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cultura 23 maio 06.pmd - Centro de Estudos Africanos da ...

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Andréia Lisboa <strong>de</strong> SouzaAna Lúcia Silva SousaHeloisa Pires LimaMárcia SilvaDE OLHO NA CULTURA!PONTOS DE VISTA AFRO-BRASILEIROS<strong>Centro</strong> <strong>de</strong> <strong>Estudos</strong> Afro-OrientaisFun<strong>da</strong>ção Cultural Palmares2005


ApresentaçãoA Lei 10.639, sanciona<strong>da</strong> em 9 <strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong> 2003 pelo Presi<strong>de</strong>nteLuís Inácio Lula <strong>da</strong> Silva, alterou a Lei <strong>de</strong> Diretrizes e Bases<strong>da</strong> Educação Nacional e incluiu a obrigatorie<strong>da</strong><strong>de</strong> do ensino<strong>da</strong> História e Cultura Afro-Brasileira em todos os currículos escolares.Este advento criou a imperiosa necessi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> produção<strong>de</strong> material didático específico, a<strong>da</strong>ptado aos vários graus eàs diversas faixas etárias <strong>da</strong> população escolar brasileira.Consi<strong>de</strong>rando o atendimento à <strong>de</strong>man<strong>da</strong> <strong>de</strong> projetos educacionaisempreendidos pelas associações <strong>cultura</strong>is e pelos gruposorganizados do Movimento Negro, nota<strong>da</strong>mente os cursos<strong>de</strong> pré-vestibular, os cursos profissionalizantes e os cursos noturnosem geral, a Fun<strong>da</strong>ção Cultural Palmares, enti<strong>da</strong><strong>de</strong> vincula<strong>da</strong>ao Ministério <strong>da</strong> Cultura, adotou como priori<strong>da</strong><strong>de</strong> a produção<strong>de</strong> suportes pe<strong>da</strong>gógicos apropriados aos jovens e adultos,público alvo <strong>de</strong>stes projetos. Para tanto foi estabelecido um convêniocom a Universi<strong>da</strong><strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral <strong>da</strong> Bahia, através do <strong>Centro</strong><strong>de</strong> <strong>Estudos</strong> Afro-Orientais-CEAO, para a realização <strong>de</strong> concursosnacionais para a elaboração <strong>de</strong> dois ví<strong>de</strong>os documentários e<strong>de</strong> três livros, um dos quais é este volume que apresentamos.O resultado exitoso <strong>de</strong>ste projeto <strong>de</strong>veu-se à participação<strong>de</strong> todos os especialistas que integraram as comissões julgadoras,ao empenho administrativo <strong>da</strong> Profa. Mestra Martha Rosa


IntroduçãoLivros circulam em todos ambientes educacionais <strong>da</strong>s socie<strong>da</strong><strong>de</strong>s.Imagine a quanti<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong>les espalhados pelo planeta. Uma coisatodos têm em comum: são iguais por trazerem informação, conhecimento.Porém, po<strong>de</strong>m ser diferentes no assunto <strong>de</strong> que tratam,no formato, uso <strong>de</strong> cores, espessura, tipo <strong>de</strong> acabamento,preço.Pense, por um momento, em algum assunto qualquer quepossa ser tratado em uma obra literária. Imagine esse único conteúdotratado sob a ótica <strong>de</strong> diferentes autores. Faz diferença se oponto <strong>de</strong> vista for o <strong>de</strong> um homem ou o <strong>de</strong> uma mulher? A nacionali<strong>da</strong><strong>de</strong><strong>de</strong> quem escreve po<strong>de</strong> influenciar? A i<strong>da</strong><strong>de</strong>? A condiçãosocial? Se o produtor morar no meio <strong>da</strong> Amazônia ou noPólo Norte? E a mesma matéria, se busca<strong>da</strong> em uma obra escritaem algum século anterior, seria apresenta<strong>da</strong> <strong>de</strong> modo diferente?A informação conti<strong>da</strong> em um livro também é, portanto,construí<strong>da</strong> a partir <strong>de</strong> conjunturas sociais peculiares.A história <strong>da</strong> população afro-brasileira também vem sendoconstruí<strong>da</strong> a partir <strong>de</strong> vários fatores, sob várias óticas e aten<strong>de</strong>ndoa interesses que impõem um <strong>de</strong>terminado modo <strong>de</strong> se divulgar osfatos históricos ao longo do tempo.


Os livros didáticos, por exemplo, não trazem a figura donegro representa<strong>da</strong> <strong>de</strong> modo expressivo, isso se consi<strong>de</strong>rarmosapenas o número <strong>de</strong> habitantes afro-<strong>de</strong>scen<strong>de</strong>ntes no país. Demodo geral, ain<strong>da</strong> trazem o negro retratado como caseiro, lavador<strong>de</strong> carro, babá, lava<strong>de</strong>ira etc. O negro aparece também em situaçõesque falam <strong>de</strong> escravidão. Isso escon<strong>de</strong> to<strong>da</strong> uma riqueza <strong>de</strong>outros aspectos do universo africano e <strong>da</strong> história dos negros quevieram escravizados para o Brasil.Esta obra, que ora apresentamos, reúne pontos <strong>de</strong> vistaconstruídos por quatro mulheres negras. E há alguma peculiari<strong>da</strong><strong>de</strong>nisso? Sim.O nosso principal propósito é alargar a percepção <strong>de</strong> todosos leitores sobre a multiplici<strong>da</strong><strong>de</strong> dos universos <strong>cultura</strong>is afro-brasileiros.Os capítulos foram estruturados em blocos temáticos quedialogam entre si. Elaboramos ca<strong>da</strong> um <strong>de</strong>les a partir <strong>de</strong> uma abor<strong>da</strong>gemcrítica, procurando também possibilitar a <strong>de</strong>scoberta <strong>de</strong>ssesrepertórios que são respostas <strong>de</strong> histórias tão particulares <strong>de</strong>nossos mais velhos que construíram uma parte <strong>da</strong> nossa história.A noção <strong>de</strong> <strong>cultura</strong> e a <strong>de</strong> i<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong> são os temas <strong>de</strong> aberturaque preparam o passeio pelas diferentes linguagens: a corporal,a oral e a escrita. O percurso que convi<strong>da</strong>mos você a fazer conoscopropõe ain<strong>da</strong> leituras <strong>da</strong> imagem e <strong>da</strong> auto-imagem dos afro-brasileirosna arte e na mídia.Pontos <strong>de</strong> vista estão em permanente construção e necessitam<strong>da</strong> troca com outros, o que é fun<strong>da</strong>mental para compartilharcoletivamente os saberes. Esperamos que esta proposta seja auxiliarna expansão <strong>de</strong> conhecimentos, sobre as questões <strong>da</strong>s i<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong>safros na <strong>cultura</strong> brasileira.As autoras


A CRIAÇÃO DOS MUNDOSPELA CULTURAA gente tem uma vista,mas quando apren<strong>de</strong> um pouquinhoa vista abre um pouco mais.(Antônio Benedito Jorge,morador <strong>de</strong> área remanescente <strong>de</strong> quilombos /Eldorado, São Paulo)


12 De olho na Cultura


Nomeando e julgandoO ser humano tem necessi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> nomear tudo: as coisas, osseres animados e inanimados, os sentimentos, os costumes, as tradiçõese as crenças à sua volta. As mensagens que circulam em umambiente jamais são elabora<strong>da</strong>s com neutrali<strong>da</strong><strong>de</strong>, pois vêm carrega<strong>da</strong>s<strong>de</strong> julgamentos, <strong>de</strong> valores, positivos ou negativos. São essessistemas <strong>de</strong> idéias e julgamentos que organizam uma particular circunstância,o que po<strong>de</strong>mos enten<strong>de</strong>r, <strong>de</strong> modo geral, pela noção<strong>de</strong> <strong>cultura</strong>. Língua, religião, as formas <strong>de</strong> casamento, trocas comerciais:enfim, to<strong>da</strong> resposta humana na organização <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> emsocie<strong>da</strong><strong>de</strong>. As diferentes respostas é que formam contextos <strong>cultura</strong>isdistintos.A linguagem, em to<strong>da</strong>s as suas possibili<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>de</strong> <strong>da</strong>r significaçãoao que preten<strong>de</strong> um falante, é também um instrumentofun<strong>da</strong>mental para veiculação <strong>de</strong> preconceitos, criação e difusão<strong>de</strong> estereótipos. São problemas, expressões que se incorporamno cotidiano <strong>da</strong>s socie<strong>da</strong><strong>de</strong>s, que naturalizam o que não <strong>de</strong>ve sernaturalizado, banalizam situações que não <strong>de</strong>vem ser banaliza<strong>da</strong>s,inferiorizam pessoas e os lugares que estas ocupam nos grupossociais.Consi<strong>de</strong>rando a leitura do texto:Observe as frases:— O ministro <strong>de</strong>negriu sua imagem com essa <strong>de</strong>claração.— Você está <strong>de</strong>negrindo a nossa empresa!De olho na Cultura 13


po todo passou a ser, nesse contexto, genericamente <strong>de</strong>finido,visto como um tipo.Outro ponto importante a lembrar, a respeito <strong>da</strong> produção<strong>de</strong> conhecimento oitocentista, é o processo que não apenasdistinguiu os grupos humanos, mas os hierarquizou. O universodo cientista europeu, ou seja, seu próprio mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> vi<strong>da</strong> e costumes,passou a ser o critério <strong>da</strong> normali<strong>da</strong><strong>de</strong>. É a visãoeurocêntrica se impondo como formadora <strong>de</strong> conceitos científicose sociais. A partir <strong>de</strong>ssa visão, tudo ou todos que estiveremfora <strong>de</strong>sse padrão passam a ser <strong>de</strong>signados como os outros. Dessalinha <strong>de</strong> raciocínio se <strong>de</strong>sdobraram concepções que sobrevivematé os dias <strong>de</strong> hoje. No nível inferior <strong>de</strong> uma escala, os primitivose, na outra ponta, os evoluídos ou, mais mo<strong>de</strong>rnamente,as socie<strong>da</strong><strong>de</strong>s simples e as socie<strong>da</strong><strong>de</strong>s complexas. Será que existealguma socie<strong>da</strong><strong>de</strong> que não seja complexa? De acordo com essavisão, os complexos e evoluídos e os normais eram os que seencaixavam nos padrões europeus.Já no século XX aparecem sinais <strong>de</strong> mu<strong>da</strong>nça à situação atéentão vigente. Clau<strong>de</strong> Lévi-Strauss, antropólogo francês que morouno Brasil, na déca<strong>da</strong> <strong>de</strong> 1940, por exemplo, procurou <strong>de</strong>finir<strong>cultura</strong> como uma reunião <strong>de</strong> sistemas simbólicos (a linguagem,as regras matrimoniais, as relações econômicas, a arte, a ciência, areligião). De acordo com o seu pensamento, <strong>cultura</strong> é a capaci<strong>da</strong><strong>de</strong>simbólica <strong>de</strong> atribuir significados através dos modos <strong>de</strong> pensar,sentir, agir. To<strong>da</strong> socie<strong>da</strong><strong>de</strong> ou grupo social elabora estratégias paraa interiorização <strong>de</strong> mo<strong>de</strong>los <strong>cultura</strong>is nos seus <strong>de</strong>scen<strong>de</strong>ntes. Éisto que garante a conservação <strong>da</strong>s crenças e valores do grupo e,principalmente, a estima do grupo por si mesmo.16 De olho na Cultura


