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Torrão Arqueologia Historia e Património Vol 2 - Câmara Municipal ...

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TORRÃO DO ALENTEJO: <strong>Arqueologia</strong>, História e <strong>Património</strong><br />

<strong>Vol</strong>ume 2<br />

Colecção - Elementos para a História do Município de Alcácer do Sal, nº 4<br />

http://www.cmalcacerdosal.pt/PT/Actualidade/Publicacoes/Paginas/EstudosdoGabinetede<strong>Arqueologia</strong>.aspx<br />

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TORRÃO DO ALENTEJO: <strong>Arqueologia</strong>, História e <strong>Património</strong><br />

<strong>Vol</strong>ume 2<br />

<strong>Torrão</strong> do Alentejo:<br />

<strong>Arqueologia</strong>, História e <strong>Património</strong><br />

<strong>Vol</strong>ume 2<br />

António Rafael Carvalho<br />

Edição Conjunta (on-Line)<br />

Junta de Freguesia do <strong>Torrão</strong><br />

<strong>Câmara</strong> <strong>Municipal</strong> de Alcácer do Sal<br />

Alcácer do Sal, 2009<br />

Colecção - Elementos para a História do Município de Alcácer do Sal, nº 4<br />

http://www.cmalcacerdosal.pt/PT/Actualidade/Publicacoes/Paginas/EstudosdoGabinetede<strong>Arqueologia</strong>.aspx<br />

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TORRÃO DO ALENTEJO: <strong>Arqueologia</strong>, História e <strong>Património</strong><br />

<strong>Vol</strong>ume 2<br />

FICHA TÉCNICA<br />

<strong>Torrão</strong> do Alentejo:<br />

<strong>Arqueologia</strong>, História e <strong>Património</strong><br />

<strong>Vol</strong>ume 2<br />

Edição Conjunta (on-Line)<br />

Junta de Freguesia do <strong>Torrão</strong><br />

<strong>Câmara</strong> <strong>Municipal</strong> de Alcácer do Sal<br />

Edição, 2009.<br />

Autor<br />

António Rafael Carvalho<br />

Memórias Paroquiais de 1758, referentes ao Município de Alcácer do Sal<br />

Transcrição de:<br />

Carla Macedo<br />

Composição<br />

António Rafael Carvalho<br />

Fotos<br />

António Rafael Carvalho<br />

Mário Perna<br />

Fotos Antigas do <strong>Torrão</strong><br />

IGESPAR (Arquivo da ex- DGEMN)<br />

Design da Capa<br />

Célia Alexandre<br />

Cartografia<br />

Elaborada sobre bases digitais fornecidas por:<br />

João Pires (CMAS)<br />

Google Earth 2009<br />

Earth Explorer 5.0, da Motherplanet.com<br />

http://www.maps-for-free.com/ sobre base do Google Maps 2009<br />

Desenhos<br />

António Rafael Carvalho<br />

(O livro teve que ser dividido em vários volumes, de forma a poder ser inserido em formato digital no site<br />

do Município de Alcácer do Sal)<br />

Colecção - Elementos para a História do Município de Alcácer do Sal, nº 4<br />

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TORRÃO DO ALENTEJO: <strong>Arqueologia</strong>, História e <strong>Património</strong><br />

<strong>Vol</strong>ume 2<br />

Índice:<br />

Capítulo 4<br />

Ḥiṣn Ṭurruš/<strong>Torrão</strong><br />

Aspectos da Presença Islâmica no Médio Sado<br />

1. A Primeira Fase…………………………………………………………………………….……………………6<br />

2. A Região nos Séculos XII-XIII:…………………………………………………………………………..…9<br />

2.1. Aspectos Gerais………………………………………………………………………………….…9<br />

2.2. A Análise do Documento Régio de D. Sancho I, a favor da Ordem de Santiago…11<br />

2.2.1 Comentário:……………………………………………………………………………12<br />

3. O <strong>Torrão</strong>, em contexto Islâmico Tardio…………………………………………………………………15<br />

3.1. As Etapas Finais da Presença Militar Islâmica na Região (1159-1233): Uma<br />

síntese Diacrónica………………………………………………………………………………………………..15<br />

3.1.1. Nota Prévia………………………………………………………………………..….15<br />

3.1.2. (I Fase) Autonomia Politica de Alcácer e o assassinato do seu Soberano<br />

Alī al-Wahībī pelas Elites Locais (1159-1165)………………………………………………….15<br />

3.1.3 (II Fase). A transformação do Ḥiṣn Ṭurruš/<strong>Torrão</strong> em Ribāṭ-Muṣalla<br />

Muwaḥḥῑd frente a Évora e Alcácer (1184-1191)……………………………………………..16<br />

3.1.4. (III Fase). Transformação de Alcácer, em Qaṣr-al-Fatḥ e delegação da<br />

chefia do Ṯaghr al-Qaṣr aos Banū Wazīrí. (1191-1212)……………………………………..16<br />

3.1.5. (IV Fase). A Obediência “Nominal” dos Banū Wazῑrí ao soberano<br />

Almóada. (1212-1217)………………………………………………………………………………17<br />

3.1.6 (V Fase). A resistência Islâmica no Ḥiṣn Ṭurruš/<strong>Torrão</strong>, entre 1217 e<br />

1233 (?): Provável ascensão a sede militar de âmbito regional, frente aos portugueses<br />

instalados em Alcácer e Évora……………………………………………………………………..18<br />

4. A Prática da ŷihād no <strong>Torrão</strong>……………………………………………………………………….………19<br />

Capítulo 5.<br />

O <strong>Torrão</strong>:<br />

Após a Conquista Cristã de 1233 (!)<br />

1. A Investigação da <strong>Historia</strong> Local em Contexto Espatário: Limites e Objectivos………………20<br />

2. O Desempenho dos “Cavaleiros de Alcácer” na região: Os seus reflexos no <strong>Torrão</strong> entre<br />

1218 e 1237………………………………………………………………………………………………………..20<br />

2.1. Enquadramento Geral…………………………………………………………………………..20<br />

2.2. A Inserção Definitiva do <strong>Torrão</strong> no Reino de Portugal: 1233 (!)………………….…23<br />

2.3. O papel do <strong>Torrão</strong> na apropriação do Território Islâmico envolvente:……………..27<br />

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TORRÃO DO ALENTEJO: <strong>Arqueologia</strong>, História e <strong>Património</strong><br />

<strong>Vol</strong>ume 2<br />

Capítulo 6.<br />

Monumentos da Área Urbana do <strong>Torrão</strong>:<br />

1. Nota prévia………………………………………………………………………………………………..……29<br />

2. Imagens da Região e da Vila do <strong>Torrão</strong>, nos finais do século XIX e inícios do<br />

XX…………………………………………………………………………………………………………………….29<br />

2.1. Segundo Leite de Vasconcelos (1889)……………………………………………………...29<br />

2.2. Um passeio botânico ao <strong>Torrão</strong> (publicado em 1902)………………………………….31<br />

2.3. Carta do <strong>Torrão</strong>, publicado no Jornal Pedro Nunes de Alcácer do sal, a 6 de Junho<br />

de 1908……………………………………………………………………………………………………………..32<br />

3. Monumentos da Área Urbana………………………………………………………………………………33<br />

4. Roteiro do <strong>Património</strong>………………………………………………………………………………………..33<br />

4.1. <strong>Património</strong> Arqueológico……………………………………………………………………….33<br />

5.1.1. O Castelo do <strong>Torrão</strong>……………………………………………………………..….33<br />

4.2. O <strong>Património</strong> Religioso………………………………………………………………………….34<br />

4.2.1. Igreja de Nossa Senhora da Assunção (Antiga Igreja Matriz de Santa<br />

Maria do <strong>Torrão</strong>) …………………………………………………………………………………….…35<br />

4.2.2. Nossa Srª da Albergaria………………......................................................36<br />

4.2.3. Igreja do Carmo………………………………………………………………..……37<br />

4.2.4. Convento das Freiras Clarissas………………………………………………..…37<br />

1. Introdução……………………………………………………………………….37<br />

2. Breve Nota Histórica sobre a Origem do Convento……………………38<br />

3. Breves Apontamentos Bibliográficos: Anexo documental…………..40<br />

3.1. Nota Prévia: ……………………………………………………….40<br />

3.2. As Freiras……………………………………………………………40<br />

4.2.5. Convento de S. Francisco………………………………………………………….45<br />

4.2.6. Ermidas da Freguesia do <strong>Torrão</strong>…………………………………………………45<br />

4.2.6.1. O papel das Ermidas no Espaço rural do <strong>Torrão</strong>……………..…45<br />

4.2.6.2. Ermida de S. João dos Azinhais…………………………………….46<br />

4.2.6.3. Ermida de S Fausto…………………………………………………….47<br />

4.2.6.4. Ermida de N ª S ª do Bom Sucesso…………………………………47<br />

4.2.6.5. Ermida de S. João Nepumoceno……………………………………50<br />

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TORRÃO DO ALENTEJO: <strong>Arqueologia</strong>, História e <strong>Património</strong><br />

<strong>Vol</strong>ume 2<br />

Capítulo 4<br />

Ḥiṣn Ṭurruš/<strong>Torrão</strong><br />

Aspectos da Presença Islâmica no Médio Sado<br />

1. A Primeira Fase.<br />

O topónimo Ṭurruš, usado em contexto islâmico para o actual <strong>Torrão</strong>,<br />

corresponde a uma adaptação fonética da palavra latina Turres, que no decurso da<br />

Antiguidade Tardia, é sinónimo de villa romana.<br />

Como já foi anteriormente exposto, este topónimo latino seria atribuído à colina<br />

onde vai ser edificado um castelo em contexto islâmico.<br />

Trata-se de um topónimo bastante comum no al-Andalus e de difícil<br />

interpretação, porque está sujeita a várias leituras.<br />

Na sequência do que temos vindo a expor ultimamente, defendemos a hipótese<br />

de este “turrus” corresponder a uma ocupação tardo romana de vocação agrícola e<br />

que também daria apoio à via romana, antes de esta atravessar a ponte do Xarrama.<br />

Tendo em conta a escassez de ocupação romana dentro da área urbana do<br />

<strong>Torrão</strong>, o melhor candidato a Turrus, poderá ser a villa romana existente na área da<br />

Fonte Santa, no qual o Penedo Minhoto, localizado a algumas centenas de metros,<br />

poderia corresponder à sua necrópole!<br />

O período islâmico no <strong>Torrão</strong>, continua a ser um capítulo ainda por escrever.<br />

Os únicos dados disponíveis, permitem uma leitura para a fase final do século<br />

VII, ainda em contexto Visigótico, nas vésperas da conquista islâmica. Nos séculos<br />

seguintes reina o silêncio documental; e só a partir do século XII, voltamos a ter<br />

alguns elementos, coincidindo estes com a afirmação do poder Almóada neste<br />

território, em disputa com o Reino de Portugal.<br />

As reservas do museu municipal de Alcácer possuem um fragmento de<br />

cerâmica a torno lento e de pastas locais proveniente do Castelo do <strong>Torrão</strong>.<br />

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Apesar de se tratar de uma<br />

cerâmica descontextualizada e<br />

aparentemente única até ao momento,<br />

corresponde a uma forma aberta que<br />

apresenta paralelos com formas coevas<br />

exumadas em contextos emirais de<br />

Alcácer do Sal e Palmela. 1<br />

Apesar deste indício importante,<br />

a realidade é que entre o ano 700 e<br />

1184, o silêncio documental parece ser<br />

quase total, o que permite sugerir o<br />

seguinte cenário:<br />

1 As maiores diferenças encontradas na cerâmica do <strong>Torrão</strong>, corresponde à pasta, sugerindo um fabrico local, onde é<br />

patente elementos não plásticos de grão médio e grosseiro típico das areias locais resultantes da erosão do substrato<br />

rochoso do Paleozóico. Os parelelos identificados em Alcácer do Sal (inédito) e Palmela, correspondem a formas abertas<br />

similares, contudo paresentam uma menor espessura de parede e de capacidade interna. As pastas também são<br />

diferentes, utilizando as areias da bacia Terciária do Sado.


TORRÃO DO ALENTEJO: <strong>Arqueologia</strong>, História e <strong>Património</strong><br />

<strong>Vol</strong>ume 2<br />

- Defendemos a hipótese de que terá existido uma presença humana neste<br />

espaço, desde o início do período islâmico, século VIII, em moldes e ritmos de<br />

apropriação do território que nos escapam.<br />

Admitimos que o <strong>Torrão</strong> terá sido, no Período Romano e durante a Islamização,<br />

o “centro administrativo deste território”, contudo são necessários mais elementos de<br />

análise, para além do topónimo e de uma ponte romana, que não deixou indiferentes<br />

as comunidades que ao longo dos séculos, por aqui ficaram.<br />

Só em contexto medieval português, por volta de 1249, é que a Vila do <strong>Torrão</strong><br />

emerge da documentação, como sede de município, emancipado de Alcácer, após<br />

atribuição de uma Carta de Foral, que entretanto desapareceu. 2 .<br />

Trata-se de uma situação similar com o que se passou com Santiago do Cacém.<br />

Em ambos os casos, estamos perante um padrão que não nos parece ser<br />

coincidência, mas antes, ser resultado de uma linha de acção por parte da Ordem de<br />

Santiago, que necessita de ser aprofundado, que escapa dos objectivos deste livro;<br />

mas que pode ser equacionado deste modo:<br />

- Até que ponto, a ausência de documentação já anteriormente referida, traduz<br />

ou não, ausência de povoamento ou “vazio administrativo”.<br />

A nível regional, exemplos não nos faltam; podemos mencionar a título de<br />

exemplo, o caso paradigmático de Palmela 3 , assim como Montemor-o-Novo em<br />

contexto Almóada. 4<br />

Pelo exposto, torna-se claro que é fundamental analisar toda a documentação<br />

disponível, associada a um conhecimento adequado do território em estudo, porque<br />

felizmente a análise arqueológica não se resume unicamente a fragmentos de<br />

cerâmicas ou de estruturas!<br />

Perante o exposto, parece-nos claro que o estudo da presença islâmica no<br />

<strong>Torrão</strong>, terá que seguir uma metodologia semelhante.<br />

Em termos geográficos, o <strong>Torrão</strong> localiza-se quase a meio caminho entre três<br />

cidades importantes do Garb al-Andalus:<br />

- Al-Qasr/Alcácer, Évora e Beja.<br />

O acesso a estas medinas, ou entre elas, só podia ser efectuado por via<br />

terrestre.<br />

Este facto “incentivava” uma permanência humana no <strong>Torrão</strong>, para “apoio<br />

viário” e servir os interesses políticos das medinas vizinhas.<br />

Segundo as fontes, o poder instalado nas principais urbes do Garb “não olhava”<br />

com simpatia os “nómadas”, islamizados ou talvez não, que deambulavam por esta<br />

região e que depreciativamente eram apelidados de berberes.<br />

2 Segundo a tradição, terá sido atribuído por um Mestre da Ordem de Santiago.<br />

3 O castelo só é referido nas fontes muçulmanas e portuguesas em meados do século XII, contudo as escavações<br />

arqueológicas no seu interior, demonstraram a sua existência, desde meados do século VIII. Pensamos que é num<br />

quadro semelhante a este, que devemos olhar para o <strong>Torrão</strong>.<br />

4 Pela leitura do território avançamos em 2000, no I Encontro Internacional sobre Castelos/Palmela, que os castelos de<br />

Palmela e Montemor-o-Novo teriam que ter guarnições almóadas para apoiar a base militar instalada em Alcácer. Na<br />

altura em que apresentamos esta hipótese, não existia nenhuma documentação arqueológica que fundamentasse essa<br />

leitura, por isso tivemos que nos apoiar na leitura do território, em sintonia com algumas fontes que nos falam da<br />

postura militar islâmica. Só em 2003/4 é que apareceram as primeiras cerâmicas almóadas nesses dois castelos,<br />

confirmando as hipóteses anteriormente formuladas.<br />

Colecção - Elementos para a História do Município de Alcácer do Sal, nº 4<br />

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TORRÃO DO ALENTEJO: <strong>Arqueologia</strong>, História e <strong>Património</strong><br />

<strong>Vol</strong>ume 2<br />

Sobre esta questão é interessante analisar o relato que chegou até nós do<br />

ataque de Ordonho a Évora, onde a dado passo é referido a preocupação por parte da<br />

elite política de Badajoz, sobre uma medina de Évora em ruínas, mas que poderia vir a<br />

ser ocupada por bandos de berberes ostis, que regularmente “circulam” pelo Alentejo.<br />

Outro dado interessante que nos parece interessante constatar, é o aparente<br />

desinteresse dos Banu Danis instalados em Alcácer, em anexar Évora, quando esta<br />

ficou despovoada.<br />

A iniciativa de recuperar Évora, coube unicamente ao soberano de Badajoz, que<br />

deste modo pode instalar um aliado nesta cidade e reforçar a aliança que tinham com<br />

os alcacerenses.<br />

Após uma fase aparentemente estável durante o Período Califal, ao longo do<br />

século X, nos inícios do século XI, esta região regressou novamente à instabilidade<br />

política, que irá afectar “gravemente”a estrutura económica e demográfica de toda<br />

esta área.<br />

Nesta fase, o <strong>Torrão</strong> localizava-se na “linha de fronteira” que foi estabelecida<br />

entre os dois reinos de Taifas mais importantes do Garb; - Sevilha e Badajoz.<br />

Os vários autores muçulmanos que “laconicamente” referem esta zona, são<br />

unânimes em frisarem a enorme insegurança que então se vivia.<br />

Segundo Ibn Idari 5<br />

(p. 1667-168) “Conflitos de los primeiros aftasíes:<br />

En el 421/1030 hubo conflictos y guerras entre Isma´il bn di-l-Wizaratayn Abi-l-<br />

Qasim el qadi con Ibn al-Aftas. El sevillano pidió ayuda a Ibn ´Abd Allah al-Birzali,<br />

5 Citado por Pérez Alvarez, 1992, Fuentes Árabes de Extremadura, p. 166-170. Mantivemos o texto original em<br />

espanhol.<br />

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<strong>Vol</strong>ume 2<br />

sahid de Carmona, centro de la fitna, y este cerco a Ibn al-Aftas en Baya (Beja), le<br />

mato a muchos hombres e hizo prisionero al hijo de Ibn al-Aftas y lo encarceló. Llegó<br />

esta algazúa de Ibn al-Aftas hasta el limite... 6<br />

(p. 169) “Y de las cosas sabidas de memoria está que al-Mu´tadid continuó la<br />

guerra con Ibn al-Aftas en los meses del año 442/1050-51 y que conquisto gran<br />

número de castillos que unió a su ´amal, los fortifico con sus hombres; destruyó sus<br />

amplas edificaciones, arraso sus cosechas y arrebato su ganado. No fue capaz al-<br />

Muzaffar de defenderse un solo palmo y se refugio en Badajoz, de donde no salió ni un<br />

solo caballero. Al quejarse de su situación a sus aliados no encontro ningún partidário<br />

ni defensor. Cuando concluyó al-Mu´tadid el sometimiento de su território, decidió<br />

volver a Sevilla en sawwal de ese año. 7<br />

É provável que a estabilidade só chegue de uma forma clara após 1094,<br />

quando os Almorávidas anexam a Taifa Aftássida de Badajoz ao seu império e criam<br />

uma região administrativa de fronteira denominada al-Qasr, com sede em Alcácer do<br />

Sal.<br />

Os períodos de “paz” em termos documentais, coincidem quase sempre com<br />

vazios de informação, dado que a quase totalidade dos relatos conhecidos só<br />

descrevem actos bélicos.<br />

Mais uma vez, a região do <strong>Torrão</strong> regressa ao seu “longo silêncio”.<br />

2.1. Aspectos Gerais.<br />

2. A Região nos Séculos XII-XIII:<br />

Após 1145, o Emirato Almorávida em crise, entra em colapso e acelera o desvio<br />

de tropas para o Magreb onde luta pela sua “sobrevivência” fase à revolta Almóada.<br />

