móveis, paredes também<br />
precisam de cuidados. Estantes, cadeiras, almofadas tudo o mais deve ser bem tratado na Estação.<br />
Aliás, cuidado com os tapetes e cortinas é o que menos se vê por aí. Os primeiros, se de tecidos,<br />
são gostosos de se sentar, mas difíceis de serem mantidos limpos em ambientes coletivos. Por isso,<br />
é bom considerar os emborrachados, os vinílicos, os tatames, enfim, o que for de fácil manutenção e<br />
que seja capaz de evitar a friagem do chão.<br />
<strong>ESPAÇOS</strong> <strong>DE</strong> <strong>LEITURA</strong>. 17 .
E se não houver tinta pras paredes? Ao menos lavar é possível. Depois, quem sabe um painel de<br />
papel kraft, com desenhos, fotos, imagens das crianças, de feltro etc. Só não se conformar com a<br />
sujeira e a feiúra, isto é, não aceitar um lugar sem expressão.<br />
O conforto? Indispensável. Leitor mal acomodado fica irrequieto, e com razão. Com excesso de<br />
calor, de luz, de ruído, a irritação aumenta. Conforto não é fricote, também não. É respeito com o<br />
corpo. O corpo que lê. Aliás, é bom lembrar: o corpo lê. Em pé, sentado, andando, deitado. Os<br />
livros devem ficar em acesso livre, direto, podendo ser lidos de diferentes modos e não apenas<br />
imobilizados numa mesa, sem permissão para serem mexidos. Nada disso, é importante a liberdade<br />
para o corpo, para que as idéias se liberem também. Por isso, as Estações cuidam das zonas de<br />
circulação, não entulham de móveis a sala, impedindo as crianças de circular, de chegar nas<br />
estantes, nos livros e em tudo aquilo que é capaz de promover o pensamento, a imaginação, a<br />
criação, a invenção - a leitura.<br />
Leitura expressiva<br />
Há quem use a leitura. Trata-a como instrumento. Para ganhar a vida, prestígio, namorada. Há quem<br />
se constitui por meio dela, se expressa, existe. Carolina Maria de Jesus é uma destas. Era catadora<br />
de papel. Na sua solidão de mulher excluída de todas as possibilidades que a cidade de São Paulo<br />
dos anos 50 podia lhe oferecer, não apenas catava os papéis. Fazia com eles cadernos. Contava de<br />
sua vida, tristezas, alegrias, encontros e desencantos. Contava que tinha filhos, que moravam com<br />
ela na favela do Canindé. Os homens, ao que me lembro, foram poucos, não ficaram.<br />
Um dia, um dos diários da Carolina caiu nas mãos de um jornalista e virou livro. Eu era<br />
adolescente. Hoje, já tenho 59 anos. Carolina continua comigo. Não simplesmente porque escreveu,<br />
registrou seus dias difíceis. Mas porque a língua em que Carolina escreveu é a língua verdade, a<br />
língua expressão, a língua de quem não se rende ao abandono nem à solidão e inventa por conta<br />
própria um modo de ser e de existir. Sem requinte nenhum, direta, dura como sua vida, a palavra sai<br />
e, com ela, nervos, entranhas, sabedoria.<br />
Carolina não escrevia para ganhar a vida, prestígio, poder ou namorado. Tampouco escrevia ofícios,<br />
cartas comerciais ou preenchia formulário de pensão do INSS. Escrevia para olhar-se, para mirar-se,<br />
perceber-se, não esquecer quem era. Perambulando de rua em rua pela cidade, em busca de papéis,<br />
<strong>ESPAÇOS</strong> <strong>DE</strong> <strong>LEITURA</strong>. 18 .
corria o risco de perder seu nome, de ser chamada Dalva, Joana, Conceição. Carolina escrevia para<br />
existir. Não tinha nada, tornou-se eterna.<br />
Ordem dos livros<br />
Deixar uma Estação de Leitura bagunçada, de pernas pro ar, de jeito nenhum.<br />
- É crime! brada minha amiga bibliotecária. Nada coorporativista, para ela a questão da arrumação<br />
dos livros não é para criar emprego, não. Mesmo porque ela diz que anda cansada e que o que quer<br />
mesmo é desaparecer nos mares da Bahia. Mas falou em livros bagunçados, lá vem ela:<br />
- É crime! Fere a autonomia do cidadão!<br />
Como não sou bibliotecário e nem quero cometer crimes ou ferir cidadãos, me esforço para<br />
compreender os argumentos da moça que quer desaparecer nos mares da Bahia. Não fosse por<br />
razões outras, seria porque também adoro tais mares e acho que ela não é boba nem nada. Melhor<br />
ouvi-la.<br />
Se bem compreendo é mais ou menos o seguinte. Biblioteca pessoal, da casa da gente, pode ficar<br />
bagunçada. E mesmo assim, se é só a gente que mexe. E, claro, se não liga para a desordem. - Que<br />
não pode ser demais, ressalva com seriedade minha amiga. - Bagunça demais, não tem jeito!<br />
Segundo suas teorias, cada um teria fórmulas pessoais e especiais para cuidar da própria bagunça.<br />
Ou melhor, da própria baguncinha, pois se cuida já não é tão bagunça assim. Resultado lógico:<br />
mesmo com a baguncinha - ela estica e acentua o "ci " e não me pergunte a razão -, é possível saber<br />
onde estão os Diálogos do Platão, as Cidades Invisíveis, do Calvino, o Guia Quatro-Rodas. - Dá<br />
trabalho, mas é possível, garante ela.<br />
Não sei, não. Já passei horas procurando uma Cecília Meireles que precisava pra uma aula. Acabei<br />
encontrando. Mas sabem onde? Na casa dela! Ela tinha esquecido de devolver. E eu de cobrar, que<br />
não anoto livro que empresto. Fazia mais de 10 meses que ela estava com minha Cecília! Mas<br />
recuperei.<br />
<strong>ESPAÇOS</strong> <strong>DE</strong> <strong>LEITURA</strong>. 19 .
Foi assim: telefonei para um amigo comum, pedindo socorro, se ele tinha o livro para me emprestar.<br />
Não tinha. Só que, rato de biblioteca, onde vai, vasculha estantes. Tinha acabado de conhecer a casa<br />
nova da moça e visto o livro lá. Na verdade, não tinha visto apenas, tinha ficado maravilhado.<br />
- Mas maravilhado com o quê? Você está cansado de conhecer aquele livro - disparei sem entender.<br />
- Mas nunca naquela situação.<br />
- Situação, que situação? Pintou romance?<br />
- Nada disso. É tudo tão bem arrumadinho! Dá gosto ver. A estante tem até uma prateleira só para<br />
livros a serem devolvidos. Com direito à etiqueta e tudo, em vermelho e maiúscula: <strong>DE</strong>VOLVER.<br />
Que moça cuidadosa! Ao contrário de você...<br />
É mole? Vou dizer o quê? Que faz 10 meses... que empresto livros sem anotar, porque confio... que<br />
as estantes de casa são poucas para tanto livro de que eu gosto, que trabalho muito e não dá tempo<br />
de arrumar tão arrumadinho, que não consigo evitar a baguncinha, que quem sabe agora, com o<br />
computador...<br />
Bem, mas a segunda teoria de minha amiga é incontestável. Nem precisa discussão. Biblioteca<br />
pessoal é uma coisa, mas Estação de Leitura, sem organização, não dá. Com livros colocados<br />
aleatoriamente nas estantes? Nem pensar! De pernas pro ar ? "É crime!" Ela tem toda razão. Fica<br />
todo mundo perdido, uma confusão. Imagina 30 e até 40 alunos chegando de uma vez, querendo o<br />
livro do João Carlos Marinho, da Lygia Bojunga, da Ruth Rocha, do Bartolomeu Campos de<br />
Queirós... - Minerações, não; a professora falou pra ler O Cavaleiro das Sete Luas ! E ninguém<br />
sabendo onde achar nada, tendo que esperar, esperar, esperar... Sem comentários. Não cabe.<br />
Ou melhor, um tem que ser feito, só unzinho: não adianta só organizar. Precisa explicar a<br />
organização aos alunos. Ensinar a ordem dos livros. Devagar, com calma, tantas vezes quantas<br />
forem necessárias. Com palestras, jogos, brincadeiras, busca ao tesouro e tudo o mais que a<br />
imaginação permitir. E permite, é só experimentar. Ensinar aos alunos a ordem dos livros que é pra<br />
eles terem autonomia. Tem muito lugar que é arrumado, mas para ninguém mexer. Na Estação não é<br />
assim, pois livro não é para ficar longe, distante, feito Mona Lisa. Não é quadro. É instalação. É<br />
<strong>ESPAÇOS</strong> <strong>DE</strong> <strong>LEITURA</strong>. 20 .
para abrir, olhar, experimentar, entrar dentro. Tem gente até que cheira, alisa, aperta. Pegar na mão,<br />
tocar, folhear são modos de aproximação, começo de apropriação simbólica. Que começa pela<br />
física, pelo objeto. A arrumação é essencial, mas com educação e, principalmente, sem inibição.<br />
Se precisa ensinar, precisa também questionar a ordem dos livros com os bibliotecários. Todos<br />
aqueles numerozinhos, sistemas, sub-sistemas, pontos e vírgulas são necessários mesmo em toda e<br />
qualquer Estação? Nas pequenas, médias, grandes, na escola, fora da escola ?<br />
Não seria possível achar modos mais amigáveis ? Os catálogos poderiam ser mais comunicativos,<br />
de fácil compreensão? Já ouvi falar em modos de organização mais abertos, uma tal de ordem<br />
informacional dialógica. Eu me interesso pelo assunto, mas ainda não consegui referências com a<br />
autora.<br />
Fruição<br />
Todo bom viajante pesquisa: horários de partida, de chegada prevista, itinerários, tempo da viagem,<br />
conexões, baldeações, preço das passagens. O viajante do conhecimento não foge à regra. Antecipa<br />
os caminhos, cria referências, informa-se antes de partir, sabe que viver é perigoso, como disse o<br />
Guimarães Rosa. E como é gostosa essa preparação, essa pré-leitura, esse esquentamento de<br />
turbinas.<br />
Já entrou numa biblioteca, numa livraria para passear entre os livros? Pra olhar sem obrigações<br />
nem compromissos, ler as lombadas, os títulos, as capas? Para deter-se nas orelhas, nos índices,<br />
num trecho ? Para descobrir por acaso um pensamento novo, desejar: "Ah! Esse eu tenho que levar<br />
pra casa!" E para ver ilustrações, então ! As ilustrações dos livros infantis! Cada uma é mais bela<br />
que a outra ! As da Angela Lago, do Eliardo França, da Eva Funari... Quantas alegrias!<br />
Mas quanta decepção, também! Há imagens só para poluir, que a gente abandona logo, passa para a<br />
seguinte se quer continuar a sonhar. Passear é estar nas fronteiras, entre o querer e o desejar: o que é<br />
e o que não pode ser, realização, eterna promessa. Passear na biblioteca, na livraria é viver em<br />
suspense, a meio passo da revelação que não se deseja e nem sempre pode ser alcançada. Que graça<br />
ia ter o mundo sem mistérios !<br />
<strong>ESPAÇOS</strong> <strong>DE</strong> <strong>LEITURA</strong>. 21 .
Aprendemos com Ariadne, aquela que ajudou Teseu a vencer o Minotauro, que os caminhos não são<br />
apenas perigosos; às vezes são sem saída. Por isso, o leitor se previne, antes das viagens. Deseja<br />
enfrentar seus minotauros, mas faz reconhecimento de terreno, olha, espia e, como Teseu, não vai se<br />
entregando à luta assim, de mãos abanando. O prazer de preparar a festa-embate do conhecimento,<br />
da incompletude e do desejo.<br />
Por isso, a Clarice Lispector diz, naquele conto sobre a menina perversa que não emprestava o livro<br />
para ela, que adiava a leitura. Era um modo de aumentar o prazer. Por isso, ela parava, ia comer pão<br />
com manteiga na cozinha, criava os mais diferentes obstáculos para a felicidade clandestina da<br />
leitura.<br />
Que tal levar seus alunos para passear numa biblioteca? Assim, sem compromissos, nem<br />
obrigações. Para ver, olhar, tocar, cheirar... Sabia que os livros têm cheiros variados, diferentes ?<br />
Depende da tinta utilizada, do papel, do tempo, da conservação. Se não são bem cuidados, a gente<br />
até espirra de tanta poeira, uma lástima!<br />
Mas, como fez a Ariadne com o Teseu, não se esqueça de dar um fio de seda para eles, antes de ir:<br />
- Olhem, hoje vamos fazer um passeio. Não é ao zoológico, não, que lá já fomos. E não é que não<br />
tenha bichos, também não. Tem, mas de outra espécie. Alguém adivinha? Tem idéia? Ninguém...<br />
Pois vamos a uma biblioteca, um lugar com muitos livros que falam de tudo, inclusive de bichos...<br />
Bem, o resto depende de sua imaginação, minha cara Ariadne.<br />
Devoradores de livros<br />
Quando a professora perguntou se havia uma razão especial para estar chegando tarde na aula todas<br />
as manhãs, o aluno atribuiu isso à literatura. Ela pediu explicações.<br />
- Fico lendo na cama, de noite.<br />
Imaginem um menino de 9 anos, devorador de livros, lendo até altas horas da noite e por causa<br />
disso chegando atrasado em todo lugar. “Vão censurar ele”, ficou preocupada a professora. A ele e à<br />
<strong>ESPAÇOS</strong> <strong>DE</strong> <strong>LEITURA</strong>. 22 .
literatura.<br />
Estava ali pra incentivar a leitura, escolhera a profissão para ter com quem compartilhar histórias.<br />
Não podia ficar de braços cruzados. Foi ao ataque.<br />
- Lê de tarde ou, então, logo depois do jantar.<br />
- E a que horas eu brinco e vejo televisão? – respondeu sem perder tempo o devorador de literatura.<br />
Sem saber o que fazer, a professora resolveu apelar para a primeira idéia. Já tinha ouvido falar disso<br />
em algum lugar e que funcionava: criação de um horário com atividades livres, antes de começar as<br />
programadas, para dar tempo de todo mundo chegar, sem atropelos. Podia ler histórias, contar,<br />
desenhar, dramatizar... Podia trazer livro de casa, ler para os colegas; trazer fotos da família, contar<br />
uma história engraçada, triste, nova, antiga, com o pai, o irmão, o avô... podia, podia, podia podia.<br />
Tanto que, quem gostasse de ler noite adentro, também podia, já que tinha escolhido sua atividade<br />
livre. Só não valia chegar depois do horário livre, viu Roberto, que era esse o nome do menino. Mas<br />
falou isso dando um discreta e cúmplice piscadinha. O garoto considerou e respondeu:<br />
- Vi!<br />
A Diretora, que era inflexível em questões de horário, mas acima de tudo prática, aprovou a idéia.<br />
Especialmente porque não sabia nunca que castigo aplicar em quem só chegava um pouquinho<br />
atrasado, como o Roberto. E ele é tão tão meigo, tão desprotegido, pensou, sem coragem de dizer.<br />
Diretoramente, não perdeu a bola:<br />
-Vai ser uma ótima forma de castigo pra ele. Vai ter que ler sozinho em casa.<br />
Como no cumprimento das funções, a diretora devia achar sempre alguma coisa a mais, não podia<br />
deixar de completar:<br />
- Só acho que você devia pedir uma ficha de leitura pra ele, pra comprovar se leu mesmo !<br />
A professora ficou bem quietinha, fez que não ouviu. Sabia que a diretora falava só por obrigação<br />
<strong>ESPAÇOS</strong> <strong>DE</strong> <strong>LEITURA</strong>. 23 .
do cargo, que ela adorava também ler na cama, principalmente romances picantes. Não passava a<br />
noite lendo, porque não podia. Se chegasse atrasada, o dono da escola descontava. E o salário não<br />
era demais.<br />
Pesquisa Escolar<br />
- Pesquisar é gostoso, professora! exclamou a menina no meio do trabalho.<br />
Pois é. E tão gostoso que tem gente que pensa que pesquisar é como mamar. Nasceu, já sabe fazer.<br />
É só mandar para a biblioteca. Pronto.<br />
Mas não é assim, não. Os prazeres intelectuais, como os da garota, exigem cuidados, trabalho,<br />
construção. São culturais, não naturais. Demandaram aprendizagem da menina e dos educadores,<br />
esforço e atitudes constantes, apoio do meio em que vive. Não caíram do céu, não.<br />
Antigamente, quando ir para a escola era ato possível só para uns poucos, essas aprendizagens<br />
pareciam naturais. A maioria das crianças provinha de meios letrados e boa parte desenvolvia<br />
competências e comportamentos que, de tão vinculados ao meio ao qual pertenciam, pareciam<br />
obras exclusivas da natureza. Eram uma espécie de segunda pele.<br />
- Ah, fulano de tal aprende matemática com tanta naturalidade!<br />
- Nossa, Zizinha sabe falar francês como se tivesse nascido lá!<br />
Sem, claro, deixar de considerar os talentos especiais de cada um, não dá para confundir o que é<br />
inato com o que demanda trabalho, ação, persistência, educação.<br />
A maioria de nossas crianças não procede de meios letrados, não está espontaneamente inserida nos<br />
circuitos da cultura da escrita, da ciência, do conhecimento formal. Seus repertórios, suas práticas,<br />
suas experiências culturais são em geral de outra ordem.<br />
Assim, não é possível mandá-las à biblioteca sem orientação nenhuma, sem ensinar a biblioteca - é<br />
isso mesmo, ensinar a biblioteca, não dar aula de biblioteca. Se não compreende a diferença, volte<br />
<strong>ESPAÇOS</strong> <strong>DE</strong> <strong>LEITURA</strong>. 24 .
ao tópico Pedagogia Cultural e Pedagogização da Leitura, que vai compreender. Reler é ótimo,<br />
muitas vezes é indispensável -, é falta total de percepção pedagógica, para dizer o mínimo.<br />
Ir à biblioteca sem orientação: para começo de conversa, como chegar lá ? Todo mundo sabe? Se a<br />
cidade é pequena pode ser fácil, mas nem sempre. Uma vez, levei três meses para conseguir chegar<br />
numa. E era uma cidade bem pequena. Tinha me mudado para lá, voltando da França, e queria viver<br />
perto do mar. Além das praias limpíssimas, tinha coqueiros, areias brancas e macias, dunas, lagoas,<br />
céu estreladíssimo, rios, ilhas... fantástico.<br />
Mas cadê a biblioteca? Tem ?<br />
- Tem sim, todo mundo respondia. O professor, o juiz, o padre, o advogado, homens das letras..<br />
- Onde ?<br />
- Sei, não. Era aqui, na Praça da Graça!<br />
- Hum...<br />
Três meses para achar a salinha escondida, com os livros encaixotados.<br />
- A gente teve que sair de lá, e não tem ainda lugar pra ficar, respondeu um funcionário. Me diga o<br />
que quer, eu procuro e quando achar levo na sua casa. O senhor é o novo diretor da escola, não é?<br />
Mora ali, na Praça Santo Antônio?<br />
- Como sabe ?<br />
- É que eu passo lá todo dia...<br />
E a prosa foi longe. Ficou amigo. Os livros, nunca achou. Recebeu ordens para não mexer nas<br />
caixas. Era perigoso sumir ou sair de ordem...<br />
<strong>ESPAÇOS</strong> <strong>DE</strong> <strong>LEITURA</strong>. 25 .