As lentes <strong>da</strong> <strong>cultura</strong>na representação <strong>da</strong> ÁfricaO ambiente escolar é também um espaço para infundir percepçõessobre o mundo que nos antece<strong>de</strong>u. Vamos tomar um exemplo:a aprendizagem sobre a Europa, a América Latina ou mesmosobre o Brasil. A informação conduz os olhares a partir <strong>da</strong>sassociações construí<strong>da</strong>s em torno <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminado aspecto, dirigea atenção para um ou outro fato e vai construindo a opiniãodos informados. O enredo elege partes do todo para uma versãoa partir <strong>de</strong> um ângulo, <strong>de</strong> um ponto <strong>de</strong> vista.Querem acompanhar um caso? Vejamos a representação<strong>da</strong> África por uma HQ belga no início do século XX.<strong>Estudos</strong> <strong>de</strong> caso são bons para mostrar relações. Dentreelas, a que nos interessa no momento: a relação entre socie<strong>da</strong><strong>de</strong>s.A África que conhecemos hoje, com a divisão política dos atuaispaíses, carrega uma história <strong>de</strong> distribuição dos seus territóriosentre nações européias. Foi em 1885 que um acordo entre as potências<strong>de</strong>finiu impérios coloniais. Assim constituíram-se:•Antigas colônias francesas•Antigas colônias belgas•Antigas colônias espanholas•Antigas colônias italianas•Antigas colônias inglesas•Antigas colônias portuguesasA partilha <strong>da</strong> África envolveu um jogo complexo com organizaçõese reorganizações administrativas nas colônias pertencentesàs diferentes coroas. Delimitar os domínios era uma prática conjuntacom a administração do tráfico por séculos e séculos. Ocontinente passou a ser mais cobiçado a partir do <strong>de</strong>scobrimentodo diamante no Transvaal (1867). O resultado foi a explosão colonialentre 1890 e 1904, que acelera, ao fim do século XIX, o ani-De olho na Cultura 17


quilamento <strong>de</strong> civilizações seculares. Disputar o domínio dos mares,dos rios, dos territórios articulava uma política colonial queseguia uma política mais geral <strong>de</strong> alianças e rivali<strong>da</strong><strong>de</strong>s na Europa.Nesse panorama, prestemos atenção ao aspecto <strong>cultura</strong>l <strong>da</strong> empreita<strong>da</strong><strong>de</strong> ocupar e se manter no continente <strong>de</strong>sconhecido.Tomemos a história em quadrinhos Tintin. Vamos compreendê-lacomo uma <strong>da</strong>s narrativas do imaginário sobre o mundoafricano. Difundi<strong>da</strong>s durante o processo <strong>de</strong> colonizar o continente,apresentavam uma África dos europeus. O personagem foi criadopor Hergé, um jornalista belga, no ano <strong>de</strong> 1929. Um dos exemplaresque leva, no original, o título Les aventures Tintin, repórter duPetit Vingtième au Congo, surgiu em 1931, no contexto <strong>da</strong> colonizaçãobelga do Congo. Voltando um pouco no tempo, po<strong>de</strong>mosafirmar que a bacia do Congo não apresentava interesse até 1870.Os governos europeus financiavam expedições para <strong>de</strong>sbravar riose territórios, o que lhes <strong>da</strong>va o direito <strong>de</strong> posse, cujo reconhecimentopor outras nações (os pavilhões) era negociado. O reiLeopoldo, então governante <strong>da</strong> Bélgica, passa a financiar a <strong>de</strong>scoberta<strong>da</strong> embocadura do rio Congo. Ao mesmo tempo, financiauma associação Internacional, o Comitê <strong>de</strong> <strong>Estudos</strong> do Alto Congo,que vai fomentar a fun<strong>da</strong>ção <strong>de</strong> um Estado negro livre, to<strong>da</strong>via,financiado e assessorado por esse Comitê. O interesse pela regiãomotivou inúmeras disputas. A França, por exemplo, <strong>de</strong>stina umorçamento <strong>de</strong> 1.275.000 francos para expandir sua área <strong>de</strong> dominação.Portugal invoca os direitos <strong>de</strong> priori<strong>da</strong><strong>de</strong> histórica <strong>de</strong> sua<strong>de</strong>scoberta no século XV, alegando que o reino do Congo haviasido seu aliado nos séculos XVI e XVII. A Inglaterra, que tentavao reconhecimento <strong>de</strong> outras fronteiras em África, negocia o reconhecimento<strong>da</strong> região. Foi em fevereiro <strong>de</strong> 1908 que uma ConferênciaInternacional arbitra<strong>da</strong> por Bismarck <strong>de</strong>u a cessão do Estadodo Congo à Bélgica, que manteria seu império africano atéjunho <strong>de</strong> 1960. O propósito <strong>de</strong> glorificação do empreendimentocolonial parece ser o ponto comum entre as imagens produzi<strong>da</strong>s apartir dos diferentes cantos europeus.Agora, vamos refletir sobre o modo como o Congo é representadonos álbuns <strong>de</strong> Tintin, nesse contexto. A construção <strong>da</strong>face, a fisionomia dos habitantes nativos, a postura do corpo, o18 De olho na Cultura


Antigas colônias francesasAntigas colônias inglesasAntigas colônias italianasAntigas colônias espanholasAntigas colônias portuguesasAntigas colônias belgasDe olho na Cultura 19


cenário e principalmente a relação entre os dois mundos, levamo leitor a concluir que um mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> tipo humano, o brancoeuropeu belga, é superior ao outro, o negro africano congolês.É o paternalismo que organiza a imagem em que os indígenassão estúpidos, subevoluídos, ridículos, selvagens no patamar<strong>da</strong> animali<strong>da</strong><strong>de</strong>, articulados num universo <strong>de</strong> <strong>de</strong>sigual<strong>da</strong><strong>de</strong> e troça.Temos a construção <strong>de</strong> um enredo simbólico carregado <strong>de</strong> valorese crenças como substratos <strong>da</strong> ação política ou econômica. Comoprojeções negativas, as faces são pinta<strong>da</strong>s como carvão e <strong>de</strong> modogrotesco.No entanto, não encontraremos a mesma correspondênciano tipo humano branco, ali representado. A cor <strong>da</strong> pele não émostra<strong>da</strong> branca como papel, em oposição à cor <strong>de</strong> carvão queretrata a figura do negro. Seu aspecto é rosado como a pele realdos brancos. Há um cui<strong>da</strong>do em <strong>de</strong>sumanizar um tipo e humanizaro outro.Pesquisando a <strong>cultura</strong>:Você encontra a imagem <strong>da</strong> capa <strong>da</strong> obra Tintin au Congo nosite <strong>da</strong> Fun<strong>da</strong>ção Tintin/ Moulinsart que não autorizam a publicação<strong>da</strong> imagem pois os sucessores dos direitos não <strong>de</strong>sejam a associação<strong>da</strong> imagem com o colonialismo.Entre em http://www.tintin.be/Pesquise no ícone Les aventures <strong>de</strong> Tintin a seção Les álbunsVocê po<strong>de</strong> também procurar a versão brasileira, publica<strong>da</strong>em 1970, pela Editora Record, com o título Tintin na África.É sempre necessário prestar atenção às relações <strong>de</strong> po<strong>de</strong>rentremea<strong>da</strong>s nas mensagens visuais e perceber que as idéias que aícirculam vão entrando e se acomo<strong>da</strong>ndo em nosso imaginário. Noexemplo em <strong>de</strong>staque, Tintin satisfazia a necessi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> difundir informaçõessobre a região para quem? Para os europeus e, sobretudo,crianças e jovens <strong>da</strong> Bélgica. O herói apresenta a região <strong>de</strong>sconheci<strong>da</strong>e contribui para a opinião a ser forma<strong>da</strong> sobre ela. O ancoradourodos estereótipos explicita que o racismo é um produto <strong>da</strong> história e20 De olho na Cultura


<strong>de</strong> certas relações sociais e econômicas, internacionais e internas. Seráque a população nativa se auto-representaria nos mesmos mol<strong>de</strong>s?Representar a África como per<strong>de</strong>dora social é comum emmuitas publicações didáticas ou não. No entanto, vitórias sobre oscolonizadores são raramente evi<strong>de</strong>ncia<strong>da</strong>s quando o assunto é omundo africano.Faça uma pesquisa sobre Jomo Keniatta, lí<strong>de</strong>r Kikuiu, queexpulsou os britânicos colonizadores do seu território, o Quênia efoi importante no processo <strong>de</strong> in<strong>de</strong>pendênciaDe olho na Cultura 21


