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dinâmica da identidade em pessoas intersexuais entre vozes

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SEMINÁRIO INTERNACIONAL ENLAÇANDO SEXUALIDADES<br />

Direito, Relações Etnorraciais, Educação, Trabalho, Reprodução,<br />

Diversi<strong>da</strong>de Sexual, Comunicação e Cultura<br />

04 a 06 de Set<strong>em</strong>bro de 2011<br />

Centro de Convenções <strong>da</strong> Bahia<br />

Salvador - BA<br />

DINÂMICA DA IDENTIDADE EM PESSOAS INTERSEXUAIS: ENTRE VOZES<br />

E SILÊNCIOS<br />

Resumo<br />

Ana Karina Canguçu-Campinho 1<br />

Ana Cecília de Sousa Bastos 2<br />

Isabel Maria Sampaio Oliveira Lima 3<br />

Este estudo analisa a construção <strong>da</strong> identi<strong>da</strong>de <strong>em</strong> <strong>pessoas</strong> <strong>intersexuais</strong>,<br />

compreendendo a intersexuali<strong>da</strong>de como condições nas quais as <strong>pessoas</strong><br />

nasc<strong>em</strong> com anatomias sexuais que não se encaixam na típica definição de<br />

masculino ou f<strong>em</strong>inino. A identi<strong>da</strong>de do intersexual se constrói na interface<br />

com diferentes discursos que ora legitimam ora negam sua existência.<br />

Considera-se neste estudo a identi<strong>da</strong>de como construção narrativa media<strong>da</strong><br />

pelos saberes e poderes heg<strong>em</strong>ônicos. Participaram <strong>da</strong> pesquisa cinco<br />

<strong>intersexuais</strong> acompanhados pelo Serviço de Genética do HUPES/UFBA.<br />

Foram realiza<strong>da</strong>s <strong>entre</strong>vistas narrativas orienta<strong>da</strong>s por três eixos: identi<strong>da</strong>de<br />

como processo dialógico, identi<strong>da</strong>de de gênero relaciona<strong>da</strong> a saberes e<br />

poderes sócio-culturais, corporei<strong>da</strong>de como el<strong>em</strong>ento primordial para<br />

desenvolvimento do senso de si. Resultados Tanto as <strong>vozes</strong> dos familiares,<br />

amigos, vizinhos, profissionais de saúde como os silêncios possuíram um<br />

importante papel na configuração <strong>da</strong> identi<strong>da</strong>de ao participar como<br />

mediadores na construção de significados sobre o corpo. O silenciamento<br />

familiar sobre a história destas <strong>pessoas</strong> foi compreendido como forma de<br />

protegê-las do sofrimento que o “saber” poderia promover. No entanto este<br />

silenciamento diante do evento do nascimento e a existência de um corpo<br />

dito “ambíguo” possibilitou a construção de significados ambivalentes sobre<br />

identi<strong>da</strong>de de gênero. O processo de construção <strong>da</strong> identi<strong>da</strong>de envolveu<br />

diversas posições do Eu: Eu-diferente/singular, Eu-igual/s<strong>em</strong>elhante,Eudoente,<br />

Eu – Ausente/Aliena<strong>da</strong>. Conclusão O senso de si é elaborado a<br />

partir <strong>da</strong> negociação de sentidos familiares e médicos sobre o corpo e<br />

gênero, mas envolve uma dimensão pessoal que organiza e dá sentido as<br />

experiências tornando-as base para a configuração <strong>da</strong> identi<strong>da</strong>de.<br />

Palavra Chave: Intersexuali<strong>da</strong>de; identi<strong>da</strong>de; corpo; intersexo; gênero.<br />

Introdução<br />

A complexi<strong>da</strong>de própria ao processo saúde- doença e as novas<br />

d<strong>em</strong>an<strong>da</strong>s no âmbito <strong>da</strong> saúde pública têm exigido transformações conceituais<br />

1<br />

Doutoran<strong>da</strong> do Instituto de Saúde Coletiva UFBA .Psicóloga do Instituto de Psicologia <strong>da</strong> UFBA.<br />

Karinafc@ufba.br<br />

2<br />

Doutorado <strong>em</strong> Psicologia pela Universi<strong>da</strong>de de Brasília. Docente do Instituto de Psicologia <strong>da</strong> UFBA<br />

3<br />

Doutorado <strong>em</strong> Saúde Pública pelo Instituto de Saúde Coletiva /UFBA . Docente <strong>da</strong> UCSAL


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Direito, Relações Etnorraciais, Educação, Trabalho, Reprodução,<br />

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04 a 06 de Set<strong>em</strong>bro de 2011<br />