Bem, é isso aí. Se não é fácil chegar na biblioteca, imaginem entrar, passar as barreiras da portaria,<br />
da moça que toma conta se você não está indo com sacolas, sacolinhas, sacolonas, que pede<br />
documento para se inscrever, que mostra um móvel estranho, cheio de gavetinhas :<br />
- É o catálogo.<br />
- O quê?<br />
- Catálogo.<br />
- Mas tem que “catá logo”? Me disseram que eu podia ficar bastante, procurar, pesquisar... Não<br />
precisava sair logo!?<br />
- Não, não é isso, garoto. Não sabe o que é catálogo, fichário, essas coisas de biblioteca?<br />
- Não!<br />
- Agora não dá pra explicar, meu filho. Tem muita gente na fila. Procura na estante! Quando puder,<br />
explico.<br />
É assim. O candidato a pesquisador tem que vencer gentilezas e falta de gentilezas, tem que vencer<br />
distâncias de todo jeito, por sua conta e risco. E isso quando não é dado a ele um texto para copiar e<br />
pronto. Não foi preparado para pedir, mas para aceitar o que lhe dão. Só falta mesmo dizer<br />
obrigado. E muitos dizem, com consideração e humildade: - Obrigado!<br />
Precisa ensinar a pesquisar: definir o problema, compreendê-lo, saber o que deve ser buscado,<br />
procurado, quais o passos a serem dados; procurar as informações (como, quanto, em que fontes,<br />
pois um livro não é um jornal, que não é uma revista científica, que não é um livro de ficção, que<br />
não é um livro de não-ficção, que não é um livro de poemas, que não é um dicionário, que não é<br />
uma enciclopédia); selecioná-las (que não é para pegar tudo ou qualquer coisa, que é preciso ter<br />
critério e não qualquer critério...), tomar notas, registrá-las, organizá-las; analisá-las, examiná-las,<br />
debatê-las; redigir, preparar o trabalho, comunicar os resultados. E cada um desses processos<br />
precisa ser mostrado, exemplificado, trabalhado.<br />
<strong>ESPAÇOS</strong> <strong>DE</strong> <strong>LEITURA</strong>. 26 .
E muita gente boa pensa que é simples, que já se nasce sabendo tudo isso, que é genético...<br />
Por isso, ir à biblioteca, falar com seus responsáveis, seja na biblioteca da escola ou na biblioteca<br />
pública, combinar com eles estratégias, formas de trabalho e de atendimento, preparar o terreno,<br />
sem contudo entregar o material pronto, só para ser copiado, é um bom caminho. Mas é preciso<br />
também preparar os alunos na classe, ao entregar a pesquisa, dar as orientações necessárias. A<br />
maioria dos alunos acha que localizou a informação, o trabalho está feito. E a análise, o debate, a<br />
reflexão, a ruminação ? Não é caça ao tesouro. É pesquisa!<br />
Chegar na informação os computadores chegam. Até são capazes de colar textos, ordenar e<br />
reordenar informações. Mas construir conhecimentos é desafio criativo que computadores não<br />
realizaram até hoje. Será que conseguirão ?<br />
É uma boa questão para pesquisa, não acha ?<br />
<strong>ESPAÇOS</strong> <strong>DE</strong> <strong>LEITURA</strong>. 27 .
O educador e a leitura<br />
Professor que não lê. Tem? Onde?<br />
Bem, devia escrever sobre isso, mas estou achando que é inútil. Se não lê, é melhor fazer um vídeo<br />
para mostrar para ele a importância da leitura na escola. Eu mostraria várias imagens se sucedendo:<br />
uma padaria que não faz pão, um acougue que não vende carne, uma farmácia que não vende<br />
remédios. Depois, pediria para pensar que relação uma coisa tem com a outra. E só... que vai ver ele<br />
anda com estresse informacional e não quer saber também de vídeo e de informação nenhuma.<br />
Cuidado com estressados, como diz minha sobrinha no trânsito. Eles não sabem o que fazem!<br />
Leitura/Leituras<br />
Vou olhar no dicionário. Se não tiver, vou procurar em outro, em mais outro até achar um que me<br />
satisfaça. É erro leitura no singular. Só há a forma plural: leituras. Num caso especial, até acharia<br />
possível, mas só nesse caso: o de leituras singulares. Aí sim, a forma leitura é admissível. Quer<br />
dizer a leitura de cada um: a sua, a minha, a nossa, a deles.<br />
Leituras, portanto, têm que ser sempre no plural. Ler de tudo, livro, gibi, tela do computador,<br />
placas de rua e até bula de remédio. Mas nunca cartas alheias, mesmo que o envelope esteja aberto,<br />
tentando...<br />
Da tela à pedra<br />
Ler na tela<br />
no papel<br />
no pergaminho<br />
no papiro.<br />
Ler na pedra.<br />
Ler as pedras...<br />
<strong>ESPAÇOS</strong> <strong>DE</strong> <strong>LEITURA</strong>. 28 .
A sala de aula como espaço de leitura significativa<br />
PROGRAMA 2<br />
<strong>ESPAÇOS</strong> <strong>DE</strong> <strong>LEITURA</strong> NA ESCOLA: SALA <strong>DE</strong> AULA/CANTOS <strong>DE</strong> <strong>LEITURA</strong><br />
Antonia de Sousa Verdini 2<br />
Desde que nascemos, diferentes situações nos põem em contato com as palavras. Elas vão sendo<br />
ensinadas para que possamos nomear, reconhecer, dar sentido ao mundo onde vivemos e que temos<br />
necessidade de apreender e desvendar. Num sentido amplo, a leitura desponta junto com a própria<br />
existência, já que implica palavras em conexão com o universo que habitamos, significações,<br />
experiências, conhecimentos, relação com o outro, com a vida. Por isso, leitura tem a ver com a<br />
mobilização de nossa curiosidade, de nossos sentidos, de nosso ser por completo.<br />
No entanto, quando iniciamos o aprendizado do signo escrito, o que percebemos muitas vezes é um<br />
distanciamento dessa mobilização que nos toma por inteiro, em favor de uma decifração mecânica<br />
dos signos. A vida, os afetos, a sensibilidade, a inteligência desaparecem, trocados pela repetição<br />
monótona de sílabas, palavras, frases, parágrafos, textos descolados do mundo e da realidade que<br />
lhes dão sentido. A sala de aula deixa de ser um espaço para leituras significativas, tornando-se local<br />
de exercícios de linguagem vazios e compulsórios, que aborrecem e muitas vezes atemorizam as<br />
crianças.<br />
A reflexão sobre a sala de aula como espaço de leituras significativas reavivou minhas lembranças<br />
do período de "jardim da infância", quando meus dedos mergulhavam nas cores de tintas que<br />
comunicavam jeitos de sentir, de perceber um mundo inexplicável por palavras, vivendo todavia<br />
uma leitura do que se tinha para reconhecer. Um vaso pintado de verde... Eu me recordo da<br />
transformação do ocre do barro na cor viva que eu escolhera; nos cadernos de desenho, recriava<br />
cenários incomuns para freiras e leigas educadoras, dando testemunho do mundo que eu lia, mesmo<br />
levando bronca por irreverências e impertinências.<br />
Continuando no tempo, minhas recordações me devolvem a sensação de subir ao andar das salas do<br />
"primeiro ano". Ah!... O tão esperado momento de aprender a ler e escrever. Pura decepção! Nem<br />
<strong>ESPAÇOS</strong> <strong>DE</strong> <strong>LEITURA</strong>. 29 .
mesinhas com tintas, nem cadernos de desenho para contar coisas, nem desenhos nas paredes!<br />
O encontro diário, no primeiro ano, era com a cartilha, com cópias repetitivas de frases<br />
descontextualizadas e pedaços de palavras sem sentido: "A macaca é má. Ma ma Ca ca"... E essa<br />
decepção me acompanha até hoje, quando por exemplo, vejo num recente noticiário de jornal na<br />
<strong>TV</strong>, e numa reportagem de revista, sobre um local que se pretende destinado à renovação<br />
educacional, uma sala com paredes nuas e a professora num grande quadro de giz escrevendo: A E I<br />
O U. Realmente, é um quadro vazio das práticas de leitura que ainda são vivenciadas em espaços<br />
que se pretendem destinados ao aprendizado da língua escrita.<br />
De que leitura estão tratando? Certamente daquela que nos leva a decifrar mecanicamente os sinais<br />
gráficos e não da leitura como ato de construção de sentidos. Quem é a criança ou o adulto que se<br />
expressa com cantilenas repetidas de vogais seqüenciadas? Onde foram escondidos os textos, as<br />
palavras, os poemas que poderiam incitar provocações de sentidos, de percepções diferenciadas, de<br />
(re)criações reveladoras de conhecimentos? Que espaço é esse que não viabiliza as hipóteses, as<br />
relações com a palavra significativa, com a beleza da poesia?<br />
A organização do espaço da sala de aula reflete a ação pedagógica do professor, assim como o jeito<br />
de organizarmos nossa casa diz da nossa forma de viver. Carteiras enfileiradas e fixas denunciam a<br />
não permissão de diálogos, de trocas simbólicas, de confrontos de saberes. A mesa isolada do<br />
professor faz supor um distanciamento, uma hierarquia de poder, uma postura de dono da verdade.<br />
Já os arranjos possíveis com móveis removíveis, a formação de rodas de conversas e histórias, a<br />
exposição das produções individuais ou coletivas da classe - de textos ou de expressões plásticas -<br />
e, ainda, a exibição de fotos de situações de aprendizagem, tudo isso reflete as relações pedagógicas<br />
concretas existentes nesse espaço, contam das dificuldades e dos progressos conseguidos, do<br />
intercâmbio de culturas, da aceitação das diversidades.<br />
Na primeira escola onde assumi o magistério e iria substituir uma professora que se aposentava, fui<br />
apresentada à classe, que na hora copiava da lousa a lição do "x", da cartilha. Uma fila se formava<br />
ao lado da mesa para mostrar a lição de casa. Uma régua era acionada para calar os que tentassem<br />
se comunicar enquanto aguardavam. A professora deu seus conselhos que eu jamais segui: "se você<br />
não os impedir de conversar na sala, não conseguirá ensinar nada!"<br />
<strong>ESPAÇOS</strong> <strong>DE</strong> <strong>LEITURA</strong>. 30 .
Apesar dos temores de uma iniciante, com erros e acertos, fui percebendo que a aprendizagem está<br />
ligada a relações verdadeiras, que a troca de emoções e afetos contribui para a expressão viva do<br />
que se apreende do mundo enquanto realidade a nos provocar os sentidos e também do mundo<br />
representado pelas linguagens simbólicas. "A leitura do mundo precede a leitura da palavra, daí que<br />
a posterior leitura desta não possa prescindir da continuidade da leitura daquele..." 2 nos lembra<br />
Paulo Freire. E é essa leitura que o aluno traz consigo, como patrimônio de sua singularidade, como<br />
ser cultural, com impressões e reações, que tem que ser intercambiada a todo o momento para gerar<br />
novos saberes, novas informações.<br />
Por isso, o momento da roda de conversas e histórias era festejado com apresentações de novidades,<br />
que podiam ser objetos, fotos, livros, até pequenos animais de estimação... Era, enfim, o que tinha<br />
significado e que podia ser trocado com os outros. As expressões das crianças se traduziam em<br />
textos, desenhos ... Havendo material, se transformavam em artesanato, em massinha ou argila. A<br />
criança podia brincar, criar e expor suas produções que vão revelando a vida, gerando palavras,<br />
incitando novas leituras.<br />
Com isso, das várias atividades curriculares, seja de Matemática, Geografia ou de qualquer outra<br />
ciência, as informações se revelam em textos compreensíveis porque vividos. Um problema de<br />
Matemática pode ser ocasião para a leitura do enunciado, para a vivência da situação e até virar<br />
poesia, parlenda, trava-língua, ou vice-versa. Imaginem, por exemplo, “trinta tigres triturando três<br />
telas de acrílico, sendo que restou só um terço de uma delas”... E por aí se pode continuar a<br />
provocação de vários raciocínios, de várias dificuldades de linguagem, de várias leituras, várias<br />
informações e brincadeiras. Os conteúdos curriculares podem correlacionar-se de infinitas maneiras<br />
e as leituras terem vida, interesse, objetivos. Vamos concluir a pesquisa de algum projeto e ler as<br />
conclusões para a classe vizinha? Vamos arrumar a sala para mostrar às crianças de outra série o<br />
que estamos realizando e descobrindo neste mês? Essas perguntas e tantas outras podem incentivar<br />
procedimentos, avaliações, desejos de escrever e mostrar, de ler e dizer com expressão, com<br />
entusiasmo.<br />
E as leituras literárias, as audições de histórias, de músicas, o teatro, com ou sem bonecos, a<br />
projeção de vídeos para serem debatidos ... E as histórias recontadas, os livros retomados em<br />
diferentes versões, potencializando novas expressões, novos autores entre as próprias crianças ou<br />
jovens... E as músicas dançadas ou entoadas, enfim, que mundo esfuziante de vida pode dar "sabor<br />
<strong>ESPAÇOS</strong> <strong>DE</strong> <strong>LEITURA</strong>. 31 .
ao saber", como diria Roland Barthes.<br />
Para que o espaço da sala de aula seja lugar de prazer e de condições necessárias às diferentes<br />
aprendizagens, inclusive a da leitura, é preciso oferecer mínimas condições de ambientação, de<br />
cuidado com a sala, de sua preparação e adequação às práticas pedagógicas. O espaço já conta, ele<br />
mesmo, como elemento formador, como referencial de posturas e aprendizagens. Daí que um lugar<br />
reservado para ser o canto de leitura revela-se instrumento importante à formação de leitores,<br />
podendo ter pequeno e selecionado acervo, a ser cuidado e utilizado por todos, em momentos<br />
programados, e também aproveitado pelos que terminam antes as atividades do dia. Sua preparação<br />
pode contar com o envolvimento não só dos alunos, mas também dos pais. Painéis de papel Kraft,<br />
ou de outros, poderão enfeitar as paredes do canto escolhido da sala com desenhos ou mensagens<br />
escritas pelas crianças, mesmo as menores, que com suas garatujas também demonstrarão acolhida<br />
aos livros, às histórias... A inauguração, com festa, música, alegria, convidados especiais, quem sabe<br />
até com autores, num momento com pompa de ritual festivo, revela a importância e o significado<br />
que se dá a esse acervo, a essa pequena biblioteca de classe! Daí a imaginação de cada educador<br />
dará conta de detalhes: uma caixa artesanal passada de mão em mão, ou um baú de plástico colorido<br />
transportado sobre rodas, darão o toque de mistério, de encantamento para o momento de entrada na<br />
sala. E, então, leituras compartilhadas por todos darão início às primeiras descobertas e trocas de<br />
enredos, às primeiras escolhas e empréstimos para casa, ao envolvimento dos pais nesse ato de ler.<br />
Assim como ocorre numa biblioteca moderna, o acesso aos livros deverá ser livre - nada de<br />
armários fechados, controlados, supervisionados. Serão feitos empréstimos para casa, todo dia, ou<br />
uma vez por semana, dependendo das condições de cada lugar. Mas sempre haverá empréstimos<br />
domiciliares. Os livros emprestados deverão ser registrados e, dependendo da faixa etária das<br />
crianças, ficará a cargo delas o controle das retiradas e devoluções, combinado em conjunto com a<br />
professora e os pais em seus procedimentos e responsabilidades. A leitura compartilhada com a<br />
família favorece momentos de aconchego, de vínculos reforçados nas trocas de significados, além<br />
de permitir o compartilhamento de experiências culturais comuns, o envolvimento do grupo<br />
familiar com os repertórios da escola.<br />
A organização e a disponibilidade desse acervo de classe podem acontecer tanto nas séries iniciais<br />
do Ensino Fundamental, como em classes de Educação Infantil. Ele pode ser fixo, mas pode<br />
também ser formado com livros buscados na biblioteca, na sala de leitura da escola, quando esta<br />
<strong>ESPAÇOS</strong> <strong>DE</strong> <strong>LEITURA</strong>. 32 .
tenha uma, ou mesmo na biblioteca pública. Nestes casos, as crianças vão periodicamente à<br />
biblioteca selecionar as obras que vão compor o canto de leitura da sala durante um certo tempo...<br />
Quinze dias, um mês... As escolhas das crianças devem ser sempre respeitadas, embora a mediação<br />
das educadoras se faça necessária, quando são necessários títulos para fins específicos.<br />
Com o acervo das salas de aula à mão, disposto para leituras, que pode incluir, além dos livros de<br />
literatura, os destinados à pesquisa, à busca de informações, muitas atividades poderão ser<br />
desenvolvidas de forma mais aprofundada, dispondo-se de um tempo maior para realizá-las.<br />
Assim, leituras e atividades iniciadas com os livros na biblioteca poderão ser complementadas na<br />
classe, bem como atividades na sala de aula poderão exigir outras buscas na biblioteca. Fazer<br />
resenhas de livros lidos, debater conteúdos sob pontos de vista diversos, fundamentar críticas e<br />
opiniões são atividades possíveis, requerendo evidentemente intervenção do professor, que orientará<br />
de forma gradativa as ocorrências, as solicitações. Com isso, as atividades de leitura provocam a<br />
necessidade, o desejo da escrita, que passa a ter uma função de comunicação claramente definida.<br />
De forma diferente de escrever apenas para "tirar nota", a escrita se presta a outras leituras e vice-<br />
versa.<br />
Uma forma de se dar funcionalidade e relevância às produções escritas decorrentes das leituras dos<br />
alunos é a publicação periódica de boletins. Neles, até a palavra das crianças não-alfabetizadas,<br />
transcrita de depoimentos e ilustrada com desenhos reveladores da interpretação pessoal de suas<br />
informações, poderá circular ao lado de registros da escrita dos alunos mais adiantados. Desde<br />
resenhas de livros lidos, registros de entrevistas feitas com pessoas escolhidas, ou mesmo narrativas<br />
de atividades em sala de aula ou de desenvolvimento de projetos de pesquisa, educadores,<br />
funcionários e pais também podem ter vez na colocação de seus pronunciamentos e observações.<br />
Na impossibilidade de edição de boletins ou jornais impressos, o que demanda alguns recursos de<br />
editoração, o jornal mural, afixado na própria sala de aula ou em corredores contíguos a ela, é um<br />
excelente meio de divulgação de informações e de dar uma função social e cultural ao exercício da<br />
escrita, além de propiciar interesse pela leitura, principalmente se a ela for dada uma atenção em<br />
situações de debates e avaliação do que a classe conseguiu divulgar.<br />
Além da divulgação dessa produção, fragmentos de textos de livros, crônicas de jornais conhecidos,<br />
<strong>ESPAÇOS</strong> <strong>DE</strong> <strong>LEITURA</strong>. 33 .