As <strong>cultura</strong>s trocam <strong>cultura</strong>sNão há <strong>cultura</strong> totalmente isola<strong>da</strong>. A comunicação propicia atroca <strong>de</strong> idéias e saberes. O dinamismo <strong>de</strong> uma <strong>cultura</strong> po<strong>de</strong> produzirimpasses, questionamentos, conflitos, dúvi<strong>da</strong>s. Da necessi<strong>da</strong><strong>de</strong><strong>de</strong> acomodá-los surgem soluções, quase sempre parciais,que geram futuras <strong>de</strong>man<strong>da</strong>s. Administrar diferenças passa peloexercício <strong>de</strong> acolher as posições divergentes.E sobre as relações humanas em nossa socie<strong>da</strong><strong>de</strong>? A idéiado Brasil como um paraíso nos trópicos foi difundi<strong>da</strong> <strong>de</strong>s<strong>de</strong> sua<strong>de</strong>scoberta. Sobre essa idéia se acrescentou a <strong>de</strong> paraíso racial.Sobre essas, a idéia <strong>de</strong> <strong>de</strong>mocracia racial. E sobre essas to<strong>da</strong>s vamosconstruindo a i<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong> sobre a vi<strong>da</strong> brasileira.A ótica e a memóriaA memória fun<strong>da</strong> as percepções sobre o mundo. Essas percepçõespo<strong>de</strong>m ser construí<strong>da</strong>s, mas também <strong>de</strong>sconstruí<strong>da</strong>s.Umnome <strong>de</strong> rua, <strong>de</strong> uma escola, <strong>de</strong> um teatro é também uma memóriapreserva<strong>da</strong>.O que você sabe sobre a origem do nome <strong>de</strong> sua ci<strong>da</strong><strong>de</strong>?Localize os monumentos que existem em sua ci<strong>da</strong><strong>de</strong>. Umbusto, uma estátua, uma es<strong>cultura</strong> etc. Essas homenagens sãoseleciona<strong>da</strong>s <strong>cultura</strong>lmente. Uma socie<strong>da</strong><strong>de</strong> elege o que <strong>de</strong>ve permanecerou morrer na memória coletiva. Você sabe como umacasa antiga passa a ser consi<strong>de</strong>ra<strong>da</strong> patrimônio histórico?Reveja o que é conservado como lembrança no que diz respeitoà população afro-brasileira na sua ci<strong>da</strong><strong>de</strong>. Po<strong>de</strong> também serrelativa aos indígenas ou orientais. O importante é observar se hálugar para esses grupos na memória coletiva. E se há eqüi<strong>da</strong><strong>de</strong> emrelação às <strong>de</strong>mais representações encontra<strong>da</strong>s. É quase a respostado quanto se valoriza essa presença na locali<strong>da</strong><strong>de</strong>. Quem <strong>de</strong>ci<strong>de</strong>sobre o que <strong>de</strong>ve ou não ser resguar<strong>da</strong>do?22 De olho na Cultura


Mas nem sempre a <strong>cultura</strong> a ser consi<strong>de</strong>ra<strong>da</strong> é apenas a material.Des<strong>de</strong> 17 <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong> 2003, a Unesco convencionou umavertente imaterial dos bens a serem preservados:Enten<strong>de</strong>-se por “patrimônio <strong>cultura</strong>l imaterial” as práticas,representações, expressões, conhecimentos e técnicas – juntocom os instrumentos, objetos, artefatos e lugares que lhessão associados – que as comuni<strong>da</strong><strong>de</strong>s, os grupos e, em algunscasos, os indivíduos reconhecem como parte integrante<strong>de</strong> seu patrimônio <strong>cultura</strong>l. Este patrimônio <strong>cultura</strong>limaterial, que se transmite <strong>de</strong> geração em geração, é constantementerecriado pelas comuni<strong>da</strong><strong>de</strong>s e grupos em função <strong>de</strong>seu ambiente, <strong>de</strong> sua interação com a natureza e <strong>de</strong> sua história,gerando um sentimento <strong>de</strong> i<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong> e continui<strong>da</strong><strong>de</strong>,contribuindo assim para promover o respeito à diversi<strong>da</strong><strong>de</strong><strong>cultura</strong>l e à criativi<strong>da</strong><strong>de</strong> humana”. 1Dicas <strong>cultura</strong>is:O <strong>de</strong>creto 3.551 <strong>de</strong> 2000, assinado pelo presi<strong>de</strong>nte <strong>da</strong> República,normatizou o registro dos bens imateriais <strong>cultura</strong>is doBrasil para que eles sejam protegidos e não corram o risco<strong>de</strong> <strong>de</strong>saparecer. O registro é renovado <strong>de</strong> <strong>de</strong>z em <strong>de</strong>z anos,com o objetivo <strong>de</strong> verificar se o bem <strong>cultura</strong>l foi modificadopelo povo ou continua com os mesmos parâmetros <strong>de</strong> quandorecebeu a certificação. Enti<strong>da</strong><strong>de</strong>s liga<strong>da</strong>s ao culto afrobaianocomeçaram a campanha pelo registro do acarajé comopatrimônio <strong>cultura</strong>l do Brasil, para ter a receita, os ritos <strong>de</strong>preparação e tradição preservados. Em 01/12/2004, o Institutodo Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan)tombou o bolinho feito com feijão fradinho e azeite <strong>de</strong> <strong>de</strong>ndêcomo “bem imaterial”, em reunião extraordinária na Igreja<strong>de</strong> Santa Teresa, em Salvador.O trabalho <strong>da</strong>s baianas <strong>de</strong> acarajé também foi reconhecidocomo profissão pelo Iphan. O registro do ofício não reconheceapenas o acarajé, mas todos os saberes e fazeres tradicionaisaplicados na produção e comercialização <strong>da</strong>s chama<strong>da</strong>scomi<strong>da</strong>s <strong>da</strong> Bahia feitas com azeite <strong>de</strong> <strong>de</strong>ndê.O critério <strong>de</strong>scrito no texto em <strong>de</strong>staque é importante paraa consi<strong>de</strong>ração <strong>de</strong> uni<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>cultura</strong>is. No Brasil, a <strong>de</strong>limitação <strong>da</strong>sterras <strong>de</strong> populações negras <strong>de</strong>scen<strong>de</strong>ntes <strong>de</strong> antigos quilombos1http://www.iphan.gov.brDe olho na Cultura <strong>23</strong>


leva também em conta o universo <strong>da</strong> <strong>cultura</strong> imaterial.Em 1991,por exemplo, o governo do Estado <strong>de</strong> Goiás reconheceu umaárea on<strong>de</strong> vivem comuni<strong>da</strong><strong>de</strong>s negras chama<strong>da</strong>s Kalunga comopatrimônio <strong>cultura</strong>l brasileiro.Para alcançar a liber<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> um sistema que escravizavahomens e mulheres, os quilombolas necessitavam buscar proteçãoem lugares <strong>de</strong> difícil acesso. O próprio semi-isolamento físicopo<strong>de</strong> ter contribuído para a manutenção, até os dias atuais, <strong>de</strong>termos lingüísticos próprios e <strong>da</strong>s técnicas para a construção <strong>da</strong>scasas com recursos harmônicos com o ambiente. As festas Kalungatambém são formas <strong>de</strong> resguar<strong>da</strong>r tradições, pois mantiveram formas<strong>de</strong> transmissão <strong>de</strong> sentimentos religiosos, cultivaram o toquedos tambores, as <strong>da</strong>nças e cantigas, a confecção <strong>de</strong> adornos etc.Hoje, esses moradores vivem à beira do rio Paranã, on<strong>de</strong>outrora havia fartura <strong>de</strong> peixes. Contam que pescadores <strong>de</strong> fora,porém, costumavam entrar com o barco e levar gran<strong>de</strong>s quanti<strong>da</strong><strong>de</strong>s,<strong>de</strong>ixando apenas os peixes mais ariscos, que então passaram ase escon<strong>de</strong>r ca<strong>da</strong> vez mais fundo no rio. Os Kalunga dizem queper<strong>de</strong>ram terras para os fazen<strong>de</strong>iros grileiros. Terras on<strong>de</strong> plantavamalgodão. As mulheres que apanhavam o floquinho branquinhodo algodão, <strong>de</strong>scaroçando, esticando em fios postos no tearpara a produção <strong>de</strong> tecidos, estão <strong>de</strong>sapren<strong>de</strong>ndo o ofício. Ca<strong>da</strong>vez mais os homens <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>m do emprego na ci<strong>da</strong><strong>de</strong>. O queganham é pouco e as bugigangas <strong>de</strong> baixa quali<strong>da</strong><strong>de</strong> levam o ganhogeralmente conquistado com gran<strong>de</strong> esforço.Culturas singulares como a dos Kalunga, que sobrevive háséculos com seus modos <strong>de</strong> existir, também li<strong>da</strong>m com novos <strong>de</strong>safios.Algumas <strong>de</strong>las revertem o quadro <strong>de</strong> adversi<strong>da</strong><strong>de</strong>s econômicastrabalhando na agri<strong>cultura</strong> e preservando o que possuem <strong>de</strong>mais tradicional em termos <strong>de</strong> <strong>cultura</strong>: produtos agrícolas semagrotóxico. Esses produtos já começam a ser comprados por re<strong>de</strong>s<strong>de</strong> supermercado nas redon<strong>de</strong>zas.24 De olho na Cultura


CULTURAE FORMAÇÃO DE IDENTIDADESO negro prontoestá se fazendo sempreponto por ponto ...(Sumo - Carlos Assunção)De olho na Cultura 25


