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matemática e texto literário. Ana Paula Gestoso de Souza.

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Rompendo armadilhas: <strong>matemática</strong> e <strong>texto</strong> <strong>literário</strong>. <strong>Ana</strong> <strong>Paula</strong><br />

<strong>Gestoso</strong> <strong>de</strong> <strong>Souza</strong>. (PPGE) Rosa M. M. Anunciato <strong>de</strong> Oliveira. (DME)<br />

UFSCar São Carlos/SP.<br />

Quando pensamos na função da escola na socieda<strong>de</strong><br />

contemporânea um dos consensos, que vão além da discussão<br />

sobre qual escola e qual socieda<strong>de</strong> estamos falando, apontam na<br />

direção da sua potencialida<strong>de</strong> para a compreensão global da<br />

realida<strong>de</strong> e dos problemas atuais. A ênfase é posta nas capacida<strong>de</strong>s<br />

<strong>de</strong> reflexão e <strong>de</strong> pensamento crítico, a serem <strong>de</strong>senvolvidas pela<br />

educação, tendo em vista as possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> mudança da<br />

socieda<strong>de</strong> que temos para a socieda<strong>de</strong> que queremos, qualquer que<br />

seja o projeto político que se tenha em mente.<br />

Um dos obstáculos a essa atuação da escola está relacionado<br />

com a hiperespecialização do conhecimento científico, que é tratado<br />

nos currículos escolares em uma estrutura disciplinar rígida, com<br />

pouca ou nenhuma integração entre as diferentes áreas. Isso acaba<br />

por prejudicar a compreensão da realida<strong>de</strong> em toda sua<br />

complexida<strong>de</strong> e suas várias faces. A fragmentação exacerbada do<br />

saber não contempla uma realida<strong>de</strong> multifacetada e complexa. Deste<br />

modo, faz-se necessário superar a especialização excessiva dos<br />

saberes e levar em consi<strong>de</strong>ração a importância dos saberes globais.<br />

Morin (2001) ao criticar setorização do conhecimento global,<br />

não ignora a importância do conhecimento das partes, o autor<br />

propõe a integração <strong>de</strong>ssas dimensões do conhecimento, o que<br />

implica em uma relação <strong>de</strong> inter<strong>de</strong>pendência entre o todo e a parte<br />

e que não se perca a noção do todo.<br />

Essas idéias <strong>de</strong> Morin (2001) remetem a relação da escola com<br />

o conhecimento. Muitas vezes a escola se encontrada estruturada<br />

em disciplinas que possuem uma organização rígida, ritualizando os<br />

procedimentos das situações <strong>de</strong> ensino e aprendizagem não<br />

a<strong>de</strong>quados as necessida<strong>de</strong>s <strong>de</strong>ssas situações e nem relacionados<br />

com as experiências <strong>de</strong> vida dos estudantes.<br />

Nesse con<strong>texto</strong>, é urgente que escola concretize caminhos<br />

alternativos a um processo <strong>de</strong> ensino rígido, que não dá espaço à<br />

elaboração do pensamento do aluno, pois exige uma única forma <strong>de</strong><br />

pensar e que não prevê a interação das disciplinas ocasionando<br />

uma excessiva especialização dos conhecimentos.<br />

Uma das alternativas <strong>de</strong> articulação entre áreas é o<br />

estabelecimento <strong>de</strong> uma prática educativa que conecte a literatura<br />

infantil e <strong>matemática</strong>. As potencialida<strong>de</strong>s <strong>de</strong>ssa proposta são<br />

apontadas nos trabalhos <strong>de</strong> Gailey (1993), Machado (2001), Smole<br />

(2000), Whitin e Gary (1994) entre outros, em que <strong>de</strong>senvolver<br />

situações <strong>de</strong> ensino e aprendizagem que trabalhem <strong>texto</strong>s <strong>literário</strong>s<br />