No al-Andalus, perante um “vazio” da autoridade Almorávida e o emergir de<br />

movimentos de natureza sufista, eclodem várias revoltas cujos reflexos terão chegado<br />

a esta região.<br />

O vazio de “valores e de legalidade de natureza política”, criam gradualmente<br />

um grande desconforto no campo islâmico, agravando-se ainda mais, face a um<br />

avanço cristão para sul que parece imparável.<br />

6<br />

O texto é claro em afirmar que a guerra entre as duas taifas terá sido violenta no Baixo Alentejo. Estava em causa a<br />

posse da cidade de Beja. A norte estendiam-se os domínios dos Aftássidas de Badajoz e para Sul, em progressão para<br />

Norte, expandiam-se os Abádidas de Sevilha. O choque foi inevitável. Não sabemos o que terá acontecido no <strong>Torrão</strong>.<br />

Teoricamente e com base no que temos defendido desde algum tempo, o <strong>Torrão</strong> faria parte da “Taifa de Alcácer”. O<br />

eclodir da guerra violenta entre esta duas taifas, obrigará os Alcacerenses a optarem por um dos reinos. Terão sido<br />

anexados por Sevilha por algum tempo, contudo durante grande parte do século XII, farão parte do território Taifa de<br />

Badajoz.<br />

7<br />

Descontando os naturais exageros das crónicas, o que nos parece interessante valorizar neste texto são os seguintes<br />

aspectos:<br />

1 – O âmbito geográfico do conflito, que parece coincidir com o Baixo Alentejo entre o <strong>Torrão</strong> e Beja, e o sul da<br />

Estremadura espanhola<br />

2 – Estamos perante um território povoado, semeado de fortalezas, que garante o controle territorial e “expressão do<br />

poder” de cada um dos beligerantes.<br />

3 – A base económica parece concentrar-se na criação de gado e na agricultura.<br />

4 – Apesar de existir a figura do soberano, este depende das alianças de “senhores locais”, instalados em castelos e<br />

que atentos às conjunturas políticas, poderiam oscilar as suas lealdades! O <strong>Torrão</strong> poderia ser um desses casos, dada a<br />

sua situação de fronteira entre estas duas taifas.<br />

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<strong>Vol</strong>ume 2<br />

Face a esta conjuntura, o campo muçulmano fragmenta-se e as “lealdades” são<br />

estabelecidas com os “Senhores da Guerra”, sejam eles cristãos ou muçulmanos,<br />

dissidentes ou não 8 .<br />

É nesta fase que em 1158, os alcacerenses sunitas, liderados por Ali Whahibi<br />

solicitam protecção militar a D. Afonso Henriques, para não serem anexados ao<br />

Califado Magrebino dos Almóadas. 9<br />

Mais uma vez, a localização do <strong>Torrão</strong>, numa zona de fronteira de “áreas de<br />

influência”, entre Évora, Alcácer e Beja, impede-nos de aferir em que realidade política<br />

se encontrava inserida.<br />

Tendo em conta o papel de “esvaziamento gradual” que a medina de Beja vai<br />

sofrendo desde o Período Califal, como pólo militar, cultural e administrativo, não nos<br />

surpreende que a passagem dessas funções seja assumida pelas “elites” instaladas em<br />

praças militares mais fortes, como seriam os casos de Évora ou Alcácer.<br />

Por outro lado, não nos podemos esquecer que Alcácer em contexto<br />

Almorávida, assumiu durante anos, a chefia militar da Fronteira do Garb, dominando<br />

um vastíssimo território que em termos de hierarquia lhe devia obediência, desde as<br />

praias da Comporta até aos primeiros picos nevados da Sierra de Gredos, na<br />

vizinhança da actual Comunidade Autónoma de Madrid.<br />

É certo que esse poder Alcacerense repousava quase todo nas mãos do corpo<br />

militarizado almorávida, em indivíduos de etnia saariana e exteriores às redes<br />

familiares locais.<br />

Por serem estranhos à região e para poderem controlar um espaço amplo, que<br />

engloba partes importantes do actual Alentejo e da vizinha Estremadura Espanhola,<br />

tendo em conta as dificuldades de deslocação na época, é provável que o<br />

representante do poder almorávida instalado em al-Qasr, tenha escolhido algumas<br />

cidades e castelos para a delegação de funções, instalando nesses postos chaves,<br />

homens da sua confiança, quase sempre de origem magrebina e saariana.<br />

Este mecanismo de gestão, permitiria articular de forma adequada a<br />

informação”sensível” e a colecta de recursos necessários para a manutenção do<br />

aparelho militar e dar alguma segurança ao desenvolvimento económico. 10<br />

Apesar do tamanho desmedido do espaço geográfico à responsabilidade de<br />

Alcácer, esta cidade possuía igualmente num raio de acção mais limitado, um espaço<br />

económico específico, que geria de forma directa. Admitimos que esse território<br />

coincidisse com a bacia do Médio e Baixo Sado, incluindo naturalmente o <strong>Torrão</strong>.<br />

Na realidade, seria errado para o poder muçulmano, não prestar atenção a este<br />

castelo do Xarrama.<br />

Não é só a questão estratégica desta praça-forte num âmbito mais regional que<br />

contava, localizado entre duas cidades da bacia do Sado 11 , mas sim aproveitar os seus<br />

recursos naturais, as florestas, a circulação fluvial, os seus campos férteis, propício à<br />

criação de gado, que naturalmente e mesmo em clima de economia de guerra,<br />

permitiria a manutenção de “rotas comerciais”.<br />

Aceitando a hipótese de que existe uma presença humana no <strong>Torrão</strong> que<br />

transita do Período Romano para a Fase Islâmica logo após a conquista efectuada no<br />

século VIII; - que “presença humana” terão as tropas portuguesas encontrado neste<br />

território no decurso dos séculos XII e XIII?<br />

8<br />

Apesar da distância cronológica, dos actores serem diferentes e de reportarem a realidades geográficas<br />

completamente distintas, o ambiente das II Taifas, apresenta alguns pontos de semelhança com o actual Afeganistão.<br />

9<br />

Sobre esta questão, consultar o nosso trabalho, Carvalho, 2008, Alcácer do sal, disponível em PDF no site do<br />

município de Alcácer.<br />

10<br />

Sobre esta questão, consultar o nosso trabalho, Carvalho, A Rafael (2008) ALCÁCER DO SAL DO SAL NO FINAL<br />

DO PERIODO ISLÂMICO (SÉCULOS XII-XIII): Novos Elementos sobre a 1ª Conquista Portuguesa. Colecção<br />

Digital - Elementos para a História do Município de Alcácer do Sal, Nº 1.<br />

11<br />

Alcácer, base naval, porto natural do Alentejo e Évora, centro de cultura e base militar importante.<br />

Colecção - Elementos para a História do Município de Alcácer do Sal, nº 4<br />

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TORRÃO DO ALENTEJO: <strong>Arqueologia</strong>, História e <strong>Património</strong><br />

<strong>Vol</strong>ume 2<br />

A chancelaria de D. Sancho I possui um documento muito interessante que<br />

poderá lançar alguma luz sobre esta questão.<br />

2.2. A Análise do Documento Régio de D. Sancho I, a favor da Ordem de<br />

Santiago.<br />

O documento foi emitido a 28 de Outubro de 1186. 12 .<br />

1186 Outubro 28 – Doação dos Castelos de Alcácer, Palmela, Almada e Arruda, com<br />

seus termos, a Sancho Fernandes, mestre da milícia da Ordem de Santiago, e aos seus<br />

sucessores.<br />

In Dei nomine. Quoniam morum assiduitate et legis sanctione didicimus quod<br />

acta uirorum bonorum scripto commendari debeant ut commendata ab hominum<br />

memoria non decidant et omnibus pretérita presentialiter consistant, iccirco ego<br />

Santius Dei gratia Portugalensium rex magni regis domni alfonsi et regine domne<br />

Mahalde filius, una cum uxore meã Regina domna Sanctia, facio cartam donationis et<br />

firmitudinis perpetue uobis domno Sactio Frenandi, Dei gratie Milicie Sancti Iacobi<br />

magistro, et fratribus uestris presentibus et futuris de illis méis castellis, scilicet lcazar,<br />

Palmela, Almadana et Arruda. Damus itaque uobis atque concedimus prenomonata<br />

castella cum omnibus suis terminis nouis et ueteribus in Honoré Dei et Beati Iacobi<br />

apostoli ut uos et omnes uestri Ordinis successores ea et quicquid in eis ad ius regale<br />

pernet iure hereditário habeatis et perpetuo possideatis tali uidelicet condicione ut mihi<br />

et filiis méis et nostris successoribus cum eis obediendo seruatis...<br />

Delimitação do Termo de Alcácer.<br />

In primo per lombum de serra de Alcazouis quomodo ferit in Exarramam et<br />

ultra Exarramam per lombum quomodo uadit ad capita de Seuerena et de ipsis<br />

capitibus quomodo ferit charnecha in monasterium quod iacet in ripa de Odiuelas et<br />

ultra Odiuelas sicut uadit directe ad forcadas de Alfondom et de ipsis forcadas<br />

quomodo uadit directe ad Alualadi et de Alualadi quomodo uadit lombum inter<br />

Coronam et Benetolat usque ad cerrum de Monte Acuto et per aquam que descendit<br />

de Monte Acuto usque ad maré. Et de predictis Alcazouis sicut uadit directe ad fontem<br />

de Chiriana et inde sicut uadit directe ad serram de Arloch et sicut uadit de ipsa serra<br />

ad Rengiam et Rengia ad cimalias de Campo Maiori et inde quomodo ferit cerrum in<br />

Caniam...<br />

Et termini de Palmela iuntent se cum terminis de Alcazar et de Almadana.<br />

12 Documentos de D. Sancho I (1174-1211) <strong>Vol</strong> I. Transcrição de Rui de Azevedo, P. Avelino de Jesus da Costa e<br />

Marcelino Pereira, 1979, doc. Nº 14, p. 22-24.<br />

Colecção - Elementos para a História do Município de Alcácer do Sal, nº 4<br />

http://www.cmalcacerdosal.pt/PT/Actualidade/Publicacoes/Paginas/EstudosdoGabinetede<strong>Arqueologia</strong>.aspx<br />

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2.2.1. Comentário:<br />

TORRÃO DO ALENTEJO: <strong>Arqueologia</strong>, História e <strong>Património</strong><br />

<strong>Vol</strong>ume 2<br />

Tendo em conta que a documentação administrativa muçulmana simplesmente<br />

“desapareceu” 13 , a documentação cristã coeva desta fase, reveste-se de um valor<br />

inestimável.<br />

Antes de passarmos à sua análise, convem termos presente os seguintes<br />

aspectos:<br />

1. Relativo desconhecimento geográfico do território conquistado, procurandose<br />

apoio nas populações conquistadas, de modo a apreenderem os enquadramentos<br />

administrativos dos espaço conquistados. Mesmo em tempo de guerra, é importante<br />

manter os antigos “circuitos económicos” e a hierarquia do povoamento.<br />

2. Desconhecimento das Línguas Árabe e Berbere, o que provocará adaptação<br />

ou transformação da toponímia pré-existente por parte dos novos falantes de raiz<br />

latina. 14<br />

É óbvio que a documentação cristã, neste caso a portuguesa, não está<br />

interessada em reproduzir a realidade do território islâmico que vai sendo anexado por<br />

conquista, porque o destinatário não é a população muçulmana e muito menos as suas<br />

elites; daí o carácter lacónico que geralmente encontramos neste tipo de informação.<br />

Os objectivos, que incentivaram a produção deste tipo documental, podem ter<br />

objectivos díspares entre si:<br />

- Por um lado, permitem de uma forma clara, reforçar o papel do rei, como<br />

senhor “legítimo do espaço conquistado”, tendo como testemunha Deus, os Apóstolos<br />

e a sua “corte”.<br />

- Deste modo e para “memória futura”, o novo território começava a ser<br />

retalhado e distribuído aos grupos de interesse, consoante o interesse político do<br />

momento.<br />

Apesar de estar investido com o papel político de rei, a este é-lhe impossível<br />

gerir o reino sem aliados!<br />

No presente caso a quem se destina o documento e que informação nos pode<br />

revelar?<br />

Este documento é uma “prova pública” que D. Sancho I utiliza para legitimar e<br />

continuar a vontade de seu pai, D. Afonso Henriques, no agraciamento à Ordem de<br />

Santiago, criando-lhe uma base territorial, para a continuação da conquista para sul.<br />

Mas até que ponto este documento é fiel testemunho da realidade política<br />

vivida na altura em que foi regida?<br />

Uma questão que raramente tem sido equacionada por historiadores é<br />

determinar o tempo que é necessário para elaborar um determinado tipo de<br />

documento; para o verter em suporte escrito e ter força legítima perante os<br />

destinatários. Vejamos o que está em causa na maior parte das vezes:<br />

13 Facto que também aconteceu no país vizinho.<br />

14 Sobre a importância da toponímia para compreender o território e como “fonte histórica”, é interessante a reflexão de<br />

Roldán Castro, 2004, El Paisaje Andalusi: Realidad Histórica y Construccion Cultural, p. 33.: “ La toponímia<br />

expresa igualmente el reconocimiento del médio, la valoración del entorno y, debido a su persistência en el tiempo, la<br />

fuerza de la memoria histórica. Nombrar un lugar e identificarlo con ciertos rasgos naturales de características notables<br />

o singulares no es sino interpretar el paisaje, sentir e interiorizar dicha realidad física.”.<br />

Colecção - Elementos para a História do Município de Alcácer do Sal, nº 4<br />

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TORRÃO DO ALENTEJO: <strong>Arqueologia</strong>, História e <strong>Património</strong><br />

<strong>Vol</strong>ume 2<br />

- Identificar a questão a legislar. Consultar as partes entre si. Determinar se a<br />

redação acordada merece ser apresentada ao soberano para futura apreciação. Em<br />

caso afirmativo, solicitar audiência ao rei para colocar a questão e o sensibilizar para a<br />

necessidade de legislar sobre o assunto. Em caso de aprovação, o rei com os seus<br />

conselheiros e face à sua agenda, deverá escolher uma data para omulgação do<br />

documento. Deve igualmente escolher e convocar os subditos que reúnam as garantias<br />

adequadas para figurarem como testemunhas. Por fim, escolher o local e a data em<br />

que todas estas condicionantes estejam reunidas e obviamente o funcionário régio<br />

para o redigir.<br />

O documento em análise encontra-se datado de 1186, mas a questão que fica é<br />

determinar o tempo que foi necessário, desde a percepção da necessidade de o<br />

elaborar, até à sua versão final.<br />

Terão demorado meses ou anos? Na realidade nada sabemos!<br />

Em contrapartida e como anteriormente foi referido, apesar do desastre<br />

almóada de 1184, ter-se-á assistido da parte portuguesa, a um retrocesso territorial,<br />

devido não só à conquista do <strong>Torrão</strong> pelos unitários, como provavelmente à<br />

consolidação das forças beligerantes islâmicas localizadas imediatamente a sul e que<br />

se estendiam até à costa Atlântica.<br />

Certos documentos são como certas leis:<br />

- São elaboradas quando surgem dúvidas ou é necessário resolver problemas.<br />

Numa época em que as fronteiras são bastante “volúveis”, a sua fixação em<br />

documentação escrita, é uma garantia “para o futuro”, de que permanecerão intactas,<br />

quando vierem “melhores dias”.<br />

É neste “contexto” que incluímos este documento. Por isso importa chamarmos<br />

a atenção para alguns aspectos, que importa comentar:<br />

1 – Elemento anómalo - A datado. Outubro (28) de 1186.<br />

Convêm relembrar novamente a conjuntura política da época.<br />

Segundo os dados disponíveis, sabemos que a primeira conquista portuguesa<br />

de Alcácer data de 1160. 15<br />

Entre 1160 e 1164, Alcácer comporta-se como um enclave português em<br />

espaço islâmico.<br />

Carência de meios militares e humanos, que contribuem para um “desinteresse”<br />

em ocupar o espaço rural, pouco contribuem para mudar este panorama, porque o<br />

saque do território islâmico é mais estimulante em termos económicos.<br />

Um bom exemplo é o saque de Beja efectuado em 1162, numa acção<br />

comandada por Fernão Gonçalves e apoiada por “cavaleiros-vilões” de Coimbra e<br />

Santarém. A cidade será pouco depois abandonada. 16<br />

Contudo, por uma questão estratégica em relação à cidade de Lisboa, os<br />

castelos da Arrábida (Palmela, Coina e Sesimbra) são conquistados em 1164 e pouco<br />

sabemos como terá sido efectuada essa conquista, porque mais uma vez, as fontes<br />

são lacónicas e pouco claras.<br />

15<br />

Sobre esta questão consultar o nosso trabalho sobre Alcácer no Final do Período Islâmico (2008), que é o Nº 1 desta<br />

colecção em formato PDF. (ver nota seguinte)<br />

16<br />

Carvalho, 2008. Alcácer no Final do Período Islâmico (Séculos XII-XIII): Novos elementos sobre a 1ª<br />

Conquista Portuguesa, Colecção on-Line – Elementos para a História de Alcácer, nº 1, p. 27.<br />

Colecção - Elementos para a História do Município de Alcácer do Sal, nº 4<br />

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TORRÃO DO ALENTEJO: <strong>Arqueologia</strong>, História e <strong>Património</strong><br />

<strong>Vol</strong>ume 2<br />

Pouco depois chega a vez da cidade de Évora, por iniciativa “particular” de<br />

Geraldo sem Pavor, que pouco depois a “vende” ao rei.<br />

O que verificamos é que entre 1160 e 1165, a iniciativa parece repousar em<br />

“milícias populares” e a “ventureiros”, que em busca de pilhagem, contribuem para<br />

dilatar”de “forma informal”, o Reino de Portugal.<br />

Este estado de coisas parece continuar nos anos seguintes. O poder almóada<br />

pouco faz e quando reage, poucos resultados práticos terá obtido. Por vezes, obtêm<br />

mais vantagem estratégica, nas tréguas celebradas entre os beligerantes. É o que<br />

acontece com a trégua de 5 anos celebrada em 1174, que conduzirá à entrega pelos<br />

portugueses, das “ruínas” da cidade de Beja ao poder almóada, que prontamente<br />

investe na sua recuperação.<br />

Mas os almóadas não desistem de recuperar Alcácer e após o final das tréguas<br />

os combates são retomados.<br />

É de aceitar como hipótese, que desde 1160 e até meados de 1180, a influência<br />

e raio de acção dos portugueses instalados em Alcácer, consigam progressivamente<br />

alcançar um “reconhecimento” do seu domínio territorial até Alvalade e à foz do rio<br />

Mira, estabelecendo as “bases futuras” do território a atribuir à Ordem de Santiago,<br />

debaixo do domínio Alcacerense.<br />

Em 1170, D. Afonso Henriques emite uma Carta de Foral para protecção da<br />

comunidade mourisca de Lisboa, Almada, Palmela e Alcácer. Curiosamente a<br />

comunidade mudéjar de Évora não é referida.<br />

O desastre almóada de 1184 frente a Santarém vai provavelmente alterar o<br />

quadro político da região e o comportamento entre os beligerantes.<br />

Avançamos a hipótese de ter sido na sequência deste “fatalidade” para os<br />

almóadas, que se dá a conquista do Hisn Turrus/<strong>Torrão</strong> até então na posse<br />

portuguesa.<br />

É curiosamente após o episódio de Santarém que se assiste à emissão de nova<br />

documentação régia, desta vez para favorecer a fixação de população cristã a sul do<br />

Tejo, no eixo que vai de Palmela a Évora, passado por Alcácer.<br />

Terá existido um Foral atribuído a Alcácer, em data anterior a 1185, referido no<br />

Foral de Palmela e que se perdeu entretanto.<br />

Um ano depois é emitido o presente documento.<br />

Se pusermos como hipótese de trabalho, que a conquista almóada do castelo<br />

do <strong>Torrão</strong>, vai criar um ponto avançado muçulmano entre Alcácer e Évora, parece-nos<br />

natural que o território a sul do <strong>Torrão</strong> e anteriormente sob a influencia portuguesa,<br />

passe de facto para a esfera muçulmana.<br />

É neste novo contexto político que vemos a necessidade de emitir este<br />

documento:<br />

- O que se procura, é transmitir um documento que legitime futuramente a<br />

inserção do território, que vai desde o <strong>Torrão</strong> até à foz do rio Mira, de novo para o<br />

património da Ordem de Santiago, quando for efectuada a sua recuperação por<br />

conquista. Impedia-se deste modo o acesso da Ordem de Avis à costa Atlântica,<br />

reservando-se espaços de influência e de direito de conquista, no actual Alentejo.<br />