poesias, bem como notícias relevantes podem ser colocadas pelas próprias crianças ou jovens que<br />
deverão se revezar na responsabilidade de coordenar e apresentar o jornal mural. O nome do mesmo<br />
e o das seções, bem como o formato das diagramações, podem ser objeto de concurso para a<br />
escolha e definição entre os mais indicados. Um determinado dia da semana deve ser combinado<br />
para a renovação dos conteúdos, com periodicidade regular de edição, como também devem ser<br />
renovados os suportes de apresentação. Estes podem aparecer afixados em quadros ou, se não<br />
houver riscos de danificá-las - coisa muito difícil! -, diretamente nas paredes. Melhor em varais,<br />
cavaletes, de forma a chamar a atenção para as mudanças ocorridas e atrair para a leitura, que<br />
concorre com outros informativos da escola, convém lembrar. Daí a importância de dar destaque à<br />
publicação.<br />
Em experiência com adolescentes, a troca de mensagens entre as turmas de períodos diversos pelo<br />
jornal mural, incluídas as veiculadas em códigos secretos próprios de grafiteiros, também incentiva<br />
os jovens para a escrita e leitura de opiniões, por meio de textos e desenhos, para a exposição de<br />
fotos do grupo, o que lhe confere auto-estima e liberdade de expressão.<br />
Como dissemos, as práticas de leitura na sala de aula, diferentemente da decifração mecânica de<br />
sinais gráficos, podem dar lugar ao ato voluntário, "ao exercício da possibilidade humana de<br />
articular o agir ao pensar, ao definir, ao escolher", distinguindo leitores de simples ledores 3 .<br />
A essas atividades de leitura e escrita provocativas no espaço da sala de aula, com momentos<br />
definidos para busca de informações, desenvolvimento de atividades e projetos, análises críticas de<br />
noticiários, de leituras de livros, individuais ou feitas pelo professor para toda a classe, de leitura de<br />
produções dos próprios parceiros, podem ser acrescidas as idas a bibliotecas. Ótimo será se houver<br />
uma biblioteca integrada ao próprio ambiente escolar. Se não, devem ser programadas visitas<br />
freqüentes à biblioteca do bairro, aos centros culturais, numa interatividade com os mediadores<br />
desses espaços, para que a sala de aula esteja cumprindo sua função cultural de abertura de<br />
horizontes para o mundo da escrita, para a apropriação dos equipamentos de cultura do bairro, da<br />
cidade, para a formação de leitores que utilizem a escrita como recurso de participação e de<br />
expressão social e cultural e permaneçam sendo leitores mesmo depois de encerrado o período de<br />
freqüência escolar.<br />
Sugestões bibliográficas<br />
<strong>ESPAÇOS</strong> <strong>DE</strong> <strong>LEITURA</strong>. 34 .
BAJARD, Élie. Caminhos da Escrita: espaços de aprendizagem. São Paulo: Cortez, 2002.<br />
__. Ler e Dizer: Compreensão e comunicação do texto escrito. São Paulo: Cortez, 1999.<br />
BRUNER, Jerome. "Ingresso no Significado". In: Atos de Significação (Cap. 3). Porto Alegre: Artes<br />
Médicas, 1997.<br />
CORTELLA, Mário Sérgio. A Escola e o Conhecimento. São Paulo: Cortez: Instituto Paulo Freire,<br />
FREIRE, Paulo. A Importância do Ato de Ler: em três artigos que se completam. São Paulo:<br />
Autores Associados/Cortez, 1986.<br />
GOULEMOT, Jean Marie. Da Leitura como produção de sentidos. In: CHARTIER, Roger (org.).<br />
Práticas da Leitura. São Paulo: Estação Liberdade, 2001.<br />
MORAIS, Regis (org.). Sala de Aula: Que espaço é esse? Campinas, SP: Papirus, 1986.<br />
PRADO, Janson e CONDINI, Paulo (Org.). A formação do leitor: pontos de vista. Rio de Janeiro:<br />
Argus, 1999.<br />
PERROTTI, Edmir. "Infância, Cultura e Leitura". In: Confinamento Cultural, Infância e Leitura.<br />
São Paulo: Summus, 1990.<br />
______. Leitores e ledores e outros afins. In: Prado, Janson e Condini, Paulo (org.). A formação do<br />
leitor: pontos de vista. Rio de Janeiro: Argus, 1999.<br />
TAVEIRA, Adriano S. N. A sala de aula - lugar da vida? In: Sala de aula, que espaço é esse?<br />
Campinas, SP: Papirus,1986.<br />
ZILBERMAN, Regina (org.). Leitura em Crise na Escola: As alternativas do Professor. Porto<br />
Alegre: Mercado Aberto, 1982.<br />
NOTA:<br />
1Especialista em Educação, licenciada em Pedagogia pela FEUSP, ex-Coordenadora<br />
Pedagógica e Supervisora de Ensino, membro da equipe de pesquisa em infoeducação,<br />
coordenada pelo Prof. Dr. Edmir Perrotti, da ECA/USP.<br />
2 Freire, Paulo. A importância do ato de ler. São Paulo: Cortez, 1986<br />
3 Perrotti, Edmir. Ledores, leitores e outros afins. In: Prado, Jason e Condin, Paulo (org.). A<br />
formação do leitor: pontos de vista. Rio de Janeiro: Argus, 1999.<br />
<strong>ESPAÇOS</strong> <strong>DE</strong> <strong>LEITURA</strong>. 35 .
PROGRAMA 3<br />
<strong>ESPAÇOS</strong> <strong>DE</strong> <strong>LEITURA</strong>: SALAS <strong>DE</strong> <strong>LEITURA</strong>/BIBLIOTECAS ESCOLARES<br />
Espaços de leitura dialógicos<br />
Cibele Haddad Taralli 1<br />
Toda leitura acontece num espaço e este não é vazio nem de matéria, nem de significados.<br />
Constituído de variadas formas, volumes, desenhos, cores, texturas, materiais, linguagens e de<br />
técnicas construtivas, o espaço, seja qual for, mantém relações físicas e simbólicas com a leitura,<br />
tornando-se parte integrante dela. Daí que pensar em tais relações torna-se essencial, já que não só<br />
aprendemos a ler em lugares especialmente destinados a tais processos, como praticamos a leitura<br />
em múltiplos espaços, alguns dos quais apreciamos, outros nem tanto, provocando desinteresse e<br />
falta de motivação.<br />
É no espaço e no tempo que vivenciamos as experiências cotidianas, as trocas interpessoais, o<br />
aprendizado e o conhecimento, o trabalho, a brincadeira, a leitura. E estas relações do homem com<br />
o espaço fazem parte de um longo processo de experiências e descobertas. Se, desde o início dos<br />
tempos, quando o homem sentiu necessidade de proteção em relação às forças da natureza, o espaço<br />
desempenhou um papel fundamental à sua sobrevivência, foi somente com as conquistas, os<br />
avanços e desenvolvimento técnico e material que o espaço foi ganhando novos significados e<br />
conquistando importância sociocultural e simbólica. Um dos primeiros registros encontrados na<br />
história remonta aos abrigos disponíveis na natureza. As grutas e cavernas dos nossos ancestrais<br />
testemunham este uso e domínio, representando as primeiras relações humanas com o espaço<br />
delimitado e configurado. Nelas, todavia, os pictogramas gravados na pedra já marcam de forma<br />
indelével a ação de apropriação física do espaço, conjugada à outra, de natureza simbólica. Se as<br />
paredes de pedra serviram como abrigo, serviram também como suporte para o desenho, gesto<br />
representativo da escrita naquele momento. Foram alguns dos primeiros espaços de leitura e escrita<br />
desenvolvidos de modo intencional pela espécie.<br />
A evolução dos tipos de espaços deu saltos fantásticos, com a história da humanidade: do abrigo à<br />
habitação, do campo às cidades, o homem moldou e construiu lugares diferenciados e<br />
diversificados. Com a evolução das técnicas, dos recursos e ofícios de construção, da descoberta e<br />
<strong>ESPAÇOS</strong> <strong>DE</strong> <strong>LEITURA</strong>. 36 .
do desenvolvimento dos materiais, a especialização do espaço assumiu diversas configurações<br />
físicas e estéticas, acompanhando demandas e características socioculturais das sociedades,<br />
conferindo identidade e significado aos ambientes por elas constituídos.<br />
Cada cultura, em cada época, constrói referências espaciais e ambientais que a identificam: os<br />
jardins japoneses, as cidadelas medievais, os casarios coloniais brasileiros são alguns exemplos.<br />
Nesses lugares, crianças, jovens e adultos se reconhecem funcional, afetiva e culturalmente, por<br />
meio de experiências efetivas, de relações diretas, de narrativas, de imagens e eventos individuais,<br />
grupais ou coletivos. Vários mecanismos mentais e concretos acumulam, desse modo, registros na<br />
memória, relacionados ao espaço, a seus usos e apropriações. O papel do espaço, então, é essencial<br />
às relações que mantemos com o mundo: por meio das ações humanas, os lugares ganham<br />
expressão e significado, tornando-se parte de nossas vidas e histórias. Neles, são acumulados<br />
experiências, afetos e aprendizados - histórias e história.<br />
Daí que, dependendo das experiências, podemos manter tanto relações de familiaridade com os<br />
lugares, como de estranhamento, indiferença ou repulsa, variando tais sentimentos em função das<br />
ocorrências e dos sentimentos em nós despertados. O tempo da memória e o tempo das experiências<br />
atuam sobre o espaço, imprimindo-lhe marcas indeléveis.<br />
Em conseqüência, os leitores mantêm relações com os ambientes em que lêem, mesmo que tais<br />
relações não sejam mecânicas, automáticas, em linha direta. Eles estabelecem vínculos simbólicos,<br />
afetivos e psicológicos com os lugares em que atuam, reconhecidos nos elementos que os<br />
compõem, como os sinais ou elementos de comunicação e informação, a paisagem, a construção, a<br />
organização, o arranjo e a ambientação internos, as cores, texturas e cheiros. Quem não se lembra<br />
de situações, de cenários antigos, mas que ainda guardam sensações de extrema alegria e bem-estar<br />
presenciadas durante uma leitura de um conto, onde o espaço e o tempo são registrados na memória<br />
com toda a nitidez: aquela poltrona com braços, no canto da sala de estar, ao lado da janela<br />
atravessada pelo raio de sol do fim da tarde... Ah, as cores pastéis refletidas na parede em frente...<br />
Apoiado em experiências como estas, o leitor elege, qualifica o espaço como local de leitura, numa<br />
experiência única, pessoal. O espaço, seus componentes físicos, construtivos e ambientais, suas<br />
relações internas e externas, seus componentes simbólicos ganham sentido particular, incorporando-<br />
se ao ato de ler, à própria leitura. O mundo concreto e o subjetivo vinculam-se, promovendo<br />
<strong>ESPAÇOS</strong> <strong>DE</strong> <strong>LEITURA</strong>. 37 .
identidade ao lugar e ao sujeito.<br />
Além disso, outro tipo de qualificação importante, de natureza relacional, está diretamente<br />
vinculado às condições do espaço. Trata-se do desenvolvimento de relações interpessoais,<br />
responsáveis pela construção de vínculos sociais e culturais marcantes e que podem ser facilitados<br />
ou não pela configuração espacial.<br />
Contudo, a consciência da importância do papel desempenhado pelo espaço nas práticas educativas<br />
e culturais nem sempre é nítida e valorizada. Ainda hoje é difícil reconhecer a importância<br />
fundamental do espaço nos atos de leitura. Tratados como acessórios, simples recursos de apoio, os<br />
lugares de leitura são minimizados nas políticas e nas práticas educativas e culturais, apesar de<br />
concorrerem, em igualdade de condições, com outros aspectos na sua qualificação.<br />
A necessidade de transformação de tal quadro obriga-nos a pensar com seriedade na questão e, por<br />
outro lado, a reconhecer os inúmeros aspectos nela implicados. Assim, é necessário pensar, por<br />
exemplo, nos conceitos de espaço a serem utilizados, nas diferentes categorias de público que<br />
deverão freqüentá-los, na diversidade de materiais, de recursos tecnológicos e financeiros<br />
disponíveis, nas características territoriais, socioeconômicas e culturais múltiplas, nas diferentes<br />
demandas e necessidades de alunos, professores, programas de ensino.<br />
Nesse sentido, convém lembrar que o espaço estrutural, estratégico e importante é aquele do qual o<br />
leitor se apropria, concebido e materializado através de recursos construtivos adequados ao<br />
estabelecimento de relações e processos de identidade físicos e perceptivos. Ele não é, e não pode<br />
ser, repetitivo, burocrático, mas desafiador e, ao mesmo tempo, acolhedor: "um lugar bom de se<br />
ficar, de ler, se aprender, de se relacionar". Quando tratamos de espaço, especialmente dos<br />
educativos, dos escolares, não é difícil concluir que não há um único padrão, nem estético, nem<br />
construtivo, que contemple todas as situações. Os processos gerais de vinculação dos indivíduos ao<br />
espaço ocorrem tanto nos locais pensados e projetados especificamente para educar, como naqueles<br />
projetados para outras funções. Bons espaços de leitura são aqueles em que tais vínculos se<br />
estabelecem, em que a configuração material e a simbólica entram em contato, conversam, criam<br />
trânsito entre si, dialogam.<br />
Os espaços de leitura podem apresentar, assim, diferentes configurações, das domésticas às<br />
<strong>ESPAÇOS</strong> <strong>DE</strong> <strong>LEITURA</strong>. 38 .
públicas, das individualizantes às socializantes, das especializadas às multifuncionais e destas às<br />
inventadas. Importa a natureza dos elos que promovem. Espaços de leitura podem ser essenciais,<br />
tanto dentro de nossas casas, como na escola, tanto destinados a usos individuais, como coletivos.<br />
Sua natureza pode ser especializada, voltada somente à leitura, em diferentes situações, como de<br />
ensino, cultos religiosos, trabalho, vida prática, dentre outras; pode ser também não-especializada,<br />
multifuncional. São os espaços pensados para reuniões e encontros sociais e que são usados também<br />
para atividades de leitura; da mesma forma, há que se lembrar dos importantíssimos espaços<br />
inventados pelos leitores: a sombra de uma árvore, as areias da praia, o ônibus, o metrô, entre<br />
muitos e muitos outros.<br />
Com base na experiência prática da implantação e observação do uso de espaços especialmente<br />
concebidos para a leitura e a formação de leitores, estamos podendo sistematizar algumas<br />
referências técnicas para a criação de espaços de leitura em educação, a partir da implantação de<br />
bibliotecas escolares em diferentes localidades, segundo concepção que trata os espaços de leitura<br />
como lugares de construção de conhecimento e de significados essenciais à vida coletiva e à<br />
constituição dos sujeitos e de suas identidades pessoais e culturais.<br />
Além dos elementos construtivos e estéticos, a qualificação dos espaços de leitura em questão<br />
agregou outros elementos que os distinguem e identificam, como o mobiliário - estantes, armários,<br />
mesas, cadeiras (depois, poltronas e sofás) - elementos que contribuem para desenvolver relações<br />
corporais e simbólicas diferenciadas com esta atividade e tecnicamente, colaborando para<br />
realimentar as referências de dimensionamento destes ambientes.<br />
Ultrapassando as funções funcional e utilitária a que se destina, o mobiliário, materializado em<br />
móveis e equipamentos instalados no espaço, desempenha também outras funções simbólicas,<br />
acionadas através de relações afetivas e de memória com situações vivenciadas ou almejadas: o ato<br />
e a experiência atual de sentar na poltrona de braços confortáveis para ler nos remete a boas<br />
imagens e sensações da infância, ouvindo histórias no colo materno. Da mesma forma, experiências<br />
com implantação de bibliotecas escolares, onde foi utilizado um mobiliário com características<br />
estéticas, formais e de conforto substancialmente diferenciado em relação aos demais utilizados na<br />
escola, reforçam a condição de qualidade e identidade do lugar como espaço de leitura, estreitando<br />
as relações simbólicas com o lugar.<br />
<strong>ESPAÇOS</strong> <strong>DE</strong> <strong>LEITURA</strong>. 39 .