1


juntamente com conteúdos matemáticos se contrapõem a um ensino<br />

estruturado <strong>de</strong> forma linear e rígida.<br />

Literatura e Matemática:<br />

Machado (2001) alerta para a fragmentação do conhecimento<br />

que está posto em muitas instituições escolares. Para o autor “o<br />

ensino <strong>de</strong> Matemática e o da Língua Materna nunca se articularam<br />

para uma ação conjunta, nunca explicitaram senão relações triviais<br />

<strong>de</strong> inter<strong>de</strong>pendência.” (MACHADO, 2001, p.15).<br />

Deste modo, muitas vezes a escola distancia a linguagem<br />

<strong>matemática</strong> da língua materna criando uma gran<strong>de</strong> muralha. Sendo<br />

que usar a literatura infantil nas aulas po<strong>de</strong> contribuir para a<br />

diminuição <strong>de</strong>ssa barreira.<br />

O uso da literatura nas aulas é importante, pois a leitura<br />

implica em uma ação <strong>de</strong> compreensão e <strong>de</strong> formação do sujeito.<br />

Abramovich (1989) afirma que o ato <strong>de</strong> ler é uma das ações que<br />

influenciam a formação do pensamento do ser humano, suas idéias,<br />

suas concepções, seus <strong>de</strong>sejos, sua visão da realida<strong>de</strong>.<br />

Ferreira e Dias (2005, p.324) assinalam que o ato <strong>de</strong> ler é uma<br />

ação <strong>de</strong> compreensão cognitiva, individual e também social. É<br />

cognitivo, pois exige <strong>de</strong>codificação, memorização e processamento<br />

estratégico. É um ato individual por conta <strong>de</strong> o leitor construir<br />

sentidos próprios ao <strong>texto</strong>, e é uma ação social uma vez que o leitor<br />

irá adquirir conhecimentos elaborados e construídos pela socieda<strong>de</strong>,<br />

bem como po<strong>de</strong>rá refletir, criticar, tomar <strong>de</strong>cisões sobre a realida<strong>de</strong>,<br />

abrindo caminhos para a modificação da mesma.<br />

Assim, a leitura <strong>de</strong>veria ser trabalhada em todas as disciplinas<br />

uma vez que “se há uma intenção <strong>de</strong> que o aluno aprenda através<br />

da leitura, não basta pedir para que ele leia. Também não é<br />

suficiente relegar a leitura às aulas <strong>de</strong> língua materna” (SMOLE,<br />

2000, p.71).<br />

Consi<strong>de</strong>rando essas potencialida<strong>de</strong>s da leitura e tendo em<br />

vista que a literatura é uma alternativa metodológica, pois possui<br />

uma diversida<strong>de</strong> <strong>de</strong> linguagens permitindo ao professor <strong>de</strong>senvolver<br />

situações <strong>de</strong> ensino que proporcionem a evolução da aprendizagem<br />

do aluno, <strong>de</strong>senvolvendo suas capacida<strong>de</strong>s e habilida<strong>de</strong>s cognitivas<br />

e pessoais. É que se encontra uma das justificativas para<br />

<strong>de</strong>senvolver situações <strong>de</strong> ensino e aprendizagem que aliem <strong>texto</strong>s<br />

<strong>literário</strong>s e a <strong>matemática</strong>.<br />

É fato que trabalhar essa conexão não implica em uma simples<br />

junção <strong>de</strong> disciplinas, mas sim numa efetiva conexão que se<br />

apresenta como uma proposta que po<strong>de</strong> romper com as armadilhas<br />

<strong>de</strong> um ensino que muitas vezes se estrutura em uma organização<br />

rígida, <strong>de</strong>sconectado <strong>de</strong> outras áreas <strong>de</strong> conhecimentos e das<br />

2


experiências <strong>de</strong> vida dos alunos.<br />

Em seu artigo, Carey (1992) mostra que a literatura infantil<br />

po<strong>de</strong> ser um rico con<strong>texto</strong> para trabalhar com resolução <strong>de</strong><br />

problemas. A história infantil permite o apontamento <strong>de</strong> várias<br />

questões aos alunos, questões que estão explícitas no livro, ou que<br />

são criadas pelo professor. Assim, uma pequena parcela da história<br />

po<strong>de</strong> conter uma varieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> conceitos a serem trabalhados pela<br />

classe. A autora também afirma que por causa dos problemas<br />

advirem <strong>de</strong> um con<strong>texto</strong> diferente dos livros-didáticos, os alunos<br />

acabam se sentindo mais dispostos a utilizarem estratégias variadas<br />

que são construídas a partir <strong>de</strong> seus próprios conhecimentos.<br />