Colecção - Elementos para a História do Município de Alcácer do Sal, nº 4<br />

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<strong>Vol</strong>ume 2<br />

3. O <strong>Torrão</strong>, em contexto Islâmico Tardio<br />

3.1. As Etapas Finais da Presença Militar Islâmica na Região (1159-1235):<br />

Uma síntese Diacrónica.<br />

3.1.1. Nota Prévia<br />

Como já tivemos ocasião de expor em linhas gerais; O Baixo e o Médio Sado<br />

ter-se-ão transformado nos Séculos XII-XIII, num espaço de fronteira móvel, entre<br />

portugueses e muçulmanos.<br />

Uma recuperação detalhada da resenha política da região, tendo como base<br />

uma documentação a todos os títulos, lacónica, é possível, apesar da existência de<br />

muitas décadas e anos em “Silêncio Documental”!<br />

De forma a sistematizar toda a informação já anteriormente exposta e clarear<br />

os objectivos que terão dado ânimo a ambos os beligerantes, foi possível isolar as<br />

seguintes fases:<br />

3.1.2. (I Fase) Autonomia Politica de Alcácer e o assassinato do seu<br />

Soberano Alī al-Wahībī pelas Elites Locais (1159-1165).<br />

Postura do Califado após o assassinato: Provavelmente apanhado de<br />

surpresa, o aparelho militar Almóada sem capacidade para enviar tropas em número<br />

adequado ás necessidades, prefere efectuar uma delegação de poder em Alcácer, que<br />

terá sido assumido pela elite local.<br />

Esta governará a medina alguns meses, até esta ter sido conquistada pelos<br />

portugueses em 1160.<br />

Avançamos a hipótese de ter existido duas facções antagónicas, que terão<br />

dividido a elite muçulmana de Alcácer antes de 1160:<br />

- A primeira, aceitava a soberania Almóada e procurava pôr em prática sua<br />

reforma religiosa.<br />

- A outra, seria favorável à situação ulterior de autonomia politica e religiosa<br />

sunita, pagando uma “paria” ao reino de Portugal.<br />

Apesar de ter vencido a primeira facção, a rápida resposta de D. Afonso<br />

Henriques que conquista a cidade em 1160, contando unicamente com as suas tropas<br />

numa situação de desvantagem em relação a anteriores tentativas, terá resultado se<br />

pusermos a hipótese de ter havido ajuda por parte desta facção contrária aos<br />

Almóadas.<br />

Nos castelos da Arrábida e no <strong>Torrão</strong> (!), as guarnições locais de obediência<br />

Almóada mantêm-se até 1164, até serem expulsas por tropas portuguesas.<br />

Objectivo do Reino de Portugal: - Após a 1ª conquista de Alcácer em 1160,<br />

o aparelho militar português começa a desgastar as guarnições islâmicas instaladas<br />

nos castelos da serra da Arrábida.<br />

De notar que entre 1160 e 1186, ou seja, nos 26 anos seguintes, Alcácer<br />

estaria na dependência directa do soberano português. A passagem de todo este<br />

território para a jurisdição da Ordem de Santiago, testemunhada em forma de<br />

documento régio da chancelaria de D. Sancho I, só ocorrerá em 1186, dois anos após<br />

a derrota Almóada frente a Santarém, o que não deixa de ser um paradoxo.<br />

Colecção - Elementos para a História do Município de Alcácer do Sal, nº 4<br />

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TORRÃO DO ALENTEJO: <strong>Arqueologia</strong>, História e <strong>Património</strong><br />

<strong>Vol</strong>ume 2<br />

Porquê este receio português, referente à necessidade de reforçar a defesa de<br />

uma região, frente a um inimigo que teoricamente se encontra enfraquecido?<br />

Pensamos que parte da resposta poderá estar na conquista almóada do <strong>Torrão</strong><br />

e construção da sua muṣalla.<br />

Documentação Arqueológica: Parece-nos natural que a região tivesse<br />

abandonado o sistema monetário da Taifa Wazīrí de Évora e aderisse ao sistema<br />

monetário Almóada. Em relação às cerâmicas de uso quotidiano, é provável que as<br />

séries que definem claramente a Fase Almóada, como são as produções estampilhadas<br />

provenientes da Andaluzia Ocidental, ainda não circulassem nesta região!<br />

3.1.3 (II Fase). A transformação do Ḥiṣn Ṭurruš/<strong>Torrão</strong> em Ribāṭ-Muṣalla<br />

Muwaḥḥῑd frente a Évora e Alcácer (1184-1191)<br />

Acontecimentos políticos: Teve início com a derrota almóada de Santarém<br />

em 1184. É conquistado o castelo do <strong>Torrão</strong> para reforço da cidade de Beja<br />

recuperada dez anos antes, em 1174 e erguida uma muṣalla em memória do Califa<br />

Abū Ya´qūb Yūsuf I .<br />

Ya´qūb assume nominalmente o poder no <strong>Torrão</strong>, apoiado pelos seus aliados,<br />

mas decide formalizar a sua investidura em Marraquexe. Entre 1184 e 1191 a fronteira<br />

ter-se-á mantido estável.<br />

Objectivo Almóada: Criação de um espaço sagrado ligado aos muwaḥḥῑd.<br />

Fomentar a Guerra santa. Aumentar a defesa de Beja e criar uma zona de desgaste<br />

contra os portugueses instalados em Évora e Alcácer. Efectuar operações de<br />

espionagem militar. Impedir o avanço cristão para Sul.<br />

Resposta Portuguesa: Escolha de Alcácer para sede do ramo português da<br />

Ordem de Santiago. Criação em Évora da Ordem dos Cavaleiros de Évora, futura<br />

Ordem de Avis, filiada em Calatrava.<br />

Documentação Arqueológica: Provável entrada de algumas cerâmicas de<br />

“matriz” almóada no Médio Sado. Circulação plena do sistema monetário dos Unitários.<br />

3.1.4. (III Fase). Transformação de Alcácer, em Qaṣr-al-Fatḥ e delegação da<br />

chefia do Ṯaghr al-Qaṣr aos Banū Wazīrí. (1191-1212)<br />

Estratégia Almóada: Reforço do Sistema defensivo Alcacerense.<br />

Transformação da medina em base naval, tornando-a única no Āarb Atlântico a Norte<br />

de Silves, adequada para a ŷihād Marítima, contra Portugal. Os portugueses, na voz do<br />

Bispo de Lisboa, D. Soeiro (1217), consideravam esta actividade como simples<br />

pirataria, que os atormenta regularmente.<br />

Resposta Portuguesa: Celebração de 4 anos de Tréguas entre D. Sancho I e<br />

al-Manṣūr, que permite a instalação de guarnições muçulmanas nos castelos da<br />

Arrábida. O castelo de Palmela centraliza os assuntos militares da fronteira frente a<br />

Lisboa e vigilância da costa, na dependência directa de Alcácer.<br />

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<strong>Vol</strong>ume 2<br />

O castelo do <strong>Torrão</strong> é reforçado para fazer frente a Évora, ficando na<br />

dependência de Alcácer. Uma questão em aberto é o enquadramento do castelo do<br />

Alvito. Admitimos como hipótese de trabalho, que terá ficado na dependência directa<br />

do <strong>Torrão</strong>.<br />

O aparecimento de cerâmica estampilhada almóada no Castelo de Montemor-o-<br />

Novo, em 2003, com “Mãos de Fátima, associados a motivos florais, alusivos ao<br />

Paraíso”, assim como de uma roca em osso, é um indicador de uma presença militar<br />

muwaḥḥīd, provavelmente composta de voluntários, dando reforço à hipótese<br />

formulada no ano 2000 17 , defendida numa altura em ainda não existia nenhuma<br />

documentação arqueológica muçulmana conhecida nesse castelo.<br />

Documentação Arqueológica: Programa de obras militares e religiosas em<br />

Alcácer e no <strong>Torrão</strong>, com extensão provável, mas de natureza modesta, para os<br />

castelos de Palmela, Sesimbra, Alvito (?) e Montemor-o-Novo.<br />

Circulação plena das cerâmicas de uso quotidiano, de matriz almóada, tanto as<br />

proveniente de Sevilha ou Ceuta, como as de fabrico local, segundo as novas<br />

tipologias, adaptando-as aos gostos e necessidades locais.<br />

Integração plena do Médio e Baixo Sado na linha defensiva almóada.<br />

Presumimos alguma autonomia de recursos, numa “Económia de Guerra”.<br />

Abertura do estuário do Sado e navegação no Atlântico, para facilitar o<br />

abastecimento estratégico de Alcácer 18 e redistribuição de bens para as principais<br />

praças militares 19 .<br />

Se para fazer frente aos reinos de Portugal e Leão, os almóadas criam as bases<br />

militares de Alcácer, Badajoz e Cáceres, é admissível que Beja e provavelmente Moura,<br />

fiquem debaixo da jurisdição militar alcacerense.<br />

3.1.5. (IV Fase). A Obediência “Nominal” dos Banū Wazῑrí ao soberano<br />

Almóada. (1212-1217)<br />

Se em termos formais a “obediência” alcacerense ao Califado Almóada é<br />

mantida para manter a jurisdição Wazῑri numa postura legalizada perante a Umma do<br />

Ṯaghr; na realidade a elite alcacerense gere a sua “Agenda Militar” como pode, no seio<br />

da crise da desagregação da estrutura imperial Magrebina no al-Andalus, numa<br />

postura de autonomia na decisão política/estratégia militar.<br />

Resposta Portuguesa: Após o final das tréguas, entre 1194 e 1199, a Ordem<br />

de Santiago começa a ocupar os castelos da serra da Arrábida. Pouco depois é<br />

recuperado o castelo de Montemor-o-Novo, que recebe Carta de Foral em 1201.<br />

A linha de fronteira estabiliza-se numa área a norte de Alcácer, durante 17<br />

anos, provavelmente utilizando o curso da ribeira da Marateca como limite entre os<br />

beligerantes, desde o Canal de Águas de Moura até Évora, passando pela Marateca,<br />

17 Paixão, Faria e Carvalho, 2001 PAIXÃO, A Cavaleiro; FARIA, J. Carlos e CARVALHO, A Rafael, (2002) ASPECTOS DA<br />

PRESENÇA ALMÓADA EM ALCÁCER (PORTUGAL) Mil anos de Fortificações na Península Ibérica e no Magreb.<br />

(500-1500): Actas do Simpósio Internacional sobre Castelos – Palmela. p. 369-383, Colibri e C M Palmela.<br />

18 O califa determina pessoalmente em Alcácer que a medina deve ser regularmente abastecida pelos armazéns estatais<br />

de Ceuta e Sevilha. Paixão, Faria e Carvalho, 2001, Ob. Cit, p.<br />

19 Esta questão foi abordada por nós em 2001. Paixão, Faria e Carvalho, Ob. Cit, p.<br />

Colecção - Elementos para a História do Município de Alcácer do Sal, nº 4<br />

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TORRÃO DO ALENTEJO: <strong>Arqueologia</strong>, História e <strong>Património</strong><br />

<strong>Vol</strong>ume 2<br />

Cabrela e ao longo das cumeadas da serra de Monfurado/Escoural, pré configurando<br />

os limites futuros de influência territorial entre as referidas praças-fortes.<br />

3.1.6 (V Fase). A resistência Islâmica no Ḥiṣn Ṭurruš/<strong>Torrão</strong>, entre 1217 e<br />

1230 (?):<br />

Provável ascensão a sede militar de âmbito regional, frente aos portugueses<br />

instalados em Alcácer e Évora.<br />

A conquista de Alcácer em 1217 não implicou automaticamente a conquista dos<br />

castelos debaixo da sua jurisdição. Um caso paradigmático é sem dúvida o <strong>Torrão</strong>.<br />

É provável que a sua conquista tenha sido objecto de registo, de forma a<br />

garantir a sua posse dentro do espaço de jurisdição de Alcácer e da Ordem de<br />

Santiago, contudo essa documentação terá “desaparecido”(!); ou então, não havia<br />

interesse em mencionar tal facto! 20<br />

Na realidade, não sabemos em que data terá ocorrido e de que forma se terá<br />

processado, mas podemos sugerir uma data provável!<br />

A sua inclusão no termo de Alcácer e a sua manutenção na esfera da Ordem de<br />

Santiago, em concorrência com o espaço de expansão natural da Ordem de Avis com<br />

uma base em Évora, permite antever uma preocupação dos Espatários/Cavaleiros de<br />

Alcácer para recuperar rapidamente o <strong>Torrão</strong>, mantendo deste modo a coesão<br />

territorial alcacerense em contexto islâmico, de que a Ordem se assume como natural<br />

herdeira.<br />

O profecta Maomé pregando. Manuscrito Persa do século XIII<br />

20 Talvez não houvesse muito interesse em mencionar essa conquista. O documento da chancelaria de D. Sancho I<br />

datado de 1186 menciona a zona do <strong>Torrão</strong> (inserida no termo alcacerense) como fronteira com o território islâmico. Na<br />

conjuntura militar pós 1217, os Espatários com sede em Alcácer, conseguem a confirmação régia da sua conquista do<br />

castelo do Alvito em 1235, que será novamente confirmado por bula papal em 1245. Este avanço em direcção ao Alvito,<br />

Beja e Aljustrel, claramente para lá do que tinha sido estipulado décadas antes em 1186, demonstra um apetite<br />

territorial espatário em relação ao Alentejo Islâmico em detrimento das outras Ordens Militares e Poder Régio.<br />

Naturalmente que D. Afonso III, que tinha razões de queixa em relação aos Espatários pelo apoio que este tinham dado<br />

a D. Sancho II no decurso da “Guerra” havida entre eles, irá exercer o seu poder e retirar aos Espatários a faixa<br />

territorial que vai do Alvito até Beja.Sobre estas questões, ver um pouco mais à frente.<br />

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<strong>Vol</strong>ume 2<br />

Parece-nos sintomático que a fronteira estabilize a sul da linha que passa por<br />

Alcácer, <strong>Torrão</strong> e Évora até à década de 30 do século XIII.<br />

4. A Prática da ŷihād no <strong>Torrão</strong>.<br />

Os impérios Magrebinos dos Almorávidas e Almóadas implantaram no al-<br />

Andalus uma maquinaria estatal necessária para gerir de forma adequada os recursos<br />

económicos e militares frente ao avanço cristão. Deve-se a eles a reactivação da noção<br />

de “Ŷihād”.<br />

Ou seja, mesmo que as populações do al-Andalus estivessem nesta fase pouco<br />

militarizadas, em termos jurídicos, estavam inseridos dentro de um estado<br />

profundamente belicista, como era o almóada. 21<br />

Uma interessante perspectiva é nos dado pelo cronista al-Ṭurṭūšῑ : 22<br />

- “…son los ejércitos para el soberano sus arreos, sus armas defensivas, las<br />

fortalezas en que se refugia y los puntales que lo sostienen. Ellos son la salvaguardia<br />

de las gentes pacíficas, los que evitan los desafueros y reprimen el desenfreno. Son la<br />

defensa de las fronteras, los guardianes de las puertas, el elemento dispuesto para<br />

hacer frente a las contingencias, la protección de los musulmanes, la afilada punta que<br />

sale al encuentro del enemigo, la aguda saeta que contra él se dispara, el arma que se<br />

empuja contra su garganta. Por ellos son respetados los hogares, están asegurados los<br />

caminos y cerradas las fronteras. Son, en una palabra, el honor del país, la defensa de<br />

las fronteras, la protección del hogar y el arma contra el enemigo.”<br />

21 Garcia Fitz, 2005. Ibidem, p. 271.<br />

22 Garcia Fitz, 2005, Ibidem, p. 272. A reflexão foi escrita em contexto Almorávida, mas pode ser transposto para o<br />

contexto Almóada.<br />

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<strong>Vol</strong>ume 2<br />

Capítulo 5.<br />

O <strong>Torrão</strong>:<br />

Após a Conquista Cristã de 1233 (!).<br />

1. A Investigação da <strong>Historia</strong> Local em Contexto Espatário:<br />

Limites e Objectivos.<br />

A inexistência de documentação medieval por nós conhecida, coeva dos<br />

acontecimentos que pretendemos relatar, não nos permite apontar uma data precisa,<br />

para a “inserção” definitiva do Hisn Turrus no Reino de Portugal.<br />

Frisamos o termo “inserção”, porque na realidade desconhecemos totalmente o<br />

que terá acontecido, apesar de podermos sugerir alguns cenários hipotéticos dos<br />

acontecimentos:<br />

- Conquista (?), pacto (?) ou abandono por parte das tropas muçulmanas, que<br />

se refugiaram em Beja (?). Neste momento, quase todas as leituras são possíveis.<br />

Por outro lado, a persistente ausência de estudos sobre o <strong>Torrão</strong> em contexto<br />

Medieval Cristão, impede-nos não só de saber o que efectivamente terá acontecido em<br />

fases cruciais da sua história local, como impede-nos de olhar para a sua diacronia de<br />

outros ângulos, isolando novos actores e poderes em jogo.<br />

Por vezes estudos sobre a presença medieval em vilas vizinhas, como é o caso<br />

do Alvito, podem trazer inesperados contributos para o estudo do <strong>Torrão</strong>.<br />

Seja como for, a conquista pelos “Cavaleiros de Alcácer” do castelo do <strong>Torrão</strong>,<br />

terá ocorrido entre 1217 23 e 1234 24<br />

Continuamos reféns da documentação da Ordem de Santiago e enquanto outro<br />

tipo de documentação não for transcrito, a imagem desenhada do <strong>Torrão</strong> Medieval tem<br />

o forte cunho da actuação dos Espatários nesta região.<br />

Assumindo este facto como incontornável, vamos procurar descobrir a sua<br />

história com base na actuação dos responsáveis Espatários do Ramo Português. 25<br />

Inúmeras questões que não foram neste momento abordadas, serão num<br />

futuro próximo.<br />

2. O Desempenho dos “Cavaleiros de Alcácer” na região:<br />

Os seus reflexos no <strong>Torrão</strong>, entre 1218 e 1237<br />

2.1. Enquadramento Geral<br />

23<br />

Data da conquista de Alcácer do Sal. A confirmação da sua posse pelos espatários por parte de D. Afonso II só<br />

ocorreu no ano seguinte, em 1218.<br />

24<br />

Em relação ao Alvito, temos a data de doação do castelo à Ordem de Santiago, efectuada a 31.III.1235. (Marques -<br />

1996) As Etapas de Crescimento do Reino, In Nova <strong>Historia</strong> de Portugal, p. 45) Tomando como exemplo supra<br />

referido na nota anterior, admitimos que a conquista deste castelo terá que ter ocorrido no ano anterior. Tratando-se<br />

de um avanço territorial espatário para lá do acordado em 1186, que incluía o castelo do <strong>Torrão</strong>, é perceptível porque<br />

se omite esse castelo, mas é patente a necessidade de mencionar o Alvito, que traduz a inclusão de um novo território<br />

não previsto anteriormente.<br />

25<br />

Seguimos de perto a listagem apresentada por CUNHA (1991) A Ordem Militar de Santiago (das origens a<br />

1327), p. 198-200.<br />

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Neste período bastante conturbado, de guerras, alianças, espionagens e<br />

ligações comerciais entre os beligerantes, é fundamental escrutinar o que se passava<br />

em Alcácer, porque “grosso modo”, a iniciativa estava do lado dos Espatários e o<br />

<strong>Torrão</strong> Muçulmano encontra-se entregue a si próprio, na defensiva.<br />

Não devemos esquecer o papel dos soberanos portugueses durante este<br />

período e a postura das elites islâmicas que ainda resistem a sul.<br />

O enquadramento político, económico e demográfico é complexo; as fontes são<br />

exíguas e o território cenário dos acontecimentos é vasto.<br />

Como já foi referido anteriormente, com base nas fontes disponíveis,<br />

muçulmanas e cristãs, que nos falam dos avanços e recuos na fronteira alentejana, a<br />

conquista do <strong>Torrão</strong> terá sido efectuada após 1217, por iniciativa dos Espatários ou<br />