Categorias do espaço<br />
Os espaços de leitura demandam a consideração e a resolução de alguns elementos - funções<br />
essenciais - que o compõem, e favorecem o desenvolvimento das práticas e dinâmicas propostas e<br />
desenvolvidas nas atividades culturais ali realizadas.<br />
Função estética<br />
O primeiro contato com o espaço é, em geral, visual. Através do olhar se processa, primeiramente, a<br />
identificação do ambiente, depois seu reconhecimento. O sentido da visão permite obter impressões<br />
imediatas dos lugares: a escala, o desenho e as proporções; as cores e texturas; o mobiliário e os<br />
equipamentos. Assim, ficam gravadas as primeiras impressões do espaço: "é grande", "a parede é<br />
azul", "o piso, de madeira", "a cadeira é amarela"...<br />
O processo em causa extrapola o ato físico do olhar. Um leitor, por exemplo, junto com tais<br />
percepções, realiza associações mentais, apoiadas no seu repertório cultural, social e econômico.<br />
Ele interpreta, atribui significados, reconhece o lugar. Esses processos perceptivos individuais<br />
constroem imagens mentais apoiadas em repertórios próprios e também culturais, promovendo<br />
juízos de valor que qualificam o lugar: "é feio, bonito, triste, alegre, acolhedor, agressivo, moderno,<br />
antigo"...<br />
Ao mesmo tempo em que aprecia, o leitor identifica o espaço, reconhecendo-o como local de<br />
ensino, de lazer, de brincadeiras, de trabalho, de uso público ou privado, individual ou coletivo<br />
entre tantos, processando as primeiras impressões qualitativas: uma boa biblioteca pública, uma sala<br />
inadequada para as práticas de leitura na escola pública... Isto coloca a importância da concepção<br />
estética na configuração, na proposta, no projeto e na construção dos espaços de leitura para os<br />
diferentes públicos e lugares. Todavia, é preciso ressaltar que a função estética é constituída de<br />
elementos materiais e simbólicos, diferentes para cada cultura. Não se deve, portanto, padronizar,<br />
homogeneizar os espaços, mas sim cuidar para que tenham referências compatíveis com os projetos<br />
educativos em que se inscrevem.<br />
No âmbito dos espaços de leitura para o universo infantil, temos incorporado em nossas<br />
experiências referências estéticas na construção e na ambientação dos espaços, por meio do uso de<br />
<strong>ESPAÇOS</strong> <strong>DE</strong> <strong>LEITURA</strong>. 40 .
formas básicas simples, das cores primárias e suas complementares; da diferenciação de texturas e<br />
materiais; de elementos e volumes construídos que alternam cheios e vazios dinamizando o lugar.<br />
Outras resoluções espaciais incorporam elementos mais complexos, alguns tecnológicos, extraídos<br />
de cenários futuristas onde os novos materiais e recursos eletrônicos comandam uma estética<br />
própria e inerente aos seus processos de produção e representação.<br />
Ao se criar um espaço de leitura, é necessário o uso adequado da escala métrica, considerando-se a<br />
antropometria, campo do conhecimento que dispõe sobre as medidas e alcances corporais humanos.<br />
Quando aplicada às proporções e dimensionamento do local, ao posicionamento acertado dos<br />
equipamentos, dos materiais e do mobiliário, à altura dos mecanismos de acesso aos locais,<br />
contribui para reforçar a condição estética e vai além, cooperando para desenvolver as questões de<br />
autonomia, acessibilidade e apropriação do espaço.<br />
Incorporar elementos figurativos na ambientação interna e externa produz efeitos estéticos<br />
marcantes, pois eles associam o lugar às imagens escolhidas, podendo conduzir a boas ou más<br />
experiências educacionais. Isto coloca a importância do uso correto dos elementos de comunicação<br />
no espaço, principalmente se associados a uma marca ou imagem figurativa de grande impacto e<br />
significado cultural para o grupo. A comunicação e a informação no e do espaço compõem<br />
diretamente a função estética, mas contribuem também para conferir significado e qualidade ao<br />
lugar.<br />
O conceito, o projeto e a construção dos espaços de leitura em educação podem e devem, portanto,<br />
buscar a diversidade de composições estéticas, observando, no entanto, um mesmo quadro<br />
conceitual de ordem dialógica que estimula interações e apropriações por seus freqüentadores.<br />
Deve-se, assim, ao invés de espaços padronizados, valorizar-se a diversidade, bem como os<br />
recursos culturais disponíveis.<br />
Para certos grupos jovens, por exemplo, que se identificam com ambientes novos, desafiadores,<br />
provocativos, é fácil ficar à vontade frente às novas tecnologias de informação e comunicação, a<br />
equipamentos, materiais e formas inéditos inseridos na construção. A estética dos espaços<br />
informais, irreverentes, futuristas e tecnológicos encontra identidade nestes casos.<br />
Esta situação, entretanto, não se constitui em regra, pois se estes padrões se aplicam em alguns<br />
<strong>ESPAÇOS</strong> <strong>DE</strong> <strong>LEITURA</strong>. 41 .
espaços - nas grandes cidades, por exemplo - em outros, poderão não servir. Em áreas isoladas e de<br />
difícil acesso, onde faltam recursos de várias ordens, a configuração estética adquire um<br />
compromisso de identidade e funcionalidade com o lugar ainda mais estratégica. Contudo, usar<br />
somente os elementos construtivos e simbólicos disponíveis no local poderá acarretar também perda<br />
de oportunidade de diferenciação, de criação de novos e necessários padrões, tudo dependendo das<br />
condições concretas consideradas. A diversidade, insistimos, deve ser estimulada, como critério<br />
estético em ambientes educativos, onde devem reinar a motivação, o interesse, a vontade de<br />
permanência e a identificação.<br />
A funcionalidade<br />
Públicos ou privados, individuais ou coletivos, os espaços de leitura abrigam funções claras e<br />
objetivas, que têm como pressuposto sua viabilidade, portanto, o compromisso de funcionar. Este<br />
atributo está relacionado com uma série de fatores, como a configuração física e estética, mas,<br />
sobretudo, com o projeto, a proposta social, educativa e cultural para o lugar.<br />
A função individual, representada, por exemplo, pela leitura em casa ou no ambiente de trabalho,<br />
pressuporia condições físicas e de mobiliário projetadas para tanto. No entanto, nem sempre isso<br />
acontece. Ao contrário, quem já não leu um jornal na mesa da cozinha? Ou ainda, algum texto<br />
deitado na cama? Quantos de nós não passamos algum tempo lendo na sala de espera de um médico<br />
ou de um dentista?<br />
Mesmo sem serem programados para tal fim, muitas vezes as condições desses ambientes não-<br />
especializados são funcionais, acolhedoras, favorecendo a leitura. Mas muitas vezes não o são,<br />
implicando perda de funcionalidade. Já nos espaços projetados especialmente para a leitura, tal fato<br />
não deve ocorrer. O compromisso funcional é fundamental. Bibliotecas, salas e cantos de leitura em<br />
escolas e instalações culturais têm de ser adequados aos fins a que se destinam, pois constituem<br />
referência não só para as atividades ali desenvolvidas, mas para a própria identidade do lugar, do<br />
serviço prestado e dos sujeitos que ali circulam.<br />
Os parâmetros de funcionalidade diferem de cultura para cultura. As construções que adotam os<br />
princípios da arquitetura moderna acatam a regra de que "a forma segue a função". Assim,<br />
identifica-se uma relação direta entre a proposta pedagógica, cultural e de funcionamento, com o<br />
<strong>ESPAÇOS</strong> <strong>DE</strong> <strong>LEITURA</strong>. 42 .
desenho e a organização do espaço. Os espaços e seus materiais tendem a ser facilmente<br />
localizáveis: ali nas estantes ordenadas em fila, está o acervo; mais adiante, a mesa para consulta e<br />
pesquisa. O funcionamento do lugar reflete o próprio conceito do projeto. Alguns exemplos<br />
importantes de bibliotecas universitárias, como a da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP,<br />
seguem este princípio de identidade total entre a arquitetura, a forma e a funcionalidade.<br />
Outras propostas, apoiadas em propostas pedagógicas e culturais diferenciadas e atuais, demandam<br />
uma relação mais complexa de resolução do espaço e sua funcionalidade, menos evidente à<br />
primeira vista, mas operante com toda a eficiência. Neste caso, códigos simbólicos incorporados<br />
nos elementos estéticos, construtivos e de comunicação do espaço orientam o leitor no uso do<br />
espaço. Como exemplo, colocam-se as Bibliotecas Interativas, propostas por equipe interdisciplinar<br />
sediada na ECA/USP e de que participamos. Os projetos implantados na rede escolar de Ensino<br />
Fundamental em São Bernardo do Campo, de Jaguariúna, de Diadema, em São Paulo, promoveram<br />
espaços diferenciados, fundamentados na concepção da interatividade e dialogicidade que<br />
fundamentam as iniciativas.<br />
A funcionalidade depende de outros requisitos, além da identidade da proposta com o desenho do<br />
espaço. Um deles é o correto dimensionamento do lugar para acolher as práticas culturais e<br />
pedagógicas dos diferentes segmentos de leitores e usuários, além da acomodação e do<br />
posicionamento dos recursos materiais, do mobiliário e dos equipamentos. São condições de<br />
funcionalidade, ainda, a previsão de ambientes de apoio e de serviços, bem como a boa circulação<br />
interna e a facilidade de acessos externos. Todos esses elementos contribuem para a funcionalidade,<br />
para formatar qualitativamente estes lugares.<br />
Tais parâmetros não são fixos, mas dinâmicos e variáveis, principalmente considerando-se as<br />
relações de corporalidade a serem desenvolvidas nos espaços durante as práticas e dinâmicas<br />
culturais. Os processos de identidade se dão após o contato físico, a experimentação, o uso do<br />
ambiente, e são manifestados por meio dos processos de aprovação ou de rejeição.<br />
As relações de conforto<br />
Nesta categoria incluem-se atributos técnicos e especializados que colaboram para facilitar as<br />
sensações de conforto e acolhimento essenciais para a leitura.<br />
<strong>ESPAÇOS</strong> <strong>DE</strong> <strong>LEITURA</strong>. 43 .
Dia ou noite, frio ou calor, as condições climáticas impõem condições físicas, sensíveis, que<br />
apontam para a necessidade de resolução de diferentes necessidades ambientais.<br />
A iluminação, a ventilação e a acústica constituem alguns elementos que podem ser controlados em<br />
ambientes fechados como as salas, os meios de transporte, os espaços para exposição, entre outros,<br />
ou mesmo no caso de ambientes abertos, como varandas, praças e jardins.<br />
Nos espaços fechados, as aberturas laterais (portas e janelas) ou aberturas na cobertura ("domus e<br />
lanternins") possibilitam o aproveitamento da luz e da ventilação naturais com eficiência, condição<br />
essencial para a obtenção de um lugar favorável e agradável. Ler num canto escuro e abafado não<br />
traz tão boa lembrança quanto ler ao lado de uma janela ampla, com ventilação suave e visibilidade<br />
para um jardim. Já neste último cenário, contar com a incidência solar direta sobre o livro pode<br />
provocar efeito contrário: o ofuscamento obtido pela reflexão da luz solar no plano do texto e o<br />
calor excessivo anulam o efeito anterior de conforto, provocando irritação, sono...<br />
Existem disponíveis alguns dispositivos construtivos de controle dos níveis de ventilação e<br />
iluminação naturais que, corretamente dimensionados e posicionados, corrigem os efeitos<br />
indesejáveis, resgatando a condição de conforto. Uns mais sofisticados, de instalação externa à<br />
construção (os brises-soleils), outros mais simples (os beirais, pergolados, cobogós, toldos, ou<br />
ainda a vegetação de médio ou grande porte, corretamente localizada em frente à janela), podem<br />
resolver esses efeitos. Alguns, de instalação interna no ambiente, também cumprem esta função<br />
(persianas e cortinas), embora com menor eficiência, pois dificilmente eliminam o calor do sol.<br />
Na impossibilidade de usar as condições naturais, a instalação de dispositivos de iluminação e<br />
ventilação artificiais alcança eficiência, quando calculados e projetados para a atividade destinada -<br />
o conhecimento técnico disponível sobre estes requisitos permite dimensionar e calcular<br />
corretamente os valores quantitativos e qualitativos que orientam o projeto e a instalação deste<br />
mecanismo. Equipamentos simples, como ventiladores e exaustores, que não produzam ruído<br />
durante o uso, e aparelhos de iluminação adequados a cada função dentro do espaço, proporcionam<br />
condições facilitadoras e confortáveis para a leitura, colaborando para construir relações afetivas e<br />
simbólicas com o lugar.<br />
Outro fator a considerar é a acústica. Se a imagem de silêncio absoluto associada às características<br />
<strong>ESPAÇOS</strong> <strong>DE</strong> <strong>LEITURA</strong>. 44 .
das bibliotecas medievais ou mesmo de algumas em funcionamento está se alterando, o controle dos<br />
níveis de ruído deve ser considerado, já que qualquer excesso produz dispersão individual ou<br />
coletiva, condição que compromete não só a concentração, como também a sensação de conforto.<br />
A atividade de leitura individual demanda concentração, situação dificultada em ambientes<br />
barulhentos. Nas atividades coletivas, o controle sonoro do ambiente é também fundamental, pois<br />
só a movimentação do grupo dentro do espaço já provoca ruído suficiente para despertar o mais<br />
concentrado dos leitores.<br />
O controle sonoro necessita voltar-se tanto para os ambientes internos quanto para os externos. Daí<br />
a importância de considerar as configurações, os materiais, as superfícies construtivas (há aquelas<br />
que não absorvem os sons, como no caso do concreto armado) nos ambientes internos; quanto aos<br />
externos, é preciso considerar inúmeros elementos, alguns aparentemente insignificantes, mas<br />
extremamente desconfortáveis como, por exemplo, campainhas que soam ao lado da sala de leitura.<br />
Algumas superfícies, como os tecidos, carpetes e outros revestimentos de parede, piso e forro, com<br />
características próprias para a absorção do som, podem minimizar os efeitos do excesso de ruídos<br />
internos no ambiente. Podem , entretanto, provocar respostas contrárias aos objetivos desejados, ao<br />
provocarem reações físicas adversas, como as alergias decorrentes do uso de certos tipos de<br />
carpetes. Por outro lado, há materiais que absorvem os ruídos, mas são de difícil manutenção e<br />
limpeza, provocando problemas de saúde igualmente importantes.<br />
No entanto, sejam quais forem as condições financeiras para a implantação de espaços de leitura, é<br />
preciso pensar em alternativas de projeto e desenho acessíveis, que considerem a questão do<br />
barulho. Com recursos financeiros disponíveis, uma gama significativa de revestimentos de pisos<br />
(como os emborrachados e as mantas vinílicas), além de forros acústicos, ajuda no controle sonoro<br />
do ambiente. Em situações em que não há tais recursos, é preciso que se discuta a questão, a fim de<br />
se encontrar soluções que, sem onerar o projeto, permitam ao leitor usufruir condições acústicas<br />
compatíveis com o ato de ler. Condições que, evidentemente, variam de leitor para leitor, mas que<br />
exigem um mínimo de qualidade sonora, já que este, como os demais atributos mencionados<br />
anteriormente, colabora para construir relações de identidade do leitor com os espaços, fomentando<br />
relações educativas e culturais com a leitura.<br />
NOTA:<br />
<strong>ESPAÇOS</strong> <strong>DE</strong> <strong>LEITURA</strong>. 45 .
1 Arquiteta, Professora de Graduação e Pós-Graduação, da Faculdade de Arquitetura e<br />
Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAU/USP); responsável pelos projetos<br />
arquitetônicos e mobiliário das bibliotecas escolares interativas, desenvolvidos pelo grupo de<br />
Informação e Educação, sediado na ECA/USP; pesquisadora de espaços educativos e<br />
culturais.<br />
<strong>ESPAÇOS</strong> <strong>DE</strong> <strong>LEITURA</strong>. 46 .
PROGRAMA 4<br />
<strong>ESPAÇOS</strong> <strong>DE</strong> <strong>LEITURA</strong> ARTICULADOS: A ESCOLA, A CASA, A<br />
COMUNIDA<strong>DE</strong><br />
Formação de leitores, espaço de leitura e comunidade<br />
Rose Mara Gozzi 1<br />
"A leitura do mundo precede sempre a leitura da palavra e a leitura desta implica a continuidade<br />
daquela" (Paulo Freire).<br />
Ao iniciar a elaboração deste texto, refletindo sobre formação de leitores, espaços de leitura e<br />
comunidade, diversas imagens retornam à minha mente. Uma delas me reconduz às ruas da Vila<br />
Madalena, em São Paulo, num certo dia em que eu, por ali, caminhava; de repente, uma cena pouco<br />
comum chamou a atenção de muitos pedestres e motoristas: debaixo de uma carroça repleta de<br />
papéis e papelões, entre a avenida e a calçada de pedestres, estava deitado o seu condutor, com as<br />
pernas cruzadas, lendo um jornal. O que teria atraído a atenção do homem, dentro dos noticiários?<br />
Seria um hábito seu a leitura de jornais recolhidos? Que imagem diferente de momento de leitura<br />
ele apresentou aos que notaram sua presença - no espaço público, uma leitura silenciosa, numa<br />
posição corporal de descontração!<br />
Diferentes espaços escolhidos para leitura podem dar margem a cenas inusitadas: leitura no<br />
banheiro com direito a escolhas dentro de um pequeno revisteiro, leitura durante o banho... Será que<br />
isso é possível? Para um leitor voraz, não há obstáculos: eu soube do caso de um professor que,<br />
para proteger o livro a ser lido durante o banho, criou uma engenhoca, ou melhor, uma capa de<br />
chuva para livros, com ganchos e plástico.<br />
Bem, com certeza você também já viu, ou mesmo escolheu, espaços diversos e formas diferentes<br />
para a realização das inúmeras possibilidades de leitura.<br />
Espaços para leitura são tão importantes que até mesmo livrarias, locais de consumo, vêm<br />
repensando seus espaços, propiciando ambientes acolhedores e aconchegantes para que crianças e<br />
<strong>ESPAÇOS</strong> <strong>DE</strong> <strong>LEITURA</strong>. 47 .
adultos possam manusear os livros, antes mesmo de comprá-los. E como estarão organizados os<br />
espaços e tempos para leitura nas escolas, instituições que têm um compromisso fundamental com a<br />
formação de leitores?<br />
A esse respeito, muitas questões podem ser colocadas. Aonde os livros estão acondicionados? Será<br />
que as crianças têm o direito de tocá-los? Têm possibilidades de escolhê-los? Haverá uma idade<br />
preestabelecida para manuseio de livros? Qual o papel do educador no processo de formação de<br />
leitores?<br />
Além disso, dentro do quadro de interesses da comunidade escolar e extra-escolar, como a escola<br />
vem participando da formação de leitores, assegurando direitos de compartilhar saberes e suas<br />
experiências, integrando-se como elemento essencial dentro de um processo educativo mais<br />
amplo? A escola tem rompido com a visão mecanicista da leitura e com o confinamento da<br />
instituição educativa? Tem estimulado o trânsito entre a palavra e o mundo e o mundo e a palavra?<br />
Essas formulações são de fundamental importância quando se discutem temas ligados à leitura.<br />
Leitura de mundo e leitura de palavras constituem necessidades tão básicas que não se pode abrir<br />
mão dessa forma de estar no mundo.<br />
Um olhar sobre a instituição escolar brasileira aponta uma tradição educacional em que o<br />
isolamento e confinamento se fazem presentes. Muitas propostas pedagógicas revelam um<br />
desrespeito ao potencial humano das crianças, propondo rotinas rígidas e isolando a instituição<br />
educativa dos diversos espaços públicos, restringindo as possibilidades de ampliação de leituras de<br />
mundo por parte das crianças. Tal fato repercute fora dos limites da escola, contribuindo para o<br />
empobrecimento cultural do país. Se a escola tem o compromisso com a formação de leitores de<br />
mundo e de palavras, como intervir em atuações pedagógicas confinadoras em sua essência?<br />
Demonstrar caminhos e possibilidades para transformar essa realidade é um verdadeiro desafio.<br />
Para isso, cabe discutirmos como se concebe o ato de leitura. "É preciso saber se o objetivo é<br />
formar consumidores da escrita, meros usuários do código verbal, ou seres capazes de imprimir suas<br />
marcas aos textos que lêem, estabelecendo com eles um diálogo vivo e único cujo horizonte não é<br />
apenas a busca de respostas, mas também a formação de novas indagações" (Perrotti - ver<br />
bibliografia).<br />
<strong>ESPAÇOS</strong> <strong>DE</strong> <strong>LEITURA</strong>. 48 .