26 De olho na Cultura


Quais são as relações entre <strong>cultura</strong> e i<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong>? Até que pontoconhecer o processo <strong>de</strong> construção i<strong>de</strong>ntitária po<strong>de</strong> favorecer oentendimento sobre afro-brasileiros e suas <strong>cultura</strong>s? Estas sãoalgumas <strong>da</strong>s in<strong>da</strong>gações iniciais para refletirmos sobre a constituição<strong>da</strong> i<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong> como algo dinâmico. Nessa perspectiva, precisamosconversar sobre as diferentes i<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong>s que nos constituemcomo indivíduo na socie<strong>da</strong><strong>de</strong>. O pertencimento a um grupoé <strong>de</strong>finido em contraste com outros. Essa classificação i<strong>de</strong>ntificasingulari<strong>da</strong><strong>de</strong>s que po<strong>de</strong>m ser submeti<strong>da</strong>s a umahierarquização, segundo os parâmetros superior/inferior, bom/mau, feio/ bonito, civilizado/primitivo.A imensidão do mundo atuale o miudinho <strong>da</strong>s relações sociaisO crescente avanço <strong>da</strong> tecnologia diversifica e imprime veloci<strong>da</strong><strong>de</strong>às formas <strong>de</strong> comunicação entre os povos. Atualmente épossível saber, em segundos, o que acontece do outro lado doDe olho na Cultura 27


mundo: conquistas, guerras, conflitos. Também é possível conheceros modos <strong>de</strong> viver, <strong>de</strong> vestir, <strong>de</strong> comer, <strong>de</strong> dormir, <strong>de</strong> rezar,<strong>de</strong> trabalhar <strong>de</strong> todos os povos do planeta.Pessoas se colocam virtualmente em qualquer lugar. A proximi<strong>da</strong><strong>de</strong>virtual ou real po<strong>de</strong> ser importante para pensar não apenaso distante, mas o próximo, o que está ao nosso lado. A todomomento somos <strong>de</strong>safiados a conhecer diferentes <strong>cultura</strong>s e areelaborar a noção <strong>de</strong> i<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> pessoas e <strong>de</strong> grupos.As noções <strong>de</strong> tempo e <strong>de</strong> espaço adquirem outros contornosem <strong>de</strong>corrência <strong>da</strong>s mu<strong>da</strong>nças sociais, políticas e econômicaspelas quais passa a atual socie<strong>da</strong><strong>de</strong>, tudo resultando em significativastransformações <strong>cultura</strong>is. Tal fenômeno causa a sensação <strong>de</strong>quebra <strong>de</strong> barreiras geográficas ou físicas. Por outro lado, provocatambém estranhamentos diante <strong>de</strong> posturas e princípios tão diversos,frutos <strong>da</strong> maneira como ca<strong>da</strong> coletivi<strong>da</strong><strong>de</strong> humana organizou-separa <strong>da</strong>r conta <strong>da</strong>s necessi<strong>da</strong><strong>de</strong>s concretas e simbólicas <strong>de</strong>sobrevivência.Quem é este outro? Como e para quem reza? Falares e sotaques?Cor <strong>de</strong> pele, formato <strong>de</strong> rosto, tipo <strong>de</strong> cabelo? O que fazemos homens, o que fazem as mulheres na sua vi<strong>da</strong> cotidiana? Comovivem as crianças e os jovens?É por intermédio <strong>da</strong> <strong>cultura</strong> que se <strong>de</strong>scortina o processo<strong>de</strong> i<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong>. Ao nos consi<strong>de</strong>rarmos idênticos a uns, imediatamenteestabelecemos distinções em relação aos outros. No entanto,é por meio do conhecimento e <strong>da</strong> aproximação com o outro,que ampliamos nossas vivências e nosso repertório <strong>de</strong> concepçõessobre a vi<strong>da</strong>, o mundo e a existência. Consi<strong>de</strong>remos agora asreferências associa<strong>da</strong>s às <strong>cultura</strong>s afro-brasileiras, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntementedo pertencimento étnico-racial.28 De olho na Cultura


I<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong>s:pequenos gran<strong>de</strong>s retratosA noção <strong>de</strong> i<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong> po<strong>de</strong> ser pensa<strong>da</strong> a partir dos dicionários.Vejamos a <strong>de</strong>finição encontra<strong>da</strong> no Aurélio: um conjunto <strong>de</strong> caracterespróprios e exclusivos <strong>de</strong> uma pessoa: nome, i<strong>da</strong><strong>de</strong>, estado, profissão, sexo,<strong>de</strong>feitos físicos, impressões digitais, etc.Essa <strong>de</strong>finição se mostra fun<strong>da</strong>mental para registrar que ai<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong> é constituí<strong>da</strong> por vários traços. Alguns <strong>de</strong>stes, adquiridosao nascer e imutáveis, como as impressões digitais, outrosadquiridos ao longo <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> e passíveis <strong>de</strong> re<strong>de</strong>finições, tais comoa sexuali<strong>da</strong><strong>de</strong>, a ocupação profissional e o gosto musical.Po<strong>de</strong>mos, então, nos perguntar: se a i<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong> é um conjunto<strong>de</strong> caracteres próprios e exclusivos <strong>de</strong> uma pessoa, é necessárioconsi<strong>de</strong>rar também o caráter coletivo presente em sua constituição?A i<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong> não é construí<strong>da</strong> isola<strong>da</strong>mente e sim emcontato com outras referências. Nas palavras <strong>de</strong> Elisa Larkin (2003,p. 31), cientista social e pesquisadora <strong>da</strong>s relações étnico-raciais, ai<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong> coletiva po<strong>de</strong> ser entendi<strong>da</strong> como conjunto <strong>de</strong> referenciais que regemos inter-relacionamentos dos integrantes <strong>de</strong> uma socie<strong>da</strong><strong>de</strong> ou como o complexo<strong>de</strong> referenciais que diferenciam o grupo e seus componentes dos “outros”, grupose seus membros, que compõem o restante <strong>da</strong> socie<strong>da</strong><strong>de</strong>. A pesquisadoraconclui que a i<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong> é um processo, ganhando contornos apartir dos lugares sociais que ocupamos como indivíduos, <strong>de</strong>ntro<strong>de</strong> um espaço ain<strong>da</strong> <strong>maio</strong>r chamado socie<strong>da</strong><strong>de</strong>.Aproveitando a <strong>de</strong>finição sugeri<strong>da</strong> pelo dicionário, po<strong>de</strong>mosobservar as marcas <strong>de</strong> i<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong> nos documentos pessoais,que cumprem o papel <strong>de</strong> inscrever juridicamente as pessoas nomundo. Nos documentos como a certidão <strong>de</strong> nascimento, porexemplo, po<strong>de</strong>-se verificar o ano e o local <strong>de</strong> nascimento, a cor <strong>da</strong>pele, a filiação e outros <strong>da</strong>dos relevantes.Também no registro geral – o RG, conhecido também comoCarteira <strong>de</strong> I<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong> – observam-se outras marcas singulares. Éúnico o número que se refere a um tempo cronológico e ao local<strong>de</strong> expedição do documento, assim como é única a impressão digital,a forma <strong>de</strong> assinar o nome e a fotografia.De olho na Cultura 29


A fotografia <strong>da</strong> carteira <strong>de</strong> i<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong> é fun<strong>da</strong>mental paraa discussão, pois estampa os fenótipos que revelam o pertencimentoétnico-racial — a cor <strong>da</strong> pele, o formato do rosto, donariz, <strong>da</strong> testa, <strong>da</strong> boca e tipo <strong>de</strong> cabelo. Diante <strong>da</strong> foto valorizamosou não os traços? Como estes são vistos por outros que nãopertencem ao mesmo grupo?A reflexão sobre i<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong> racial há muito tem ocupadodiversos pesquisadores. Para Kabengele Munanga, africano radicadono Brasil, professor <strong>da</strong> Universi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> São Paulo, a i<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong>passa pela cor <strong>da</strong> pele, pela <strong>cultura</strong>, ou pela produção <strong>cultura</strong>l do negro;passa pela contribuição histórica do negro na socie<strong>da</strong><strong>de</strong> brasileira, na construção<strong>da</strong> economia do país com seu sangue; passa pela recuperação <strong>de</strong> sua históriaafricana, <strong>de</strong> sua visão <strong>de</strong> mundo, <strong>de</strong> sua religião. O autor chama a atençãopara os inúmeros aspectos que envolvem a peculiari<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong> populaçãonegra. Sob essa perspectiva, a <strong>cultura</strong> é constituinte <strong>da</strong>i<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong>.A cor <strong>da</strong> pele tem sido um dos fatores presentes nesse <strong>de</strong>bate.Sueli Carneiro, pesquisadora e diretora do Geledés – Instituto<strong>da</strong> Mulher Negra – escreveu instigante artigo, por ocasião do<strong>de</strong>bate em torno <strong>da</strong> instituição <strong>da</strong>s cotas para a população negrana universi<strong>da</strong><strong>de</strong>.Insisto em contar a forma pela qual foi assegura<strong>da</strong>,no registro <strong>de</strong> nascimento <strong>de</strong> minha filha Luan<strong>da</strong>, asua i<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong> negra. O pai, branco, vai ao cartório,o escrivão preenche o registro e, no campo <strong>de</strong>stinadoà cor, escreve: branca. O pai diz ao escrivão que acor está erra<strong>da</strong>, porque a mãe <strong>da</strong> criança é negra. Oescrivão, resistente, corrige o erro e planta a novacor, par<strong>da</strong>. O pai novamente reage e diz que sua filhanão é par<strong>da</strong>. O escrivão, irritado, pergunta: entãoqual a cor <strong>de</strong> sua filha? O pai respon<strong>de</strong>: negra. Oescrivão retruca: ‘‘Mas ela não puxou nem um pouquinhoo senhor?’’É assim que se vão clareando as pessoas no Brasil eo Brasil. Esse pai, brasileiro naturalizado e <strong>de</strong>fenótipo ariano, não tem, como branco que <strong>de</strong> fato é,as dúvi<strong>da</strong>s metafísicas que assombram a raciali<strong>da</strong><strong>de</strong>no Brasil, um país percebido por ele e pela <strong>maio</strong>ria<strong>de</strong> estrangeiros brancos como <strong>de</strong> <strong>maio</strong>ria negra. (...)30 De olho na Cultura