“Cavaleiros de Alcácer”.<br />

Na sequência da conquista de al-Qaṣr em 1217, onde é patente a necessidade<br />

urgente de se reparar o seu sistema defensivo e de se proceder à adaptação do<br />

alcácer islâmico em “paço”, sede do Ramo português da Ordem, foi necessário<br />

proceder a um avultado investimento em recursos, de natureza humana e monetária.<br />

Até que ponto esse investimento foi adequado para dar resposta aos estragos<br />

que naturalmente resultam de um longo cerco e que consequência terá tido para a<br />

conquista posterior do <strong>Torrão</strong>?<br />

São estas as questões que iremos tentar dar resposta, procurando acima de<br />

tudo, colocar em cima da mesa novas pistas de investigação.<br />

Para o efeito, achamos adequado, comparámos as posturas que cada um dos<br />

beligerantes actuou em relação a Alcácer; em 1191 e em 1217:<br />

- Em 1191, quem ataca a cidade, é o aparelho militar almóada, com o<br />

soberano na sua chefia, socorrendo-se de forças terrestres e navais. Quem está na<br />

defensiva são os portugueses que após algum tempo de resistência se rendem. O<br />

califa fica alguns dias na cidade, determina o seu programa arquitectónico e usa os<br />

recursos do estado para tornar operacional a sua conquista, que é de novo purificada e<br />

transformada em medina islâmica.<br />

Actuação e resultados obtidos: - Largo investimento em numerário e<br />

recursos humanos (militares e civis) para tornar operacional a cidade. Renovação<br />

quase total do sistema defensivo e abastecimento da sua população a partir dos<br />

armazéns de Ceuta e Sevilha. Criação de uma zona militar e área anexa para nascente<br />

incluíndo o <strong>Torrão</strong> e provavelmente o Alvito; para norte inseria a Arrábida e a para sul,<br />

anexava o actual Alentejo Litoral até á foz do rio Mira.<br />

- Em 1217 – Desta vez a iniciativa parte do bispo de Lisboa. O soberano<br />

português está fisicamente ausente do campo de batalha, mas terá tido conhecimento<br />

e não se opõe. Os portugueses seguem por via terrestres e têm apoio de metade da V<br />

Crusada. Quem está na defensiva são desta vez os alcacerenses muçulmanos. Serão<br />

socorridos por tropas enviadas por outros chefes militares islâmicos, mas que pouco<br />

contribuem para alterar o resultado final. A medina é por fim conquistada e novamente<br />

purificada, voltando a ser de novo cristã.<br />

Actuação e resultados obtidos: - Falta de recursos para recuperar a<br />

totalidade do sistema defensivo danificado no cerco. Escolha de Alcácer como sede dos<br />

Espatários, mas os cruzados que participaram na conquista e saque são por ordem<br />

Papal, obrigados a seguirem viagem.<br />

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Desconhecemos se a cidade terá sido abastecida regularmente por frota naval<br />

desde Lisboa? Presumimos que terá chegado alguma ajuda durante os primeiros<br />

meses. Na realidade, a sua população terá que encontrar soluções adequadas na área<br />

periurbana, para a manter habitável.<br />

A escassez de recursos humanos de ordem militar, naturalmente que irão numa<br />

primeira fase paralisar o avanço da conquista do território para sul.<br />

Entre duas posturas coerentes de actuação: - Avanço na conquista para sul ou<br />

consolidação da base militar Alcacerense, os elementos disponíveis sugerem que terá<br />

prevalecido a segunda hipótese.<br />

É neste sentido de procedimento que podemos ler a atribuição de novo foral a<br />

Alcácer assim como a confirmação do documento referente aos mouros forros, ambos<br />

certificados em 1218, por D. Afonso II, que igualmente concede a cidade aos<br />

Espatários, que prontamente a transformam na sua sede em Portugal.<br />

Quanto tempo terá sido necessário para recuperar Alcácer e torná-la numa<br />

base militar com recursos suficientes para retomar a guerra para sul?<br />

Não sabemos, mas poderemos colocar como hipótese de trabalho que terão<br />

decorrido, entre dois a três anos.<br />

Mesmo assim, como foi demonstrado por trabalhos arqueológicos efectuados<br />

na encosta norte do castelo de Alcácer em 2003, e confirmado em documentação<br />

Espatária do século XIV, os trabalhos realizados terão ficado aquém do exigido. 26<br />

Pelo exposto, torna-se patente que a transformação de Alcácer, de base militar<br />

islâmica em praça-forte da Ordem de Santiago, não terá sido fácil, tendo em causa a<br />

escassez de recursos.<br />

De frisar mais uma vez, que a presença de cruzados alemães, frígios e<br />

holandeses na conquista de Alcácer em 1217, se resumiu unicamente às acções<br />

bélicas. Terminada a conquista e após ajudas pontuais na recuperação urgente de<br />

alguns panos de muralhas que inspiravam mais cuidados, esse grupo militar segue<br />

novamente para Lisboa, onde pouco depois segue para a Palestina.<br />

Sabemos pelas fontes coevas da altura, que alguns deles solicitaram ao Papa<br />

dispensa de deslocação para a Terra Santa, afirmando que a sua presença era<br />

fundamental para expulsar definitivamente os mouros do território.<br />

Apesar das fundamentações parecerem coerentes para justificar uma “cruzada”<br />

em território peninsular, o Papa foi inflexível e ordenou que a frota retomasse o seu<br />

caminho em direcção à Terra Santa.<br />

Perante a subtracção de tropas estrangeiras ávidas para dilatarem o território<br />

para a fé cristã e saque; e expectantes em relação à actuação de D. Afonso II, mais<br />

interessado na reorganização do reino, na ordem, lei e cobrança de impostos, do que<br />

dilatar território; aos espatários resta-lhes concentrar esforços na recuperação de<br />

Alcácer, cientes de que poderiam eventualmente estarem sujeitos a um contra-ataque<br />

islâmico.<br />

A resposta muçulmana, já em plena desintegração politica pós-Almoada, parece<br />

nunca se ter direccionou para Alcácer, mas antes para Badajoz e Mérida. Essas acções<br />

procuravam quase sempre a legitimação politica para o exercício do poder, por parte<br />

de um determinado candidato à governação da comunidade islâmica. Estamos perante<br />

acções cirúrgicas de guerra para propaganda de grupo.<br />

26 Em 1327, o mestre Pedro Escacho queixava-se do estado de ruína a que tinha chegado o castelo (Cunha, 1991 – A<br />

Ordem de Santiago: das origens a 1327, p. 215) Sic: “ …turribus et muris fortissimus quibus erant<br />

inexpugnabilis…” tinham sofrido “… deformaciones irrestaurabilles…”<br />

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Por outro lado, como temos vindo a afirmar, a conquista de Alcácer não<br />

significou a queda automática dos castelos que lhe estavam subordinados.<br />

Enfraquecidos mas não rendidos, as comunidades islâmicas e as guarnições<br />

instaladas nos vários husun/castelos, tinham como “dever sagrado” resistir até ao fim,<br />

ou então procurar a concessão de pactos que lhes permitisse viver no mesmo território<br />

após a sua conquista cristã.<br />

Os espatários, escudados na garantia dada pelo documento régio de 1186 27 e<br />

sem forças militares capazes de dilatar o território cristão, terão ficado por Alcácer<br />

enquanto o <strong>Torrão</strong>, a mais de um dia de viajem, para lá do horizonte e das florestas<br />

resistia como podia; podendo ter ensaiado após 1217 e até 1233, em plena ausência<br />

de poder califal magrebino Almóada, uma reorganização militar na região a seu favor,<br />

que incluía o Alvito.<br />

De forma a fundamentar melhor as datas e a leitura proposta, teremos que<br />

recuar um pouco, de forma a assimilar algumas questões básicas do pensamento<br />

político e jurídico islâmico e tentar equacionar, qual terá sido a importância do <strong>Torrão</strong><br />

nessa época.<br />

2.2. A Inserção Definitiva do <strong>Torrão</strong> no Reino de Portugal: 1233 (!)<br />

Se o <strong>Torrão</strong> fosse um “simples castelo” na dependência de Alcácer, seria<br />

natural que pouco depois da conquista de 1217 o castelo fosse abandonado pela sua<br />

guarnição.<br />

Mas o <strong>Torrão</strong>, apesar de ter um enquadramento administrativo/militar<br />

subordinado a al-Qasr, seria mais do que uma “simples” fortaleza de fronteira perante<br />

Évora e a sul de Montemor-o-Novo.<br />

Como poderemos verificar ao longo do capítulo 7, a construção de uma musalla<br />

em contexto almóada, terá atribuído ao <strong>Torrão</strong> um prestígio que lhe deu projecção<br />

regional no Garb al-Andalus, transformando-o num dos principais pontos de encontro e<br />

reunião de voluntários muçulmanos para o “martírio” em território de fronteira.<br />

Vigiando a fronteira frente a uma Évora já portuguesa, a fronteira ter-se-à<br />

mantido estável até 1212, data da batalha de Navas de Tolosa, que assinou a senteça<br />

de morte do califado almóada. Tempos novos chegariam depois!<br />

Como terá sido o comportamento do <strong>Torrão</strong> em relação a Alcácer ou a Beja,<br />

após 1212?<br />

27 Que lhes garantia, antes da reconquista destes territórios, o <strong>Torrão</strong>, Alfundão, Alvalade e a zona do Cercal até ao<br />

oceano.<br />

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Quando no dia 14 de ṣafar de 609 (= 16 de Julho de 1212) teve lugar a batalha<br />

de Navas de Tolosa, em que o califa almóada Abū ´Abd Allāh Muḥammd al-Nāṣr é<br />

derrotado (595-610=1199-1213), teve início segundo a maioria dos investigadores, a<br />

decadência do aparelho político e militar do califado Muwaḥḥῑd, que segundo Boloix<br />

Gallardo 28 é considerado extinto em 1228 com a ida do califa Abū ´Alà Idrῑs al-<br />

Ma´mūn (624-630=1227-1232) para o Magreb. Começa oficialmente o que a<br />

historiografia moderna chama de “Período das Terceiras Taifas”.<br />

Em relação à região de Alcácer e como já foi afirmado anteriormente,<br />

admitimos que os Banū Wazirí ter-se-ão comportado com total autonomia política após<br />

1212, porque só assim se compreende por que razão o cargo de governador da região<br />

militar foi assumida por Abdallah Wazir 29 .<br />

Se perante a comunidade dos crentes, os Banū Wazirí reconheciam o poder<br />

legítimo dos Califas Almóadas, na realidade este clã está por conta própria neste sector<br />

de fronteira com Portugal e como tal, assumem-se como “soberanos”.<br />

Em termos jurídicos e de legalidade islâmica, Alcácer não seria encarada como<br />

uma Taifa/Reino Autónomo.<br />

O vazio de poder almóada no al-Andalus permitirá a emergência de uma<br />

constelação de poderes autónomos inseridos num vasto território que teoricamente<br />

pertence ao “estado central almóada”.<br />

28<br />

Ob. Cit. (2007). MUḤAMMAD I Y EL NACIMIENTO DEL AL-ANDALUS NAZARÍ (1232-1273). Primeira<br />

estructura del Reino de Granada. Tese Doctoral, p. 111<br />

29<br />

Após a morte do seu pai em Navas de Tolosa, que tinha sido até então o governador de Alcácer. Pensamos estar em<br />

presença de um acto consumado, provavelmente aceite (?)” por um califa que após Navas de Tolosa, se retira para<br />

Marraquexe e mergulha na depressão até morrer assassinado um ano depois.<br />

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Todavia, para o Reino de Portugal, Alcácer após 1212, poderia ter sido<br />

encarado como reino autónomo, daí a valorização da conversão de Abdallah Wazir à fé<br />

cristã após a conquista de 1217, como vem referido nas crónicas cristãs.<br />

Após a fuga, o ultimo governador muçulmano alcacerense poderia ter-se<br />

refugiado no castelo do <strong>Torrão</strong> ou na medina de Beja, contudo preferiu a base segura<br />

de Sevilha; e porquê?<br />

- Estes dados só tem sentido, se pensarmos que o <strong>Torrão</strong> seria inseguro<br />

perante o avanço cristão ou que o senhor local não fosse de muita confiança dos Banū<br />

Wazīrí; ou então os dois factores juntos!<br />

Tudo isto poderá traduzir uma “relativa” autonomia do <strong>Torrão</strong> nesta fase,<br />

realçada após a conquista definitiva de Alcácer.<br />

Após 1217, os outros elementos pertencentes aos Banū Wazīrí que terão<br />

abandonado Alcácer, buscam protecção no al-Andalus e no Magreb.<br />

´Abdallah Ibn Wazīr foge primeiro para Marraquexe e depois fixa-se em<br />

Sevilha, servindo os interesses do califado.<br />

Um irmão seu também se junta a ele nesta ultima cidade e aí permanecerão<br />

até à condenação de ambos à morte em 10 de Dū al-Ḥiğğa de 626 (31 de Outubro de<br />

1229) 30 , por Abū ´Abd Allāh Muḥammad b. Yūsuf b. Hud 31 .<br />

Se parece patente um certo desinteresse dos Waziris em retomarem Alcácer,<br />

estes poderiam, com a desculpa de serem fiéis aliados do califado almoada, de tomar o<br />

poder em Sevilha, pondo em causa a liderança de Abū ´Abd Allāh Muḥammad b. Yūsuf<br />

b. Hud.<br />

Mas leituras à parte, continua a persistir uma pergunta aparentemente com<br />

uma resposta difícil:<br />

- Em que data foi conquistado o castelo do <strong>Torrão</strong>?<br />

- Não sabemos ao certo, apesar de a data que parece reunir mais concistencia<br />

ser 1233, como teremos ocasião de fundamentar um pouco mais á frente.<br />

Independentemente da data proposta para a conquista do <strong>Torrão</strong>, há um dado<br />

que nos parece incontornável; a conquista imediata do <strong>Torrão</strong> após Alcácer, parecenos<br />

impossível em 1217. Não se trata só da questão de falta de logística cristã e de<br />

uma distância superior a 30 km. Estamos perante 1 dia de viajem que um exército<br />

teria que fazer, na inserteza do resultado final e que chegava cansado no final da<br />

viagem!<br />

Essa acção militar, que resultaria em percas humanas, poderia em caso de<br />

malogro, pôr em causa a manutenção de Alcácer pelos Espatários.<br />

Por isso defendemos que parte da resposta sobre a data da conquista do<br />

<strong>Torrão</strong>, poderá repousar na data de concessão do castelo do Alvito à Ordem de<br />

30<br />

KHAWLI, A (1997) LA FAMILLE DES BANU WAZIR DANS LE GARB D´AL-ANDALUS AUX XII et XIII<br />

SIÉCLES. <strong>Arqueologia</strong> Medieval, nº 5, p 112<br />

31<br />

As fontes referem que a condenação à morte foi decidida num acto de vingança, após as derrotas sofridas em Alange<br />

(627=1230) ou Trujillo (630=1233), frente às tropas cristãs unificadas de Leão e Castela, sob a liderança de Fernando<br />

III o Santo. Pensamos contudo que o estava em causa, tendo em conta o que tinha acontecido na vizinha Niebla em<br />

1234, quando Šu´ayb b. Muḥammad b. Maḥfūẓ se assume “emir do Garb”, seria o temor em ver os Banū Wazirí<br />

instalarem-se próximos de Sevilha ou no Algarve e proclamarem um emirato autónomo sob suserania Almóada, à<br />

semelhança do que fez Muḥammad I, quando fundou o Emirato Nazari de Granada. De nada lhe serviu essa atitude,<br />

porque acabou assassinado em 24 de ŷumādà de 635 (=13 de Janeiro de 1238) em Almeria.<br />

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Santiago em 1235 e no desenrolar da campanha militar Espatária no Alentejo e<br />

Algarve.<br />

Existem porém leituras e propostas cronológicas, por vezes discordantes dos<br />

acontecimentos, porque como refere Marques, (sic) “… existe um desfasamento entre<br />

estas fontes, quanto à data destas conquistas.”. 32<br />

Maria Alegria Marques, 33 apresenta (sic) a“… seguinte proposta de sequência<br />

cronológica para essas campanhas: 1230, reocupação de Elvas e ocupação de<br />

Jurumenha; 1232, tomada de Serpa e Moura; 1232-1234, ocupação de Beja; 1234,<br />

conquista de Aljustrel e Alvito; 1238, conquista de Mértola, Alfajar de Pena, Aiamonte;<br />

1238-1239, tomada de Cacela e Alvor; 1242, conquista de Tavira, Paderne e Silves;<br />

antes de 1245, tomada de Aroche.<br />

Já António Rei, num estudo recente, defende um outro desenrolar dos<br />

acontecimentos, que nos parece ser a mais adequada, porque se apoia em<br />

testemunhos muçulmanos importantes (sic) 34<br />

“ Em 1234 conquista de Aljustrel e ocupação de Beja pela Ordem de Santiago.<br />

Bula Papal de Outubro, que estimula à luta e à ocupação das novas povoações da<br />

fronteira. Paragem na reconquista até 1239.<br />

Em 1239, conquista de Alfajar da Pena e cerco a Mértola. Conquista Espatária<br />

de Estombar e Alvor.<br />

1240, doação de Cacela e Aiamonte à Ordem de Santiago.<br />

Conquista de Mértola em 1241 e no ano seguinte de Tavira.<br />

Seja como for, tanto nas leituras destes dois historiadores, como num âmbito<br />

geral, é patente na investigação portuguesa, o silêncio que persiste nos 17 anos que<br />

medeiam a conquista defenitiva de Alcácer e a conquista de Aljustrel (1217 e 1234).<br />

Em relação à proposta de Marques, admitimos que a conquista do Alvito pelos<br />

Espatários teria que se situar no ano anterior à doação do castelo à Ordem de<br />

Santiago, que, segundo a autora, tem a data de 31.III.1235 35<br />

O problema de base continua a ser o desconhecimento que temos da data<br />

exacta da conquista definitiva de Beja.<br />

Marques sugere que terá sido entre 1232 e 1234. António Rei aponta para<br />

1234.<br />

Pela nossa parte, apontamos para 1232, que é anterior à data avançada para o<br />

Alvito e Aljustrel (1234).<br />

A lógica militar sugere que as praças militares que correspondem aos primeiros<br />

alvos, são escolhidas tendo em conta o valor estratégico em jogo, associadas ao grau<br />

de dificuldade que poderão representar na sua conquista.<br />

Beja fica claramente 50 km para sul do Alvito e quase no mesmo paralelo de<br />

Aljustrel. Que lógica militar terá procedido este comportamento, ou então; o que<br />

haverá de tão difícil para conquistar, entre Alcácer e Beja, que justifique isolar um<br />

vasto território localizado mais a norte? Pensamos que a resposta reside no <strong>Torrão</strong>.<br />

Ao aceitarmos esta leitura, teremos o seguinte quadro dos acontecimentos; o<br />

<strong>Torrão</strong>, rodeado a norte por Évora, a poente por Alcácer e a sul por Beja recém<br />

32<br />

Marques (1996) As Etapas de Crescimento do Reino, In Nova <strong>Historia</strong> de Portugal, p. 45, nota de rodapé nº 133<br />

33<br />

Ibidem, Marques (1996), p. 46<br />

34<br />

REI (2003) A FRONTEIRA DO SUDOESTE PENINSULAR (1234-1242) Novas visões da «Reconquista» a partir do Al-<br />

Mughrib... de Ibn Sa´id de Granada, <strong>Arqueologia</strong> Medieval nº 8, Mértola, quadro da p. 36<br />

35<br />

Ibidem, Marques (1996), p. 45, nota de rodapé nº 128<br />

Colecção - Elementos para a História do Município de Alcácer do Sal, nº 4<br />

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TORRÃO DO ALENTEJO: <strong>Arqueologia</strong>, História e <strong>Património</strong><br />