Há anos, acreditava-se que, para se tornar um leitor era necessário aprender primeiro os códigos<br />
alfabéticos; somente depois disso o sujeito leria. Essa concepção imperou nas nossas escolas,<br />
proporcionando uma escrita sem vida, desconectada da realidade das crianças e do mundo infantil.<br />
Infelizmente, ainda encontramos práticas de leitura que desrespeitam o potencial humano das<br />
crianças. Pesquisas foram relevantes ao questionar essa forma de inserir o sujeito na cultura escrita,<br />
e afirmar que só se aprende ler, lendo, ou melhor, vivendo intensamente.<br />
Desse modo, há necessidade de se perguntar: o que queremos promover nas escolas - hábitos de<br />
leitura ou o ato de ler? Na tentativa de nos ajudar a responder, vamos buscar a diferenciação.<br />
"(...) a decifração mecânica de sinais é atividade totalmente diversa da ação voluntária sobre a<br />
linguagem implicada no ato de ler. Hábitos estão ancorados na repetição mecânica de gestos; atos,<br />
na opção, no exercício da possibilidade humana de articular o agir ao pensar, ao definir, ao<br />
escolher” ( Perrotti, 1999, p. 33).<br />
Se defendemos o diálogo com os textos lidos, a criação e recriação dos escritos, de forma crítica e<br />
participativa, o processo de inserção na cultura escrita deve ocorrer desde muito cedo na vida da<br />
criança, de forma a não torná-la um mero receptor.<br />
Ler é uma forma de relação com o mundo, consigo mesmo e com outros modos da cultura escrita,<br />
um processo que atribui sentido à vida, um ato de desconfinamento. Não se lê, portanto, apenas<br />
dentro da escola.<br />
Nesse sentido, intervir nas práticas pedagógicas confinadoras é necessário, pois a<br />
contemporaneidade exige interação entre as instituições de Educação e demais instituições públicas<br />
disponíveis na cidade, de forma a promover novas relações com o conhecimento, a leitura, a<br />
informação e a cultura.<br />
Muitas propostas vêm sendo desenvolvidas nessa direção. Uma delas foi viabilizada na Creche/Pré-<br />
Escola Oeste Coseas USP e representa uma vivência prática, sinalizadora de caminhos para<br />
aproximar a comunidade escolar e extra-escolar da cultura escrita.<br />
A Creche/Pré-Escola Oeste Coseas - USP mantém estreitas relações com a comunidade em que está<br />
<strong>ESPAÇOS</strong> <strong>DE</strong> <strong>LEITURA</strong>. 49 .
inserida desde a sua origem. A história das creches na Universidade, da qual a Creche/Pré-Escola<br />
Oeste é parte integrante, iniciou-se a partir da busca da comunidade por um espaço para seus filhos.<br />
A reivindicação por creches, na Universidade de São Paulo, data de 1965. Nessa ocasião, um grupo<br />
de funcionários da Reitoria encaminhou um pedido formal ao Reitor, solicitando "um espaço para<br />
deixar seus filhos, durante a jornada de trabalho". Não conseguiu ser atendido, mas despertou, na<br />
comunidade, principalmente entre as mulheres, a necessidade da luta por uma creche. Em 1975,<br />
uma famosa e histórica passeata de bebês, em frente ao prédio da Reitoria, organizada por um grupo<br />
de mães da comunidade, culminou na formação de um grupo para a implantação do primeiro espaço<br />
para crianças pequenas do campus chamada Creche/Pré-Escola Central, inaugurada em 1982,<br />
portanto 17 anos depois da primeira reivindicação.<br />
A conquista pelo espaço da Creche/Pré-Escola Oeste no campus da Universidade também se deu<br />
após diversas reivindicações da comunidade. Em abril de 1986, a COSEAS inicia o atendimento a<br />
25 crianças, filhas dos funcionários somente da Prefeitura da Cidade Universitária, num pequeno<br />
prédio ao lado da Unidade. No ano de 1990, a creche ganha um novo prédio para atender a 110<br />
crianças, dependentes de funcionários, docentes e estudantes de todas as unidades da Universidade,<br />
e passa a se chamar "Creche Oeste".<br />
Garantido o espaço físico e a infra-estrutura para o funcionamento da Creche/Pré-Escola Oeste,<br />
iniciou-se a construção da proposta pedagógica à luz de uma concepção de Creche aberta. Essa<br />
concepção propiciou que a comunidade intra e extra Creche pudesse participar ativamente desse<br />
processo educativo. Assim, ao mesmo tempo em que a comunidade educa, ela também se educa.<br />
Assumindo, portanto, uma postura de desconfinamento cultural, a Creche/Pré-Escola Oeste foi<br />
compondo na sua proposta pedagógica projetos inovadores. Dentre eles destacamos: o Projeto de<br />
trabalho desenvolvido pelas educadoras e a "Oficina de Informação" idealizada pelo PROESI<br />
(Programa Serviço de Informação em Educação) em parceria com a Divisão de Creches Coseas<br />
USP. O detalhamento de tais trabalhos, a seguir, poderá servir como um caminho inspirador, a ser<br />
repensado por todos aqueles envolvidos com questões educacionais e culturais.<br />
O projeto de trabalho<br />
<strong>ESPAÇOS</strong> <strong>DE</strong> <strong>LEITURA</strong>. 50 .
O projeto de trabalho, iniciativa que reúne e articula diferentes ações, é considerado um dos<br />
principais veículos didáticos envolvendo pais, educadores, funcionários e comunidade do entorno,<br />
cuja duração varia em consonância com a faixa etária e interesse das crianças e o contexto no qual<br />
estão inseridas; possibilita resolução de problemas ocorridos dentro e fora da sala de atividades ou<br />
da escola.<br />
Na Creche/Pré-escola Oeste cada grupo decide com as educadoras os assuntos a serem pesquisados<br />
no projeto. As crianças buscam as informações em fontes vivas: museus, parques, centros culturais<br />
e em vários dispositivos tais como vídeos, livros, revistas, internet, entre outros. Privilegiam-se<br />
situações reais.<br />
É muito interessante observar as crianças circulando por toda parte da Creche e no entorno, durante<br />
o percurso de um determinado projeto, procurando pequenos animais no pátio: tatu-bolas, minhocas<br />
e formigas; convidando a secretária para participar do plantio das hortaliças; observando a borboleta<br />
sair do casulo; revolvendo o resíduo orgânico com o zelador; montando aquário seguindo um<br />
manual de instrução, entrevistando pesquisadores e funcionários; buscando informações em livros<br />
científicos e na internet; conhecendo os museus, visitando estúdios e editoras; comprando gibis em<br />
bancas de jornal, enfim, se relacionando com o mundo que as cerca de uma forma ativa e<br />
participativa.<br />
No percurso do projeto as crianças têm a possibilidade de expressar seus conhecimentos, suas<br />
buscas, hipóteses, descobertas, vivências, emoções e sentimentos, utilizando várias linguagens;<br />
seus trabalhos são expostos no saguão da Creche para que pais, funcionários e visitantes possam<br />
contemplá-los e valorizá-los.<br />
Ao terminar um determinado projeto, alguns momentos são registrados em uma pasta-memória,<br />
contendo fotos, legendas, autores e co-autores e ilustrações das crianças. Assim, além das<br />
lembranças, a Creche tem registros concretos que servem de referência às educadoras de outros<br />
grupos, com a divulgação do trabalho e a possibilidade de as crianças, e também os funcionários,<br />
evocarem os momentos significativos vividos. Desta forma, a identidade do grupo vai se<br />
constituindo a partir do momento em que todos se vêem nesse processo dinâmico, representado nas<br />
pastas-memória e nos diferentes espaços da comunidade.<br />
<strong>ESPAÇOS</strong> <strong>DE</strong> <strong>LEITURA</strong>. 51 .
A Oficina de Informação<br />
O outro projeto inovador que aqui destacamos, diretamente relacionado às questões da leitura,<br />
compreendida como ação articuladora das relações instituição educativa e comunidade, é a Oficina<br />
de Informação, espaço de informação e cultura instalado no ano de 1993 na então Creche Oeste.<br />
Realizado em parceria com a Escola de Comunicações e Artes da USP, desde seu pontapé inicial o<br />
projeto foi pensado como forma de estimular vínculos diversos para a promoção da leitura e a<br />
formação de leitores, da mesma forma que sugerir caminhos para a objetivação da compreensão de<br />
que a leitura é um ato sociocultural por excelência e, como já dissemos, só ganha significado pleno<br />
no mundo, no trânsito entre a escrita e a vida coletiva, grupal e social. Por vislumbrar um novo<br />
paradigma de biblioteca, capaz de aproximar os dispositivos de leitura e de informação da<br />
sociedade, uma vez que identificava um fosso entre biblioteca e sociedade no <strong>Brasil</strong>, o projeto<br />
inscrevia-se, desde suas premissas, em quadros conceituais que valorizavam as interações sociais<br />
em todos os seus aspectos.<br />
A implantação do projeto demandou transformações físicas na Creche Pré-Escola Oeste. Dentre<br />
elas, a reorganização de uma pequena sala de 3 metros por 6 no andar superior - espécie de sótão -<br />
por onde as crianças não circulavam. Único espaço disponível, apesar de pequeno, o desafio estava<br />
lançado: proporcionar um ambiente estimulante em que os sujeitos pudessem se reconhecer e criar e<br />
recriar cultura nas várias linguagens expressivas.<br />
Destinada a reuniões de trabalho e à guarda de inúmeros materiais que não estavam em uso pela<br />
Creche, a transformação da pequena sala em espaço atraente para acolher histórias orais e escritas,<br />
imagens, sons, cores, memórias, crianças e adultos, a chamada Oficina de Informação foi se<br />
compondo como um ambiente construído coletivamente, de tal forma que, concluída, representou<br />
um forte impacto estético e visual na Creche como um todo. No início, sentia-se que o espaço se<br />
diferenciava dos demais ambientes da Creche. Ele não ostentava recursos excepcionais, mas tinha<br />
uma concepção de fineza de espírito, de cuidado com a educação das crianças, de poesia,<br />
imaginação, beleza e respeito à infância e à toda comunidade da Creche que era impossível não se<br />
desejar estar lá.<br />
Resultado de uma ação coletiva, a implantação da Oficina envolveu diversos segmentos da Creche e<br />
da comunidade: crianças, pais, funcionários, educadores, pesquisadores, bolsistas, voluntários. Para<br />
<strong>ESPAÇOS</strong> <strong>DE</strong> <strong>LEITURA</strong>. 52 .
ealizar o projeto, a USP cedeu o espaço físico, a Divisão de Creche providenciou equipamentos<br />
como <strong>TV</strong>, vídeo e aparelho de som. Mesmo assim, faltavam recursos institucionais e quase todo o<br />
selecionado acervo de aproximadamente 2.000 livros de literatura infantil foi doado pessoalmente<br />
por um dos pesquisadores, bem como foram obtidos por doações outros recursos materiais.<br />
Algumas pessoas trabalharam voluntariamente, criando e confeccionando as almofadas em forma<br />
de bichos e os painéis, para tornar o espaço encantador e aconchegante, como se desejava. Optou-se<br />
pelo tema da floresta como elemento de base para se constituir a ambientação da sala. As<br />
almofadas, os painéis de feltro na parede remetiam assim aos contos de fadas e suas inúmeras<br />
florestas e animais, criando uma atmosfera que fascinava as crianças e toda a comunidade interna e<br />
externa que vinha conhecer o espaço, aberto a visitas, forma esta também de importantes trocas com<br />
a comunidade próxima e distante. Quantas visitas de estudantes, professores, pesquisadores da<br />
própria Universidade e até de Universidades de outros estados brasileiros e do exterior! Não<br />
imaginávamos que aquele pequeno espaço coletivo fosse se abrir para geografias tão distantes...<br />
A Oficina foi constituída e organizada à luz de conceitos que marcavam os espaços de leitura e<br />
informação concebidos pelo grupo de pesquisadores e que encontravam sustentação na ordem<br />
pedagógica da creche: sociabilidade, diversidade cultural, autonomia, ludicidade e afetividade. A<br />
partir da problematização de tais categorias, foram criados procedimentos, definidos processos e<br />
ações, começando pela organização do espaço físico, passando pela seleção e circulação dos livros e<br />
outros materiais, dos recursos informacionais, até a possibilidade de abrir as portas para a<br />
comunidade do entorno.<br />
Inaugurada, a Oficina de Informação foi sendo incorporada às práticas pedagógicas concretas da<br />
Creche, alimentando, principalmente nas educadoras, uma esperança de mudança, visto que a<br />
Creche em seu todo passava por momentos difíceis.<br />
Se as relações entre a Creche e a comunidade eram valorizadas no âmbito interno, convém frisar<br />
que, pela primeira vez na história das Creches da USP, configura-se esse tipo de vínculo estreito<br />
entre pesquisa e serviço, esta verdadeira parceria, em que a creche não é apenas objeto de estudos,<br />
mas parceira de ações, de interrogações, de dúvidas e dificuldades. Nesse sentido, as relações de<br />
parceria, ao mesmo tempo que promovem cooperações, apresentam problemas que necessitam de<br />
tato e de bom senso para serem superados.<br />
<strong>ESPAÇOS</strong> <strong>DE</strong> <strong>LEITURA</strong>. 53 .
Assim, por exemplo, apesar das inúmeras reuniões entre educadores, coordenação, pesquisadores e<br />
bolsistas para funcionamento da Oficina, a parceria apresentou alguns inevitáveis e esperados<br />
descompassos. Um deles: muitas vezes, diante da falta de funcionários, falhava a limpeza da<br />
Oficina, o que feria alguns princípios do projeto. Na dinâmica de funcionamento da Creche não<br />
sabíamos como resolver, de imediato, essa questão que contrariava princípios recomendados pelos<br />
pesquisadores. O ambiente - sua configuração e manutenção - era tido como uma questão essencial<br />
à formação dos leitores. Daí que um mal-estar aparecia, entre a realidade do serviço e os<br />
pressupostos da pesquisa. Quem ceder, o que mudar, onde o certo, o justo, o caminho a seguir?<br />
São válidos os embates entre a comunidade adulta e seus pontos de vista. Todavia, pequenos, aos<br />
olhos das crianças. Com seus interesses indisfarçáveis, suas manifestações e mobilizações<br />
apaixonadas, elas foram demonstrando o significado essencial da Oficina de Informação nas suas<br />
ações, obrigando a que a comunidade adulta, junta, buscasse soluções a eventuais problemas e<br />
diferenças de posições. Que tipo de diferenças será capaz de justificar a fragmentação, o empenho<br />
isolado, se o afeto e o cuidado oferecidos são retribuídos com o mesmo empenho e cuidado por<br />
parte das crianças? Assim, mesmo estando no Ensino Fundamental, muitas crianças retornam à<br />
Creche para rever especialmente dois espaços: o pátio da árvore e a Oficina de Informação. Diante<br />
de tal evidência, a reunião e a cooperação mostram-se como alternativas possíveis e promissoras<br />
aos descaminhos produzidos pelo ensimesmamento, pelo fechamento institucional.<br />
Saber a diferença<br />
Relacionar-se com a comunidade não significa assimilar passivamente seus valores, suas práticas,<br />
suas ações. Ao contrário, a relação deve pautar-se pelo diálogo, pela reflexão, pela negociação dos<br />
valores e das práticas sociais. Um exemplo disso pode ser dado por episódio, envolvendo a Oficina<br />
de Informação, numa atividade em que a Creche/Pré Escola Oeste propõe às crianças no último<br />
grupo de permanência em seu espaço. Assim, estas são levadas a visitar escolas de Ensino<br />
Fundamental para que possam conversar com professores, coordenadores e alunos, satisfazendo<br />
curiosidades e dúvidas, já que no ano seguinte deverão ser transferidos para tais escolas.<br />
Em uma dessas visitas, as crianças perguntaram para a coordenadora pedagógica: "Onde está a<br />
Oficina de Informação?" Ela, evidentemente, não compreendeu. O que seria uma Oficina de<br />
informação? Então, uma das educadoras traduziu: "É um espaço semelhante a uma Biblioteca".<br />
<strong>ESPAÇOS</strong> <strong>DE</strong> <strong>LEITURA</strong>. 54 .