Porém, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente <strong>da</strong> miscigenação <strong>de</strong> primeirograu <strong>de</strong>corrente <strong>de</strong> casamentos inter-raciais,as famílias negras apresentam gran<strong>de</strong> varie<strong>da</strong><strong>de</strong> cromáticaem seu interior, herança <strong>de</strong> miscigenaçõespassa<strong>da</strong>s que têm sido historicamente utiliza<strong>da</strong>s paraenfraquecer a i<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong> racial dos negros. Faz-se issopelo <strong>de</strong>slocamento <strong>da</strong> negritu<strong>de</strong>, que oferece aos negros<strong>de</strong> pele clara as múltiplas classificações <strong>de</strong> corque, por aqui, circulam e que, neste momento, prestam-separa a <strong>de</strong>squalificação <strong>da</strong> política <strong>de</strong> cotas. 2Reafirma-se que, para se falar <strong>de</strong> i<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong>, é necessáriofalar <strong>de</strong> auto-percepção — como eu me vejo — e também <strong>de</strong>heteropercepção — como os outros me vêem. É inevitável: paraperceber a mim tenho <strong>de</strong> perceber o outro. Desse modo, a imagempositiva ou negativa <strong>de</strong> ca<strong>da</strong> um vai sendo construí<strong>da</strong>.Uma outra maneira <strong>de</strong> refletir sobre o assunto seria parar aofinal <strong>de</strong> um dia para pensar em tudo o que foi feito, com quemfalamos, por on<strong>de</strong> an<strong>da</strong>mos, o que vimos e escutamos. Com isso,po<strong>de</strong>ríamos obter uma longa lista, que nos mostraria que estabelecemoscontatos com muitas pessoas, com diferentes formas <strong>de</strong>li<strong>da</strong>r com os problemas, <strong>de</strong> nomear e abor<strong>da</strong>r acontecimentos efatos cotidianos.Ao circularmos por diferentes espaços sociais assumimospapéis e nos posicionamos como homens, mulheres, filhos, pais,mães, estu<strong>da</strong>ntes, profissionais, religiosos. Estas muitas experiênciascotidianas dizem respeito ao processo <strong>de</strong> construção ou<strong>de</strong>sconstrução <strong>da</strong> i<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong> e <strong>da</strong> alteri<strong>da</strong><strong>de</strong>, do semelhante e dodiferente. O processo <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntificar iguais conjuntamente produza distinção.2CARNEIRO, Sueli. “Negros <strong>de</strong> pele clara”. CorreioBraziliense: Coluna Opinião - 29/05/2004De olho na Cultura 31


Vivências cotidianas:eu, você, nósTodo esse processo <strong>de</strong> construção <strong>de</strong> i<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong> é ativo e marcaca<strong>da</strong> um individuo. Inscreve-se no corpo, na fala, no olhar, nos gestos,na maneira <strong>de</strong> conceber o mundo que está à nossa volta. Percebercomo tudo isso acontece é fun<strong>da</strong>mental para que ca<strong>da</strong> vez maisbrancos, negros, orientais e indígenas possam (re) conhecer a importância<strong>da</strong>s histórias e <strong>da</strong>s referências <strong>cultura</strong>is, sobretudo as afetivas,mo<strong>de</strong>los para a constituição <strong>da</strong> i<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong> individual e social.O legado <strong>cultura</strong>l constitui patrimônio, bem-comum, comono caso <strong>da</strong>s comuni<strong>da</strong><strong>de</strong>s remanescentes <strong>de</strong> quilombos. A <strong>de</strong>speito<strong>de</strong> to<strong>da</strong>s as diferenças no que se refere às condições <strong>de</strong> produçãoe circulação <strong>de</strong> bens simbólicos, a <strong>cultura</strong> é constituí<strong>da</strong> e seconstitui na relação com o outro. Nesta relação os sujeitos comtodos os seus <strong>da</strong>dos <strong>cultura</strong>is, seu enraizamento imprimem significaçãoà sua herança <strong>cultura</strong>l.De acordo com a revista Palmares (nº 5, 2000:07), as comuni<strong>da</strong><strong>de</strong>sremanescentes <strong>de</strong> quilombos espalha<strong>da</strong>s por várias regiões doBrasil, ain<strong>da</strong> que reconheci<strong>da</strong>s como <strong>de</strong>tentoras <strong>de</strong> direitos <strong>cultura</strong>ishistóricos, assegurados pelos artigos 215 e 216 <strong>da</strong> Constituição Fe<strong>de</strong>ral,que tratam <strong>de</strong> questões pertinentes à preservação dos valores <strong>cultura</strong>is<strong>da</strong> população negra, enfrentam todos os dias a necessi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong>continuar a resistir e fazer frente a tantos <strong>de</strong>safios <strong>de</strong> sobrevivência.Os três textos que vêm a seguir servirão como subsídiospara um <strong>maio</strong>r conhecimento a respeito <strong>da</strong> reali<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong>s populaçõesremanescentes <strong>de</strong> quilombos.Construindo saberes:1 Os textos que você vai ler agora retomam aspectos i<strong>de</strong>ntitáriosapontados ao longo <strong>de</strong>ste capítulo. Destaque alguns<strong>de</strong>les.2 O texto C fala sobre 400 comuni<strong>da</strong><strong>de</strong>s remanescentes <strong>de</strong>quilombos existentes no Maranhão. Pesquise sobre outras,i<strong>de</strong>ntifica<strong>da</strong>s na atuali<strong>da</strong><strong>de</strong>. Utilize livros, sites oucontate enti<strong>da</strong><strong>de</strong>s afins.32 De olho na Cultura


Texto AFrechal: Terra <strong>de</strong> Preto 3Terra <strong>de</strong> preto não é guetoNão é medoTerra <strong>de</strong> preto não é becoNem favelaDe Angola, Mina, Cambin<strong>da</strong>Mandinga, Congo,Benguela(...)É reserva extrativistaÉ quilombo é Frechal(...)Canta negro, <strong>da</strong>nça negro, quero ver teu tamborrufarTeus direitos conquistadosNinguém vai po<strong>de</strong>r roubar(...)Pra não morrer a <strong>cultura</strong>Todo povo se faz umTerra é vi<strong>da</strong>, vi<strong>da</strong> é luta (...)Luta negro, luta índioE quem <strong>de</strong>la precisarTexto BGivânia nasceu em 1967, em Conceição <strong>da</strong>s Crioulas,no sertão <strong>de</strong> Pernambuco (...). Faz parte <strong>da</strong> históriafamiliar <strong>de</strong> seis mulheres, seis crioulas que aliiniciaram suas ativi<strong>da</strong><strong>de</strong>s há mais <strong>de</strong> 200 anos (...)Só aos poucos Givânia foi reconstituindo a história<strong>de</strong> sua própria terra natal. Na escola, ninguém falava;em casa, também não, mas <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que começou aparticipar <strong>da</strong>s Comuni<strong>da</strong><strong>de</strong>s Eclesiais <strong>de</strong> Base ela,como muitos outros, fazia a mesma in<strong>da</strong>gação; todomundo tem sua história e nós não temos?Givânia foi uma <strong>da</strong>s poucas mulheres que pô<strong>de</strong> sair<strong>de</strong> Conceição <strong>da</strong>s Crioulas para estu<strong>da</strong>r e continuar3os estudos até se formar em curso superior <strong>de</strong> Letras.4CD Terra <strong>de</strong> Preto - compositor Paulinho Akomabu -Bloco Afro Akomabu, Pérolas Negras.Vol I - <strong>Centro</strong><strong>de</strong> Cultura Negra do Maranhão4Quilombos no Brasil – Fun<strong>da</strong>ção Cultural Palmares,revista Palmares n. 5, ano 2000, nov. p. 7)De olho na Cultura 33


Texto CNo Maranhão existem hoje mais <strong>de</strong> 400 comuni<strong>da</strong><strong>de</strong>sremanescentes <strong>de</strong> quilombos. No povoado <strong>de</strong> SãoCristóvão, na ci<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> Viana, 40 famílias vivem emterra compra<strong>da</strong> do patrão no período pós-abolição. Échama<strong>da</strong> <strong>de</strong> terra sem partilha, porque todos sãoproprietários por igual e resistem na preservação<strong>da</strong> <strong>cultura</strong> her<strong>da</strong><strong>da</strong> dos antepassados. A história registrauma gran<strong>de</strong> tradição do Maranhão na luta <strong>de</strong>quilombos. Os mais conhecidos são os <strong>da</strong> Lagoa Amarela(do negro Cosme, que foi um dos lí<strong>de</strong>res <strong>da</strong>Balaia<strong>da</strong>), Turiaçu, Maracaçumé, São Benedito doCéu, Curupuru, Limoeiro (em Viana) e Frechal (emMirinzal). Também foram muitas as lutas arma<strong>da</strong>s.Uma luta conheci<strong>da</strong> é a “insurreição <strong>de</strong> escravos emViana” (1867), quando negros quilombolas <strong>de</strong> SãoBenedito do Céu ocuparam diversas fazen<strong>da</strong>s.Consi<strong>de</strong>rando a leitura do texto:O texto a seguir <strong>de</strong>staca a figura do griot, é parte <strong>da</strong>s memórias<strong>de</strong> Amadou Hampâté Bâ, estudioso africano que <strong>de</strong>dicou suavi<strong>da</strong> ao recolhimento e registro <strong>de</strong> <strong>de</strong>poimentos e <strong>da</strong> <strong>cultura</strong> <strong>de</strong>parte do continente africano. Na África, existe uma prática <strong>cultura</strong>l<strong>de</strong> construção <strong>de</strong> ver<strong>da</strong><strong>de</strong>iras epopéias narra<strong>da</strong>s por autori<strong>da</strong><strong>de</strong>scomo o Griot. O termo é francês e se refere aos Dieli, comoeram chamados no Mali os recitadores <strong>de</strong> crônicas que revelam asgenealogias, as migrações, as guerras, as conquistas, as alianças, asintrigas <strong>da</strong>s socie<strong>da</strong><strong>de</strong>s africanas.1 Descreva os aspectos que caracterizam essa socie<strong>da</strong><strong>de</strong>.2 I<strong>de</strong>ntifique as situações que po<strong>de</strong>m contribuir para a formação<strong>da</strong> i<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong>sses jovens.3 Existem diferenças fun<strong>da</strong>mentais entre a <strong>cultura</strong> que circulanessa comuni<strong>da</strong><strong>de</strong> e a <strong>cultura</strong> em que você vive?Existem semelhanças? Quais? Aponte-as.34 De olho na Cultura