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e metodológicas no campo <strong>da</strong> Saúde Coletiva. A inserção de discussões <strong>da</strong>s<br />

ciências sociais e humanas à este campo permitiu ampliar a compreensão dos<br />

processo saúde doença, ultrapassando uma visão exclusivamente<br />

macrossocial para uma visão que inclui as subjetivi<strong>da</strong>des.<br />

Ao rediscutir o conceito de saúde, Almei<strong>da</strong> Filho 4 constata que persiste o<br />

interesse na produção de modelos biomédicos de patologia, com forte<br />

inspiração mecanicista, <strong>em</strong> detrimento de um olhar sobre a saúde <strong>em</strong> sua<br />

complexi<strong>da</strong>de. Este autor realiza uma critica a epid<strong>em</strong>iologia que fun<strong>da</strong>menta<br />

seus indicadores na visão negativa <strong>da</strong> saúde e abor<strong>da</strong> o conceito de saúde<br />

apenas como ausência de doença. Propõe como perspectiva o integral “saúde-<br />

doença-cui<strong>da</strong>do” que permite extrapolar os níveis individuais e sub-individuais<br />

do adoecimento, além de envolver a relação: vi<strong>da</strong>, aflição, sofrimento, dor,<br />

doença, cui<strong>da</strong>do, cura e morte. Neste caso a saúde não seria a ausência de<br />

doença, mas um continuum que envolve as diversas dimensões <strong>da</strong> vi<strong>da</strong><br />

humana.<br />

Incluir a experiência dos sujeitos torna-se relevante para uma<br />

compreensão amplia<strong>da</strong> de saúde, além de possibilitar um reordenamento de<br />

ações e políticas de saúde que envolva os valores, crenças e percepções<br />

destes atores sociais. A narrativa torna-se locus privilegiado de estudo ao<br />

possibilitar a compreensão dos modos como os sujeitos e coletivi<strong>da</strong>des<br />

constro<strong>em</strong> e interpretam vivências de aflição e enfermi<strong>da</strong>de.<br />

No campo <strong>da</strong> intersexuali<strong>da</strong>de, conceito freqüent<strong>em</strong>ente utilizado por<br />

Cientistas Sociais para se referir ao fenômeno que envolve <strong>pessoas</strong> cujos<br />

corpos não se ajustam a expectativa binária do sexo: masculino ou f<strong>em</strong>inino 5,6 ,<br />

as práticas de atenção ain<strong>da</strong> estão direciona<strong>da</strong>s para a doença e não para<br />

saúde. As diferenças orgânicas ou relativas à peculiari<strong>da</strong>de desta experiência<br />

são quase s<strong>em</strong>pre ressalta<strong>da</strong>s como limitações e quase nunca como<br />

4<br />

ALMEIDA FILHO, N. O conceito de saúde: ponto-cego <strong>da</strong> epid<strong>em</strong>iologia? Rev. Bras. Epid<strong>em</strong>iol., São<br />

Paulo, v.3, n1-2, 2000.<br />

5<br />

INTERSEX SOCIETY OF NORTH AMERICA (ISNA). What is intersex? Disponível <strong>em</strong>:<br />

http://www.isna.org/faq/what_is_intersex> acesso 04 Maio 2011<br />

6<br />

Pino, N. P. A teoria queer e os intersex: experiências invisíveis de corpos des-feitos. Cadernos Pagu,<br />

v.28, p. 149-174, jan-jun 2007.


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potenciali<strong>da</strong>des. O intersexo, ou nos termos médicos as Desordens do<br />

Desenvolvimento Sexual (DDS) são trata<strong>da</strong>s como uma disfunção orgânica que<br />

deve ser trata<strong>da</strong> a partir de recursos tecnológicos e medicamentosos. Esta<br />

visão aproxima-se <strong>da</strong> concepção <strong>da</strong> enfermi<strong>da</strong>de como um ente biológico que<br />

existe de forma autônoma e independente <strong>da</strong> experiência do sujeito, <strong>da</strong>s<br />

relações sociais e dos discursos legitimados socialmente. Nesta direção,<br />

muitos estudos são desenvolvidos com o objetivo de analisar as causa de<br />

determina<strong>da</strong>s DSDs, além de propor protocolos de intervenção medicamentosa<br />

ou cirúrgica 7,8 .<br />

Na socie<strong>da</strong>de ocidental, a situação de intersexuali<strong>da</strong>de encontra-se<br />

circunscrita à lógica biomédica, não sendo possível vislumbrar práticas<br />

sist<strong>em</strong>áticas de promoção <strong>da</strong> saúde destina<strong>da</strong>s a este grupo específico. No<br />