Kliman e Richards (1992) vão um pouco além da proposta <strong>de</strong><br />

Carey (1992) e apontam que os alunos po<strong>de</strong>m criar suas próprias<br />

“histórias <strong>matemática</strong>s” sobre situações que lhe são familiares e<br />

envolvem um problema a ser resolvido apoiando-se em idéias<br />

<strong>matemática</strong>s.<br />

Deste modo, a conexão da literatura com a <strong>matemática</strong> permite<br />

que o aluno resolva problemas matemáticos, <strong>de</strong>senvolvendo sua<br />

capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> formular hipóteses e estratégias para solucionar<br />

questões <strong>matemática</strong>s, bem como a capacida<strong>de</strong> para construir<br />

outros problemas e também <strong>de</strong> elaborar histórias <strong>matemática</strong>s.<br />

Indo além, essa conexão não se limita a colocar problemas<br />

matemáticos, ela permite colocar problemas da vida e relacionados<br />

a outras áreas do conhecimento. Afinal, a literatura também aborda<br />

problemas humanos, fornecendo espaço para a discussão <strong>de</strong><br />

conflitos, tristezas, medos, dúvidas e outros <strong>de</strong>safios que<br />

impregnam a vivência do ser humano. Para Abramovich (1989,<br />

p.99), os livros <strong>de</strong> literatura, e não os didáticos, apresentam “um -<br />

ou vários problemas – que a criança po<strong>de</strong> estar atravessando ou<br />

pelo qual po<strong>de</strong> estar se interessando. [...] On<strong>de</strong> ele flui natural e<br />

límpido, <strong>de</strong>ntro da narrativa - que evi<strong>de</strong>ntemente não tratará apenas<br />

disso."<br />

Outro estudo que ponta mais potencialida<strong>de</strong>s <strong>de</strong>ssa articulação<br />

é o <strong>de</strong> Conawaye Midkiff (1994). Para elas articular <strong>texto</strong>s <strong>literário</strong>s<br />

com a <strong>matemática</strong> po<strong>de</strong> proporcionar resultados positivos na<br />

aprendizagem dos alunos. As autoras <strong>de</strong>screvem como essa<br />

conexão é útil para os alunos apren<strong>de</strong>rem os conceitos e as<br />

relações <strong>matemática</strong>s envolvidas no conteúdo “frações”, pois<br />

possibilita que os alunos estabeleçam <strong>de</strong>terminadas relações<br />

concretas entre suas experiências e conceitos abstratos, bem como<br />

permite que eles <strong>de</strong>senvolvam a comunicação <strong>matemática</strong>.<br />

Essa comunicação <strong>matemática</strong> implica no <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong><br />

ativida<strong>de</strong>s nas quais os alunos po<strong>de</strong>rão falar e escrever sobre o<br />

vocabulário, permitindo a familiarização da linguagem <strong>matemática</strong>.<br />

3


Para essas autoras, trabalhar com os conceitos <strong>de</strong> frações<br />

juntamente com a literatura fornece aos alunos uma base para que<br />

eles compreendam os conceitos fracionários e ao terem contato com<br />

situações que envolvam os conceitos trabalhados, os alunos<br />

utilizam suas <strong>de</strong>finições pessoais sobre o conteúdo relacionando-as<br />

com as idéias <strong>matemática</strong>s formais do mesmo. Sendo assim, se a<br />

literatura permite uma melhor compressão do conteúdo <strong>de</strong> frações,<br />

po<strong>de</strong> proporcionar um melhor entendimento <strong>de</strong> outros conceitos<br />

matemáticos.<br />

Assim sendo, o aluno po<strong>de</strong>rá <strong>de</strong>senvolver um contato mais<br />

ativo com os conhecimentos matemáticos e o uso <strong>de</strong>les. Permitindo<br />

a elaboração do pensamento realizando um trabalho <strong>de</strong> conceitos<br />

matemáticos que vai além da realização <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>s mecânicas<br />

que treinam as habilida<strong>de</strong>s <strong>matemática</strong>s dos alunos.<br />