A coordenadora, rapidamente, pegou um molho de chaves e levou o grupo até um local protegido<br />
com grades. Se as crianças ficaram felizes ao se dirigirem para a tão desejada Oficina, logo<br />
expressaram uma grande decepção: "Isso não é Oficina! Não tem almofadas, caixas de livros,<br />
televisão, vídeo..."<br />
A coordenadora da escola tentou argumentar: "Lógico que temos livros, estão nas estantes". As<br />
crianças se dirigiram até elas, mas logo foram advertidas: "Essa não é a estante para idade de<br />
vocês."<br />
Olhares, entre educadores da creche e crianças, expressavam qualquer coisa como "que lástima!".<br />
A partir das vivências na Oficina de Informação e de outros espaços da Creche, as crianças não só<br />
aprendem a usar os livros, a ler, mas apropriam-se de valores culturais e sociais, podendo identificar<br />
quais ambientes respeitam seus direitos: de escolher, expressar-se, trocar, jogar com a realidade,<br />
imaginar e sonhar. Enfim, o direito de ler o mundo de diversas formas e diferentes jeitos.<br />
Mudando espaços físicos e simbólicos: caminhos da cooperação<br />
No diálogo com o espaço da Oficina de Informação, as salas de atividades das crianças de 4 meses<br />
até 6 anos e 6 meses foram se transformando para receber os livros escolhidos mensalmente por<br />
educadores e crianças na Oficina, prática adotada com a finalidade de constituir uma biblioteca de<br />
classe. Fruto, portanto, do trabalho conjunto creche-comunidade, as educadoras passaram assim a<br />
delimitar um espaço nas salas para receber os livros, criando um ambiente acolhedor e<br />
aconchegante que redefinia o espaço educativo. Em algumas salas foram colocados tapetes e<br />
almofadas. Por razões especialmente de saúde e higiene, convém lembrar, devem ser mantidos<br />
sempre irreparavelmente limpos. Daí muitos educadores preferirem os materiais emborrachados, os<br />
tatames, mais fáceis de cuidar, embora sem o calor gostoso do tecido. No novo ambiente, as<br />
crianças podem sentar, deitar, se espalhar, encolher-se, encontrar, enfim, a melhor forma para se<br />
sentirem confortáveis em suas leituras. A corporalidade é elemento essencial e não pode nem deve<br />
ser descuidada nem padronizada, oferecendo diferentes possibilidades. Vale a pena lembrar o<br />
catador de papéis lendo nas ruas da Vila Madalena...<br />
Assim, há crianças que gostam de ler sentadas no chão, outras deitadas, outras ainda ao lado de um<br />
amigo; há as que preferem ler sentadas em bancos, em cadeiras e até no colo, especialmente se são<br />
<strong>ESPAÇOS</strong> <strong>DE</strong> <strong>LEITURA</strong>. 55 .
pequenas e precisam de auxílio, de alguém que leia para elas, que segure o livro, que vire as<br />
páginas...<br />
Hoje, na Creche, existem também tendas de diversos tipos e tamanhos, com fixação no teto do<br />
canto de leitura, dando um clima mágico e ajudando a criar ambientação propícia às crianças. Os<br />
livros, geralmente, estão abrigados em bolsões transparentes fixados na parede, possibilitando o<br />
alcance visual e tátil.<br />
Desde o berçário, as crianças pequenas podem construir uma relação carregada de significados com<br />
o objeto livro. Considerando que os bebês lêem o mundo sensorialmente, as educadoras<br />
organizaram um acervo de livros com materiais resistentes para suportar os toques, as babas, as<br />
brincadeiras, as disputas que ocorrem no dia-a-dia. Adequando-se, portanto, à idade das crianças,<br />
evita-se ter que adverti-las a cada minuto ou mesmo deixá-las sem materiais de leitura.<br />
Ora, tais avanços são fruto de um trabalho coletivo, comum, envolvendo toda a equipe da Creche,<br />
bem como pais, pesquisadores, bolsistas, estudantes, visitantes, crianças do entorno, no projeto<br />
pedagógico da Creche e da Oficina.<br />
São visíveis os resultados do trabalho. Há 12 anos, por exemplo, as crianças, tanto pequenas quanto<br />
grandes, rasgavam e pisoteavam os livros. Agora, ao entrarmos nas salas, podemos contemplar<br />
crianças, independentemente das propostas dos educadores, lendo, trocando, realizando descobertas<br />
a partir dos vários indícios textuais, principalmente as ilustrações. Até os pequenos, ao avistarem<br />
um adulto adentrando o módulo, pegam nas suas mãos, puxam e o levam para o canto da leitura,<br />
pedindo que conte as histórias dos livros escolhidos.<br />
Oficina de Informação e casa<br />
Os livros, CDs e vídeos pertencentes à Creche também circulam nas casas das crianças e<br />
funcionários, proporcionando vínculos entre a comunidade, a Creche e a leitura. O empréstimo<br />
domiciliar é fator fundamental de promoção de vínculos e significa, antes de mais nada, uma atitude<br />
em face da cultura escrita: não isolar o leitor de seu grupo de origem. Ao contrário, trata-se de<br />
estimular a criação de laços por meio do escrito, trata-se de buscar elementos de reunião, de<br />
enraizamento cultural, numa sociedade que tradicionalmente fez da leitura marca da distinção, de<br />
<strong>ESPAÇOS</strong> <strong>DE</strong> <strong>LEITURA</strong>. 56 .
diferenciação, de ruptura: a cultura dos letrados x a cultura dos iletrados.<br />
Quando esse trabalho de empréstimos de livros para casa foi iniciado, alguns problemas de<br />
conservação e de devolução do material apareceram, em que pese o trabalho feito com crianças e<br />
pais sobre a necessidade de se cuidar e devolver materiais que são de todos. Um dos casos mais<br />
delicados ocorreu com a família de um menino de 5 anos, cuja mãe sequer distinguia os signos<br />
escritos e o pai só conseguia assinar seu nome. Ou seja, para a família os livros eram objeto<br />
estranho, de tal forma que voltavam rasgados e riscados para a Creche. Depois de uns 10 livros<br />
danificados, resolvemos tentar uma solução, inadequada como percebemos depois. Chamamos o pai<br />
para podermos compreender melhor o que se passava e tentar ajudar. Talvez por inabilidade de<br />
nossa parte, o pai tenha se sentido constrangido. O livro não era um valor importante para ele e,<br />
assim, ele proibiu a entrada de livros em sua casa. O que fazer diante do impasse?<br />
Em primeiro lugar, é preciso admitir conflitos. Como dissemos anteriormente, ele é inerente ao<br />
processo de relacionamento entre partes com objetivos comuns, mas com repertórios e modos de<br />
agir e pensar extremamente diversificados. Em segundo lugar, é preciso fazer auto-exame e<br />
verificar onde está a dificuldade, diagnosticá-la. Imagine um médico sem capacidade de<br />
diagnosticar nossos problemas de saúde. As relações com a comunidade devem, pois, ser objeto de<br />
análise, de reflexão, de questionamentos e redirecionamentos. Foi o que fizemos.<br />
Em discussão do problema em equipe, o coordenador científico do projeto fez uma observação<br />
bastante relevante para todos: sem o sujeito, sem o leitor, não há leitura. Se é preciso cuidar dos<br />
materiais, dos livros, não há leitura sem leitor, não é possível substituí-lo, nem reeditá-lo. Assim,<br />
obtido consentimento do pai, o menino continuou a levar os livros para casa, bem como suas irmãs,<br />
que também freqüentavam a Creche/Pré-Escola Oeste. Depois de um curto tempo, a situação-<br />
problema nunca mais se repetiu.<br />
Além disso, introduzimos uma política de reposição e ampliação de livros na Creche, vitória<br />
fantástica para um grupo que começara uma ação com livros, apesar de selecionados<br />
criteriosamente, doados. Em outras palavras, a mobilização em favor da Oficina criara novas<br />
prioridades e novas práticas na Creche e na comunidade que a rodeia.<br />
Atualmente, as crianças transportam os livros para casa em uma sacolinha de pano que propicia<br />
<strong>ESPAÇOS</strong> <strong>DE</strong> <strong>LEITURA</strong>. 57 .
transporte fácil e ao mesmo tempo cuidadoso. No último ano das crianças na Creche, elas recebem a<br />
sacolinha como lembrança. Quem sabe, ao olhá-la ou tocá-la, poderão evocar momentos<br />
significativos que viveram, prolongando-os e refazendo-os pela vida afora.<br />
A visita de uma escola de Educação Infantil, da favela São Remo, à Oficina de Informação,<br />
permitiu que uma menina nos contasse da importância dos empréstimos domiciliares - que podem e<br />
devem se estender para a comunidade: "Aqui nessa creche fica o meu primo, eu já li vários livros<br />
que ele trouxe da creche para minha casa".<br />
Um dia, fomos abordadas por uma mãe, pedindo uma lista de livros de que as crianças gostassem<br />
muito. Os espaços de leitura da Creche despertaram momentos significativos da sua infância, sua<br />
relação com a leitura. Ela queria contribuir com livros para o acervo da Oficina de Informação.<br />
Qual não foi a nossa surpresa, assim, ao recebermos na Creche, depois de alguns dias, todas as<br />
obras listadas! Além do seu filho, a mãe desejava que outras crianças também tivessem a<br />
oportunidade de desfrutar, de compartilhar leituras.<br />
Um outro acontecimento marcante, envolvendo as famílias, merece ser relatado. Uma mãe de<br />
origem japonesa, ao retornar de viagem à terra dos pais, trouxe livros de dobradura e CDs de<br />
canções japonesas para o acervo da Oficina de Informação. As doações se estenderam para um<br />
convite de traduzir partes dos livros, o que permitiu, realizada a tarefa, a confecção de dobraduras,<br />
arte oriental milenar. E desse modo, numa tarde comum e inesquecível, enquanto dobravam papéis,<br />
transformando-os em bichos, flores e objetos, as crianças eram embaladas pelos sons das canções<br />
vindas de longe, mas que permitiam mentes, gestos e corações se ligarem, numa troca sensível e<br />
respeitosa, que permitiu ao grupo localizar semelhanças e diferenças nos mais distantes pontos do<br />
planeta. Mais que japoneses, brasileiros, brancos, negros, amarelos, somos participantes de uma<br />
espécie que em diferentes pontos deste mundo tece as tramas da existência de cada um de nós.<br />
Somos responsáveis pelo que conhecemos, disse Exupéry. A consciência, o conhecimento nos abre<br />
para a ética. Sem o outro não há conhecimento, nem ética, nem consciência.<br />
Os vários segmentos da Creche tendo acesso à Oficina de Informação<br />
Feita pela e para a comunidade, a Oficina acolhe não só as crianças, os familiares, os educadores.<br />
Acolhe também os funcionários que ali vão para realizar diferentes atividades, em variados<br />
<strong>ESPAÇOS</strong> <strong>DE</strong> <strong>LEITURA</strong>. 58 .
momentos. Após o almoço, Raquel, por exemplo, funcionária da cozinha, vai ler - prefere os gibis -,<br />
navegar na internet, assistir à <strong>TV</strong>, ou mesmo, trocar oralmente informações, conversando, com os<br />
amigos de outros setores da Creche. As aulas de culinária transmitidas pela <strong>TV</strong> vêm contribuindo,<br />
segundo ela, nos cuidados com a decoração dos pratos de saladas servidos às crianças. Como ela<br />
mesma diz, sente-se "muito descolada" quando por alguma razão, externa à sua vontade, não pode<br />
freqüentar o lugar. Tenta outro espaço para ficar, porém "não é a mesma coisa".<br />
Desse modo, a possibilidade de a Creche ter um espaço coletivo, como a Oficina de Informação,<br />
favorece o diálogo não só das crianças, mas de toda a comunidade interna e externa com a cultura e<br />
o conhecimento. Se esse espaço tivesse sido organizado somente nas salas de atividades das<br />
crianças, os adultos que trabalham em outros segmentos da Creche dificilmente teriam esse tipo de<br />
participação. E, convém lembrar, é a comunidade que educa, é o conjunto de sujeitos sociais com<br />
suas ações diversas e diferenciadas que responde pela formação geral de crianças e jovens, bem<br />
como atua com suas opções e gestos na leitura e na formação de leitores.<br />
Abrir as portas para o entorno<br />
No ano de 2001, a Creche/Pré-Escola Oeste estabeleceu um vínculo com uma instituição chamada<br />
"Alô-Alô", localizada na favela São Remo. Com isso as crianças do Alô-Alô poderiam freqüentar,<br />
esporadicamente, a Oficina de Informação, e emprestar livros, em caráter de experiência.<br />
Nas primeiras visitas, as crianças da escola Alô-Alô ficaram deslumbradas com o espaço da Oficina<br />
de Informação; corriam para todos os lados, brincavam com as almofadas em forma de bichos e<br />
fantoches, mexiam nos aparelhos eletrônicos, enfim, exploravam cada pedacinho do ambiente, com<br />
exceção das caixas com os livros.<br />
Após alguns encontros, o grupo já estava bem mais centrado, e podia, então contemplar as mais<br />
belas histórias guardadas nas caixinhas. Três meninas encontraram, uma de cada vez, no acervo,<br />
livros sobre artes visuais. Uma delas trouxe para a sua professora o livro "Almeida Junior" dizendo:<br />
"Olha o que eu encontrei, é o livro do Monet!" Outro livro de arte apareceu e, mais tarde, o do<br />
próprio Monet. A menina se sentou bem perto da professora e foi contando a biografia do artista, a<br />
partir das imagens. A professora contou que as crianças estavam pesquisando na escola sobre as<br />
obras do artista Monet; por isso, mostravam a ela o que encontravam.<br />
<strong>ESPAÇOS</strong> <strong>DE</strong> <strong>LEITURA</strong>. 59 .
Nessas idas e vindas das crianças, o grupo 6 (crianças de 6 anos) da Creche pediu para conhecer o<br />
espaço da escola Alô-Alô. Tínhamos três crianças que moravam no local. Os dois meninos que lá<br />
residiam, orgulhosos, mostraram o caminho para chegar à comunidade São Remo. Tudo era uma<br />
grande novidade para as crianças da Creche: a rua com várias barracas de doce e aguardente e as<br />
carroças com cavalos, circulando. O estranhamento se deu quando entraram na escola adaptada,<br />
casa de alvenaria com um quintal pequenino: "Nossa!"<br />
Quando o grupo aproximou-se do portão, as crianças do Alô-Alô estavam gritando e acenando. O<br />
pequeno espaço se transformou num lugar aconchegante com um tapete azul no chão. O suporte de<br />
madeira estava repleto de livros, as mesas organizadas com propostas diversas e simultâneas.<br />
As trocas entre as crianças foram inúmeras, mas uma, em especial, chamou a atenção. De repente,<br />
uma menina do Alô-Alô fez um pedido, dizendo que gostaria de ouvir uma história lida por uma<br />
criança. Três meninas do Pré da Creche começaram a contar a história dos autores Mary França e<br />
Eliardo França. A professora Márcia, do grupo Alô-Alô, nos informou que, na escola, o grupo não<br />
tinha visto, ainda, nenhuma leitura "convencional" feita por criança.<br />
Para finalizar<br />
Abrir a Oficina de Informação para a comunidade do entorno possibilitou um elo entre iguais e<br />
diferentes - meninos e meninas, alguns pobres, outros nem tanto. As experiências vivenciadas<br />
permitem dizer, no entanto, que os espaços de leitura e seus leitores, em constante interação com as<br />
palavras e o mundo, não podem se restringir aos espaços escolares. As relações entre escola e<br />
comunidade devem ser, assim, foco de atenção por parte dos educadores, pois a leitura do mundo e<br />
a da palavra caminham em interação; os espaços de leitura não só insuflam vida ao mundo, como<br />
também são insuflados por tudo aquilo que constitui sua essência: cor, cheiro, saberes, sabores,<br />
sentidos, memórias, lembranças, invenções.<br />
Retornando à imagem do carroceiro da Vila Madalena, podemos perguntar: que experiências com<br />
livros, leitura, escola e cultura escrita passaram por sua vida?<br />
Acreditamos que cuidar dos espaços de leitura, com todas as dimensões que eles representam, é<br />
fundamental. Para isso, há necessidade de educadores envolvidos no processo educativo, imbuídos<br />
<strong>ESPAÇOS</strong> <strong>DE</strong> <strong>LEITURA</strong>. 60 .
de postura desconfinadora. Quem sabe, assim, um dia, poderemos contemplar crianças brasileiras<br />
nos vários espaços, dentro e fora das instituições, lendo de diversos jeitos e diferentes formas. Mãos<br />
à obra!<br />
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_______. Informação e Educação: Teoria e Prática. Ementa do curso de pós-graduação. São<br />
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WALLON, H. Psicologia e educação da criança. Lisboa, Veja Universidade, 1979.<br />
NOTA:<br />
1 Mestranda em Ciências da Comunicação da Escola de Comunicação e Artes - ECA/USP,<br />
especialista em Educação Infantil pela Faculdade de Educação/USP e Arte-Educação pela<br />
Escola de Comunicação e Artes/USP. Coordenadora Pedagógica da Creche/Pré-Escola Oeste<br />
/COSEAS/USP. Professora do curso de Pedagogia da Faculdade Associada de Cotia - FAAC.<br />
<strong>ESPAÇOS</strong> <strong>DE</strong> <strong>LEITURA</strong>. 62 .
A escola e a biblioteca pública<br />
"A biblioteca pra mim é... uma cartola."<br />
Nilson Carvalho (10 anos).<br />
PROGRAMA 5<br />
<strong>ESPAÇOS</strong> SPAÇOS <strong>DE</strong> <strong>LEITURA</strong> <strong>LEITURA</strong><br />
ARTICULADOS:<br />
ARTICULADOS:<br />
A ESCOLA NA BIBLIOTECA PÚBLICA<br />
Ivete Pieruccini 1<br />
Os primeiros contatos do aluno com a biblioteca pública acontecem, muitas vezes, em razão da<br />
necessidade de realização de tarefas escolares, principalmente quando faltam recursos (livros,<br />
revistas, jornais, internet...) na escola ou em casa. Este, talvez, seja o motivo mais comum que leva<br />
os estudantes a procurarem tal serviço, sozinhos ou acompanhados por familiares, em geral, com<br />
tempo determinado para a realização da pesquisa.<br />
Entretanto, outras possibilidades de uso e exploração desse tipo de biblioteca podem ocorrer,<br />
favorecendo a formação de novos interesses nos alunos, abrindo seus horizontes culturais, aguçando<br />
o desejo de conhecer. Por tratar-se de espaço diferenciado do da escola, com recursos<br />
informacionais distintos (mesmo quando a escola dispõe de uma sala de leitura ou de biblioteca), as<br />
interações com esse lugar de conhecimento inserem o aluno num circuito cultural alargado,<br />
oferecendo chances a novas buscas e práticas que vão além da necessária aprendizagem curricular.<br />
A biblioteca pública, por princípio, é um espaço de diversidade, permitindo a exploração de<br />
recursos informacionais variados, complementando iniciativas da escola, bem como abrindo<br />
possibilidades de novas experiências com o conhecimento e o saber. Dado seu caráter público,<br />
reúne, num mesmo espaço e tempo, freqüentadores diversos em práticas múltiplas, aspecto que<br />
favorece a socialização dos alunos e a percepção de comportamentos de leitura diferenciados.<br />
Além disso, como equipamento cultural contemporâneo, a biblioteca pública deve ser freqüentada,<br />
<strong>ESPAÇOS</strong> <strong>DE</strong> <strong>LEITURA</strong>. 63 .