Brasil, não exist<strong>em</strong> políticas públicas de saúde específicas aos <strong>intersexuais</strong> e<br />

suas famílias, <strong>em</strong>bora no país a família seja reconheci<strong>da</strong> enquanto objeto<br />

privilegiado de mediação do Estado no cui<strong>da</strong>do à saúde <strong>da</strong> criança (Estratégia<br />

Saúde <strong>da</strong> Família, Núcleo de Apoio à Saúde <strong>da</strong> Família e o Programa de<br />

Atenção Integral à Família).<br />

Não obstante o país tenha assimilado a Convenção do Direito <strong>da</strong><br />

Criança, ain<strong>da</strong> não definiu nenhum programa especial de assistência ao recém-<br />

nascido ou à criança com intersexo. No plano jurisprudencial, escassas têm<br />

sido as decisões relativas ao t<strong>em</strong>a e estes se refer<strong>em</strong> apenas a um aspecto: a<br />

retificação do registro civil seja relativo à própria pessoa intersexual, ou<br />

referente ao transexual. Neste último a situação de intersexo é cita<strong>da</strong> e descrita<br />

como distinta <strong>da</strong> transexuali<strong>da</strong>de. 9 ,10 .<br />

7 Mello ,M. P.; Bachega, T. A.S.S.; Costa-Santos, M.; Mermejo, L.M.; Castro, M. Bases Moleculares <strong>da</strong><br />

Hiperplasia Adrenal Congênita, Arq Bras Endocrinol Metab, v. 46 , n. 4, Agosto de 2002.<br />

8 Damiani, D., Setian, N., Kuperman, H., Manna, T., DICHTCHEKENIAN, V. Genital Ambígua: Diagnostic<br />

Differential. Arq Bras Endocrinol Metab, v.45, n1, Fevereiro 2001.<br />

9 Rio Grande do Sul, Universi<strong>da</strong>de do Vale do Rio dos Sinos , Ação de Assentamento de Registro Civil, nº<br />

70000585836, Apelante: Monteiro Lobatto. Apela<strong>da</strong>: Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Relator :<br />

Sergio Fernando de Vasconcellos Chaves. RioGrande do Sul, 31 de Maio de 2000.<br />

10 São Paulo, Acórdão <strong>da</strong> Quinta Câmara <strong>da</strong> Seção de Direito Civil do Tribunal de Justiça do Estado de<br />

São Paulo. Apelação Cível nº 165.157.4/5. Apelante: Adão Lucimar Apelado: Ministério Público. Relator:<br />

Boris Kauffmann. São Paulo, 22 de Março 2001


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A identi<strong>da</strong>de do intersexual é assim construí<strong>da</strong> na interface de diferentes<br />

discursos que ora legitimam ora negam sua existência. Atores sociais<br />

“negociam” saberes e questionamentos sobre o fenômeno <strong>da</strong> intersexuali<strong>da</strong>de<br />

mediados por diversas posições ideológicas <strong>em</strong> relação ao corpo 11 à identi<strong>da</strong>de<br />

e aos diversos níveis <strong>da</strong> atuação <strong>em</strong> saúde. Este diálogo, configurado pela<br />

prática médica, tanto constrói como reproduz significados sobre gênero, corpo<br />

e identi<strong>da</strong>de. Esta reprodução, ora mais fiel ao modelo prevalente <strong>em</strong> saúde,<br />

ora mais crítica, também pode vir a se refletir na pessoa e/ou familiares<br />

enquanto usuários e enquanto seres humanos.<br />

A perspectiva de identi<strong>da</strong>de aqui discuti<strong>da</strong> não se restringe a dimensão<br />

intrasubjetiva, que considera o senso de si relacionado exclusivamente aos<br />

processos psicológicos, s<strong>em</strong>, no entanto envolver as relações sociais e de<br />

poder. Também neste estudo não se pretende abor<strong>da</strong>r a questão <strong>da</strong>s<br />

identi<strong>da</strong>des sociais, uma vez que a situação <strong>da</strong> intersexuali<strong>da</strong>de não é<br />

considera<strong>da</strong> à priori como um pertencimento, uma identi<strong>da</strong>de social.<br />

A identi<strong>da</strong>de é aqui trata<strong>da</strong> como um <strong>em</strong>aranhado de posições de eu<br />

que configuram um senso de mesmi<strong>da</strong>de, independente <strong>da</strong> plastici<strong>da</strong>de com<br />

que novas dimensões são incorpora<strong>da</strong>s ou mesmo elabora<strong>da</strong>s pelos sujeito . A<br />

identi<strong>da</strong>de se configura na fronteira <strong>entre</strong> o eu e o mundo, <strong>entre</strong> o eu e o outro,<br />

é nesta fronteira de contato que a identi<strong>da</strong>de toma forma e se define enquanto<br />

singular apesar de plural.<br />

Metodologia<br />

Esta pesquisa foi realiza<strong>da</strong> no Serviço de Genética Especial I /<br />

Ambulatório Magalhães Neto / Complexo Hospitalar Universitário Professor<br />

Edgard Santos/UFBA.<br />

Participaram <strong>da</strong> pesquisa <strong>intersexuais</strong> matricula<strong>da</strong>s e acompanhados<br />

sist<strong>em</strong>aticamente pela equipe de saúde deste Serviço de Referência no<br />

11 Fausto-Sterling, The Sex/Gender Perplex. Stud. Hist. Phil. Biol. & Biomed. Sci.,v. 31, n.4, pp. 637–646,<br />

Pergamon Printed in Great Britain, 2000.