<strong>Vol</strong>ume 2<br />

conquistada; terá sido submetida em 1233, pouco depois de Beja (1232) e um pouco<br />

antes do Alvito (1234) e Aljustrel (1234).<br />

2.3. O papel do <strong>Torrão</strong> na apropriação do Território Islâmico envolvente:<br />

Se aceitarmos a data proposta de 1233 para a conquista definitiva do <strong>Torrão</strong><br />

pelos “Cavaleiros de Alcácer”, verificamos que pouco depois se assiste a um<br />

movimento belicista espatário para sul, que só vai terminar com a conquista definitiva<br />

do que virá a ser o território do reino do Algarve.<br />

Antes, entre 1217 e 1233, durante 16 anos, tínhamos constatado que as<br />

iniciativas militares da Ordem de Santiago tinham estagnado. Contudo, de 1233 a<br />

1249, novamente um novo ciclo de 16 anos, assiste-se a um ritmo belicista de avanço<br />

territorial sequencial que só terminam quando todo o território do Algarve estiver<br />

conquistado. O que terá entretanto mudado?<br />

- Nos primeiros 16 anos (1217-1233), assistimos a uma Ordem militar que<br />

necessita de recursos e que procede à reorganização do território debaixo da sua<br />

jurisdição. O rei D. Afonso II desliga-se das acções militares, preferindo como vimos, a<br />

organizar “burocráticamente” o reino. O seu filho, D. Sancho II, retoma em 1226 a<br />

investida militar, fracassando frente a Elvas. Três anos depois, em 1229, após o<br />

abandono islâmico de Elvas, a cidade entra na posse do soberano português que lhe<br />

concede foral nesse mesmo ano.<br />

As conquistas vão ser incrementadas para sul desta cidade e ao longo do<br />

Guadiana, enquanto os Espatários, confiantes no documento de 1186 aguardam<br />

melhores tempos para iniciarem a eles próprios a ofensiva militar.<br />

O sinal de alerta talvez sejam as movimentações portuguesas em redor do vale<br />

do Guadiana, que prenunciam aos Espatários que a legitimidade para se assumirem<br />

como herdeiros do poder islâmico alcacerense só será consumado se houver uma<br />

apropriação desse território pelas armas.<br />

Pensamos que será esta preocupação que forçará os Espatários a conquistarem<br />

primeiro Beja (1232), para depois avançarem em segurança para norte em direcção ao<br />

<strong>Torrão</strong> (1233).<br />

A conquista do castelo do Alvito no ano seguinte (1234), claramente fora do<br />

território espatário estipulado em 1186 por D. Sancho I, terá sido uma decisão de<br />

última hora!, dado que este castelo poderia estar nessa fase, na dependência<br />

administrativa do <strong>Torrão</strong>, enquanto praça islâmica.<br />

Esta tomada vai por em causa uma hipotética expansão do termo de Évora<br />

para sul, inviabilizando igualmente a expansão de Ordens rivais dos espatários na<br />

mesma região.<br />

Mas depressa a situação será reposta a favor de Évora, do poder régio e à<br />

custa dos interesses da Ordem de Santiago.<br />

Na carta de doação do Alvito, de Maio de 1251, entregue por Rodrigo Peres,<br />

sua mulher e filhos a D. Estêvão Anes, colaço do rei, seu genro e chanceler-mor de D.<br />

Afonso III, já este território desvinculado do <strong>Torrão</strong> e fora da alçada dos espatários,<br />

figura como pertencendo ao termo de Évora.<br />

Seja como for, a leitura efectuada às movimentações militares, cujos ecos<br />

chegaram até nós, tornam patente uma certa “urgência” em direcção ao Guadiana e<br />

de Mértola por parte da Ordem de Santiago.<br />

Colecção - Elementos para a História do Município de Alcácer do Sal, nº 4<br />

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TORRÃO DO ALENTEJO: <strong>Arqueologia</strong>, História e <strong>Património</strong><br />

<strong>Vol</strong>ume 2<br />

A consumação por conquista deste vasto território alentejano a sul de Alcácer e<br />

do <strong>Torrão</strong>, permitirá aos Espatários uma sólida base militar e de segurança que<br />

permite dedicarem-se totalmente à tomada do Algarve, sem a concorrência directa de<br />

outros poderes rivais!<br />

A iniciativa partirá do Comendador de Alcácer, Pai Peres Correia após a<br />

conquista de Aljustrel em 1235, pouco depois do Alvito.<br />

Os bons resultados obtidos pelos Espatários e os problemas internos do reino<br />

português que cada vez requerem mais atenção, forçam o soberano português D.<br />

Sancho II a delegar nas Ordens militares a iniciativa militar.<br />

Sabendo “a priori”, que para o esforço de conquista a sede alcacerense dos<br />

Espatários se encontra cada vez mais recuada em relação à geografia do campo de<br />

batalha e que Mértola quando for conquistada reunirá as melhores condições, D.<br />

Sancho II emite um documento onde se lê (sic) “…Ipsi (frates Ordinis militie Sancti<br />

Jcobi) debent ibi tenere conventum suum ad defensionem et tuitionem et<br />

conquisitionem regni mei” 36<br />

A braços com a guerra civil que se instala, entre D. Sancho II e o seu irmão, o<br />

futuro D. Afonso III, a Ordem de Santiago fica por sua iniciativa a conquistar o<br />

território que virá a ser conhecido por Reino do Algarve.<br />

Reflexões à parte, o <strong>Torrão</strong> parece emergir na documentação portuguesa em<br />

1249, numa altura em que termina a conquista do Algarve, a Ordem de Santiago olha<br />

com mais tempo para o seu património, procurando rentabilizá-lo.<br />

Os tempos começam a ser outros e a “Reconquista” tinha terminado. O <strong>Torrão</strong><br />

será emancipado do termo de Alcácer e assume-se como sede de município.<br />

Em 1260 temos a notícia de que estava encomendada por um cavaleiro<br />

chamado Fernando Vermudes e poucos anos depois, no tempo do Mestre Pedro<br />

Escacho as suas rendas ascendiam a 1 800 libas.<br />

No século XIV, o castelo já tinha caído em ruína. A Ordem vai investir 2 000<br />

libras na sua recuperação, mas o trabalho ficou incompleto, porque era necessário<br />

mais 1 000 libras.<br />

Apesar da ausência de dados documentais que permitam testemunhar a<br />

presença de uma comunidade islâmica no <strong>Torrão</strong> após a conquista de 1233, admitimos<br />

que ela terá existido!<br />

Seja como for, a sua memória terá chegado até ao século XVIII onde nas<br />

palavras do Pároco do <strong>Torrão</strong>, quando fala da Fonte Santa (sic) “… e dizem ser obra<br />

dos Mouros, o que não duvido: porque ainda a terra cheira muito a elles, ...” 37 .<br />

Nos finais do século XV, são referidos alguns elementos da minoria judaica do<br />

<strong>Torrão</strong>.<br />

A necessidade de serem efectuadas monografias temáticas sobre o <strong>Torrão</strong>, em<br />

contexto Medieval, Moderno e Contemporâneo, nos mesmos moldes já existentes para<br />

Alcácer do Sal, obriga-nos a encerrar por aqui este capítulo.<br />

36 Ibidem, Marques (1996), p. 44<br />

37 MACEDO, Carla (2009) INQUÉRITOS PAROQUIAIS DE 1758 NO CONCELHO DE ALCÁCER DO SAL: Resposta<br />

da Freguesia de <strong>Torrão</strong>. Neptuno, ADPA (prelo)<br />

Colecção - Elementos para a História do Município de Alcácer do Sal, nº 4<br />

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TORRÃO DO ALENTEJO: <strong>Arqueologia</strong>, História e <strong>Património</strong><br />

<strong>Vol</strong>ume 2<br />

Capítulo 5.<br />

Monumentos da Área Urbana do <strong>Torrão</strong>:<br />

1. Nota prévia<br />

Não se pretende neste capítulo efectuar a síntese histórica de cada monumento<br />

existente na vila do <strong>Torrão</strong>, mas unicamente chamar a atenção para a sua existência,<br />

procurando mostrar porque vale a pena uma visita demorada a cada um deles.<br />

Arquivo da DGMN<br />

2. Imagens da Região e da Vila do <strong>Torrão</strong>, nos finais do século XIX e inícios<br />

do XX.<br />

2.1. Segundo Leite de Vasconcelos (1889)<br />

Em finais do século XIX, Leite de Vasconcelos empreende uma das suas<br />

“famosas” excursões arqueológicas ao Alentejo, com início em Alcácer e passando pelo<br />

<strong>Torrão</strong>.<br />

Num relato ao gosto da época, deixou-nos estes apontamentos pitorescos<br />

(sic): 38<br />

“Na manhã de 28 de Dezembro despedia-me dos meus amigos de Alcácer do<br />

Sal, e dirigia-me para a pátria de Bernardim ou Bernaldim Ribeiro.<br />

38 VASCONCELOS (1898) Excursão Archeologica ao sul de Portugal. Arqueólogo Português, <strong>Vol</strong>. IV, Lisboa, p.114<br />

Colecção - Elementos para a História do Município de Alcácer do Sal, nº 4<br />

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<strong>Vol</strong>ume 2<br />

A estrada que conduz de Alcácer para o <strong>Torrão</strong> é solitária, como em geral<br />

succede no Alemtejo. Atravessei vários riachos, chamados ribeira de Alfevre, ribeira de<br />

Algalé, etc.”<br />

“A manhã estava ennevoada, e por isso pouco pude apreciar dos panoramas<br />

d´estes sítios. De longe em longe passa junto do meu trem um carro alemtejano,<br />

guiado por um homem alto, de jaqueta e chapéu desabado; durante uns segundos<br />

ouvem-se os chocalhos das mulas que o levam, depois tudo volta à solidão e ao<br />

silencio, só cortado pelo ruído do vehiculo em que vou. Nem uma venda se vê, em que<br />

possa dar-se uma gotta de vinho ao cocheiro, para o fortalecer contra a friagem<br />

matutina: só encontrei uma fonte; mas água não a queria ele!<br />

Um pouco antes de se chegar á ponte de Algalé, o Sado deixa de ser<br />

navegável, e muda de nome: fica chamando-se ribeira do Sadão”<br />

“ Á volta, se bem me lembro, do meio-dia, avistava eu a pátria do “Senhor das<br />

Saudades”, como Garrett chama a Bernardim Ribeiro no Auto de Gil Vicente. O<br />

nevoeiro havia-se desfeito, e o sol brilhava com toda a sua luz. Primeiro atravessei o<br />

Xarrama, numa bella ponte: o rio espreguiça-se num leito de pedras, zoando e<br />

espumando; pelas margens vê-se roupa estendida, que enxuga ao sol. Depois de uma<br />

pequena subida, entrei na villa, que é de ruas estreitas e casas baixas. Apesar de o<br />

intuito da minha visita consistir apenas em proceder a algumas investigações<br />

archeologicas, eu ia absorvido na memoria de Bernardim Ribeiro: e por isso<br />

experimentei certa commoção, quando o carro começou a rodar nas ruas da villa. Aqui<br />

nasc~era com effeito no sec. Xv o novellista da Menina e moça, o poeta das Saudades,<br />

cujos cantos exprimem tanto ao vivo a alma portuguesa, sempre melancholica e<br />

apaixonada! Mas d´elle, nem sequer um vestígio material achei na villa; nada que<br />

tornasse lembrado aos seus conterrâneos<br />

Coitado do pastor<br />

Pobre, mal aventurado…<br />

Pelo lado archeologico também nada se me deparou, digno de nota. A igreja,<br />

de três naves, tem um portal manuelino; e há no interior d´ella várias sepulturas com<br />

inscripções portuguesas: mas estes assumptos não entram no meu programma de<br />

estudos. Só num arrabalde da villa encontrei uma pequena construcção romana, feita<br />

de opus Signinum, e que talvez fosse depósito de água; em volta, muitos fragmentos<br />

de tegulas. O sitio chama-se Fonte Santa: há lá realmente uma fonte, mas tão caiada e<br />

modernizada, que nada revela já hoje da importância cultual que de certo teve em<br />

tempos pagãos.<br />

Demorei-me no <strong>Torrão</strong> apenas hora e meia.<br />

Ao Sr. Adelino Simões da Guia, pharmaceutico no <strong>Torrão</strong>, agradeço a<br />

complacência com que me acompanhou, e me informou á cerca do que lhe perguntei”<br />

39<br />

39 VASCONCELOS (1898) Excursão Archeologica ao sul de Portugal. Arqueólogo Português, <strong>Vol</strong>. IV, Lisboa, p.115-<br />

116<br />

Colecção - Elementos para a História do Município de Alcácer do Sal, nº 4<br />

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TORRÃO DO ALENTEJO: <strong>Arqueologia</strong>, História e <strong>Património</strong><br />

<strong>Vol</strong>ume 2<br />

2.2. Um passeio botânico ao <strong>Torrão</strong> (publicado em 1902) 40<br />

“ Entre as Alcáçovas e o <strong>Torrão</strong> apeei-me por um pouco, acompanhando, a<br />

passo, a diligencia, que trepava lentamente uma ladeira extensa, mas pouco inclinada,<br />

orlada de altos Eucalyptos.”<br />

“Perto do <strong>Torrão</strong> começam a apparecer alguns penedos de granito, e é sobre<br />

um leito d´esta rocha que correm e se despenham em pittorescas quedas as aguas<br />

claras do Xarrama. Nada mais inesperado do que esta cinzenta e amontoada penedia<br />

da ribeira, descrevendo um sulco profundo pelo meio de um terreno todo schistoso e<br />

amarellento”<br />

“ Logo acima da margem esquerda do rio, e n´uma eminência do solo, fica a<br />

villa do <strong>Torrão</strong>, onde os Tavoras tinham o solar, que o Marquez mandou destruir e de<br />

que só escapou o velho templo que hoje serve de egreja matriz. Em tempos foi cabeça<br />

de concelho e teve um convento de frades franciscanos e outro de freiras, cujos<br />

edifícios se encontram em ruínas, actualmente, porém, está reduzido ás simples<br />

condições de uma villa modesta, cheia de silencio e de hervas nas ruas, não obstante o<br />

ser centro de uma das mais ricas e affamadas regiões agrícolas do Alemtejo, pela<br />

abundância e superior producção do trigo e do azeite.<br />

Em volta d´ella, formando planícies extensas e pequenas collinas, com campos<br />

e charnecas, estende-se um terreno levemente ondulado, sobre o qual põem sombras<br />

aqui e alli, o verde-negro dos azinhos e a rama esfumarenta dos olivaes.<br />

A cerca de um kilometro, para nascente, levanta-se a elegante ermida da<br />

Senhora do Bom Sucesso, muito branca, sobre uma pequena elevação do terreno e<br />

onde todos os annos, em Setembro, se faz a festa dos trabalhadores, com<br />

philarmonica e danças das raparigas”.<br />

2.3. Carta do <strong>Torrão</strong>, publicado no Jornal Pedro Nunes de Alcácer do Sal, a 6<br />

de Junho de 1908 41<br />

“Esta villa, punge dize-lo, hoje votada quasi ao completo despreso, sem que<br />

tenha quem pugne pelos seus vitaes interesses, e out´ora tão florescente, chegando a<br />

constituir concelho, de que ainda resta embora em mau estado o edifício camarário,<br />

não deixa apesar d´isso de se tornar credora de ser considerada, já pela sua numerosa<br />

população e quantidade de fogos, já também pela sua importância agrícola, pois que<br />

produz e exporta em grande quantidade trigo, azeite, gados, vinho e outros productos<br />

agrícolas.<br />

Pertence ao concelho de Alcácer do Sal, distante d´essa villa pouco mais de<br />

seis léguas, communicando-se por uma estrada da macadamisada,… “<br />

“Todas as povoações, por mais humildes que sejam, procuram venerar e<br />

perpetuar os seus illustres patrícios, reliquías que constituem ufania e que se procuram<br />

guardar no mais respeitável sacrário.<br />

<strong>Torrão</strong> também possue uma d´essas relíquias – Bernardim Ribeiro – distincto<br />

poeta, um dos mais talentosos e productores cérebros portugueses, de quem Garrett<br />

40<br />

SAMPAIO (1902). Um passeio botânico ao <strong>Torrão</strong>. Boletim da Sociedade Broteriana, XVIII, Fasc. 1-2, Coimbra,<br />

p.48<br />

41<br />

Iremos só trancrever alguns parágrafos. O original pode ser consultado no Fundo Local da Biblioteca <strong>Municipal</strong> de<br />

Alcácer do Sal.<br />

Colecção - Elementos para a História do Município de Alcácer do Sal, nº 4<br />

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TORRÃO DO ALENTEJO: <strong>Arqueologia</strong>, História e <strong>Património</strong><br />

<strong>Vol</strong>ume 2<br />

disse que « não houve poeta portuguez que escrevesse mais com o sangue no<br />

coração»,…”<br />

Para mais informações, contactar:<br />

3. Monumentos da Área Urbana<br />

Junta de Freguesia do <strong>Torrão</strong> – freguesia.torrao@mail.telepac.pt - Tel: 265 669 245<br />

Museu Etnográfico do <strong>Torrão</strong> – Tel: 265 669 203<br />

Gabinete de <strong>Arqueologia</strong> do Município de Alcácer do Sal – arqueologia@m-alcacerdosal.pt Tel: geral da<br />

<strong>Câmara</strong>.<br />

Turismo do Município de Alcácer do Sal – turismoalcacer@m-alcacerdosal.pt - Tel: 265 610 070/73 e fax<br />

265 610 079.<br />

Morada – Praça Pedro Nunes, Antiga Casa do Revés nº 1 – r/c.<br />

Colecção - Elementos para a História do Município de Alcácer do Sal, nº 4<br />

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7580-125 Alcácer do Sal<br />

4.1. <strong>Património</strong> Arqueológico.<br />

4.1.1. O Castelo do <strong>Torrão</strong><br />

TORRÃO DO ALENTEJO: <strong>Arqueologia</strong>, História e <strong>Património</strong><br />

<strong>Vol</strong>ume 2<br />

4. Roteiro Patrimonial<br />

Localizado no ponto mais elevado da vila, já nada existe da primitiva construção<br />

medieval.<br />

Foram estas, as palavras que o pároco do <strong>Torrão</strong> usou para descrever o sítio do<br />

Castelo do <strong>Torrão</strong>, em 1758 (sic) 42<br />

“…Paço do Gram Mestre Dom Jorge, a que chamão o Castello, hoje<br />

arruinado, cercado de muro de taipa; o qual vizitou Dom Rodrigo de Meneses<br />

fidalgo da casa de Sua Magestade, Comemdador das Comendas da villa de Caçella e<br />

da Igreja do Salvador de Santarém, e Treze e João Fernandes Barregão Prior de<br />

Nossa Senhora do Castelo de Alcácer, ambos vizitadores, em Dezembro de mil e<br />

quinhentos secenta e sinco. E achou quatorze casas Altas forradas de cortiça; muitas<br />

Officinas, Cavalariças, e hoje tudo aruinado.<br />

42 Os sublinhados são nossos. Fonte, MACEDO, Carla (2009) INQUÉRITOS PAROQUIAIS DE 1758 NO CONCELHO<br />

DE ALCÁCER DO SAL: Resposta da Freguesia de <strong>Torrão</strong>. Neptuno, ADPA (prelo)<br />

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TORRÃO DO ALENTEJO: <strong>Arqueologia</strong>, História e <strong>Património</strong><br />

<strong>Vol</strong>ume 2<br />

As intervenções arqueológicas de Carlos Tavares da Silva e Joaquina Soares, na<br />

década de 80 do século passado, puseram a descoberto um conjunto de estruturas<br />

que segundo os autores, serão de meados do século XVI, concordante com os<br />

fragmentos de cerâmica que sulcam a superfície envolvente.<br />

O local encontra-se actualmente coroado por um depósito de água, pela igreja<br />

Matriz do <strong>Torrão</strong> e por casario particular que desde meados do século XX tem<br />

procurado ocupar o terreno ainda livre. No meio existe um vasto terreiro abandonado,<br />

cortado por uma rua pública.<br />

Sobrevive localmente o sugestivo topónimo “Castelos do <strong>Torrão</strong>”, cuja<br />

denominação é elucidativa da intensa ocupação do local, desde o III Milénio antes de<br />

Cristo até ao presente.<br />

A população do <strong>Torrão</strong> foi tecendo ao longo dos séculos, algumas lendas sobre<br />

o seu castelo, cuja expressão arquitectónica e dimensão continuamos a desconhecer.<br />