Whitine Gary (1994) também apontam que utilizar a literatura<br />

infantil para trabalhar com conteúdos matemáticos auxilia aos<br />

alunos em uma melhor compreensão dos conceitos e idéias<br />

<strong>matemática</strong>s, tendo em vista que por meio da literatura os alunos<br />

po<strong>de</strong>m relacionar seus próprios interesses e experiências vividas<br />

com a <strong>matemática</strong>, e consequentemente percebe-la não como uma<br />

linguagem formal distante, mas sim como uma maneira <strong>de</strong> pensar<br />

sobre a e na realida<strong>de</strong> em que vive.<br />

Na perspectiva <strong>de</strong> Gailey (1993), um trabalho que <strong>de</strong>senvolve<br />

a conexão dos livros infantis com a <strong>matemática</strong>, permite que o aluno<br />

fale sobre o conteúdo matemático que é ensinado. Além disso, esse<br />

trabalho enriquece a aprendizagem do aluno, uma vez que ele ao<br />

escutar, ler, escrever e falar sobre idéias e conceitos matemáticos<br />

que perpassam uma história infantil está <strong>de</strong>senvolvendo tanto as<br />

habilida<strong>de</strong> da língua materna quanto as <strong>matemática</strong>s.<br />

Uma experiência <strong>de</strong> ensino conectando literatura infantil e<br />

<strong>matemática</strong><br />

O presente trabalho tem como objetivo i<strong>de</strong>ntificar e analisar a<br />

interação dos alunos à conexão: <strong>matemática</strong> e literatura.<br />

A metodologia envolveu o <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> uma situação<br />

<strong>de</strong> ensino e aprendizagem numa 3ª série do Ensino Fundamental,<br />

tendo como base a fábula A menina do leite <strong>de</strong> Monteiro Lobato<br />

(apud SMOLE et al, 2004) e englobando conteúdos <strong>de</strong> diferentes<br />

áreas do conhecimento: Adição; Subtração; Divisão; Multiplicação;<br />

Histórico das diferentes moedas utilizadas no Brasil; Interpretação<br />

<strong>de</strong> <strong>texto</strong>; Gênero <strong>literário</strong> - fábula; Elementos que constituem uma<br />

carta pessoal.<br />

Nessa fábula, a personagem preten<strong>de</strong> ven<strong>de</strong>r o leite <strong>de</strong> sua<br />

vaca para comprar ovos, o que lhe ren<strong>de</strong>rá galinhas e galos que<br />

4


serão vendidos para a compra <strong>de</strong> porcos e cabritas. Laurinha realiza<br />

várias projeções <strong>de</strong> quantos galos e galinhas nascerão e <strong>de</strong> quanto<br />

po<strong>de</strong>rá ganhar nas vendas. Porém ela <strong>de</strong>rruba o leite e não<br />

consegue realizar suas idéias (seus sonhos).<br />

Basicamente nas aulas foram <strong>de</strong>senvolvidas as seguintes<br />

ativida<strong>de</strong>s: leitura do <strong>texto</strong>, pela pesquisadora; conversa informal<br />

com os alunos sobre a fábula; elaboração <strong>de</strong> listas dos produtos que<br />

a personagem pretendia ven<strong>de</strong>r e comprar e das idéias <strong>matemática</strong>s<br />

contidas no <strong>texto</strong>; ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> interpretação <strong>de</strong> trechos do <strong>texto</strong>;<br />

problemas matemáticos (apud Smole,2004); escrita <strong>de</strong> uma carta<br />

cujo <strong>de</strong>stinatário foi um colega <strong>de</strong> outra sala. Nessa carta os alunos<br />

<strong>de</strong>veriam relatar as aulas <strong>de</strong>senvolvidas, <strong>de</strong>screvendo os conteúdos,<br />

suas perspectivas sobre o método utilizado e suas aprendizagens.<br />

Nesse con<strong>texto</strong>, os instrumentos <strong>de</strong> coleta foram: realização<br />