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atendimentos às <strong>pessoas</strong> <strong>intersexuais</strong>. Foram selecionados cinco (5)<br />

<strong>intersexuais</strong> adultos utilizando neste processo o banco de <strong>da</strong>dos de pacientes<br />

acompanhados por este serviço e a experiência pessoal e profissional <strong>da</strong><br />

pesquisadora ao estar inseri<strong>da</strong> no campo. Foram selecionados <strong>intersexuais</strong><br />

com diferentes “diagnósticos etiológicos”. Esta escolha metodológica buscou<br />

incluir a varie<strong>da</strong>de de experiências de construção do self suscitados por ca<strong>da</strong><br />

situação <strong>em</strong> particular. Dentro do universo <strong>da</strong> intersexuali<strong>da</strong>de foram<br />

destacados os diagnósticos mais freqüentes que envolv<strong>em</strong> ambigüi<strong>da</strong>de<br />

genital: Hiperplasia Adrenal Congênita, Deficiência de 5alfa redutase e<br />

Insensibili<strong>da</strong>de Androgênica parcial.<br />

Foram utilizados os prontuários e banco de <strong>da</strong>dos do ambulatório para<br />

fornecimento de <strong>da</strong>dos gerais. Todos os participantes foram informados sobre<br />

o objetivo <strong>da</strong> pesquisa e assinaram o Termo de consentimento livre esclarecido<br />

<strong>da</strong> pesquisa.<br />

Foram realiza<strong>da</strong>s <strong>entre</strong>vistas narrativas orienta<strong>da</strong>s pelos seguintes<br />

tópicos: Como o intersexual se percebe e se auto refere. Como a pessoa<br />

intersexual se relaciona com seu corpo. Como ocorreu o processo de<br />

“designação” do sexo. Como se sente <strong>em</strong> relação a sua definição sexual.<br />

Como as múltiplas <strong>vozes</strong> presente na construção <strong>da</strong> identi<strong>da</strong>de <strong>da</strong> pessoa<br />

intersexual dialogam.<br />

A <strong>entre</strong>vista priorizou a experiência e a “voz” <strong>da</strong> própria pessoa<br />

intersexual ao propiciar narrativas autobiográficas.<br />

Foi realiza<strong>da</strong> a analise <strong>da</strong>s narrativas incluindo a elaboração de uma<br />

sinopse comenta<strong>da</strong> para ca<strong>da</strong> caso incluindo o t<strong>em</strong>a principal de ca<strong>da</strong><br />

narrativa <strong>em</strong> particular. Outro procedimento envolveu a criação de categorias e<br />

subcategorias particulares a ca<strong>da</strong> sujeito e posteriormente a construção de<br />

categorias gerais.


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Dialogo <strong>entre</strong> <strong>vozes</strong> na construção <strong>da</strong> identi<strong>da</strong>de<br />

A configuração <strong>da</strong> identi<strong>da</strong>de vista como um processo dinâmico envolve<br />

a participação do outro social, a partir de seus discursos e práticas ao longo <strong>da</strong><br />

vi<strong>da</strong>. No caso <strong>da</strong>s pessoais <strong>intersexuais</strong> os desejos e expectativas familiares<br />

faz<strong>em</strong> parte <strong>da</strong> construção do repertorio de sentimentos que agregam <strong>em</strong><br />

grande parte aceitação ou rejeição. Como ex<strong>em</strong>plo t<strong>em</strong>-se o trecho abaixo <strong>em</strong><br />

que a <strong>entre</strong>vista<strong>da</strong> refere à rejeição do avô após seu nascimento.<br />

“Eu mesmo não tenho raiva de meu avô. Há nenhuma! Eu<br />

tenho pena dele, de ele não ter me aproveitado, de não ter<br />

cui<strong>da</strong>do de mim. Ele não tinha apego nenhum a mim.”( L, 37<br />

anos)<br />

O discurso dos profissionais de saúde também repercute sobre a<br />

configuração do senso de si destes sujeitos. Devido à ênfase na normalização<br />