apropriada pelos estudantes. E tal objetivo não pode ser deixado ao acaso, mas, ao contrário, deve<br />
ser perseguido metodicamente. É importante, neste sentido, que a Escola inclua em seus planos<br />
novas aprendizagens indispensáveis à construção de conhecimento e à participação cultural na<br />
época atual, uma vez que tais aprendizagens não são meramente espontâneas, mas construídas<br />
socialmente, razão pela qual torna-se necessária ação sistemática e contínua da escola.<br />
Nesta perspectiva, a participação de grupos de alunos em programações articulando escola-<br />
biblioteca pública constitui-se em forma de promoção de aprendizagens culturais a que a escola<br />
atual deve estar atenta, não apenas em atividade à parte, "diferente", ou então, mero recurso para<br />
complementar informações dadas pelo professor em sala de aula.<br />
Este uso diferenciado da biblioteca pública pode ser iniciado de diferentes modos. A partir da<br />
iniciativa pessoal, em especial do professor ou da biblioteca. A partir de iniciativas institucionais de<br />
programas de atividades, formais e/ou não-formais, entre escola e biblioteca pública, visando à ida<br />
regular de classes ou grupos de escolares para práticas específicas. A segunda alternativa é<br />
seguramente a ideal, mas as iniciativas individuais não devem ser desprezadas como ponto de<br />
partida. Nesses casos, às vezes, uma "andorinha pode fazer verão". Ou seja, dar o pontapé inicial<br />
para a instituição escolar acordar. Além do interesse no uso dos recursos existentes na biblioteca<br />
pública, a prática de visitas permanentes e sistemáticas favorece a proximidade entre<br />
mediadores/educadores e alunos, permitindo-lhes o reconhecimento do espaço, de seus serviços, a<br />
invenção de formas de participação em atividades culturais distintas daquelas realizadas na escola,<br />
fatores que se mostram fundamentais ao estímulo e à criação de confiança para atuação num espaço<br />
que pode ser estranho à boa parte dos alunos, mas que, entretanto, é cada vez mais indispensável à<br />
sua formação como leitores.<br />
As interações entre escola-biblioteca, capazes de atuar a favor dos processos de apropriação e<br />
participação cultural do aluno, são múltiplas e diferenciadas e, em muitos casos, elas cumprirão<br />
tanto as funções voltadas às aprendizagens culturais que lhe são pertinentes, como aquelas ligadas<br />
às aprendizagens pedagógicas, quando não houver bibliotecas escolares nas escolas.<br />
A seguir, são relatadas algumas experiências neste sentido, realizadas entre biblioteca pública<br />
infanto-juvenil e escolas de Educação Infantil e Fundamental, na cidade de São Paulo, processo do<br />
qual tenho participado, desde 1977, como bibliotecária e responsável pela gestão de serviços e<br />
<strong>ESPAÇOS</strong> <strong>DE</strong> <strong>LEITURA</strong>. 64 .
programas que buscam articular as áreas de Informação e Educação. Tais experiências servem para<br />
mostrar a importância da integração Escola-Biblioteca Pública, bem como aspectos a serem<br />
considerados nesta cooperação interinstitucional.<br />
· A abordagem<br />
A iniciativa para a busca de cooperação escola-biblioteca é, em geral, motivada pela sensibilidade e<br />
pela percepção dos educadores diante das dificuldades ou do desinteresse dos alunos pela leitura,<br />
especialmente em relação à leitura de Literatura. Há sempre uma queixa de que "a coisa vai mal" e,<br />
por isso, é importante tomar providências. Assim, freqüentemente, os professores que mais se<br />
interessam pelo trabalho sistemático com a biblioteca pública são os da área de linguagem, de<br />
Português. Em realidade, se a justificativa é procedente, a concepção, no entanto, é equivocada<br />
dado que a problemática da leitura, além de envolver todas as áreas de conhecimento, extrapola o<br />
âmbito das dificuldades de decodificação e interpretação de textos. Trata-se de uma crise mais<br />
ampla e profunda que, além dos aspectos cognitivos, inclui questões de ordem cultural 2 em nossa<br />
sociedade.<br />
Do ponto de vista objetivo, no quadro que nos interessa, a leitura não é, assim, responsabilidade de<br />
um determinado setor, devendo ser cuidada desde a Educação Infantil, ao longo de toda a trajetória<br />
escolar do aluno, por todos os segmentos que a ele se relacionam: família, escola e biblioteca, entre<br />
outros. Dado, entretanto, que a família, em determinados contextos, terá dificuldades de atuar a<br />
favor da construção de comportamentos e interesses pela informação e leitura, a escola terá,<br />
necessariamente, que assumir tal dificuldade tratando de relacionar diferentes atores implicados na<br />
questão.<br />
Em face disso, todos os professores, dos diferentes níveis de escolaridade podem e devem<br />
manifestar-se, procurando a biblioteca pública para o estabelecimento de formas de cooperação<br />
interinstitucional, as quais terão mais sucesso se houver maior engajamento institucional, incluindo<br />
coordenadores, diretores, pais, entre outros.<br />
Neste sentido, a realização de programas desta natureza ganha complexidade para as séries mais<br />
avançadas porque depende da articulação e, ao mesmo tempo, de propósitos comuns entre os<br />
professores de diferentes disciplinas. Se, todavia, os educadores entendem que apesar de suas<br />
<strong>ESPAÇOS</strong> <strong>DE</strong> <strong>LEITURA</strong>. 65 .
especificidades a informação, a leitura, a cultura e a educação são pontos comuns a todos que atuam<br />
na escola, os processos para as negociações desses referidos programas tendem a ser menos difíceis.<br />
. Os protocolos<br />
A ida de alunos à biblioteca pública, acompanhados por professores ou enviados por estes para a<br />
realização de determinadas práticas, implica acordos preliminares - negociações -, uma vez que se<br />
trata de trabalho especial, demandando planejamento prévio para o uso do espaço, recursos<br />
informacionais e atividades que contemplem a recepção adequada dos alunos e/ou grupos e os<br />
objetivos a serem atingidos. Apenas para dimensionar a questão, as exigências, por exemplo, para<br />
uma atividade de leitura livre com uma classe com 35 alunos serão distintas daquelas requeridas por<br />
um grupo de 8 alunos que vêm para assistir a um vídeo. Em outros termos, os ajustes específicos e<br />
de ordem prática, se não são os únicos elementos a serem considerados, devem, entretanto, ser<br />
vistos com seriedade, dado que atuam sobre a qualidade e sobre resultados objetivos do trabalho.<br />
Durante vários anos, na biblioteca em que eu atuava, professores, bibliotecários e outros<br />
responsáveis pela educação dos alunos reuniam-se para planejar ações destinadas à exploração e<br />
uso do equipamento cultural, com saldo positivo na formação de vínculos entre os alunos das<br />
escolas da região e a biblioteca pública infanto-juvenil.<br />
Dessa experiência, levada a efeito por mais de uma década, aspectos relativos à gestão das relações<br />
entre os responsáveis pelo programa merecem ser destacados, uma vez que se desconsiderados<br />
comprometem os processos e finalidades da cooperação.<br />
Embora o programa a ser planejado vá acontecer no "território" da biblioteca pública, com os<br />
recursos ali existentes, a formalização dos protocolos da cooperação deve pautar-se por objetivos,<br />
se não idênticos entre escola e biblioteca, partilhados por ambas instituições, condição que cria co-<br />
responsabilidade para as ações propostas. Assim, tais programas devem seguir o princípio da<br />
parceria efetiva, da co-autoria entre as partes, não devendo a escola colocar-se apenas como<br />
beneficiária dos recursos a serem usufruídos por seu grupo ou a biblioteca como instância<br />
definidora das práticas a serem realizadas. Esta modalidade de trabalho cooperativo exige, assim,<br />
que escola e biblioteca estejam afinadas na perseguição dos objetivos de educar o aluno para a<br />
informação, para a apropriação efetiva desses espaços culturais.<br />
<strong>ESPAÇOS</strong> <strong>DE</strong> <strong>LEITURA</strong>. 66 .
A partir de tais objetivos gerais de educação para a informação e a construção de conhecimentos,<br />
ambas as instituições podem discutir e definir seus objetivos específicos, negociando a realização de<br />
atividades que busquem contemplá-los, de acordo com as variáveis que irão atuar na configuração<br />
de cada ação, em face das diferentes realidades institucionais: distância entre escola-biblioteca,<br />
nível de escolaridade, idade e quantidade de alunos por classe.<br />
1. Localização geográfica da escola em relação à biblioteca pública<br />
Quando a biblioteca pública é próxima/contígua à escola, é possível prever a realização de<br />
programações de atendimento a classes, durante todo o ano letivo, com objetivos e metas para cada<br />
série, tal como ocorre na cidade de São Paulo, em que muitas bibliotecas públicas infanto-juvenis<br />
e EMEIs 3 e/ou Creches municipais são vizinhas. A proximidade geográfica entre as instituições<br />
permite diferentes ações, sendo necessário, porém, prever dias e horários para recepção de classes<br />
inteiras, especialmente quando se trata de alunos pequenos.<br />
Nos casos em que a biblioteca é relativamente distante, dependendo das condições de infra-estrutura<br />
da escola, a distância e a locomoção não inviabilizam a ida constante. Entretanto, é um elemento<br />
dificultador a ser considerado, uma vez que, como no caso anterior, é importante prever dias e<br />
horários fixos, a serem reservados para uso, sobretudo no caso das crianças pequenas. A<br />
regularidade é um elemento a ser respeitado no processo de construção dos vínculos da criança com<br />
a biblioteca pública.<br />
Se a biblioteca é distante e os alunos têm autonomia de circulação pelo bairro/cidade, o professor<br />
pode negociar um tempo maior de permanência na biblioteca pública, tendo em vista criar as<br />
condições adequadas ao trabalho, às vezes todo o período de aula.<br />
O período a ser dedicado às atividades, portanto, dependerá da idade dos alunos, do tipo de espaço<br />
onde se realizam as atividades, das dinâmicas e atividades propostas, do perfil do grupo envolvido,<br />
bem como das interações deste com o mediador.<br />
Assim, distância geográfica, condições e autonomia de locomoção são elementos que irão<br />
influenciar a freqüência e a modalidade dos encontros do programa escola-biblioteca pública a ser<br />
proposto. Dando atenção a determinadas dificuldades de acesso permanente, será possível escolher<br />
<strong>ESPAÇOS</strong> <strong>DE</strong> <strong>LEITURA</strong>. 67 .
alternativas que tentem superar as impossibilidades de contato da criança e do adolescente com os<br />
livros, com a informação, com a leitura, com as trocas culturais por eles instituídos.<br />
Os educadores, atentos ao problema da descontinuidade e dos longos intervalos entre as visitas dos<br />
alunos e, sobretudo, preocupados em alimentar o interesse pelos livros, revistas, vídeos...e pela<br />
leitura (especialmente quando eles não têm autonomia de locomoção e acesso) podem propor à<br />
biblioteca que disponibilize uma caixa-estante, ou um "acervo móvel", a ser deslocado para a escola<br />
quando não for possível a visita freqüente e não houver materiais informacionais para os alunos.<br />
Neste caso, o professor pode selecionar os títulos de interesse para suas finalidades pedagógicas,<br />
acrescendo escolhas dos alunos para materiais de leitura em geral, negociando a quantidade<br />
necessária ao grupo. A periodicidade de renovação deste acervo também será objeto de negociação<br />
entre as instituições.<br />
Nos casos em que a freqüência à biblioteca pública é difícil, é possível averiguar a existência de<br />
serviços de informação ambulantes ou itinerantes, como os ônibus-biblioteca, que atendem a<br />
circuitos onde não existem equipamentos culturais. Tais serviços, com periodicidade regular nos<br />
diferentes roteiros que cumprem, são um recurso ao acesso a materiais informacionais e práticas<br />
culturais, que podem contribuir com o trabalho de formação de leitores desenvolvidos pela escola e<br />
pelo professor.<br />
Entretanto, quando a freqüência sistemática dos alunos à biblioteca não está prejudicada por<br />
nenhuma razão externa, os professores podem propor dias e horários fixos, tanto para alunos de<br />
Educação Infantil, quanto para os do Ciclo I, do Ensino Fundamental, ou outros. Para os alunos de<br />
5a a 8a séries, porém, os professores devem considerar a flexibilidade de dias e horários para as<br />
visitas, uma vez que, nestas séries, há diferentes disciplinas (e professores), que, em geral, não<br />
podem ser substituídos sistematicamente por visitas à biblioteca. Aqui, portanto, em razão da grade<br />
curricular, a escola precisará estudar formas adequadas para definição de programas de atividades,<br />
propondo calendário e duração de programação diversificados.<br />
2. Modalidades de visita<br />
As visitas à biblioteca pública, dentro do programa escola-biblioteca, poderão ser propostas tanto<br />
para o atendimento a toda a classe, a pequenos grupos ou individualmente, conforme o que for<br />
<strong>ESPAÇOS</strong> <strong>DE</strong> <strong>LEITURA</strong>. 68 .
estabelecido no projeto comum.<br />
Para as três possibilidades, é importante que as ações sejam previamente discutidas, que os<br />
conteúdos a serem trabalhados estejam mutuamente compreendidos pelo grupo dos mediadores,<br />
definindo-se formas de avaliação pelos participantes, tendo em vista verificar se foram atingidas as<br />
finalidades inicialmente estimadas.<br />
Em outros termos, ir à biblioteca, mesmo sendo um passeio gostoso, até divertimento, deve partir de<br />
objetivos claros, assim como são tratadas, por exemplo, as metas estabelecidas pelos educadores<br />
para qualquer disciplina escolar.<br />
A definição do tipo de atividade dependerá das possibilidades tanto da escola como da biblioteca<br />
pública, dos protocolos estabelecidos entre os parceiros, garantindo que as crianças sejam liberadas<br />
nos dias e horários acertados para a programação, uma vez que a dinâmica do trabalho é fator<br />
decisivo para a criação de vínculos do aluno com a biblioteca. À medida que o trabalho avança e se<br />
torna mais envolvente, significativo, o processo estimula e prepara o aluno para o próximo<br />
momento, razão pela qual não pode ser frustrado por eventuais interrupções nos encontros.<br />
· As atividades<br />
Resolvidas as questões indicadas nos protocolos da cooperação escola-biblioteca, aspectos de<br />
ordem pedogógica e cultural devem ser objeto das preocupações dos educadores na formalização<br />
dos programas em causa.<br />
Recomenda-se que os professores observem que atividades, regulares ou não, devem estar<br />
adequadas às faixas etárias e à maturidade dos seus alunos. Por isso, os professores devem negociar<br />
com a biblioteca ações que sejam pertinentes às possibilidades dos diferentes grupos.<br />
É essencial, então, considerar se eles já sabem, ou não, ler e quais são os repertórios pessoais em<br />
termos de leitura e de biblioteca: se já freqüentam a biblioteca, o que já leram, se conhecem as<br />
pessoas que trabalham no lugar, delineando o quadro de expectativas do grupo. Esses dados são<br />
importantes para que sejam definidas as melhores atividades em cada caso, uma vez que duas<br />
turmas de uma mesma série, por exemplo, não se equivalem em termos das experiências culturais.<br />
<strong>ESPAÇOS</strong> <strong>DE</strong> <strong>LEITURA</strong>. 69 .
Desconsiderar tais referenciais significa colocar em risco o impacto positivo e o interesse que a<br />
biblioteca pública poderá causar.<br />
Como orientação geral à definição de práticas diversificadas a serem propostas no programa escola-<br />
biblioteca, algumas categorias, se atendidas, podem contribuir para a formação de leitores ativos e<br />
críticos:<br />
a) práticas de exploração livre para reconhecimento do ambiente, em que os alunos abordam os<br />
diferentes espaços e recursos de forma aleatória, seguindo seus interesses e curiosidades,<br />
privilegiando a percepção;<br />
b) práticas de reconhecimento dos recursos informacionais, os diferentes tipos de acervo, temas,<br />
gêneros, para que o aluno tenha um panorama geral do que existe na biblioteca;<br />
c) práticas de reconhecimento da organização da biblioteca pública, em especial a ordem física dos<br />
materiais e o conhecimento dos instrumentos de recuperação dos documentos, tendo em vista seu<br />
papel essencial na construção da autonomia para a busca de informação na biblioteca;<br />
d) práticas de produção de informação voltadas à participação dos alunos no circuito cultural.<br />
Dentro deste quadro, os educadores podem, inclusive, buscar informações e trocar experiências com<br />
seus pares, tendo em vista preparar planos de atividades que contemplem o atendimento a estes<br />
objetivos específicos, indispensáveis à formação e participação sociocultural do leitor.<br />
3. A recepção dos alunos na biblioteca<br />
No quadro que envolve o programa escola-biblioteca, os professores têm que considerar, além dos<br />
aspectos já levantados e práticas específicas a serem realizadas, as condições para a recepção<br />
adequada dos alunos, não somente em relação ao clima de cordialidade com que devem ser<br />
recebidos os escolares, mas, também, a preparação do espaço para acolher tanto as crianças<br />
pequenas quanto os adolescentes.<br />
A preparação do ambiente é o primeiro ponto a ser considerado. Segurança, estética e conforto são<br />
<strong>ESPAÇOS</strong> <strong>DE</strong> <strong>LEITURA</strong>. 70 .
três itens que merecem o cuidado dos mediadores no processo de inserção dos alunos na biblioteca.<br />
Eles devem poder explorar os materiais e ter espaço e condições para manuseá-los. Limpeza, espaço<br />
para mobilidade e circulação sem empecilhos são dados que atuam para favorecer o acesso do aluno<br />
aos materiais e, portanto, à leitura.<br />
A apresentação dos materiais, para todas as faixas etárias, mas especialmente para as crianças<br />
menores, é tão importante quanto os cuidados dedicados ao espaço/ambiente: as crianças precisam<br />
reconhecer os materiais pelos nomes, saber suas diferenças, suas especificidades, sua importância.<br />
Por outro lado, nem sempre, a organização dos documentos na biblioteca pública adequa-se à<br />
especificidade e possibilidades dos grupos em causa. Neste sentido, um princípio precisa ser<br />
lembrado e cuidado, ou seja, a exposição dos materiais. A disponibilização dos materiais para as<br />
faixas infantis, sobretudo, deve privilegiar a apresentação da capa dos objetos (que contém<br />
inúmeras informações não-verbais), fator que atua para a criação de interesse, despertando a<br />
vontade de acesso e manuseio. A apresentação frontal dos livros (e demais materiais), forma<br />
recomendada para criar elos entre os acervos e a criança, deve ser adotada, sugerida, solicitada,<br />
negociada, se não for uma prática da biblioteca, especialmente para o atendimento dos grupos de<br />
crianças pequenas. Materiais difíceis de serem vistos, de acessar ou fisicamente danificados inibem<br />
a vontade e dificultam a exploração. A criança, diferentemente do adulto, envolve-se, sobretudo a<br />
partir de relações "concretas" com os objetos. Os formatos, as cores são elementos que informam,<br />
comunicam e, neste sentido, o modo de exibição dos acervos oferecidos interfere efetivamente.<br />
Desse modo, o reconhecimento do espaço pelo educador é etapa preliminar ao desenvolvimento do<br />
programa, recomendando-se que determinados ajustes, conforme indicado, sejam realizados a favor<br />
dos objetivos do programa e do melhor entrosamento do aluno com a biblioteca.<br />
4. As práticas informacionais e culturais 4<br />
Em todas as faixas etárias, respeitando-se os repertórios prévios conforme já assinalado, os<br />
programas têm, necessariamente, que permitir e estimular a exploração do ambiente e de seus<br />
recursos pelo aluno, condição que favorece não apenas o acesso, mas a apropriação do<br />
conhecimento e da cultura. A seguir, são relatadas algumas ações, relativas à freqüência e à<br />
modalidade de visitas em programas escola-biblioteca, como forma de ilustrar alguns dos<br />
referenciais indicados.<br />
<strong>ESPAÇOS</strong> <strong>DE</strong> <strong>LEITURA</strong>. 71 .