<strong>de</strong> notas <strong>de</strong> campo sobre o projeto e análise das cartas dos alunos.<br />

Apresentação dos resultados:<br />

Na conversa inicial sobre a fábula, os alunos teceram<br />

comentários e questionamentos sobre o comportamento <strong>de</strong> Laurinha,<br />

o tipo <strong>de</strong> moeda por ela utilizado e a moral da história.<br />

Os alunos elaboraram as listas <strong>de</strong> produtos a serem<br />

comprados e vendidos com facilida<strong>de</strong>. Entretanto, houve<br />

dificulda<strong>de</strong>s na elaboração da lista das idéias <strong>matemática</strong>s<br />

apresentadas no <strong>texto</strong>. Trechos nos quais aparecia o termo "dúzia"<br />

e escritas numéricas eram facilmente i<strong>de</strong>ntificados como: contém<br />

idéias <strong>matemática</strong>s. A principal dificulda<strong>de</strong> foi perceberem o<br />

raciocínio matemático presente em trechos como por exemplo “cinco<br />

frangas e cinco frangos e crio as frangas que crescem e viram<br />

ótimas bota<strong>de</strong>iras <strong>de</strong> duzentos ovos por ano cada uma. Cinco; mil<br />

ovos!”.<br />

Ao observar os estudantes na realização das ativida<strong>de</strong>s<br />

propostas, percebeu-se a dificulda<strong>de</strong> <strong>de</strong>les em interpretarem os<br />

trechos pedidos. Constata-se também que eles estranharam os tipos<br />

<strong>de</strong> problemas trabalhados. Muitos ao lerem os enunciados<br />

imediatamente questionavam qual operação <strong>matemática</strong> <strong>de</strong>veria ser<br />

realizada.<br />

Assim nas ativida<strong>de</strong>s que requisitavam a interpretação <strong>de</strong><br />

trechos da história, como “O que significa Laurinha dizer que antes<br />

<strong>de</strong> um mês já tem uma dúzia <strong>de</strong> pintos, sendo que ela vai comprar<br />

12 ovos?”, ou naquelas cuja solução se dava pela averiguação <strong>de</strong><br />

qual raciocínio contempla a situação <strong>de</strong>scrita, por exemplo “Observe<br />

o trecho: "[...] cinco frangas e cinco frangos. Vendo os frangos e<br />

crio as frangas que crescem e viram ótimas bota<strong>de</strong>iras <strong>de</strong> 200 ovos<br />

por ano cada uma. Cinco; mil ovos! Qual é o raciocínio matemático<br />

5


<strong>de</strong> Laurinha?”, os alunos não compreendiam como um problema na<br />

aula <strong>de</strong> <strong>matemática</strong> <strong>de</strong>veria ser resolvido sem uma solução<br />

numérica.<br />

Em outro problema: “Como você po<strong>de</strong> explicar esse trecho:<br />

"Vendo os galos. A dois cruzeiros cada um - duas vezes cinco,<br />

<strong>de</strong>z... Mil cruzeiros!...”Qual a expressão <strong>matemática</strong> que po<strong>de</strong>mos<br />

escrever para expressar esse raciocínio?” não havia a possibilida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> efetuar o cálculo <strong>de</strong> uma operação <strong>matemática</strong>, sendo que<br />

solução exigia apenas a escrita da operação que envolve o<br />

raciocínio.Mas os alunos pareciam inconformados com a<br />

impossibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> efetuar as operações:“eu não estou enten<strong>de</strong>ndo<br />

isso, não dá para fazer a conta” “é só isso? Só dizer o tipo <strong>de</strong><br />

conta?”, “não precisa <strong>de</strong> conta?“, “mas já tá dizendo o resultado da<br />

conta”.<br />

Em outro caso o seguinte problema “Se todos os galos, na<br />

história, são vendidos a mil cruzeiros e a menina compra doze<br />

porcos e uma cabrita, quanto po<strong>de</strong> ter custado cada bicho?”,<br />