As raras fontes documentais a ele alusivas, referem que teria:<br />

- Muros em taipa e várias torres.<br />

Em contexto Baixo Medieval, o que terá sobrevivido do castelo islâmico,<br />

provavelmente referente à alcáçova, foi adaptado a “Paço” da Ordem de Santiago e<br />

estaria localizado junto à Igreja Matriz.<br />

Admitimos que em contexto islâmico a cerca amuralhada incluísse parte da<br />

actual igreja matriz; presumível lugar da mesquita islâmica e que naturalmente,<br />

necessita de uma confirmação arqueológica.<br />

A favor desta leitura, temos o topónimo inicial do edifício religioso, cujo orago<br />

estava consagrado a Santa Maria, muito ao gosto do século XIII e que se encontra<br />

associado à purificação dos espaços sagrados após a conquista cristã.<br />

Em 1260 temos a notícia, que o <strong>Torrão</strong> estava encomendado a um cavaleiro<br />

chamado Fernando Vermudes e que poucos anos depois, no tempo do Mestre Pedro<br />

Escacho, as suas rendas ascendiam a 1800 libras.<br />

Em meados do século XIV, o castelo já tinha caído em ruína. A Ordem vai<br />

investir 2 000 libras na sua recuperação, mas o trabalho terá ficado incompleto, porque<br />

era necessário mais 1 000 libras.<br />

Pensamos antes, que provavelmente não terá havido interesse em recuperar a<br />

totalidade da cerca. De facto, os tempos já eram outros e a parte arruinada, permitiria<br />

a expansão da área urbana da vila ao longo do principal eixo de comunicação que se ia<br />

estruturando após o século XIII.<br />

Só a igreja matriz resistia no espaço desactivado do castelo. É sintomático que<br />

o pároco do séc. XVIII quando fala da igreja matriz, refere taxativamente que esta se<br />

localiza fora da vila.<br />

Para um melhor enquadramento histórico do Castelo do <strong>Torrão</strong> e o seu papel<br />

para a construção da realidade actual, aconselhamos a consultarem os capítulos 4, 5 e<br />

7 deste livro.<br />

Neste momento, não existe nenhum vestígio da estrutura militar medieval, mas<br />

vale a pena uma visita demorada ao local, por causa da paisagem magnífica e pela<br />

oportunidade de visitar a Igreja Matriz.<br />

4.2 O <strong>Património</strong> Religioso<br />

A Vila do <strong>Torrão</strong> pode ser comparada a um diadema, salpicado de jóias, que<br />

coroa uma colina que sobressai da paisagem envolvente.<br />

Cada pedra preciosa corresponde a um monumento ou uma casa brasonada.<br />

Colecção - Elementos para a História do Município de Alcácer do Sal, nº 4<br />

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TORRÃO DO ALENTEJO: <strong>Arqueologia</strong>, História e <strong>Património</strong><br />

<strong>Vol</strong>ume 2<br />

É natural que grande parte do legado patrimonial que chegou até aos nossos<br />

dias, correspondam a Igrejas e a Ermidas, dada a importância que o sagrado e a<br />

protecção divina tinham nesses séculos passados.<br />

O <strong>Torrão</strong> sempre foi uma terra de gentes devotas e preocupadas pelo próximo,<br />

tanto em contexto islâmico como no cristão.<br />

O que chegou até aos nossos dias foi a sacralização dos espaços religiosos, tão<br />

necessários para darem sentido à vida, em épocas problemáticas de guerras, pestes e<br />

crises alimentares.<br />

Curiosamente, do património militar, pouco ou nada sobreviveu até hoje, a não<br />

ser a memória e um relato ou outro fixado em palavras escritas<br />

4.2.1. Igreja de Nossa Senhora da Assunção<br />

(Antiga Igreja Matriz de Santa Maria do <strong>Torrão</strong>)<br />

Imponente construção, que molda a paisagem urbana do <strong>Torrão</strong>, sendo visível<br />

a vários quilómetros.<br />

Este facto não é gratuito e tem a ver com a importância que teve após a<br />

conquista do <strong>Torrão</strong> em meados do século XIII. Por alguma razão se localiza na área<br />

do antigo castelo.<br />

Durante a Idade Média, tanto em contexto muçulmano como no Cristão, a<br />

localização dos imóveis obedecem a regras precisas. A sua volumetria e diálogo visual<br />

do conjunto, servem também como “marcas de poder” transmitidos aos habitantes e<br />

viajantes, mostrando a importância que teriam em determinada época.<br />

O facto de o castelo ter desaparecido precocemente e de a Igreja matriz ter<br />

sobrevivido, mostra que o clero terá tido mais importância no <strong>Torrão</strong> que o aparelho<br />

militar aqui instalado, e que após a conquista do território, este ultimo terá começado<br />

a perder sentido!<br />

Após a conquista definitiva do <strong>Torrão</strong>, provavelmente em 1233 (!), a “mesquita”<br />

terá sido purificada e transformada em Igreja cujo orago foi atribuído a Santa Maria,<br />

como era usual na época.<br />

A primeira referência documental conhecida remonta a 1249 e figura no acordo<br />

estabelecido entre o Mestre da Ordem de Santiago e o Bispo de Évora, quanto ao teor<br />

do pagamento que esta local de culto teria que fazer a Évora.<br />

É de aceitar que o edifício duacentista, estivesse dentro do recinto amuralhado<br />

islâmico, o qual consistia numa muralha em taipa, como é referida nas “Memórias<br />

Paroquiais” do século XVIII.<br />

Terá sido consagrada nessa altura a Santa Maria, como era usual numa igreja<br />

localizada na sede administrativa de um concelho medieval.<br />

Segundo o estudo de Cristina Gomes Pimenta 43 , sabemos que em 1510 a igreja<br />

era chamada de Santa Maria, denominação que ainda encontramos em 1534.<br />

Em 1510 o Prior era Luís Carreira, processo da Ordem de Santiago.<br />

Tinha de Mantimento: 10 000 reais e com a tesouraria, 500 reais.<br />

Como obrigações, tinha a missa aos Domingos e festas, a cura das almas, por<br />

acordo com os beneficiados.<br />

Sancho Garcia e João Dias, aparecem como beneficiados nesse ano de 1510.<br />

Nas obrigações, figuram todas as missas e rezar as horas no coro e ajudar às<br />

missas do Prior e dar a unção e comunhão.<br />

43 Pimenta, Maria Cristina Gomes, 2002, As Ordens de Avis e de Santiago na Baixa Idade Média: O Governo de<br />

D. Jorge, p. 225.<br />

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TORRÃO DO ALENTEJO: <strong>Arqueologia</strong>, História e <strong>Património</strong><br />

<strong>Vol</strong>ume 2<br />

Como confraria anexa, figura a de Nossa Senhora.<br />

Como Capelas anexas, figuram as de João Falcão, do Santo Espírito, de<br />

Madalena Fernandes e de João Pinheiro.<br />

Segundo o mesmo estudo, (Pimenta, p. 225), para 1534, foram referenciados<br />

os seguintes elementos:<br />

Prior: Diogo Rodrigues, capelão de D. Jorge, ausente.<br />

Capelães: Manuel Carreira e Pedro Eanes, clérigos de missa do hábito de<br />

Santiago.<br />

Mantimentos: 2 moios de trigo e 1 000 reais<br />

Obrigações: missa em dias alternados com o outro capelão<br />

Confrarias anexas: de Nossa Senhora<br />

Capelas anexas: de João Falcão, de Santo Espírito, de Fernão Sousa Borges,<br />

de Madalena Fernandes e de João Pinheiro.<br />

Segundo as Memórias Paroquiais, referentes à Vila do <strong>Torrão</strong> e escritas em<br />

Junho 29 de 1758, pelo Prior da Matriz, Francisco Carneiro e Alves:<br />

“6. Tem Igreja Matriz, e está em um alto para a parte do poente, fora da vila,<br />

junto ao Paço do Grã Mestre Dom Jorge, a que chamam o Castelo, hoje arruinado,<br />

cercado de muro de taipa, o qual visitou Dom Rodrigo de Menesses fidalgo da Casa de<br />

Sua Mejestade, Comendador das Comendas da vila de Cacela, e da Igreja do Salvador<br />

de Santarém, e João Fernandes Barregão Prior de Nossa Senhora do Castelo de<br />

Alcácer, ambos visitadores, em Dezembro de mil e quinhentos sessenta, e cinco.(...)<br />

7. É o Orago da Matriz, Nossa Senhora da Assunção. Tem dez altares, o Altar<br />

Maior bem adornado, capela grande, boa tribuna, e de Naves com colunas, como era a<br />

Igreja de São Nicolau da Cidade de Lisboa.<br />

Primeiro colateral, a Senhora da Vitória dos Brancos. O Senhor Santo António,<br />

em cuja Capela está a venerável Imagem do Senhor dos Passos. Terceira Capela do<br />

Senhor Amaro com graves quadros, pintura antiga. Quarta capela é da Senhora do<br />

rosário, Imagem venerada, e prodigiosa; de grande estatura; cuja Capela, mandou<br />

fazer o Padre Semião Fernandes Ochoa; e Álvaro Correia de Freitas da vila de Alcácer<br />

do Sal; e servia de carueira, e fez escritura dela para a dita Senhora, que hoje se acha<br />

com grave tribuna; bem pintada, e ornada a Capela. A Senhora com bons vestidos:<br />

que tudo se deve à minha devoção, que tenho dito á dita Senhora dos Remédios<br />

4.2.2. Nossa Srª da Albergaria.<br />

Provavelmente terá correspondido a uma estalagem medieval, como o seu<br />

nome indica.<br />

No século XV, o espaço profano foi transformada em Igreja, por iniciativa de D.<br />

Margarida de Areda.<br />

Em 1636 foi englobada na Misericórdia do <strong>Torrão</strong> por ordem do Cardeal D.<br />

Henrique.<br />

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4.2.3. Igreja do Carmo<br />

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<strong>Vol</strong>ume 2<br />

A sua história ainda é mal conhecida. Localiza-se no edifício da actual sede da<br />

Freguesia do <strong>Torrão</strong> e antiga sede da vereação do Concelho do <strong>Torrão</strong>. Em meados do<br />

século XX foi aqui criada a Casa do Povo do <strong>Torrão</strong>.<br />

A questão que se põe é o porque de uma Igreja do Carmo na vila do <strong>Torrão</strong>!<br />

- Faria parte de um convento na vila, entretanto desaparecido?<br />

- Consistia parte de património de um convento exterior ao <strong>Torrão</strong>?<br />

- Terá sido construído por iniciativa particular?<br />

Na realidade é pouco o que sabemos deste espaço religioso, actualmente<br />

partilhado pela sede de freguesia do <strong>Torrão</strong>, possuindo no corpo da Igreja, onde<br />

funciona o pólo da biblioteca municipal de Alcácer do Sal.<br />

Numa síntese, a Ordem do Carmo, nasceu da regra dada por St.º Alberto,<br />

patriarca de Jerusalém, aos Carmelitas em 1209 e aprovado pelo Papa Honório III, em<br />

30 de Novembro de 1226. 44<br />

Como ordem mendicante, de início não podia ter bens e viviam “ o modelo da<br />

Igreja primitiva”<br />

A gestão dos bens era efectuada por um frade designado para o efeito, que ia<br />

dando resposta às necessidades de cada um. Era, porém, permitido a posse de animais<br />

e aves para alimentação e burros ou mulas, consoante as necessidades.<br />

A Ordem do Carmo entrou em Portugal em 1251, com a fundação de um<br />

convento na vila de Moura, num espaço doado pelos freires militares de S. João de<br />

Jerusalém (Hospitalários).<br />

Estes vêm como padres espirituais dos Hospitalários.<br />

O grande impulso para a expansão da Ordem em Portugal é dado por D. Nuno<br />

Alvares Pereira, com a fundação do Convento do Carmo em Lisboa.<br />

Quando se deu em 1834, a extinção das Ordens Religiosas, os seus bens foram<br />

vendidos em hasta pública.<br />

A questão que fica em aberto, prende-se com a presença de uma Igreja do<br />

Carmo no <strong>Torrão</strong>!<br />

4.2.4. Convento das Freiras Clarissas 45<br />

Segundo os dados conhecidos, corresponde à primeira casa religiosa feminina<br />

construída na vila do <strong>Torrão</strong> e terá sido fundada em 1560.<br />

1. Introdução 46<br />

A identificação em 2006, de uma enigmática estrutura “amuralhada” anexa ao<br />

convento de Nossa Senhora da Graça do <strong>Torrão</strong>, que em trabalhos anteriores<br />

44<br />

P.ª Casimiro Vloon, (O.carm), 1983, Carmelitas. Bens. Dicionário de História da Igreja em Portugal, Direcção de<br />

António Alberto Banha de Andrade, 2º V., p. 618-620.<br />

45<br />

Aproveitamos para a abordagem sobre esta casa monástica, o estudo que se encontra disponível ao público no Blog<br />

- Arqueo-<strong>Torrão</strong>, dado que não tinha sentido elaborar um texto complectamente novo que pouco dados novos iria<br />

adiantar. Carvalho (2008) O CONVENTO DE NOSSA SENHORA DA GRAÇA DO TORRÃO: Notas Bibliográficas<br />

de Freiras, com Fama de Santidade e Virtude, que nele habitaram nos séculos XVI/XVII<br />

46<br />

Aproveitamos o texto entretanto publicado no Neptuno de 2009, que versa este convento.<br />

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<strong>Vol</strong>ume 2<br />

defendemos ter uma génese muçulmana 47 , veio dar uma inesperada visibilidade a este<br />

monumento religioso que marca a paisagem urbana.<br />

Desde logo sentimos a necessidade de efectuar uma abordagem monográfica a<br />

este conjunto monástico.<br />

Afirmámos desde já que não é finalidade desta nota, efectuar o estudo<br />

exaustivo deste monumento, não só porque tal não seria possível no âmbito do espaço<br />

disponível neste livro, como para esse efeito, teríamos que ter acesso e<br />

“ler/transcrever” grande parte da documentação produzida no seu cartório. 48<br />

O nosso objectivo é mais modesto e pretende nas páginas seguintes dar início<br />

ao estudo deste monumento, começando por dar a conhecer alguma da documentação<br />

a que tivemos acesso.<br />

Como já afirmamos anteriormente e é bom relembrar, a História do <strong>Torrão</strong><br />

encontra-se por fazer e praticamente não existem monografias referentes aos<br />

principais monumentos da vila.<br />

O que temos actualmente à nossa disposição correspondem a breves notas<br />

ainda elaboradas no século passado, que continuam importantes como ponto de<br />

partida, mas que já não dão resposta às actuais solicitações.<br />

2. Breve Nota Histórica sobre a Origem do Convento<br />

Este convento da Nossa Senhora da Graça, da Ordem de Santa Clara/Clarissas,<br />

era da Jurisdição do Ordinário. 49<br />

Tudo terá tido início em 1560. Segundo Jorge Cardoso 50 , cronista da vida<br />

religiosa que viveu no século XVII:<br />

“ Edificou-se sobre certo casório de uma nobre matrona, chamada Britis Pinta,<br />

que o foi muito mais por sua honestidade, e recolhimento (no) ano (de) 1560, de<br />

licença del Rei D. Sebastião, debaixo da invocação de S. Marta. Por cuja morte, outra<br />

matrona, parenta sua muito chegada, por nome Maria Pinta, se recolheu a ele, com<br />

suas criadas, e algumas donzelas da terra, as quais gastavão o tempo com singular<br />

louvor em actos de exemplares mortificações, e virtudes.”<br />

Segundo o Pároco do <strong>Torrão</strong> 51 , “essas casas” correspondiam a uma capela de<br />

Santa Marta e alguns anexos, onde vivia como beata e instituidora Maria Pinta: “... e<br />

obtiveram Licença da Mesa de Consciência para fundarem; ficando as ofertas para os<br />

Priores. Tem boa igreja de Abobada, bastante Convento, Cerca 52 , que lhe acrescentou<br />

o Excelentíssimo, e Reverendíssimo Senhor Dom Frei Miguel de Távora, a quem são<br />

sujeitas: estão muito pobres...”<br />

Segundo o Padre António Carvalho da Costa, publicado em 1708, mas cujas<br />

informações remontam ao século XVII, encontramos os seguintes elementos: 53<br />

47<br />

Cronologia Almóada.<br />

48<br />

Cujo destino actual desconhecemos.<br />

49<br />

Chorão(2000) Conventos. Dicionário de História Religiosa de Portugal, <strong>Vol</strong>. C-I, p. 22.<br />

50<br />

Cardoso (1657), Agiologio Lusitano, Tomo II, p. 346<br />

51<br />

Carneiro Alves (1758). Vila do <strong>Torrão</strong>. Memórias Paroquiais. Leitura de Carla Macedo, publicado neste numero do<br />

Neptuno.<br />

52<br />

Esta “Cerca” que foi acrescentada ao convento pouco antes de 1758, corresponde à musalla.<br />

53<br />

Carvalho da Costa (1708) Corografia Portuguesa e Descripçam Topográfica do Famoso Reyno de Portugal.<br />

Tomo segundo, p. 484<br />

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“....(tem um convento) de Freyras da mesma Ordem (Franciscanos), da<br />

invocaçaõ de Nª Senhora da Graça, que se fundou pelos annos de 1560, com licença<br />

del Rey D. Sebastião em humas casas de Brites Pinta, mulher nobre, & era naquelle<br />

tempo Recolhimento dedicado a S. Martha. Depois pelos annos de 1599, se fundou o<br />

Convento com esmolas, que a Infanta D. Maria lhe deo.<br />

Curiosamente, Jorge Cardoso, o autor que mais informação nos transmite sobre<br />

esta casa monástica, menciona no seu Agiologio Lusitano 54 , a ocorrência de uma<br />

“ordem divina” que vai dar o impulso necessário para a edificação deste convento.<br />

O convento das Clarissas foi erguido no final do século XVI, sobre as casas e<br />

capela de S. Marta, junto à estrada que ia para Beja, numa das entradas da Vila.<br />

A construção da Igreja e claustro obedeceram ao espaço disponível, tendo sido<br />

condicionado ao eixo viário então vigente.<br />

De 1599, até meados do século XVIII, o edifício conventual correspondia ao<br />

espaço definido pelo corpo da igreja a norte e o claustro a sul.<br />

Com base nas notas bibliográficas de algumas irmãs virtuosas que viveram<br />

nesta casa, desde a sua fundação até ao século XVII e que anexamos neste trabalho,<br />

ficamos a saber alguns elementos da estrutura arquitectónica do convento e aspectos<br />

do seu quotidiano que serão abordados noutros estudos.<br />

Resumidamente, o convento tinha no primeiro andar o dormitório e no rés-dochão<br />

ficava o refeitório. Um dos compartimentos servia de “enfermaria”.<br />

Em termos de hierarquia interna, existiam as irmãs que estavam “proibidas” de<br />

sair do convento e que eram apoiadas por serventes, que não estando sujeitas ao voto<br />

da Ordem Monástica, teriam em princípio, maior liberdade de circulação, podendo<br />

ausentarem-se do convento de forma a executarem alguns serviços externos.<br />

Em termos de organização do espaço edificado, para sudoeste, a estrada de<br />

Beja cortava a possibilidade de expansão da cerca conventual. É nesta banda, no outro<br />

lado da estrada, mas pertencente a outro proprietário, que existia ainda de pé, o que<br />

terá sobrevivido da musalla 55 , já despojada da sua memória. 56<br />

Segundo as Memórias Paroquiais, esse espaço é laconicamente denominado de<br />

“Cerca” “..., que lhe acrescentou 57 o Excelentíssimo, e Reverendíssimo Senhor Dom<br />

Frei Miguel de Távora, a quem são sujeitas: estão muito pobres...”<br />

O facto de pertencer a um elemento da família Távora é outro dado a reter,<br />

dada a ligação familiar directa existente com o ultimo Mestre da Ordem de Santiago,<br />

D. Jorge, filho bastardo de D. João II.<br />

Admitimos, mesmo sem provas documentais claras, que a referida “Cerca<br />

Amuralhada”, poderá ter pertencido aos Espatários, desde a conquista até uma data<br />

indeterminada após o século XVI, altura em que entrará no património dos Távoras.<br />