Na escola dos mestres <strong>da</strong>s palavras 5Na primavera, íamos à noite a Kérétel para ver os lutadores,escutar os griots músicos, ouvir contos, epopéias epoemas. Se um jovem estivesse em verve poética, ia lácantar suas improvisações. Nós as aprendíamos <strong>de</strong> cór e,se fossem belas, já no dia seguinte espalhavam-se porto<strong>da</strong> a ci<strong>da</strong><strong>de</strong>. Este era um aspecto <strong>de</strong>sta gran<strong>de</strong> escolaoral tradicional em que a educação popular era ministra<strong>da</strong>no dia-a-dia.Muitas vezes eu ficava na casa <strong>de</strong> meu pai Tidjani após ojantar para assistir aos serões. Para as crianças estes serõeseram ver<strong>da</strong><strong>de</strong>iras escolas vivas, porque um mestrecontador <strong>de</strong> histórias africano não se limitava a narrá-las,mas podia também ensinar sobre numerosos outros assuntos,em especial quando se tratava <strong>de</strong> tradicionalistasconsagrados (...) Tais homens eram capazes <strong>de</strong> abor<strong>da</strong>rquase todos os campos do conhecimento <strong>da</strong> época, porqueum “conhecedor” nunca era um especialista no sentidomo<strong>de</strong>rno <strong>da</strong> palavra mas, mais precisamente, uma espécie<strong>de</strong> generalista. O conhecimento não era compartimentado.O mesmo ancião (no sentido africano <strong>da</strong> palavra, istoé, aquele que conhece, mesmo se nem todos os seus cabelossão brancos) podia ter conhecimentos profundos sobrereligião ou história, como também ciências naturaisou humanas <strong>de</strong> todo tipo. Era um conhecimento mais oumenos global, segundo a competência <strong>de</strong> ca<strong>da</strong> um, umaespécie <strong>de</strong> “ciência <strong>da</strong> vi<strong>da</strong>”, vi<strong>da</strong> consi<strong>de</strong>ra<strong>da</strong> aqui comouma uni<strong>da</strong><strong>de</strong> em que tudo é interligado, inter<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntee interativo; em que o material e o espiritual nunca estãodissociados. E o ensinamento nunca era sistemático, mas<strong>de</strong>ixado ao sabor <strong>da</strong>s circunstâncias, segundo os momentosfavoráveis ou a atenção do auditório.Neste aparente caos aprendíamos e retínhamos muitascoisas, sem dificul<strong>da</strong><strong>de</strong> e com gran<strong>de</strong> prazer, porque tudoera muito vivo e divertido. “Instruir brincando” semprefoi um gran<strong>de</strong> princípio dos antigos mestres malineses.Mais do que tudo, o meio familiar era para mim uma gran<strong>de</strong>escola permanente: a escola dos mestres <strong>da</strong> palavra.Continuando a refletir:A linguagem, como uma produção social, longe <strong>de</strong> ser neutra,veicula, às vezes sem que se perceba, preconceitos, <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ndo<strong>da</strong>s formas particulares <strong>de</strong> emprego <strong>de</strong> uma palavra em <strong>de</strong>ter-5Amkoullel, o menino fula, Amadou Hampâté Bâ,tradução Xina Smith <strong>de</strong> Vasconcelos. São Paulo: PalasAthena: Casa <strong>da</strong>s Áfricas, 2003. p. 174-175.De olho na Cultura 35


minados contextos. Leia os dos textos a seguir. Observe que tantoo verbete <strong>de</strong> dicionário como o poema trazem significadossemelhantes para as palavras negro/negra, porém comconotações distintas. Expresse sua opinião sobre isso.A - VerbetesNegroAlém <strong>de</strong> <strong>de</strong>signar a cor, raça ou etnia diz também:Sujo, encardido, preto: muito triste; lúgubre. perverso,nefando;BrancoClaro, translúcido. Diz-se <strong>de</strong> indivíduo <strong>de</strong> pele clara.Fig. Sem mácula, inocente, puro, cândido, ingênuo:a cor branca. Homem <strong>de</strong> pele clara. Bras. Senhor,patrão.PretoQue tem a mais sombria <strong>de</strong> to<strong>da</strong>s as cores; <strong>da</strong> cordo ébano, do carvão. Diz-se <strong>de</strong> diversas coisas queapresentam cor escura, sombria; negro: sujo,encardido. Diz-se do indivíduo negro. Bras. Difícil,perigoso; 6B - Poema Epígrafe <strong>de</strong> Elisa Lucin<strong>da</strong>, inspirado na fala <strong>de</strong>Juliano, seu filho, com, então, quatro anos.Mãe, sabe por que eu gosto <strong>de</strong> você ser negra?Porque combina com a escuridãoEntão, quando é <strong>de</strong> noite, eu nem tenho medo,...tudo é mãe e tudo é escuridão.6Dicionário Aurélio. Nova FronteiraEste capítulo apresentou alguns caminhos para refletir sobreformação <strong>de</strong> i<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong>, enfocando as relações cotidianas entreas pessoas. O próximo discutirá representações <strong>de</strong> homem e <strong>de</strong>mulher e a importância <strong>de</strong>ste assunto para pensar a <strong>cultura</strong> <strong>de</strong> umponto <strong>de</strong> vista afro-brasileiro.36 De olho na Cultura


REPRESENTAÇÕES DO HOMEME DA MULHERRepresentar: 1) ser a imagem ou a reprodução <strong>de</strong>;trazer à memória; figurar como símbolo;aparecer numa outra forma;2) significar, tornar presente, patentear(Dicionário Houaiss <strong>da</strong> Língua Portuguesa -fragmento do texto sobre o verbete)De olho na Cultura 37


38 De olho na Cultura


Em nossa socie<strong>da</strong><strong>de</strong> muito se tem discutido a respeito dos significados<strong>cultura</strong>is <strong>de</strong> ser homem e <strong>de</strong> ser mulher.Se, por um lado, ain<strong>da</strong> persistem estereótipos e preconceitossustentados por idéias naturaliza<strong>da</strong>s, por outro lado, são ca<strong>da</strong>vez mais questiona<strong>da</strong>s as distinções radicais que opõem algumasfunções e papéis sexistas, ou seja, exclusivamente <strong>de</strong> homem ou<strong>de</strong> mulher. Vale <strong>de</strong>stacar também as outras <strong>de</strong>sigual<strong>da</strong><strong>de</strong>s gera<strong>da</strong>spelas diferenças econômicas e raciais.Para romper com o imaginário social que ain<strong>da</strong> persiste nasocie<strong>da</strong><strong>de</strong>, é importante questionar, problematizar tais aspectos; épreciso conhecer outras histórias. Inúmeros personagens <strong>de</strong> ambosos sexos <strong>de</strong>ixaram seus conflitos, seus <strong>de</strong>safios e suas vitóriasain<strong>da</strong> por contar. Sobre elas na<strong>da</strong> ou quase na<strong>da</strong> apren<strong>de</strong>mos noespaço escolar. Conhecer heróis e heroínas que merecem reverênciaé fun<strong>da</strong>mental para a atribuição <strong>de</strong> novos significados àspráticas <strong>cultura</strong>is afro-brasileiras.De olho na Cultura 39


Os muitos lugares<strong>da</strong>s mulheres na <strong>cultura</strong>Uma <strong>de</strong>ssas importantes personagens <strong>de</strong> nossa <strong>cultura</strong> é a figuraaltiva <strong>de</strong> Aqualtume, uma princesa africana que, como tantas outras,foi vendi<strong>da</strong> e escraviza<strong>da</strong>. Sabe-se que ela foi uma <strong>da</strong>s li<strong>de</strong>rançasdo Quilombo <strong>de</strong> Palmares, tendo sido responsável peloMocambo do Aqualtume. Outro nome a <strong>de</strong>stacar é o <strong>de</strong> Teresa<strong>de</strong> Quariterê, rainha do Quilombo <strong>de</strong> Quariterê, Mato Grosso,cuja ativi<strong>da</strong><strong>de</strong> principal era o trabalho com a forja e com o ferro.Teresa foi uma gran<strong>de</strong> guerreira que comandou negros e índios.Dan<strong>da</strong>ra, outro exemplo <strong>de</strong> li<strong>de</strong>rança feminina negra, lutou aolado <strong>de</strong> Zumbi dos Palmares.Merecem atenção especial as mães-<strong>de</strong>-santo, mulheres queresguar<strong>da</strong>ram repertórios e i<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>cultura</strong>is, ao cultivar as religiões<strong>de</strong> matriz africana. Elas se configuraram como patrimônio<strong>da</strong> <strong>cultura</strong> nacional.Helena Teodoro, professora <strong>de</strong> Direito e <strong>de</strong> Sexologia <strong>da</strong> Universi<strong>da</strong><strong>de</strong>Gama Filho-RJ, afirma que as mulheres tiveram um papelfun<strong>da</strong>mental na organização <strong>da</strong>s confrarias religiosas baianas, especificamente<strong>da</strong> Or<strong>de</strong>m Terceira do Rosário <strong>de</strong> Nossa Senhora <strong>da</strong>sPortas do Carmo e <strong>da</strong> Irman<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> Nossa Senhora <strong>da</strong> Boa Morte.Essas organizações tornaram-se espaços estruturadores <strong>de</strong> i<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong> e <strong>de</strong>formas <strong>de</strong> comportamento social e individual. O mesmo aconteceu em outrosEstados, nos quais essas comuni<strong>da</strong><strong>de</strong>s acabaram por constituirum ver<strong>da</strong><strong>de</strong>iro sistema <strong>de</strong> aliança, legando espírito <strong>cultura</strong>l e <strong>de</strong> lutaàs diversas organizações que, aos poucos, transformaram a vi<strong>da</strong> <strong>de</strong>muitas mulheres negras no Brasil.Construindo saberes:Leia as biografias a seguir. Elas são <strong>de</strong> importantes mulheres<strong>da</strong> <strong>cultura</strong> afro-brasileira. Discuta a respeito dos pontos emcomum entre elas.40 De olho na Cultura