possibilitava várias soluções, entretanto os alunos não se atentaram<br />

a isso e encontraram uma única solução. Ao ser explicado a<br />

possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> outras soluções uma aluna se mostrou indignada,<br />

pelo fato <strong>de</strong>ssa explanação não ter ocorrido antes <strong>de</strong>la raciocinar<br />

por vários minutos a resolução do problema, outros alunos não se<br />

conformavam da resolução ser mais fácil do que aparentava.<br />

Em certo problema era pedido que se escrevesse a quantida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> galos nascidos, tendo como dados: mil ovos foram chocados e<br />

nasceram 85,5 galinhas. Porém <strong>de</strong> imediato os alunos não<br />

perceberam que havia essa problemática, simplesmente efetuaram<br />

um cálculo para encontrar a solução. Apenas dois alunos me<br />

questionaram: “Tem alguma coisa errada!”, “Professora <strong>Ana</strong>, como<br />

eu faço? Não po<strong>de</strong> nascer meia galinha!”.<br />

Sendo assim, na resolução dos problemas, constatou-se<br />

novamente a dificulda<strong>de</strong> dos alunos em investigarem e explicarem o<br />

raciocínio envolvido. Das 24 cartas escritas, sete relatam que os<br />

problemas foram difíceis e duas que não gostaram das aulas por<br />

conta do alto grau <strong>de</strong> dificulda<strong>de</strong> dos mesmos: “Mas os problemas<br />

que ela <strong>de</strong>u numa folha foram muito difíceis”; “fez perguntas muito<br />

difíceis do <strong>texto</strong> <strong>de</strong> Laurinha”; “Era continhas difíceis e legais<br />

porque eu aprendi todas elas”.<br />

Segundo a professora da sala essas dificulda<strong>de</strong>s e<br />

comportamentos <strong>de</strong> estranheza aos problemas, é conseqüência dos<br />

alunos não estarem acostumados com esse estilo <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>, pois<br />

<strong>de</strong> modo geral eles trabalham com problemas padrão que exige um<br />

raciocínio mecânico e “fechado”. Porém, a professora assinalou ser<br />

fundamental <strong>de</strong>senvolver um ensino que enfoque problemas não<br />

6


convencionais, pois “auxiliam a <strong>de</strong>senvolver o raciocínio matemático<br />

dos alunos”.<br />

As cartas apresentaram as idéias e percepções dos alunos<br />

sobre a metodologia do projeto e a dinâmica da sala <strong>de</strong> aula. Deste<br />

modo, nove alunos relataram suas aprendizagens <strong>matemática</strong>s<br />

enfatizando que realizaram cálculos apren<strong>de</strong>ndo a operação <strong>de</strong><br />

divisão. Um aluno relatou que apren<strong>de</strong>u o ensinamento da moral da<br />

fábula e dois apontaram que não possuíam conhecimento anterior<br />

sobre o fato da moeda brasileira ter tido várias <strong>de</strong>nominações.<br />

Sete alunos relataram explicitamente o fato <strong>de</strong> nas aulas terem<br />

sido trabalhados conteúdos matemáticos a partir <strong>de</strong> um <strong>texto</strong><br />

<strong>literário</strong>, sendo que seis afirmaram gostarem <strong>de</strong>ssa conexão, por<br />

tornar a aula mais interessante: “Muito legal, porque foi português e<br />

<strong>matemática</strong> juntos nessa história”; “Eu aprendi que uma história<br />

po<strong>de</strong> ter conta <strong>de</strong><br />

<strong>matemática</strong>”; “[...] e ela não separou Português e Matemática eu<br />

gostei <strong>de</strong> apren<strong>de</strong>r com as duas matérias”; “Eu gostei muito, porque<br />

no <strong>texto</strong> tinha umas continhas.”<br />

Porém um não gostou consi<strong>de</strong>rando que ficou mais difícil: “eu<br />

gostaria que ela separasse a matéria porque assim eu acho que<br />

ficaria<br />

mais fácil separando a matéria”.<br />

Três assinalaram a importância da ajuda da pesquisadora aos<br />

alunos na realização das ativida<strong>de</strong>s: “Eu não sabia alguns<br />

(problemas) e ela (pesquisadora) ajudou nas continhas que eu não<br />

sabia”; “A professora <strong>Ana</strong> ajudou a gente”; “A professora quer<br />