<strong>da</strong> genitália infantil, os pais poderão experienciar culpa e vergonha pelo<br />

nascimento de uma criança anormal e a pessoa intersexual poderá<br />

experienciar um sentimento de rejeição 12 .<br />

“(cirurgia) Foi na vagina. Acho que foi para alguma correção,<br />

se não me engano, mas eu não liguei muito para isso não... Me<br />

falaram (os médicos) o que era, mas na época eu não ligava<br />

muito não.” (C, 22 anos)<br />

O estigma se apresentou como um aspecto central <strong>da</strong> construção <strong>da</strong><br />

identi<strong>da</strong>de destes sujeitos, afetando a sua imag<strong>em</strong> corporal e dificultando o<br />

estabelecimento de relacionamentos afetivos e sexuais.<br />

“E vi que não era só eu, vi <strong>pessoas</strong> que passavam pelo mesmo<br />

probl<strong>em</strong>a que eu, passaram pelo bullying, <strong>pessoas</strong> que não<br />

conseguiam namorar...tanto é que eu vim namorar muito tarde.<br />

Com mais de 17. Por quê? Porque só comecei a namorar<br />

depois que meus traços f<strong>em</strong>ininos apareceram porque ninguém<br />

namora com uma menina como um musculo, ain<strong>da</strong> mais no<br />

interior. Na capital ninguém liga, mas no interior não. -Ô, o cara<br />

tá com um hom<strong>em</strong>.” (L, 37 anos)<br />

12 GREENBERG, J. Legal Aspects of Gender Assignment. The Endocrinologist, v.13, n.3, June 2003.


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A dimensão do estigma também foi discuti<strong>da</strong> por alguns autores do<br />

ativismo intersexual americano. A ISNA, 13 considera que a questão principal<br />

<strong>em</strong> relação à intersexuali<strong>da</strong>de é a discriminação e estigma social. A vertente<br />

propaga<strong>da</strong> pelos m<strong>em</strong>bros <strong>da</strong> ISNA e por alguns cientistas sociais sugere que<br />

a intersexuali<strong>da</strong>de é uma condição diferente e especial, mas não uma doença<br />

que precisa ser controla<strong>da</strong> e combati<strong>da</strong>.<br />

Lacunas na Historia de vi<strong>da</strong>: o silencio familiar diante do nascimento de uma<br />

criança intersexual<br />

O silencio sobre o corpo intersexual apresenta-se como uma estratégia<br />

utiliza<strong>da</strong> para preservar a saúde mental destes sujeitos. Origina-se então uma<br />

ambivalência, pois ao tentar preservar o sujeito do sofrimento, nega-se uma<br />

parte constitutiva <strong>da</strong> sua identi<strong>da</strong>de: sua historia e seu corpo.<br />

“Ela não conta não, ela não diz não (não conta como foi o<br />

parto, o que os médicos disseram)... Ai ela não fala muito não,<br />

acho que ela já passou por tanta coisa Dra. que ela prefere<br />

evitar, pra gente também não criar rancor.” (L, 34 anos )<br />

A família transfere aos médicos responsabili<strong>da</strong>de de falar sobre a ambigüi<strong>da</strong>de<br />

genital ou sobre aspectos que se relacionam ao nascimento <strong>da</strong> criança.<br />

“Não (não conversava sobre a história do nascimento). Ela<br />

falava –converse com Dra. Diana que ela te explica” (M, 21<br />

anos)<br />

Um dos <strong>entre</strong>vistados não expressa, <strong>em</strong> nenhum momento, saber sobre<br />

a ambigüi<strong>da</strong>de genital ou sobre a intenção <strong>da</strong>s cirurgias as quais foi submetido.<br />

Sabe que fez três cirurgias, mas as relaciona apenas a intervenção no canal <strong>da</strong><br />

uretra.<br />

“Não sei quase na<strong>da</strong> aí nessa área assim, eu sei que tive um<br />

probl<strong>em</strong>a de saúde, agora nessa área assim...Não sei dizer,<br />

não sei explicar. Essa parte eu pulo....Rapaz, acho que foi o<br />

canal <strong>da</strong> uretra que tava errado, não sei, sei que foi <strong>em</strong> alguma<br />

área dessa.” (G,21 anos)<br />

Apresenta uma identi<strong>da</strong>de marca<strong>da</strong>mente masculina, expressando<br />

muitas vezes, mesmo s<strong>em</strong> questionado, que se vê como hom<strong>em</strong>. As <strong>vozes</strong> <strong>da</strong><br />

13 Intersex Society of North America. Associação fun<strong>da</strong><strong>da</strong> <strong>em</strong> 1993. T<strong>em</strong> como missão acabar<br />

com a vergonha, segredo e a cirurgia genital não deseja<strong>da</strong> <strong>em</strong> <strong>pessoas</strong> <strong>intersexuais</strong>.