Mãe Hil<strong>da</strong> JitoluHil<strong>da</strong> Dias dos Santos nasceu na Bahia, em 19<strong>23</strong>, em umafamília que tinha como religião o candomblé. Na Bahia, sua participaçãofoi <strong>de</strong>cisiva para o surgimento do primeiro bloco afro noBrasil. Nos anos 80, no espaço do terreiro que coor<strong>de</strong>nava, começaa funcionar a instituição Escola Mãe Hil<strong>da</strong>. Essa experiênciaeducacional, manti<strong>da</strong> pelo bloco em escola pública, <strong>de</strong>u origemao projeto <strong>de</strong> extensão pe<strong>da</strong>gógica do Ilê Aiyê. Atualmente MãeHil<strong>da</strong>, com mais <strong>de</strong> 50 anos <strong>de</strong> iniciação na religião, tem sido consi<strong>de</strong>ra<strong>da</strong>patrimônio <strong>cultura</strong>l do Brasil.Mãe AndresaAndresa Maria <strong>de</strong> Sousa Ramos nasceu em 1850 e faleceuem 1954. Foi uma <strong>da</strong>s mais famosas mães-<strong>de</strong>-santo no Maranhão.Durante quatro déca<strong>da</strong>s, ela foi responsável pela tradicional Casa<strong>da</strong>s Minas, um dos terreiros mais antigos do Brasil. Com sua garrae fé, no período em que a polícia preconceituosamente perseguiaos terreiros, abriu a Casa <strong>da</strong>s Minas para o público externo e tocavaos tambores, durante as cerimônias religiosas, com liber<strong>da</strong><strong>de</strong>.Mãe Menininha do GantoisMaria <strong>da</strong> Conceição Escolástica Nazaré, conheci<strong>da</strong> como MãeMenininha do Gantois, nasceu em 1894, na ci<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> Salvador, efaleceu em 1986. Até os 92 anos esteve à frente <strong>de</strong> um dos maisfamosos terreiros <strong>de</strong> candomblé <strong>da</strong> Bahia. Devido a seus conhecimentossobre a religião, sua fama se esten<strong>de</strong>u pelo país, sendo canta<strong>da</strong>em prosa e verso. Em vi<strong>da</strong>, Menininha dizia que tinha nascidoescolhi<strong>da</strong> para ser mãe-<strong>de</strong>-santo e que, ao aceitar essa missão, sabiaque estava entrando para uma vi<strong>da</strong> <strong>de</strong> sacrifícios. Faleceu <strong>de</strong>pois <strong>de</strong>longa enfermi<strong>da</strong><strong>de</strong>, tendo chegado a permanecer 64 anos na chefiado Gantois e completar 74 anos <strong>de</strong> iniciação no candomblé.Mãe AninhaEugênia Anna dos Santos.Vin<strong>da</strong> <strong>de</strong> uma família <strong>de</strong> africanos,nasceu em 1869 e faleceu em 1938. Em 1910, auxilia<strong>da</strong> porJoaquim Vieira <strong>da</strong> Silva, Obasanya, fundou o Terreiro <strong>Centro</strong> CruzDe olho na Cultura 41


Santa do Axé do Opó Afonjá, em Salvador, e o comandou atésua morte. Aninha, Oba Biyi, como era conheci<strong>da</strong>, tinha portealto e majestoso, falava francês e tocava piano, se vestia <strong>de</strong> acordocom as tradições africanas. Ela integrava a elite <strong>de</strong> mulherescomerciantes <strong>da</strong> época, fazendo <strong>de</strong>sse espaço ponto <strong>de</strong> encontroe <strong>de</strong> trocas <strong>cultura</strong>is em torno do candombléMaria Beatriz NascimentoNasceu em Sergipe, em 1942, e morreu em 1995. Foi fun<strong>da</strong>dorado Grupo André Rebouças, <strong>da</strong> Universi<strong>da</strong><strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral Fluminense,em 1975, o primeiro grupo <strong>de</strong> estu<strong>da</strong>ntes negros <strong>de</strong>ntro<strong>de</strong> uma Universi<strong>da</strong><strong>de</strong>. Concluiu o curso <strong>de</strong> pós-graduaçãoem História, realizando pesquisa sobre os agrupamentos <strong>de</strong> africanose seus <strong>de</strong>scen<strong>de</strong>ntes como Sistemas alternativos organizadospelos negros dos quilombos às favelas.Beatriz foi a autora e narradora do texto e personagem dofilme ORI, dirigido por Raquel Gerber, um trabalho que levou <strong>de</strong>zanos <strong>de</strong> pesquisas, obra <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> importância na história do cinemabrasileiro.Lélia GonzálesLélia Gonzáles nasceu em Minas Gerais, em 1935. Tempos<strong>de</strong>pois mudou-se para o Rio <strong>de</strong> Janeiro, on<strong>de</strong> faleceu em 1994. Foiuma gran<strong>de</strong> li<strong>de</strong>rança do movimento negro brasileiro contemporâneoe na organização <strong>de</strong> mulheres negras Nzinga. Sua preocupaçãocom a condição <strong>da</strong> mulher e do homem negros foi além do territóriobrasileiro, uma vez que ela teve a oportuni<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> abor<strong>da</strong>r essetema em outros países. Lecionou Cultura Popular na PontifíciaUniversi<strong>da</strong><strong>de</strong> Católica do Rio <strong>de</strong> Janeiro, escreveu o livro Lugar doNegro e vários artigos publicados <strong>de</strong>ntro e fora do Brasil.Homens e Mulheres, Negros e NegrasSe a mulher branca já é consi<strong>de</strong>ra<strong>da</strong> objeto sexual,imagina a negra, porque a primeira, ain<strong>da</strong> é passível<strong>de</strong> casamento, enquanto a segun<strong>da</strong> é vista apenascomo objeto <strong>de</strong> prazer.42 De olho na Cultura


Esta é uma conheci<strong>da</strong> frase <strong>da</strong> pesquisadora e militante LéliaGonzáles, ao questionar a faceta sexista e racista <strong>de</strong> nossa <strong>cultura</strong>,que se revela na representação <strong>da</strong> “mulata <strong>de</strong> exportação” vendi<strong>da</strong>em propagan<strong>da</strong>s e em pia<strong>da</strong>s <strong>de</strong>ntro e fora do país. O questionamento<strong>de</strong> tais idéias tem sido parte importante do aprendizado <strong>de</strong>formas mais igualitárias <strong>de</strong> relacionamento entre homens e mulheres,mu<strong>da</strong>ndo quadros e situações até hoje pouco alentadores.Construindo saberes:1 Depois <strong>de</strong> ler o poema a seguir, Mulata Exportação, <strong>de</strong>Elisa Lucin<strong>da</strong>, procure o significado e a origem do termomulata (o).2 Faça uma pesquisa sobre o que permanece e o que mudouna imagem <strong>da</strong> mulher negra em nossa socie<strong>da</strong><strong>de</strong>. Consultejornais, revistas, sites <strong>de</strong> organizações <strong>de</strong> mulheres negras.3 Certamente você já ouviu as frases abaixo:Homem que é homem não chora.Lugar <strong>de</strong> mulher é na cozinha.Meninos e meninas po<strong>de</strong>m <strong>de</strong>senvolver competênciaspara a li<strong>de</strong>rança <strong>de</strong> equipe.A mulata é sempre mais fogosa.abcdDentre as frases em <strong>de</strong>staque, apenas uma não refletediscriminação pauta<strong>da</strong> no sexo. Que relações po<strong>de</strong>mser estabeleci<strong>da</strong>s entre essa frase e as <strong>de</strong>mais?Verifique em sua comuni<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> que maneira estasfrases refletem ou não a reali<strong>da</strong><strong>de</strong> em que você vive.Que outras frases preconceituosas você conhece?On<strong>de</strong> as viu ou ouviu? Em que situações?Desenvolva, em grupo, frases que valorizem as relações<strong>de</strong> igual<strong>da</strong><strong>de</strong> entre homens e mulheres.De olho na Cultura 43


Mulata ExportaçãoElisa Lucin<strong>da</strong>“Mas que nega lin<strong>da</strong>E <strong>de</strong> olho ver<strong>de</strong> ain<strong>da</strong>Olho <strong>de</strong> veneno e açúcar!Vem nega, vem ser minha <strong>de</strong>sculpaVem que aqui <strong>de</strong>ntro ain<strong>da</strong> te cabeVem ser meu álibi, minha bela condutaVem, nega exportação, vem meu pão <strong>de</strong> açúcar!(Monto casa procê mas ninguém po<strong>de</strong> saber, enten<strong>de</strong>umeu <strong>de</strong>ndê?)Minha torneira, minha história contundi<strong>da</strong>Minha memória confundi<strong>da</strong>, meu futebol, enten<strong>de</strong>u,meu gelol?Rebola bem meu bem-querer, sou seu improviso,seu karaokê;Vem nega, sem eu ter que fazer na<strong>da</strong>.. Vem semter que me mexerEm mim tu esqueces tarefas, favelas, senzalas,na<strong>da</strong> mais vai doer.Sinto cheiro docê, meu maculelê, vem nega, meama, me coloreVem ser meu folclore, vem ser minha tese sobrenego malê.Vem, nega, vem me arrasar, <strong>de</strong>pois te levo pragente sambar.”Imaginem: Ouvi tudo isso sem calma e sem dor.Já preso esse ex-feitor, eu disse: “seu <strong>de</strong>legado...”E o <strong>de</strong>legado piscou.Falei com o juiz, o juiz se insinuou e <strong>de</strong>cretoupequena penacom cela especial por ser esse branco intelectual...Eu disse: “Seu Juiz, não adianta! Opressão, Barbari<strong>da</strong><strong>de</strong>,Genocídiona<strong>da</strong> disso se cura trepando com uma escura!”Ó minha máxima lei, <strong>de</strong>ixai <strong>de</strong> asneiraNão vai ser um branco mal resolvidoque vai libertar uma negra:Esse branco ardido está fa<strong>da</strong>doporque não é com lábia <strong>de</strong> pseudo-oprimidoque vai aliviar seu passado.Olha aqui meu senhor:Eu me lembro <strong>da</strong> senzala44 De olho na Cultura