ajudar nós”.<br />

Um apontou que gostou <strong>de</strong> realizar as ativida<strong>de</strong>s em duplas,<br />

pois há ajuda do colega: “Gosto <strong>de</strong> ajuntar, porque um ajuda o<br />

outro”.<br />

Das 24 cartas, 13 afirmam que gostaram das aulas. Assim, os<br />

alunos <strong>de</strong>screveram suas perspectivas sobre o projeto: “Foi legal,<br />

porque foi português e <strong>matemática</strong> juntos nessa história”;“Foi um<br />

pouco difícil, só que eu gostei do projeto e não achei ruim”; “[...]<br />

fiquei<br />

triste porque hoje é o último dia do projeto”; “não separou Português<br />

e Matemática eu gostei <strong>de</strong> apren<strong>de</strong>r com as duas matérias”; “Eu<br />

gostei muito, porque no <strong>texto</strong> tinha umas continhas”.<br />

Não obstante, as cartas não revelaram apenas as<br />

aprendizagens e percepções dos alunos sobre a intervenção<br />

realizada. Mostraram também uma parcela do mundo das crianças<br />

que muitas vezes está oculto dos adultos ou que esses consi<strong>de</strong>ram<br />

pueril e sem valor. Em cinco cartas os alunos expuseram seus<br />

sentimentos sobre o <strong>de</strong>stinatário: “Lê você é muito legal”; “Eu estou<br />

7


escrevendo estar carta porque você é minha melhor amiga”; “Fran<br />

você é minha melhor amiga”.<br />

Dois alunos relataram que gostam dos amigos da escola: “Meu<br />

amigos são muito maneiros, eu gosto muito <strong>de</strong>les”; “Eu vou te falar<br />

sobre a minha querida classe”.<br />

Três apontaram gostarem da escola: “Olá Murilo a 3ª série é<br />

legal você que está na 4ª série <strong>de</strong>ve ser mais legal.”; “<strong>de</strong> manhã é<br />

muito legal, mas <strong>de</strong> tar<strong>de</strong> é mais legal”; “Hoje eu aprendi muito.<br />

Gostei da escola”. Oito mostraram suas opiniões sobre a<br />

pesquisadora,três sobre a professora da sala, e uma referiu-se<br />

também as professores <strong>de</strong> educação física e educação artística:<br />

“Minha querida irmã eu gosto <strong>de</strong> todas as minhas professoras. A<br />

professora A. P., a professora J., a professora V. e a professora A.”;<br />

“se você fosse da minha classe você iria curtir as professoras.”; “A<br />

professora <strong>Ana</strong> ela é muito legal e a minha professora V.também é<br />

muito legal”; “Na minha sala eu estu<strong>de</strong>i com a professora <strong>Ana</strong> ela é<br />

muito legal”.<br />

Discussão dos resultados:<br />

Percebendo as dificulda<strong>de</strong>s dos alunos em interpretarem<br />

<strong>de</strong>terminados trechos da fábula e os enunciados dos problemas,<br />

po<strong>de</strong>-se assinalar que é necessário trabalhar com leitura em outras<br />

disciplinas, além da <strong>de</strong> língua portuguesa, porém não basta que o<br />

aluno leia e que o <strong>texto</strong> seja usado como mero pano <strong>de</strong> fundo, o<br />

fundamental é a mediação do professor. Assim, o trabalho com<br />

<strong>texto</strong>s <strong>literário</strong>s po<strong>de</strong> contribuir para a formação <strong>de</strong> leitores que<br />

saibam efetivamente compreen<strong>de</strong>r o que lêem, pois a varieda<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

linguagens “possibilita ao educador trabalhar alternativas<br />

metodológicas” (Silva e Rêgo, 2006, p.230).<br />

Outro ponto a ser <strong>de</strong>stacado é o fato dos alunos terem<br />

estranhado os tipos <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>s trabalhadas. Silva e Rêgo (2006)<br />