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família, ou neste caso o silêncio <strong>da</strong> família, aparec<strong>em</strong> no discurso de deste<br />

jov<strong>em</strong> através <strong>da</strong> existência de lacunas de informação, e no tom de voz<br />

baixíssimo ao falar sobre as cirurgias. A vi<strong>da</strong> é construí<strong>da</strong> através de:<br />

afirmações que orientam sua trajetória <strong>em</strong> busca de sucesso profissional e<br />

negações que envolv<strong>em</strong> a história do seu corpo e conseqüent<strong>em</strong>ente do seu<br />

self. A família reforça o desenvolvimento no campo profissional, ao mesmo<br />

t<strong>em</strong>po <strong>em</strong> que restringe o estabelecimento de relações afetivas e sexuais.<br />

De acordo com Harper 14 o segredo e o estigma perpetuam a visão de<br />

monstruosi<strong>da</strong>de, indicando que o “defeito” <strong>da</strong> pessoa intersexual é tão<br />

monstruoso que deve ser escondido e até mesmo apagado.<br />

“A minha mãe, eu acho, eu acredito que minha mãe queria<br />

esconder porque era... era diferente.” (L, 34 anos)<br />

“Foi difícil porque quando eu era pequenas, quando eu nasci as<br />

<strong>pessoas</strong> diziam- esse menino é hom<strong>em</strong>, é hom<strong>em</strong>, olhe para aí<br />

parece um bicho cheio de pêlo, oi pra aí como nasce cheio de<br />

pêlo assim. Um preconceito como era, agora é que estão<br />

mu<strong>da</strong>ndo.”(M,21 anos)<br />

Em relação ao discurso dos <strong>entre</strong>vistados é percebido que estes não falam<br />

claramente sobre a sua situação de intersexuali<strong>da</strong>de, utilizando para tanto<br />

termos vagos e ambivalentes.<br />

“Eu nasci com algum probl<strong>em</strong>a que mainha me disse. Que eu<br />

tive fazer cirurgia para tirar esse negócio.”( M,21anos)<br />

“Eu tive um probl<strong>em</strong>a… eu não estava conseguindo fazer xixi,<br />

pelo jeito que minha mãe me falou, e aí ela me trouxe..”( PC,25<br />

anos)<br />

Posições do Eu na configuração <strong>da</strong> identi<strong>da</strong>de<br />

Eu--diferente/singular<br />

O nascer diferente propicia ao longo do t<strong>em</strong>po uma experiência de<br />

solitude que está enraiza<strong>da</strong> na ausência de pertencimentos sociais comuns.<br />

Algumas <strong>pessoas</strong> <strong>intersexuais</strong> expressam não se sentir<strong>em</strong> humanas ao possuir<br />

14 HARPER,C. Intersex. Berg Publishers, Oxford, NY,2007. 214p; HERMANS ,H.J.M. The construction and<br />

reconstruction of a dialogial self. Jornal of Constructivist Psychology, nº1, p89-130, 2003.


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corpos diferentes dos padrões culturais de “normali<strong>da</strong>de” 15 . Existe uma ruptura<br />

no processo de construção <strong>da</strong> identi<strong>da</strong>de, uma vez que passam a questionar<br />

sua própria humani<strong>da</strong>de, sentindo-se “aberrações”, monstros.<br />

O pertencimento ao grupo de “<strong>pessoas</strong> com hiperplasia” permite que o<br />

processo de construção <strong>da</strong> identi<strong>da</strong>de seja peculiar, mas não ocorre uma<br />

ruptura com a identificação com o humano. Ela sente-se diferente <strong>em</strong> relação<br />

aos padrões sociais de sexo/gênero, destaca que passou por situações<br />

incomuns à maioria <strong>da</strong>s <strong>pessoas</strong>, mas não questiona a sua humani<strong>da</strong>de. O<br />

processo de diagnóstico, principal ferramenta <strong>da</strong> perspectiva Biomédica, cria<br />

então certa estabili<strong>da</strong>de, ao possibilitar que estas <strong>pessoas</strong> percebam-se como<br />

doentes, mas humanas.<br />

“Rapaz, eu pensei que eu era... não é que fosse a única, mas<br />

que eu não fosse encontrar ninguém que passou pela mesma<br />

coisa que eu passei, né... Rapaz, eu fiquei, eu falei “ô”... sentei<br />

na frente do computador e chorei. Eu achava que eu... “meu<br />

deus, só eu que passo por isso...”(L, 37 anos)<br />

A sensação de diferença se constrói a partir <strong>da</strong> interação subjetiva com<br />

o meio, uma vez que o senso de si é afetado pelos pertencimentos e não<br />

pertencimentos sociais. Nesta interação self – meio, o self é ativo e possibilita<br />

tanto rearranjos quanto a <strong>em</strong>ergência de novi<strong>da</strong>de psicológica. A identi<strong>da</strong>de é<br />

assim dialogicamente construí<strong>da</strong> e envolve descontinui<strong>da</strong>des, mas<br />

principalmente um sentimento de estabili<strong>da</strong>de do self. O Eu-como-<br />

diferente/singular aparece como uma posição central do self regulando outros<br />

posicionamentos e orientando o processo de construção <strong>da</strong> identi<strong>da</strong>de.<br />