. O aluno e o reconhecimento do espaço<br />
Os recursos informacionais na biblioteca pública estão em diferentes espaços, às vezes em salas<br />
separadas por portas, corredores... Uma excursão pelos locais, com a apresentação das pessoas que<br />
ali atuam, a preparação de uma poesia, um trecho de história, um cartaz, ou simplesmente a<br />
permanência por algum tempo, olhando e manuseando os materiais disponíveis, são estratégias que<br />
favorecem a ambientação, encorajando o aluno a circular pelo espaço, a conhecer os diferentes<br />
"lugares" da biblioteca. O próprio professor pode preparar a atividade, caso a biblioteca tenha<br />
dificuldades: ele escolhe um livro, lê ou conta um trecho e usa esta atividade como ajuda à<br />
memória, sempre que precisar referir-se ou retomar aspectos relativos à visita.<br />
.O reconhecimento dos materiais<br />
A diversidade dos recursos da biblioteca pública (especialmente livros) pode ser explorada a favor<br />
da percepção, sobretudo da criança, para a plástica dos objetos informacionais. Assim, a<br />
disponibilização de diferentes tipos de materiais, com formatos, tamanhos, pesos, espessura,<br />
texturas de páginas e capas, cores, transforma a atividade de reconhecimento dos recursos num jogo<br />
de descobertas, a partir da qual o aluno se aproxima, cria intimidade com o objeto, antes mesmo de<br />
explorar seus conteúdos .5<br />
.O reconhecimento dos repertórios específicos<br />
Quando as condições permitem que as visitas dos alunos à biblioteca pública sejam constantes, é<br />
possível avançar, sobretudo, em programas de atividades com exploração sistemática de materiais,<br />
muitas vezes resultando em trabalhos elaborados pelos alunos, cuja exposição à comunidade lhes<br />
confere estatuto público: cultura.<br />
Um programa que proponha a exploração dos contos de fadas, por exemplo, é, para determinadas<br />
faixas etárias uma prática que atende a necessidades psicológicas e emocionais essenciais6 . Assim,<br />
"mergulhar" na diversidade de histórias, em suas diferentes edições, possibilita atender às<br />
complexas, múltiplas e singulares expectativas, tanto dos meninos quanto das meninas, envolvendo<br />
interesses de toda a classe. Por isso, um trabalho de maior duração, que dê possibilidade para o<br />
diálogo com a multiplicidade de livros/textos, que lhe dê chances e tempo de escolha e<br />
<strong>ESPAÇOS</strong> <strong>DE</strong> <strong>LEITURA</strong>. 72 .
oportunidade para a reelaboração (por meio de desenhos, criação de bonecos, argila...) das leituras<br />
("lidas" ou contadas) de "re-escritura" pode ser contemplada nessa interação da escola com a<br />
biblioteca pública.<br />
Entretanto, é fundamental atentar para outros interesses que possam surgir no grupo, além daqueles<br />
propostos pelo programa organizado pela escola e biblioteca, de modo a que a atividade coletiva e<br />
sistemática, cujo intuito é, sobretudo, dar elementos para que a criança saiba se movimentar no<br />
universo informacional registrado e organizado, não venha a se transformar numa "camisa-de-<br />
força" tanto para os alunos quanto para os professores. Desse modo, a avaliação do<br />
desenvolvimento das práticas é condição à finalidade deste tipo de trabalho que deve buscar<br />
propiciar à criança reconhecer a variedade de autores, títulos (histórias), e demais materiais dentro<br />
de temas que possam agradá-la, descobrir onde se localizam e como fazer para utilizar tais recursos,<br />
criar interesse pela produção simbólica ali armazenada. A ida do aluno à biblioteca, assim, é tanto<br />
um modo de relação com as informações disponíveis, com os chamados conteúdos indispensáveis à<br />
sua formação pessoal, como também, aprendizagem (inicial) para o uso da biblioteca e da<br />
informação.<br />
O reconhecimento da ordem dos materiais<br />
Em nossa experiência com ações desta natureza e dinâmica, tornou-se possível, também, atuar para<br />
formar outras competências e comportamentos, além daqueles ligados especialmente aos conteúdos.<br />
A ida constante dos alunos à biblioteca pública, sua participação nos processos de busca e escolha<br />
das histórias de interesse, as trocas entre os colegas, as atividades de reorganização do ambiente<br />
antes da volta para a escola são exemplos de modos não-formais de aprendizagem para os usos da<br />
biblioteca.<br />
Vivenciados satisfatoriamente os passos anteriormente descritos, outros processos necessitarão de<br />
cuidados especiais, quando se pretende "ensinar a biblioteca", a lógica dos sistemas documentários<br />
aos alunos. Em geral feitos para o controle bibliográfico, não apresentam interfaces amigáveis para<br />
o usuário não-especializado. A área biblioteconômica terá que caminhar nesse sentido, em face das<br />
novas exigências da contemporaneidade, quando os sistemas de acesso às informações devem<br />
prever seu uso por públicos de diferentes condições culturais, econômicas, etárias, cognitivas.<br />
Difícil de ser penetrada, a lógica das linguagens documentárias comumente usadas nas bibliotecas<br />
<strong>ESPAÇOS</strong> <strong>DE</strong> <strong>LEITURA</strong>. 73 .
públicas pode ser mesmo ininteligível principalmente a segmentos de públicos infantis (dado o<br />
nível de abstração a ser mobilizado) ou ainda exigir esforços desanimadores a segmentos excluídos<br />
dos circuitos informacionais convencionais, maioria da população estudantil do país. Os princípios<br />
de reunião/separação dos assuntos em classes e subclasses de assuntos e suas respectivas<br />
nomenclaturas, os códigos decimais e alfa-numéricos colocados nas etiquetas dos materiais usados<br />
para definir a posição do documento na prateleira, o modo característico de ordenação das estantes,<br />
a organização dos catálogos de autor, título, assunto (às vezes catálogo dicionário, reunindo as<br />
categorias numa única ordem alfabética) ou da base de dados, a (freqüente) ausência de<br />
instrumentos de sinalização nas prateleiras/estantes/salas são, por exemplo, alguns elementos deste<br />
quadro de dificuldades que terão que ser negociados pelo educador junto à biblioteca, no sentido de<br />
avaliar as aprendizagens possíveis e indispensáveis. Desse modo, enquanto reinar tal quadro, é<br />
preciso negociar com a biblioteca para que os alunos possam aos poucos ir dominando tais<br />
linguagens especializadas.<br />
O professor poderá propor, assim, que a biblioteca desenvolva ações que permitam aos alunos<br />
reconhecer :<br />
a) a existência e importância da organização dos materiais para a localização dos documentos;<br />
b) o sistema de classificação de assuntos adotado7 pela bibilioteca;<br />
c) as grandes classes de assuntos e respectivos códigos;<br />
d) a composição do número de chamada da etiqueta do documento;<br />
e) a organização dos catálogos;<br />
f) a composição de uma ficha catalográfica (ou referência em base de dados) e suas relações com a<br />
ordem dos documentos nas estantes.<br />
Levando em consideração, portanto, as dificuldades das linguagens pouco amigáveis ainda em vigor<br />
nas bibliotecas, saberes sobre a organização dos documentos na biblioteca pública poderão ser<br />
construídos gradativamente, por meio de atividades interessantes, bem preparadas, adequadas às<br />
<strong>ESPAÇOS</strong> <strong>DE</strong> <strong>LEITURA</strong>. 74 .
condições de aprendizagem dos alunos.<br />
Dentro de nossa experiência em programas desta natureza, propor uma "caça ao tesouro" visando<br />
encontrar diferentes materiais específicos (um documento em especial, um autor, duas edições de<br />
uma mesma obra, três documentos sobre o mesmo assunto...) estimula o aluno a querer saber como<br />
funcionam as ferramentas de busca, o significado dos códigos, a organização das prateleiras e<br />
estantes. Nesse sentido, o lúdico pode colaborar como método eficaz de provocação do interesse em<br />
conhecer como a biblioteca pública está organizada. Para tanto, a equipe da biblioteca e os<br />
professores envolvidos devem preparar-se para serem guias, apoio, aptos a explicar e orientar os<br />
alunos, viabilizando aprendizagens "em situação". Depois de obtidos os "tesouros", voltar aos<br />
caminhos percorridos, retomando os procedimentos para tirar as dúvidas, assim como repetir a<br />
atividade periodicamente, são meios para "decodificar" a biblioteca, tornando-a inteligível aos<br />
leitores. O conhecimento da organização existente, em especial saber locomover-se no espaço e<br />
acessar os documentos autonomamente são, portanto, objetivos a serem atendidos em programas<br />
Escola-Biblioteca pública, sobretudo quando a aprendizagem das formas de organização, busca e<br />
recuperação de informações estão prejudicadas pela falta de bibliotecas escolares, instituições que,<br />
em princípio, seriam as responsáveis por este tipo de formação junto aos alunos.<br />
.Participação cultural: produção de informações e construção de novos repertórios<br />
Além da importância de conhecer e saber atuar na biblioteca pública reconhecendo suas linguagens<br />
de organização e recursos, meios que permitem ao aluno acessar informações de seu interesse,<br />
outras ações, por sua vez, são igualmente importantes tendo em vista colocá-lo em determinados<br />
circuitos, cuja dinâmica pode tornar significativos seus processos de leitura e uso da informação.<br />
Tais práticas objetivam, dentre outros aspectos, colocar os alunos em situação de participação<br />
efetiva, em processo de construção de saberes por meio de sua própria produção, modo que<br />
contribui para a apropriação da biblioteca.<br />
Se a participação em atividades de indexação de livros, catalogação, empréstimo, sugestão e compra<br />
de materiais, ou práticas lúdicas como a relatada anteriormente, atuam a favor da apropriação da<br />
ordem existente, outras, sobretudo voltadas a experimentar o circuito do escrito (do autor ao leitor),<br />
da produção e publicação de materiais informacionais, da recriação de textos e obras são<br />
mecanismos que ajudam a tornar significativos a leitura e o conhecimento dos recursos, a troca<br />
<strong>ESPAÇOS</strong> <strong>DE</strong> <strong>LEITURA</strong>. 75 .
cultural, a criação de novas informações, dando (um novo) sentido ao uso da biblioteca pública.<br />
Algumas práticas, como a abaixo relatada, possibilitam reunir diferentes ações em torno da busca de<br />
informação, leitura e escrita, reunindo grupos de alunos acompanhados por professores. A partir de<br />
programas elaborados em conjunto, sala de aula e biblioteca pública conseguem desencadear<br />
movimentos cujos reflexos, culturais e pedagógicos, são significativos para a formação do aluno-<br />
leitor.<br />
Uma delas, o encontro com o autor/escritor é um exemplo a ser ressaltado, em razão de constituir-se<br />
prática privilegiada, tanto para o conhecimento do processo de criação pelos alunos, quanto de<br />
estímulo às suas potencialidades e ao desejo de participação cultural. A ida dos alunos à biblioteca<br />
pública para esses encontros, nesta perspectiva, é atividade que exige preparação antecipada, tendo<br />
em vista a contextualização do autor no âmbito dos interesses dos alunos. Para tanto, é possível<br />
encaminhar o processo privilegiando tanto a leitura, exploração, discussão, interpretação,<br />
construindo releituras acerca da obra e de seu autor, quanto propondo aos alunos a efetiva criação<br />
de livros, modo peculiar de provocar o diálogo do autor com os alunos-autores.<br />
Articulando objetivos, escola e biblioteca pública podem propor aos alunos, desse modo, a<br />
elaboração de livros. Discutir a idéia, conteúdos e forma do livro, suas ilustrações,<br />
diagramação/paginação, página de rosto, sumário, índice, capa, contracapa, orelhas, resenhas...<br />
podem ser apoiados por meio da abordagem dos recursos diferenciados existentes na biblioteca<br />
pública. Eles funcionam como referência, por meio da qual os alunos observam, comparam,<br />
recriam, imitam, aprendem a fazer seus próprios objetos culturais, instrumentos de veiculação de<br />
suas idéias e representações.<br />
Muitos programas nesta direção são realizados por bibliotecas no atendimento a públicos infanto-<br />
juvenis. A partir de diferentes tipos de pesquisa na biblioteca, com temas atrelados às questões<br />
tratadas pelo escritor em causa, os alunos "dão entrada" no circuito da produção cultural, efetivando<br />
elos, aproximações com o processo da criação literária, conseguindo, assim, instituir canais de<br />
comunicação, recepção e criação literária.<br />
Por outro lado, a possibilidade de exposição de tais objetos na biblioteca pública insere os alunos<br />
numa outra dimensão do circuito da produção, agora como autores, ao lado de tantos outros<br />
<strong>ESPAÇOS</strong> <strong>DE</strong> <strong>LEITURA</strong>. 76 .
produtores reconhecidos publicamente. Do mesmo modo, neste quadro, o encontro com o escritor<br />
se enriquece, uma vez que os alunos conseguem relacionar-se não apenas com a pessoa, mas com<br />
alguém cuja experiência de trabalho é de natureza singular e cuja abordagem, portanto, pode ir além<br />
das habituais (e limitadas), perguntas/manifestações acerca de curiosidades pessoais.<br />
Construir, portanto, com os alunos um produto resultante de processo vivenciado na biblioteca<br />
pública, apresentando à comunidade as releituras realizadas, é modo peculiar de educar para a<br />
participação cultural. Nessa perspectiva, a apresentação da produção dos alunos: livros, apostilas,<br />
cartazes, informações em sites, dentre tantas modalidades de recursos para comunicar e fazer<br />
circular as informações criadas, permite ao aluno, desde cedo, construir uma relação diferenciada<br />
com a leitura e a informação, enriquecendo aquela que se dá no contexto da sala de aula.<br />
Por isso, por mais importante que possa ser - especialmente quando é esta a única possibilidade -,<br />
levar livros e demais recursos para a sala de aula, incentivar os alunos ao empréstimo domiciliar,<br />
tais ações não substituem o papel da visita à biblioteca pública para participar de práticas<br />
informacionais e culturais ali propostas. Se oferecer materiais diversificados, em quantidade e<br />
qualidade, especialmente quando o acesso a eles está dificultado, é, indiscutivelmente,<br />
indispensável ao desenvolvimento das capacidades cognitivas, oferecer condições de participação<br />
efetiva no espaço, permite, por outro lado, construir atitudes que abrem caminhos e oferecem<br />
bússolas à navegação nos oceanos de informações que caracterizam a sociedade contemporânea.<br />
· Considerações finais<br />
Neste breve percurso, cujo objetivo foi apresentar elementos a serem considerados em processos de<br />
exploração da biblioteca pública pela escola, buscamos incluir, sobretudo, algumas práticas que<br />
enfocam a formação do aluno-leitor, numa sociedade marcada por mutações tecnológicas, de<br />
superprodução de informações, de ritmo acelerado. Neste sentido, entendemos que alguns objetivos<br />
precisam ser perseguidos pelos educadores dessas duas instituições, em seus programas com alunos<br />
de diferentes faixas etárias e níveis de escolaridade. Trata-se, efetivamente, do estabelecimento de<br />
uma trajetória que se constitui a partir de ações diversificadas em diferentes níveis, de ordem<br />
material e simbólica e que, como vimos, implicam a apropriação do espaço informacional, o<br />
conhecimento da organização documentária da biblioteca, o saber explorar as fontes de informação,<br />
o querer, o saber, o poder acessar, processar e produzir informações.<br />
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Se tais práticas, voltadas sobretudo para as aprendizagens informacionais, são parte indispensável à<br />
formação dos leitores na contemporaneidade, além delas, todavia, outras ações precisam ser<br />
propostas e/ou planejadas em comum, ou, ainda, apropriadas do circuito cultural amplo como<br />
atividade curricular, permitindo ao aluno um novo olhar sobre o sentido da informação e da leitura.<br />
Trata-se de visitas e encontros, muitas promovidas (em parceria) pela biblioteca, às instituições que<br />
constituem o circuito da cultura do escrito, em especial os autores (como já foi colocado): as casas<br />
publicadoras e editoras de livros, jornais e revistas, os sebos, as livrarias, as bancas de jornais,<br />
dentre outros. É preciso que o aluno conheça o circuito da escrita e seus diferentes atores. Por meio<br />
da relação direta e concreta do aluno com os circuitos de produção e distribuição da informação<br />
escrita, ele se apropria de referenciais importantes para atribuir significado aos dados e às<br />
informações lidas. Por exemplo, o nome de um editor, não será (em razão da experiência vivida)<br />
apenas mero dado da referência bibliográfica. Com isso, pretende-se que as informações ganhem<br />
concretude - materialidade - e, para tanto não basta aprender, mas apreender seu significado,<br />
conhecer.<br />
Um outro nível de interação a ser ressaltado na parceria escola-biblioteca será a busca permanente<br />
por canais de expressão e comunicação entre alunos, propiciada a partir das novas relações e<br />
contatos que se estabelecem em programas, como os aqui discutidos. Tais canais podem ser<br />
constituídos por meio da criação de comunidades de leitura, condição necessária ao apoio e<br />
sustentação de interesses do aluno-leitor. Neste sentido, eles se configuram, além de outros aspectos<br />
que atingem, em ferramentas para a formação de leitores autônomos, preparados para a busca<br />
permanente de informações, objetivo último a ser atingido pelas instituições escola e biblioteca<br />
pública e por seus respectivos educadores. Encontros com contadores de histórias, Feiras do livro,<br />
Exposições, Bolsa de trocas, juntam-se, portanto, às demais práticas assinaladas, no propósito de<br />
introduzir os alunos numa trama de leitura e leitores capaz de tornar significativo o ato de ler, forma<br />
privilegiada de comunicação consigo mesmo e com o mundo.<br />
Neste quadro, muitos caminhos, estudos e invenções são possíveis na tentativa de aproximar os<br />
alunos da memória disponível na biblioteca pública, condição à recriação e qualificação cultural,<br />
tarefa para a qual as iniciativas dos professores e da escola são decisivas.<br />
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