54 Cardoso (Ob. Cit.), Tomo II, p. 346-347<br />

55 Sobre a questão da musalla islâmica, os interessados podem consultar os nossos trabalhos, que estão referenciados<br />

na bibliografia e disponíveis no site do Município de Alcácer do Sal.<br />

56 É provável que no século XVII/XVIII o local fosse encarado como simples cerca/muralha e que uma “tradição local<br />

(!)”, de natureza indeterminada, impedisse a alteração profunda do espaço. Apesar dos dados lacónicos, é de aceitar<br />

que os terramotos de 1530 e o de 1755 tenham afectado o <strong>Torrão</strong>. O que identificamos na textura exposta da torre<br />

(onde se localizava o miḥrāb), é a utilização de vários fragmentos de estuque de areia de cal de cronologia<br />

indeterminada. Será que estamos perante restos do antigo miḥrāb?<br />

57 Esta palavra “acrescentou” é muito importante, porque representa uma prova documental de que a Cerca já existia<br />

de pé, em data anteriormente a 1758 e que nada tinha a ver com a arquitectura conventual, dado pertencer a outro<br />

proprietário. Achamos interessante o espaço pertencer a um elemento religiosos da poderosa família Távora, o que<br />

sugere que se tratava de um espaço cercado com algum prestígio. O texto não é claro sobre a data da doação, contudo<br />

admitimos que, dado que o doador ainda se encontrava vivo em 1758 e que as freiras se encontravam “muito pobres”,<br />

é provável que elas terão recebido esta Cerca pouco depois do terramoto de 1755. As fotos da cerca mostram<br />

claramente duas fases de construção, que provavelmente mostram a ocorrência de obras após esta calamidade que<br />

atingiu o <strong>Torrão</strong>.<br />

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Desconhecemos como terá sido aceite pela vereação do <strong>Torrão</strong> a desactivação<br />

da estrada para Beja, contudo a “anexação” deste troço foi efectuada e consumada,<br />

mantendo-se actualmente.<br />

3. Breves Apontamentos Bibliográficos: Anexo documental<br />

A nossa base de trabalho incidiu na pesquisa efectuada na obra de Jorge<br />

Cardoso, o Agiologio Lusitano, escrito no século XVII e cujo último volume foi<br />

publicado no século XVIII.<br />

Não se trata de um registo completo de todas as freiras que habitaram este<br />

convento, mas o seu autor quis dar a conhecer a vida e feitos milagrosos de algumas<br />

religiosas que de uma maneira ou de outra, foram consideradas santas ou virtuosas e<br />

como tal, merecedoras de registo para memória futura.<br />

Estes elementos, permitem-nos tentar imaginar como seria o quotidiano num<br />

espaço conventual feminino nesta região após o Concilio de Trento e até ao final do<br />

século XVII.<br />

3.1. Nota Prévia:<br />

Mantivemos o texto original, contudo para facilitar a sua compreensão,<br />

procedemos à actualização de algumas palavras, mudando igualmente a paginação<br />

original, dado que os textos se encontram encadeados entre si, numa sequência<br />

contínua, sem parágrafos.<br />

Muitas das vezes, o cronista não refere as datas dos acontecimentos que relata,<br />

mas dado que o convento foi fundado em finais do século XVI e o autor escreveu no<br />

século seguinte, estamos cientes que os relatos mencionados referem acontecimentos<br />

centrados no século XVII, provavelmente na primeira metade.<br />

3.2. As Freiras.<br />

Sòr Maria da Cruz Franc. (28 de Março)<br />

Em N. Senhora da Graça do <strong>Torrão</strong>, Arcebispado de Évora, o falecimento de Sòr<br />

Maria da Cruz, origem, e princípio desta religiosa casa.<br />

Criou-se ela na da Infanta D. Maria, onde já se levantava às duas horas depois<br />

da meia noite a orar, o que continuou consagrada a Deus por voto, levando-lhe a<br />

maior parte do dia este louvável, e santo costume, a que juntava estreita pobreza,<br />

trazendo hábito de xerga, seguindo as comunidades com austera vida.<br />

Nunca usou de medicina, ou cura alguma nas enfermidades, nem por mais<br />

doente, que estivesse, comeu carne em festa, ou sábado, mais que o pior, e sobejos<br />

das outras, nem sendo velha, (não) consentiu (que) usassem com ela de algum mimo,<br />

ou regalo particular.<br />

Rezava todos dias o Psalterio pelas almas, e era tão compassiva, que não podia<br />

ver matar uma ave, e por isso tinha muito particular cuidado dos gatos, os quais a<br />

seguião para onde quer que ia, e no refeitório a cercávão.<br />

Sucedeu que fazendo a esta serva de Deus, Vigaria da casa, lhe disserão<br />

algumas religiosas motejando. Agora sabe V. R. o que há de fazer, ir à mesa travessa,<br />

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rodeada de gatos. Ela ouviu, e calou. E depois chamadas a todas lhes fez Capitulo,<br />

dizendo:<br />

- Bem vedes, que para mor de vós me deste autorização, e já disserão, que não<br />

era para o cargo, vós vos avisais, que estes três anos não entreis no refeitório, e<br />

esperais à porta, que eu terei cuidado de vos prover<br />

Foi coisa admirável, e misteriosa, que como se tiverão uso de razão, se<br />

abstiveram o triénio, sem entrarem nele, esperando fora que a Madre viesse para lhes<br />

dar sua refeição (coisa publica, e notória na dita casa) e acabando o ofício, continuarão<br />

como dantes.<br />

Veio esta santa velha no fim da idade a cair em cama, onde prosseguia a<br />

mesma vida, que em moça, até que (com santa inveja de suas companheiras)<br />

caminhou para os choros Angélicos, a quem todas imitávão, como modelo excelente de<br />

virtude, e exemplar de perfeição.<br />

J. Cardoso, (1657), Agiologio Lusitano, II, 339, 340<br />

Sòr Clemência de Jesus Clarissa (24 de Março)<br />

No mesmo dia, em o convento de N. Senhora da Graça do <strong>Torrão</strong>, Arcebispado<br />

d´ Évora, o óbito de Sòr Clemência de Jesus, religiosa penitente, & fervorosa na<br />

oração, que regava com grande copia de lágrimas, na qual foi vista por vezes, pregarse<br />

ao lugar, onde a exercitava, porque o espírito a levava pelos ares.<br />

Persuadida então das companheiras, que lhe declarasse algumas coisas das<br />

quais o divino Amante lhe dava a sentir, para mais louvavam, e engrandeceram suas<br />

misericórdias, nunca quis, antes molestava a todas, que guardassem silencio, quando<br />

fossem tão ditosas, que ele lhes comunicasse semelhantes favores, trazendo por<br />

exemplo aquelas palavras de seu Santo Patriarca: secretum meum mihi. Assentada no<br />

refeitório para comer, debulhava-se primeiro em lágrimas, e perguntando-lhe, porque<br />

chorava, respondia: Acho-me indigna de ter lugar na mesa de S. Clara; por ser sua<br />

humildade, que tanto a abatia, quando subia pela oração.<br />

Chamada para o Sacramento da Penitencia corria a mor pressa, dizendo: Que<br />

não queria lhe preferisse ninguém na hora de sua salvação. Finalmente na última<br />

doença, por espaço de 18 dias, não levou nada para baixo, e rogada das religiosas,<br />

que comesse para poder com o mal, respondia com devoção: Non in solo pane viuit<br />

homo; e assim mesmo neles não falava mais que consigo, ouvindo-se-lhe uma vez<br />

entre dentes: Inimigo não tens, que fazer comigo, porque as esmolas, que despendi<br />

sendo porteira, forão com licença da prelada. E com estas palavras na boca: Sorores<br />

sobriae estote, & vigilate, quia aduersarius vester diabolus, tamquam leo rugies, &c.<br />

Acabou, como viveu, com morte santa.<br />

J. Cardoso, (1657), Agiologio Lusitano, II, 304, 305<br />

Sòr Mariana de Assunção Franciscana (18 de Abril)<br />

Neste dia, em N. Senhora da Graça do <strong>Torrão</strong>, Arcebispado de Évora, deixou de<br />

viver Sór Mariana da Assunção, a qual de muita pouca idade começou a dar mostras,<br />

que o soberano Amante a tinha escolhido para sua querida esposa, antecipando-lhe a<br />

graça prevenindo o uso da razão, jejuando, e orando perpetuamente, usando de<br />

vilíssimo habito pardo com honesto toucado, até que acompanhando a duas irmãs<br />

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suas, que vinhão ser freiras no dito convento, tanto que abrirão a porta regular, entrou<br />

de romaria com elas, contra vontade de seus pais, e dos Prelados, porque era muito<br />

achacosa, e doente; mas forão tantas suas lágrimas, e soluços querendo-a logo por na<br />

rua, que mandou com censuras o Arcebispo D. Diogo de Sousa (remoto parente seu)<br />

que a deixassem ficar até constar a vontade divina.<br />

Coisa maravilhosa! De improviso a desamparou a febre, e cobrou perfeita saúde<br />

com admiração de todos.<br />

Passados alguns meses, querendo a Abadessa lançar-lhe o habito, recresceram<br />

duvidas sobre o dote, buscada neste começos para seus pais a levarem para casa, foi<br />

achada de joelhos em oração num entre forro, abraçada com um Crucifixo, banhada<br />

toda em lágrimas, meio com que elas a acharam-na mais depressa.<br />

Vendo-se pois D. Mariana entre as servas de Deus numerada, tratou de as<br />

imitar, empregando-se em altíssima contemplação, na qual o celestial esposo lhe<br />

revelou notáveis segredos.<br />

Destes felizes progressos em breve na virtude, por vezes (o) invejoso demónio,<br />

pretendeu inquietá-la, para isto se transformava em Anjo da Luz, fazendo-a a sentir<br />

em coisas contrárias a sua salvação.<br />

E dando ela conta a seus Padres Espirituais, parecendo-lhes que estava iludida,<br />

foi examinada por graves, e doutos Teólogos, os quais averiguarão, que tivera vinte e<br />

duas revelações verdadeiras, e que nesta somente fora enganada, permitindo assim<br />

Deus para mais a humilhar.<br />

E porque o negócio andava já na boca da comunidade, a Madre Abadessa (por<br />

conselho dos Confessores) lhe deu algumas penitências publicas, como tomar<br />

disciplina, servir na cozinha, andar sem chapins (calçada), comer com as serventes, e<br />

lavar os pés a todas, o que ela obrava com extraordinária alegria, e contentamento,<br />

não fazendo caso das injurias, e afrontas, com que era (sujeita) a toda a hora, mais<br />

que responder com sumida voz, quando lhe chamavão endemoniada: Também a meu<br />

Senhor Jesus Cristo o chamarão, e a serva não á de ser melhor, que o senhor.<br />

Sobrevindo-lhe então um frouxo de sangue á boca, conhecendo daqui a<br />

brevidade da vida, pediu o sagrado Viático, e santa Unção, tremendo a casa ao tempo,<br />

que se lhe administrou.<br />

De que ela com grande serenidade voltada para a Abadessa disse: São traças<br />

do inimigo, a quem não temo pela misericórdia divina.<br />

Rendidas do sono as religiosas, que lhe assistirão, na madrugada do Sábado<br />

santo, bradou tão alto, que lhe dessem a candeia, que se ouviu no dormitório, e<br />

acudindo-lhe, repetiu o Credo pausadamente, e nas ultimas palavras<br />

- Et vitam aeterenam Ame(m); foi gozar dela para sempre, em companhia das<br />

santas Virgens da Ordem.<br />

J. Cardoso, (1657), Agiologio Lusitano, II, 628, 629<br />

Sòr Francisca das Chagas Menorita. (2 de Maio)<br />

No Convento de N. Senhora da Graça do <strong>Torrão</strong>, a saudosa memória da Madre<br />

Francisca das Chagas, que de menina se entregou toda à virtude, padecendo logo<br />

gravíssimas tentações, maquinadas pelo inferno, das quais (ajudada do braço<br />

Superior) saia sempre vitoriosa.<br />

Era tão aplicada à oração, e meditação, que gastava nela dias, e noites inteiras<br />

sem o sentir, com tão copiosos mares de lágrimas, que correndo em fio de seus olhos,<br />

banharão o lugar em que premeditava.<br />

Colecção - Elementos para a História do Município de Alcácer do Sal, nº 4<br />

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TORRÃO DO ALENTEJO: <strong>Arqueologia</strong>, História e <strong>Património</strong><br />

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Tomava graves penitências, e disciplina por suas mãos, repousava sobre áspera<br />

cortiça, passava quase todo ano sem se dejejuar, e desejava tanto padecer pelo<br />

Redentor, que continuamente lhe pedia atormenta-se seu corpo com tais dores, e<br />

chagas, que parecesse outro Job, até que mereceu ouvir de sua divina boca:<br />

- Filha estás despachada à medida do teu desejo: com que ficou muito<br />

consolada.<br />

Quando dali a poucos dias lhe nasceu um mordaz cancro na face esquerda, e<br />

tanto se apoderou da queixada, que em breve chegou ao ombro com notável<br />

disformidade, sobrevindo-lhe a tempos copiosos froxos de sangue, os quais (feita um<br />

protótipo de paciência) com inaudita alegria recolhia numa vasilha, que para isto trazia<br />

consigo, ficando muitas vezes quase morta; sem pulso, até que tornava, dizendo:<br />

- Este é o favor que o soberano Rei da Gloria me prometeu: pelo qual lhe<br />

rendia multiplicadas graças, e muitas mais, depois que se viu segregada da<br />

Comunidade, por conselho dos Médicos, entendendo-se ser o mal contagioso.<br />

Porem as Religiosas, como havia sido mãe de todas, obrigadas do excessivo<br />

amor que lhe tinham, nunca a desampararam.<br />

As quais ela dizia confiadamente:<br />

- Madres por mais que continuem em me ver, não hão de contrair semelhante<br />

mal, porque o Senhor assim mo prometeu, quando lho pedi, reservando só para esta<br />

pecadora, tão cordial mimo.<br />

Neste estado preservaram seis meses, sem afroxar já mais de seus rigores,<br />

nem consentir roupa de linho no leito.<br />

E vaticinando a morte, que seria no princípio de Maio, preparava para ela o<br />

sagrado Viático, e santa Unção, se foi em provizo ao refrigério eterno.<br />

No dia seguinte, praticando na varanda duas Religiosas à prima noite cerca de<br />

sua salvação, levantando (por) acaso os olhos ao Céu, virão uma extraordinária luz,<br />

que lançava de si refulgentes raios, e no meio uma alvíssima pomba, com asas<br />

argentadas, como a pinta ou Psalmista, e gritando ambas:<br />

- Lá vai a alma de Sòr Francisca para a glória.<br />

Acudirão a seus brados outras, que também participarão da mesma visão, e o<br />

resto da casa, que naquele comenos estava em oração, entendeu o mesmo, porque<br />

querendo aquelas contar a estas, o maravilhoso sucesso, elas lho manifestarão<br />

primeiro, com que todas louvando ao Senhor, ficarão certas de sua predestinação.<br />

J. Cardoso, (1666), Agiologio Lusitano, III, 31, 32<br />

Catharina de S. João (3 de Maio)<br />

Neste dia, no Convento do <strong>Torrão</strong>, rematou seus breves, mas felizes anos,<br />

Catharina de S. João, servente desta santa Comunidade; em cujo humilde exercício, se<br />

mostrou sempre diligente, solicita, zelosa, e afável, atraindo a si com isto, as vontades<br />

de todas.<br />

Passava a vida irrepreensivelmente, com tal pureza de consciências, que<br />

mereceu ver, três dias antes que expirasse, a Cristo crucificado, e a Maria Santíssima,<br />

a quem encomendou a perpetuidade desta casa, dizendo também coisas admiráveis, e<br />

celestiais, no espaço deles, até que voou sua cândida alma, como Pomba sincera, a<br />

descansar em ninho da eternidade, tendo somente vinte anos de idade.<br />

J. Cardoso, (1666), Agiologio Lusitano, III, 51<br />

Colecção - Elementos para a História do Município de Alcácer do Sal, nº 4<br />

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TORRÃO DO ALENTEJO: <strong>Arqueologia</strong>, História e <strong>Património</strong><br />

<strong>Vol</strong>ume 2<br />

Sòr Isabel do Rosário Clarissa (6 de Maio)<br />

Em N. Senhora da Graça do <strong>Torrão</strong>, (Mosteiro de Clarissas no Arcebispado de<br />

Évora) a saída deste para o outro mundo de Sòr Isabel do Rosário, Freira de véu<br />

branco, em cujo sujeito resplandecia já no berço a santidade, onde parece a prevenio<br />

o Senhor, para mimola, e regalada esposa sua.<br />

Crescendo pois na idade, e virtude, vendo-se alistada entre as servas de Deus,<br />

fez seu emprego na oração mental, delicioso pasto das almas, em que recebia<br />

singularíssimos favores do Céu, e na lição dos livros devotos, e espirituais, que lhe<br />

servirão de mestres para os saber conhecer, e estimar.<br />

E com isto agradou tanto ao celestial esposo (a quem todos seus cuidados se<br />

dirigião) que sublimou uma alta contemplação, e intima união com ele, nomeando<br />

sempre a N. Senhor pelo seu Amado.<br />

E por ter esta prerrogativa a Águia dos Evangelistas, lhe era tão afecta, que nos<br />

dias de suas Festas, corriam por sua conta os gastos, e esmolas das Missas. E assim<br />

mesmo ao mellifluo Bernardo, por ser amores da Rainha dos Anjos.<br />

Era muito caritativa para as enfermas, desvelava-se em lhes assistir, e procurar<br />

o necessário de cada dia, não se apartando nunca da presença divina.<br />

Na ultima enfermidade, conheceu dias antes, que dela havia de morrer, dizendo<br />

continuadamente:<br />

- Graças vos dou Senhor, por ser já chegado o tempo de minha alma deixar o<br />

cárcere terreno, que há quarenta anos a detêm. Bendito sejais meu Amado, que<br />

brevemente vos hei-de ver às claras nessa Celestial Jerusalém, que tantas vezes<br />

passeie em espírito.<br />

E desejando já de chegar àquela ditosa hora, confessou-se geralmente com<br />

muitas lágrimas, porem não comungou por causa dos vómitos, contendo-se com<br />

adorar o Santíssimo Sacramento, pedindo ao Sacerdote, que lhe desse a beijar a<br />

sagrada Hóstia, para consolação sua.<br />

Tomou logo os Santos Óleos, e estando muito presente a tudo.<br />

Porque perguntando-lhe neste comenos certa Religiosa:<br />

- Se estava conforme co a divina vontade. Respondeu:<br />

- Paratum cor meum Deus, paratum cor meum.<br />

E vendo que se acabava a semana, prazo pelo Céu assinado, sem fazer<br />

jornada, na noite da festa para o sábado, exclamou:<br />

- Ainda amanhã, Senhor, ainda amanhã.<br />

E inquirida a razão, não acudiu com ela, sendo que tinha os sentidos mito<br />

espertos.<br />

E Quando depois virão que falecera ao Domingo, entenderão que se queixava<br />

de ter mais um dia de vida.<br />

Abraçada então com um Crucifixo, pronunciando aquelas devotas palavras:<br />

- Christus factus est pró nobis obediens, vsque ad mortem, rendeo o galhardo<br />

espírito.<br />

J. Cardoso, (1666), Agiologio Lusitano, III, 97,98<br />

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TORRÃO DO ALENTEJO: <strong>Arqueologia</strong>, História e <strong>Património</strong><br />