Eu- igual/s<strong>em</strong>elhante<br />

O sentimento de igual<strong>da</strong>de, de pertencer a humani<strong>da</strong>de apresentou-se<br />

articula<strong>da</strong> ao encontro com outras pessoa que possu<strong>em</strong> vivenciam<br />

s<strong>em</strong>elhantes. A dor de ser diferente é então conecta<strong>da</strong> a existência de um ciclo<br />

<strong>em</strong> que “a dor do outro ameniza minha dor e esta experiência me permite<br />

15 Relato obtido no documentário Mistérios <strong>da</strong> sexuali<strong>da</strong>de . Produção: David Elisco. Edição: Mickey<br />

Green.


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compreender a experiência do outro e mu<strong>da</strong>r um el<strong>em</strong>ento que intensificaria a<br />

dor o olhar do outro que discrimina “<br />

Eu- Doente<br />

“O que mais me amenizou a minha dor foi quando eu vi uma<br />

menina que ela tinha traços mais masculinos do que eu. Eu<br />

não sei n<strong>em</strong> se ela tá mais aqui. (ambulatório) Mas ela... o<br />

traço dela era todo masculinizado. O meu acho que já depois<br />

de tomar a medicação já tinha, né, o hormônio f<strong>em</strong>inino já<br />

tinha, vamos dizer, reduzido os traços masculinos. Mas eu não<br />

discriminava ela porque eu já tinha passado pela mesma<br />

situação. Eu vim com minha cunha<strong>da</strong>, ela ficou assusta<strong>da</strong><br />

assim, ai eu disse fique quieta. Por que eu sei que você ser<br />

discrimina<strong>da</strong> pelo olhar é horrível. A palavra eu não sei se dói<br />

tanto, mas o olhar... dói d<strong>em</strong>ais.”( L, 37 anos)<br />

A visão do fenômeno <strong>da</strong> intersexuali<strong>da</strong>de é aqui compreendido pelos<br />

<strong>entre</strong>vistados como uma doença s<strong>em</strong> cura. Esta percepção tanto <strong>da</strong>s <strong>pessoas</strong><br />

<strong>intersexuais</strong> quanto <strong>da</strong> sua família é reforça<strong>da</strong> pelos discursos e práticas<br />

médicas.<br />

“... eu sei que não t<strong>em</strong> cura, mas melhorar um pouco, tomando<br />

medicamento, levando...E seja o que deus quer.”( M, 21 anos)<br />

A rotina e os tratamentos contínuos também participam <strong>da</strong> construção do Eu-<br />

Doente.<br />

Eu – Ausente/Aliena<strong>da</strong><br />

“Que assim <strong>em</strong> termo de médico precisa vir direto, todo dia. Passava<br />

mais o dia no hospital do que <strong>em</strong> casa... Eu sei que exame para lá,<br />

exame para cá, colégio também que não podia ir. Perdi o ano por<br />

causa disso, porque tive que viajar.”(G,21 anos)<br />

Além <strong>da</strong> complexi<strong>da</strong>de <strong>da</strong> comunicação medico paciente, <strong>em</strong> que a<br />

linguag<strong>em</strong> utiliza<strong>da</strong> pelos profissionais de saúde não corresponde à d<strong>em</strong>an<strong>da</strong><br />

<strong>da</strong> pessoa intersexual e sua família, existe uma estratégia pessoal de alienação<br />

<strong>da</strong> sua historia. Este comportamento parece estar associado a necessi<strong>da</strong>de de<br />

evitar o sofrimento que a compreensão <strong>da</strong> questão poderia provocar.<br />

“Falavam o nome do probl<strong>em</strong>a, do probl<strong>em</strong>a não <strong>da</strong> situação<br />

que eu tenho, com a minha mãe, mas eu não queria ouvir.<br />

Primeiro porque eu não queria, segundo porque eu achava que<br />

era complicado d<strong>em</strong>ais pra ficar esquentando minha cabeça<br />

com isso.”(L,37 anos)<br />

“Eu não sei exatamente o que foi , eu era pequena. Eu tenho o<br />

papel lá <strong>da</strong> cirurgia, só que eu lí, mas faz muito t<strong>em</strong>po que eu lí