relatam que inicialmente na intervenção realizada por eles,os<br />

alunos mostraram resistência à proposta <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolver um ensino<br />

que articule <strong>matemática</strong> e <strong>texto</strong>s <strong>literário</strong>s. Os pesquisadores<br />

acreditam que tal atitu<strong>de</strong> dos estudantes é <strong>de</strong>corrente <strong>de</strong>les estarem<br />

habituados a um ensino que não estabelece relações entre as<br />

disciplinas escolares. Contudo, eles relatam que no <strong>de</strong>correr da<br />

pesquisa essa resistência ce<strong>de</strong>u espaço a curiosida<strong>de</strong> e ao <strong>de</strong>sejo<br />

<strong>de</strong> compreensão do <strong>texto</strong>, inclusive das idéias <strong>matemática</strong>s<br />

ocorrendo atitu<strong>de</strong>s como leitura cautelosa e reflexão sobre as<br />

informações e conceitos expostos nos livros.<br />

Sendo assim, a perspectiva da professora <strong>de</strong> que problemas<br />

não convencionais <strong>de</strong>vem ser introduzidos aos poucos parece ser<br />

válida. Afinal, mudar os hábitos é difícil, todavia, mudanças são<br />

8


necessárias para romper com as armadilhas <strong>de</strong> um ensino no qual<br />

não há espaço para a expressão e nem elaboração por parte do<br />

aluno, sendo admitido apenas um modo <strong>de</strong> pensar.<br />

Um outro elemento <strong>de</strong>stacado são as relações <strong>de</strong> afeto que<br />

envolvem as interações dos alunos entre si e com os professores,<br />

abordadas <strong>de</strong> modo espontâneo nas cartas. Elas não po<strong>de</strong>m ser<br />

consi<strong>de</strong>radas infantis e sem valor, pois as emoções e afetivida<strong>de</strong>s<br />

são intrínsecas à relação pedagógica, sendo que <strong>de</strong> acordo com<br />

Perrenoud (2000, p.48)<br />

os dispositivos didáticos melhor elaborados irão chocar-se<br />

com uma pare<strong>de</strong> se o aluno sentir-se mal-reconhecido,<br />

mal-amado, maltratado, se a aprendizagem separá-lo <strong>de</strong><br />

seus próximos ou mergulhá-lo em tensões ou em<br />

angústias, ou até mesmo se ele não encontrar prazer<br />

nisso”.<br />

Assim, também são relevantes as opiniões dos alunos<br />

afirmando terem gostado do projeto.<br />

<strong>Ana</strong>lisando as interações dos alunos com as aulas e suas<br />

cartas, concluímos que trabalhar a literatura infantil e <strong>matemática</strong> é<br />

um caminho importante para <strong>de</strong>senvolver os conhecimentos<br />

matemáticos, habilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> resolução <strong>de</strong> problemas e <strong>de</strong><br />

compreensão efetiva da leitura, ainda que os resultados não sejam<br />

imediatos e exijam continuida<strong>de</strong> do trabalho.<br />

Referências<br />

ABRAMOVICH, Fanny. Literatura infantil: gostosuras e bobices.<br />

3ed. São Paulo: Scipione, 1989.<br />

CAREY, D. The patchwork quilt: a context for problem solving.<br />

Arithmetic Teacher. v. 39 nº4. p. 199-203. <strong>de</strong>z. 1992.<br />

CONAWAY, Betty e MIDKIFF, Ruby B. Connecting literature,<br />

language, and fractions. (teaching fractions to elementary<br />

stu<strong>de</strong>nts). Arithmetic Teacher. v.41 ,nº8, p.430 - 433 Abril. 1994.<br />

FERREIRA, Sandra Patrícia Ataí<strong>de</strong>; DIAS, Maria da Graça B. B.<br />

Leitor e leituras: consi<strong>de</strong>rações sobre gêneros textuais e construção<br />

<strong>de</strong> sentidos. Psicologia. Reflexão e Crítica, Porto Alegre, v. 18,<br />

n. 3, 2005. Disponível em: . Acesso:<br />

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