<strong>Vol</strong>ume 2<br />

Sòr Catarina da Trindade. (22 de Junho)<br />

Também no Convento de N. Senhora da Graça do <strong>Torrão</strong>, resplandeceu entre<br />

outras servas de Deus, a Madre Catarina da Trindade, que nunca faltou nas<br />

Comunidades, por maiores enfermidades que padecesse.<br />

Era muito penitente, e abstinente, debreavase com açoites continuadamente,<br />

sem levar para baixo coisa de porte.<br />

Sabendo que alguém se escandalizara dela, antes que se recolhesse, lançada a<br />

seus pés, com as mãos postas, lhe pedia perdão, dizendo:<br />

- Que não isto virtude, mas obrigação da Regra.<br />

Três dias antes que expirasse, esteve sem ver, nem ouvir nada deste mundo,<br />

dizendo coisas admiráveis do outro, e batalhando com o inimigo infernal, até que<br />

pronunciando com voz prateada:<br />

- Laudate Dominum omnes gentes, partiu para o choro das santas Virgens, em<br />

idade de 28 anos, acompanhada de egrégios feitos.<br />

J. Cardoso, (1666), Agiologio Lusitano, III, 787<br />

4.2.6. Convento de S. Francisco do <strong>Torrão</strong><br />

O convento foi fundado em 1604, pela “…Serafica Observância, chamados<br />

Xabreganos, por ser a cabeça da sua Província o Convento de Xabregas junto a<br />

Lisboa”, do Convento de invocação a Santo António, na vila do <strong>Torrão</strong> 58<br />

Foi instituída por Vasco Borralho de Villa Lobos e Missia Lopes, erguido sobre a<br />

capela de São Sebastião 59 .<br />

Infelizmente são escassos os elementos actualmente disponíveis para efectuar<br />

a história deste imóvel religioso.<br />

Sabemos que em 1772 a vila do <strong>Torrão</strong> tinha um professor de Gramática Latina<br />

e que esse ensino é referenciado em 1780 para o convento de São Francisco, onde<br />

igualmente se ensinava a ler e escrever. 60<br />

4.2.6. Ermidas da Freguesia do <strong>Torrão</strong><br />

4.2.6.1. O papel das Ermidas no Espaço rural do <strong>Torrão</strong>.<br />

As ermidas em contexto medieval não se resumem só a espaços sagrados de<br />

devoção popular, objecto de romarias sazonais ligadas aos ciclos da natureza.<br />

Numa tradição que remonta à Antiguidade Tardia, as ermidas localizadas nos<br />

arredores de uma estrutura urbana, contribuem para a defesa espiritual/sobrenatural<br />

dos seus habitantes acantonados dentro de muralhas, face aos perigos da época<br />

(cercos, banditismo, guerras).<br />

58 CASTRO (1763) Mappa de Portugal Antigo e Moderno. Tomo Segundo, fol. 126<br />

59 MACEDO (2009) INQUÉRITOS PAROQUIAIS (…): Resposta da Freguesia de <strong>Torrão</strong>. Neptuno, ADPA (prelo)<br />

60 SERRÃO, Veríssimo (1979) HISTÓRIA DE PORTUGAL (1750-1807), p 258 e 450<br />

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TORRÃO DO ALENTEJO: <strong>Arqueologia</strong>, História e <strong>Património</strong><br />

<strong>Vol</strong>ume 2<br />

Daí a sua implantação em locais estratégicos, com boa visibilidade e as lendas<br />

de carácter militar que por vezes acompanham a sua fundação.<br />

Esta mais-valia militar poderá ser encontrada, exposta em textos de alguns<br />

estrategas militares do Período Moderno, que referem as ermidas como atalaias<br />

defensivas que contribuem para a defesa activa dos espaços urbanos.<br />

4.2.6.2. Ermida de S. João dos Azinhais<br />

Uma das jóias escondidas do património do <strong>Torrão</strong>, à sua espera.<br />

Local aprazível, surge como um oásis junto às águas da albufeira da Barragem<br />

de Vale do Gaio. Ao longe é visível o casario branco da Vila do <strong>Torrão</strong>, coroado com as<br />

torres sineiras das suas igrejas.<br />

A ermida actual, é uma construção de meados do século XVII, que assenta<br />

sobre estruturas de uma villa romana, que terá perdurado até ao Período Visigótico.<br />

Nessa Fase, nas vésperas da conquista islâmica, foi erguida uma igreja<br />

dedicada a dois mártires hispânicos, Justo e Pastor, martirizados no tempo do<br />

imperador Diocleciano. A memória de espaço sagrado terá sido mantida ao longo dos<br />

séculos, mas também poderá ter sido o resultado da leitura da lápide de fundação da<br />

igreja, efectuada por algum clérigo conhecedor de latim, que no Período Medieval se<br />

tenha deslocado ao local. Temos o exemplo do que aconteceu na vizinha aldeia da<br />

Tourega/Évora, cuja má leitura de uma inscrição romana pagã esteve na origem de um<br />

episódio caricato, dado a conhecer por André de Resende no século XVI.<br />

Enquanto não houver mais elementos documentais será prematuro avançar em<br />

hipóteses em relação a este local, entre o final do Período Visigótico e o século XVI.<br />

Colecção - Elementos para a História do Município de Alcácer do Sal, nº 4<br />

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4.2.6.3. Ermida de S Fausto<br />

TORRÃO DO ALENTEJO: <strong>Arqueologia</strong>, História e <strong>Património</strong><br />

<strong>Vol</strong>ume 2<br />

Ermida localizada junto ao <strong>Torrão</strong>, na margem oposta do rio Xarrama, no alto<br />

de uma vasta colina.<br />

Em termos de implantação e provável génese, assemelha-se ao padrão descrito<br />

para S. João dos Azinhais, contudo temos menos dados.<br />

Leite de Vasconcelos leu a data de 1645, contudo ela já é referida como couta<br />

da Ordem no Foral dado ao <strong>Torrão</strong> por D. Manuel I.<br />

A ermida actual, que datará de 1645, foi erguida sobre uma ocupação romana<br />

de tipologia indeterminada. O orago que possui, S. Fausto parece remontar à<br />

Antiguidade Tardia.<br />

Nesta fase da Contra-Reforma, pós Concilio de Trento, assiste-se em Portugal e<br />

em Espanha, à sacralização progressiva de espaços sagrados, cristãos ou não, como<br />

forma de os conquistar para a verdadeira fé.<br />

De referir que junto à ermida, ficam os restos de uma anta pré-histórica, onde<br />

segundo a lenda terá sido encontrada uma imagem do mártires.<br />

S. Fausto, de forte devoção no <strong>Torrão</strong>, era o protector contra as febres, pragas<br />

e pestes.<br />

A sua posição estratégica também representava uma mais-valia como atalaia<br />

para a defesa militar do <strong>Torrão</strong>.<br />

4.2.6.4. Ermida de N ª S ª do Bom Sucesso<br />

Alguns autores defendem a sua construção por iniciativa de D. Manuel I, no<br />

início do século XVI, contudo a documentação actualmente aponta para uma<br />

construção de raiz no do século XVIII, sobre um local “ermo”chamado Mosteiro Velho.<br />

Na realidade pouco sabemos da história desta ermida.<br />

A ermida localiza-se num local ímpar em termos de visibilidade, permitindo um<br />

domínio do espaço circundante que entra mais no âmbito militar do que religioso.<br />

Para sul é possível ver um conjunto de povoações, como Beja, Ferreira do<br />

Alentejo ou Odivelas.<br />

Na linha do horizonte é visível a crista da serra de Grândola e à noite, as luzes<br />

de Alcácer do Sal, querendo isto dizer que com um sistema de almenaras (utilizando<br />

fogueiras) era possível comunicar directamente com Alcácer.<br />

Por outro lado, dominava o espaço urbano do <strong>Torrão</strong> e o acesso à ponte do<br />

Xarrama.<br />

Este é um dos raros locais localizados a norte onde é possível ver a ermida de<br />

S. João dos Azinhais. Não estamos perante uma coincidência, mas antes perante um<br />

conjunto de elementos que importa reflectir.<br />

Todo este conjunto de elementos só tem sentido, se for ao encontro da<br />

“sacralização ulterior do espaço” e à devoção que ele teria na população do <strong>Torrão</strong> em<br />

contexto Medieval.<br />

Retomando o que foi dito anteriormente, o local era denominado de Mosteiro<br />

Velho. Que construção seria essa 61 ou a que memória estaria vinculada?<br />

61 No local a cerâmica é escassa e quase toda do século XVIII, coerente com a construção existente, contudo foi<br />

recolhido um fragmento de parede, em cerâmica comum local, com decoração a pente, associado a marcas de corda,<br />

que só aparece em contextos do Emirato do Alqueva e na Alcaria do Alto da Queimada/Palmela.<br />

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TORRÃO DO ALENTEJO: <strong>Arqueologia</strong>, História e <strong>Património</strong><br />

<strong>Vol</strong>ume 2<br />

Dado que a sua localização estratégica no alto de uma colina lhe permite um<br />

controle visual excepcional, permitindo-o observar na linha do horizonte as serras de<br />

Grândola, Arrábida, as luzes de Alcácer, Palmela e Beja, estamos em crer que terá<br />

existido aqui ou próximo, uma atalaia, de génese provavelmente islâmica, que terá<br />

sido mantida. A persistência sagrada do espaço ao longo dos séculos, “Mosteiro Velho”<br />

permite supor que esse posto de vigilância islâmico poderia ter tido função de ribat.<br />

De notar que estes ribates poderiam resumir-se a simples torres em taipa e<br />

alvenaria, ou até mesmo em material perecível, como madeira ou canas.<br />

Em contexto islâmico, o que atribui o nome à estrutura, não é a função, mas<br />

sim o que as pessoas fazem nesse espaço, por isso não existe uma “norma<br />

arquitectónica específica”, o que também explica a sua “invisibilidade” em termos de<br />

documentação histórica e arqueológica.<br />

O que prevalece é a “memória do espaço sagrado” e a devoção que as<br />

populações sentem em relação a ele, numa cumplicidade de gerações, em códigos e<br />

rituais que só os torranenses sabiam e praticavam<br />

Anexo Documental<br />

Autorização Régia para a edificação da Capela de Nossa Senhora do Bom<br />

Sucesso, no sítio do Mosteiro Velho (1729) 62<br />

“ D. João por graça de Deus Rei de Portugal etc. Faço saber aos que esta minha<br />

Provisão virem que tendo respeito ao que me representou o Juiz e mais irmãos da<br />

confraria de Nossa Senhora do Bom Sucesso erecta na ermida de S. João Baptista do<br />

termo da vila do <strong>Torrão</strong> que é da dita Ordem, em razão que pela pequenez da dita<br />

ermida onde está situada em lugar ermo, distante daquela vila meia légua, além do<br />

incómodo que no tempo do Inverno recebem de uma grande e caudalosa ribeira que<br />

atravessa a estrada que vai da dita vila para o sitio da sobredita ermida que por não<br />

ter ponte ( 63 ) lhe impede a passagem dos Pegões e a romagem aos devotos, com o<br />

produto do rendimento do terreno duma feira que se faz na mesma vila em dois de<br />

Agosto que Eu lhe havia concedido por esmola aplicar à dita Senhora, o qual produto<br />

há anos vai ficando em depósito para a mesma confraria e com algumas esmolas mais<br />

com que concorrem os devotos cristãos, pretendem os suplicantes edificar capela com<br />

invocação da mesma Senhora do Bom Sucesso no sitio do Mosteiro velho, que fica<br />

circunvisinho da dita vila, e tresladar para ela a imagem da mesma Senhora a donde a<br />

confraria com menos despeza e maior culto e xxx assistência decente dos votos a<br />

podem venerar, pedindo-lhe fizesse mercê conceder a dita licença para com o<br />

sobredito rendimento e esmolas poder edificar no dito sitio uma capela á mesma<br />

Senhora do Bom Sucesso. E tendo consideração ao referido e informação que se houve<br />

do Juiz da Ordem daquela comenda e resposta do meu procurador geral das ordens<br />

hei por bem e me praz conceder aos suplicantes a licença que pedem, para que<br />

possam edificar uma capela no sitio que apontam á dita Senhora do Bom Sucesso e<br />

tresladarem para ela a imagem da mesma Senhora com declaração que primeiramente<br />

62<br />

Documento fotocopiado existente no Fundo Local da Biblioteca <strong>Municipal</strong> de Alcácer do Sal, anexo ao Diário de<br />

Campo de Gustavo Marques (1983)<br />

63<br />

Segundo este documento datado de 1729 é referido que não existe ponte, contudo alguns anos mais tarde, em 1758,<br />

o pároco do <strong>Torrão</strong> menciona a grande antiguidade desta ponte, que segundo a tradição popular, associada à capela de<br />

S. João Baptista, teria existido um antigo templo romano pagão, dedicado às “virgens Vestais”, referindo igualmente a<br />

abundância de vestígios antigos junto à ponte e ao nível do leito do Xarrama! Por outro lado, a identificação nos anos<br />

80 do século passado, por João Carlos Faria, de um caminho romano no sítio da Calçadinha que se direcciona para esta<br />

estrutura, implica a existência de uma travessia consentânea com a via romana.<br />

Colecção - Elementos para a História do Município de Alcácer do Sal, nº 4<br />

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TORRÃO DO ALENTEJO: <strong>Arqueologia</strong>, História e <strong>Património</strong><br />

<strong>Vol</strong>ume 2<br />

farão escritura perante o Juiz da Ordem da dita Comarca, na qual ficará obrigada a<br />

renda do terrado da feira e seu produto para a fábrica da dita capela e sua<br />

conservação que os suplicantes e seus sucessores ficarão em tudo sujeitos ás<br />

definições da dita Ordem de Santiago e seus visitadores e ficará em tudo salvo o<br />

direito paroquial. Pelo que mando ao Juiz da Ordem da Comarca que na forma referida<br />

nesta minha provisão a cumpra inteiramente como nela se contem sendo passada pela<br />

Chancelaria da Ordem. El Rei N. Senhor o mandou pelos DD. Frei Miguel Barbosa<br />

Carneiro, e Joaquim Correia de Abreu Deputado do Tribunal da Mesa da Consciência e<br />

Ordens.<br />

João da Silva da Cruz a fez em Lisboa Ocidental em 24 de Março de 1729. Lic. Vaz<br />

Preto Monteiro a fez escrever.<br />

Interior da ermida de Nossa Senhora do Bom Sucesso, <strong>Torrão</strong>.<br />

Um passeio botânico ao <strong>Torrão</strong> (publicado em 1902) 64<br />

“ A cerca de um Kilometro, para o nascente, levanta-se a elegante ermida da<br />

Senhora do Bom Sucesso, muito branca, sobre uma pequena elevação do terreno e<br />

onde todos os annos, em Setembro, se faz a festa dos trabalhadores, com<br />

philarmonica e danças das raparigas.<br />

Dando-me informações do <strong>Torrão</strong>, escreve o Diniz Neves: « Do terraço que<br />

encima o pórtico d´esta ermida disfructa-se uma paizagem bella: de um lado, a<br />

poente, vê-se a casaria branca da villa dominada pela egreja matriz que se eleva sobre<br />

um montículo, ao fim, quasi á beira do abrupto declive forrado de oliveiras e azinhos<br />

que vai ter á ribeira – o Xarrama – de leito pedregoso e coleante; do nascente há<br />

toalhas de searas, alguns montes pondo notas brancas no verde melancholico da<br />

64 SAMPAIO (1902). Um passeio botânico ao <strong>Torrão</strong>. Boletim da Sociedade Broteriana, XVIII, Fasc. 1-2, Coimbra,<br />

p.49<br />

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TORRÃO DO ALENTEJO: <strong>Arqueologia</strong>, História e <strong>Património</strong><br />

<strong>Vol</strong>ume 2<br />

planície, e por fim, longe, a barriga lisa e verde dos montes que nos escondem as<br />

terras de Alvito e Vianna. Para sul perde-se a vista: muito longe, á direita, negreja a<br />

Serra de Grândola; em frente, quando o ar está límpido, vê-se Ferreira e o grande<br />

massiço de eucalyptos por onde enfia a estrada que d´aqui conduz lá; para a<br />

esquerda, mais longe ainda, 12 leguas talvez, distingue-se a mancha de Beja. Do lado<br />

do norte é a paizagem mais accidentada e mais curta, denunciando a passagem<br />

tortuosa do Xarrama»<br />

4.2.6.5. Ermida de São João Nepumoceno<br />

Orago muito<br />

interessante atribuído a uma<br />

ponte.<br />

Pequena capela<br />

localizada junto à ponte<br />

romana do <strong>Torrão</strong>.<br />

Fundação em data<br />

indeterminada, mas anterior<br />

a 1758.<br />

O orago actual<br />

poderá ser posterior a 1729,<br />

ano em que este santo foi<br />

canonizado pela Igreja<br />

Católica.<br />

Segundo a tradição,<br />

a capela foi mandada erguer<br />

por Severino José Xavier e<br />

outros devotos. Na Europa,<br />

este santo natural da<br />

república Checa, é o padroeiro da Bohemia assim como das pontes e contra as<br />

calúnias.<br />

Talvez seja essa a mensagem sagrada do espaço: - Protecção aos viajantes e<br />

comerciantes, numa altura em que o banditismo era um fenómeno endémico que<br />

assolava as rotas comerciais.<br />

Seja como for, é patente a preocupação dos torranenses em relação aos<br />

comerciantes e viajantes, no decurso dos séculos. Este facto terá cimentado as<br />

devoções, como parecem serem os casos documentados da Igreja de Nª Sª da<br />

Albergaria e este de S. João Nepumoceno.<br />

Anexo Documental<br />

Autorização Régia para a realização de uma feira junto à ermida no dia 5 de<br />

Agosto de cada ano (1718) 65<br />

65 Documento fotocopiado existente no Fundo Local da Biblioteca <strong>Municipal</strong> de Alcácer do Sal, anexo ao Diário de<br />

Campo de Gustavo Marques (1983)<br />

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TORRÃO DO ALENTEJO: <strong>Arqueologia</strong>, História e <strong>Património</strong><br />

<strong>Vol</strong>ume 2<br />

“D. João por graça de Deus Rei de Portugal etc. Faço saber que havendo<br />

respeito do que por sua petição me representaram o Juiz e mordomos da Confraria de<br />

Nossa senhora do Bom Sucesso sita na ermida de S. João Baptista, do termo da vila do<br />

<strong>Torrão</strong>, para efeito de lhe conceder licença para no sitio da dita ermida se fazer em o<br />

dia cinco de Agosto uma feira em lugar da que se fazia em o sitio do Sado em dez de<br />

Agosto a qual se não faz há muitos anos, para com as esmolas dos devotos que<br />

concorrem á dita feira ir em aumento o culto e devoção da dita Senhora que é uma<br />

imagem muito milagrosa que continuamente está mostrando prodígios e visto o mais<br />

que alegam, informação que se ouviu pelo Provedor da <strong>Câmara</strong> de Beja, porque<br />

constou que ouvindo aos oficiais da <strong>Câmara</strong> da vila do <strong>Torrão</strong> sobre este respeito não<br />

fizeram nele duvida e a resposta do meu Procurador da Coroa a quem se deu a dita.<br />

Hei por bem que no sitio acima referido, em cinco do mês de Agosto de cada ano se<br />

possa fazer uma feira em que se vendam todas as mercancias que não forem<br />

proibidas, gado, cavalgaduras com declaração que se não há-de por imposição alguma<br />

para a confraria ás pessoas que frem á dita feira e esta provisão se cumprirá como<br />

nela se contem, posto que seu efeito haja de durar mais dum ano embargo da Ordem<br />

livro 2º paragrafo 4º em contra; e não pagarão novos direitos que lhes não lançarão<br />

como consta por certidão dos oficiais deles por não ser fraca esta feira.<br />

El-Rei Nosso Senhor manda pelos DD. António dos Santos Oliveira, e António de<br />

Beja Noronha, ambos do seu Conselho e seus… do Paço. Tomaz da Silvaa fez em<br />

Lisboa aos 8 de Julho de 1718. Pagou-se do feito 200 reis. Baltazar Teles, Sinel de<br />

Cordes, António da Silva Oliveira, António de Beja de Noronha. Cordes. Por despacho<br />

do Desembargador do Paço, de 5 de Julho de 1718 em observância da lei de 24 de<br />

Julho de 171… José Galvão de Lacerda 11.200 rs. E assim o fez -450 rs.<br />

Lisboa ocidental, 12 de Julho de 1718.<br />

Dom Miguel Maldonado.<br />

Colecção - Elementos para a História do Município de Alcácer do Sal, nº 4<br />

http://www.cmalcacerdosal.pt/PT/Actualidade/Publicacoes/Paginas/EstudosdoGabinetede<strong>Arqueologia</strong>.aspx<br />

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