Considerações Finais<br />

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e eu não abstraí na<strong>da</strong> não .Eu sei que foi na região pelvica,<br />

mas exatamente para quê foi eu não me l<strong>em</strong>bro ..Se não me<br />

engano já me falaram comigo também , mas não l<strong>em</strong>bro.”( C,<br />

22anos)<br />

Tanto as <strong>vozes</strong> dos familiares, amigos, vizinhos, profissionais de saúde<br />

como os silêncios possuíram um importante papel na configuração <strong>da</strong><br />

identi<strong>da</strong>de de gênero nas <strong>pessoas</strong> <strong>intersexuais</strong>, participando como mediadores<br />

na construção de significados sobre o corpo. A identi<strong>da</strong>de <strong>da</strong> pessoa<br />

intersexual é assim construí<strong>da</strong> no <strong>entre</strong>laçamento de <strong>vozes</strong> e silêncios que dão<br />

significados a sua existência.<br />

Neste estudo foi possível compreender que o segredo tornou-se a<br />

principal estratégia <strong>da</strong> família para li<strong>da</strong>r com o nascimento de uma criança<br />

intersexual. O relativo silenciamento familiar sobre a história destas <strong>pessoas</strong> foi<br />

compreendido como forma de protegê-las do sofrimento que o “saber” poderia<br />

promover. Acredita-se que a integri<strong>da</strong>de <strong>em</strong>ocional destas <strong>pessoas</strong> seria<br />

assegura<strong>da</strong> pelo sigilo sobre seu nascimento e historia de vi<strong>da</strong>.<br />

Muitos pais não relatam fatos que envolv<strong>em</strong> a ambigui<strong>da</strong>de genital,<br />

sugerindo, por vezes, que seus filhos busqu<strong>em</strong> informações com os médicos.<br />

Este pacto do segredo termina se propagando (ou afetando) o próprio discurso<br />

destas <strong>pessoas</strong> <strong>intersexuais</strong> sobre si e sobre seu corpo. São usados termos<br />

vagos como “esse negócio” e “algum probl<strong>em</strong>a” para se referir ao clitóris<br />

“aumentado”.<br />

Percebe-se que a narrativa sobre a existência e sua vin<strong>da</strong> ao mundo é<br />

<strong>entre</strong>corta<strong>da</strong> por desconhecimento e pelo sigilo propagado pela família e pelos<br />

profissionais médicos. Origina-se então ambivalência, pois ao tentar preservar<br />

o sujeito do sofrimento, nega-se uma parte constitutiva <strong>da</strong> sua identi<strong>da</strong>de: sua<br />

historia e seu corpo.<br />

A construção <strong>da</strong> identi<strong>da</strong>de apresentou-se profun<strong>da</strong>mente articula<strong>da</strong> aos<br />

discursos sociais de normali<strong>da</strong>de e anormali<strong>da</strong>de representados ora pelos


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profissionais de saúde ora pela família. O acompanhamento médico<br />

sist<strong>em</strong>ático representa simbolicamente para estas <strong>pessoas</strong> a confirmação <strong>da</strong><br />

sua condição de doente, apesar de não vivenciar<strong>em</strong> limitações físicas<br />

relevantes.<br />

O Estigma também se apresentou como uma experiência que<br />

influenciou a percepção de si destas <strong>pessoas</strong>. Uma característica de<br />

introversão ou relativa dificul<strong>da</strong>de na interação social foi associa<strong>da</strong> a uma<br />

autoimag<strong>em</strong> afeta<strong>da</strong> pela discriminação social vivi<strong>da</strong>.<br />

O senso de si é então elaborado a partir <strong>da</strong> negociação de sentidos<br />

familiares e médicos sobre o corpo e gênero, mas envolve uma dimensão<br />

pessoal que organiza e dá sentido as experiências tornando-as base para a<br />

configuração <strong>da</strong> identi<strong>da</strong>de pessoal. A dimensão <strong>da</strong> identi<strong>da</strong>de constrói-se<br />

assim através de múltiplos, ambivalentes e quase paradoxais contextos<br />

dialógicos.<br />

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Vasconcellos Chaves. RioGrande do Sul, 31 de Maio de 2000.<br />

SÃO PAULO, Acórdão <strong>da</strong> Quinta Câmara <strong>da</strong> Seção de Direito Civil do Tribunal de<br />

Justiça do Estado de São Paulo. Apelação Cível nº 165.157.4/5. Apelante: Adão<br />

Lucimar Apelado: Ministério Público. Relator: Boris Kauffmann. São Paulo, 22 de<br />

Março 2001.

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