E tu te lembras <strong>da</strong> Casa-Gran<strong>de</strong>e vamos juntos escrever sinceramente outra históriaDigo, repito e não minto:Vamos passar essa ver<strong>da</strong><strong>de</strong> a limpoporque não é <strong>da</strong>nçando sambaque eu te redimo ou te acredito“Vê se te afasta, não invista, não insista!Meu nojo!Meu engodo <strong>cultura</strong>l!Minha lavagem <strong>de</strong> lata!Porque <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> ser racista, meu amor,não é comer uma mulata!”No que se refere à mulher no contexto <strong>cultura</strong>l no Brasil,em especial a mulher negra, registra-se ain<strong>da</strong> a permanência <strong>de</strong>muitos tabus, preconceito e discriminações. Por outro lado, registram-seavanços, <strong>de</strong>vido a dinamici<strong>da</strong><strong>de</strong> dos processos <strong>de</strong> resistênciaconduzidos por indivíduos ou organizações que reivindicampolíticas públicas, muitas <strong>da</strong>s quais incorpora<strong>da</strong>s em programasgovernamentais. De qualquer forma, a resistência não só éuma marca, mas também uma necessi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> sobrevivência cotidiana.Esse quadro é reali<strong>da</strong><strong>de</strong> em to<strong>da</strong>s as partes <strong>de</strong>ste país.Continuando a refletir:O texto a seguir, em que se relata parte <strong>de</strong>sse cotidiano, foiescrito por Allan Santos <strong>da</strong> Rosa, jovem escritor e pesquisador <strong>da</strong>literatura <strong>de</strong> cor<strong>de</strong>l. Deste romance versado apresenta-se um trecho<strong>de</strong> uma bela história que continua falando <strong>de</strong> vi<strong>da</strong> e <strong>de</strong> sonho.1) Comente como são apresenta<strong>da</strong>s, no texto, as imagensmasculina e feminina.2) I<strong>de</strong>ntifique no texto referências <strong>cultura</strong>is que marcama relação entre o corpo e o ritmo <strong>da</strong>s personagens,associando-as à i<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong> afro-brasileira.3) Depois <strong>de</strong> reler o texto, pesquise em jornais e revistasmateriais que façam alusão à imagem do homeme <strong>da</strong> mulher na atual socie<strong>da</strong><strong>de</strong>. Elabore um textoargumentativo sobre as questões encontra<strong>da</strong>s.De olho na Cultura 45


No bairro on<strong>de</strong> ficaramPredomina a pin<strong>da</strong>íbaGuetos quentes sempre cheiosDe irmãos <strong>da</strong> ParaíbaMoe<strong>da</strong> forte por aliÉ malícia e catimbaZagaiaUma família sonhandoDo Norte <strong>de</strong> Minas partiuMãe, filho e irmãzinhasGamelas ocas do BrasilDescen<strong>de</strong>ntes <strong>de</strong> escravosNa estra<strong>da</strong> que se abriuAfunhanha<strong>da</strong> <strong>de</strong> fomeMuitas curvas <strong>de</strong>s<strong>de</strong> MinasConhecer ruas e becosTrazendo crias meninasParando em Dia<strong>de</strong>maCarecendo vitaminas (...)Periferia paulistaVil masmorra disfarça<strong>da</strong>Diamba, bola, cachaçaOpções <strong>da</strong> moleca<strong>da</strong>Vielas, bares e sambasNa vi<strong>da</strong> mil bofeta<strong>da</strong>sÉ bom lembrar o óbvioSe não fica esquecidoTrocentos anos <strong>de</strong> senzalaNegro chicote sentidoHoje em morros criançasRosto preto ou curtidoPros bacanas ceguetasGarotos são marginaisCorrendo atrás <strong>de</strong> pipaCompetindo com par<strong>da</strong>isBolso vazio sem vintémAlvo <strong>de</strong> dicas mortais (...)46 De olho na Cultura


Filhote no subúrbioMulato, pardo ou pretoSobra futuro capengaDia-a-dia <strong>de</strong> espetoDe ancestral Moçambique,Angola, Jeje ou QuetoCabra vindo do nor<strong>de</strong>steDe pele pouco mais claraTambém sofre do quebrantoPois justiça é jóia raraFugindo <strong>da</strong> amarguraCom tristeza se <strong>de</strong>paraSua casa um miserêMigalhas na gela<strong>de</strong>iraO teto era mambembeFina fonte <strong>de</strong> goteiraEstu<strong>da</strong>nte do noturnoIa Zagaia na beiraNessa trilha <strong>de</strong>sama<strong>da</strong>Apren<strong>de</strong>ndo capoeiraMontado na poesiaMas a fome foi primeiraTeve que <strong>da</strong>r uma ripaSer bananeiro na feiraZagaia batendo perna (...)Viu boi bumbá e calunduJongo e coco <strong>de</strong> zambêCiran<strong>da</strong> e maracatuCarimbó, toré e lelêRépi e samba <strong>de</strong> ro<strong>da</strong>Mamulengo viu pra crerLitoral, pontes, abismosTubarão, onça, jabutiQuilombolas e vaqueirosMilenar terra caririCoronel, capangas, cercasSurrupiando chão tupi(....)De olho na Cultura 47


Zagaia se emparceirouCom bela Mulher criançaFormosa em seu pixaimOu em colori<strong>da</strong> trançaPétala <strong>da</strong> flor do ventoSeu corpo a casa <strong>da</strong> <strong>da</strong>nçaCom a guerreira cultivouBuquês, fervuras e planosPintaram versos e gingasTeceram preces e panosMas surgiu um peixe azulSua fala causou <strong>da</strong>nosConsi<strong>de</strong>rando a leitura do texto:Leia o texto a seguir. Ele po<strong>de</strong> gerar questionamentos importantes:como e por que nos tornamos o que somos? Como epor que gostamos <strong>de</strong> certas coisas e não <strong>de</strong> outras? Como e porque assumimos <strong>de</strong>termina<strong>da</strong>s posturas? Refletir sobre estes aspectosé importante para visualizar o processo <strong>de</strong> construção <strong>de</strong>nossa i<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong> em to<strong>da</strong>s as dimensões, também como mulherou como homem.1) Depois <strong>de</strong> ler o texto a seguir, em ro<strong>da</strong> <strong>de</strong> conversa, ogrupo po<strong>de</strong> expor idéias e impressões a respeito <strong>da</strong>s relaçõesentre homens e mulheres brancos e negros, bem comosobre as expectativas e contribuições <strong>da</strong>s organizações doMovimento Negro e do Movimento <strong>de</strong> Mulheres Negras.2) Diante <strong>da</strong>s respostas, po<strong>de</strong>-se pensar em como ampliar oentendimento acerca <strong>de</strong>ssas relações.Escreva a sua autobiografia.O trabalho exige o reconhecimento e a seleção<strong>de</strong> experiências vivi<strong>da</strong>s. Sem necessariamente seguir umacronologia, os relatos organizam acontecimentos importantes,que po<strong>de</strong>m ou não ser socializados com outraspessoas.Vamos começar pelos bebês. As pessoas nascem bebêmacho ou fêmea e são cria<strong>da</strong>s e educa<strong>da</strong>s conforme oque a socie<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong>fine como próprio <strong>de</strong> homem e <strong>de</strong>48 De olho na Cultura


mulher. Os adultos educam as crianças marcando diferençasbem concretas entre meninas e meninos. A educaçãodiferencia<strong>da</strong> é que faz com que se dê, por exemplo,bola e caminhãozinho para os meninos e boneca efogãozinho para as meninas, também exige formas diferentes<strong>de</strong> vestir e conta histórias em que os papéisdos personagens homens e mulheres são sempre muitodiferentes. Outras diferenças aparecem <strong>de</strong> modo maissutil, por aspectos menos visíveis, como atitu<strong>de</strong>s, jeito<strong>de</strong> falar, pela aproximação com o corpo.Educados assim, meninas e meninos adquirem característicase atribuições correspon<strong>de</strong>ntes aos consi<strong>de</strong>radospapéis femininos e masculinos. As crianças são leva<strong>da</strong>s ase i<strong>de</strong>ntificar com mo<strong>de</strong>los do que é feminino e masculinopara melhor se situarem nos lugares que a socie<strong>da</strong><strong>de</strong>lhes <strong>de</strong>stina. Os atribuídos às mulheres não são só diferentesdos do homem, são também <strong>de</strong>svalorizados. Porisso, as mulheres vivem em condições <strong>de</strong> inferiori<strong>da</strong><strong>de</strong> esubordinação em relação aos homens.Linguagem — representações<strong>de</strong> feminino e <strong>de</strong> masculinoLuís Gama, importante figura política do Brasil <strong>de</strong> meados doséculo XIX, escritor, republicano, abolicionista, advogado, revelasua origem e se orgulha <strong>de</strong>ssa origem ao <strong>de</strong>screver sua mãe.Nota-se que a valorização <strong>da</strong> i<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong> negra tem um cunhoafetivo, o reconhecimento <strong>de</strong> suas raízes africanas.Sou filho natural <strong>de</strong> uma negra, africana livre, <strong>da</strong> CostaMina (Nagô <strong>de</strong> Nação), <strong>de</strong> nome Luiza Mahin, pagã, quesempre recusou o batismo e a doutrina cristã.Minha mãe era baixa <strong>de</strong> estatura, magra, bonita, a corera <strong>de</strong> um preto retinto e sem lustro, tinha os <strong>de</strong>ntesalvíssimos como a neve, era muito altiva, geniosa, insofri<strong>da</strong>e vingativa.Dava-se ao comércio — era quitan<strong>de</strong>ira, muito laboriosa,e mais <strong>de</strong> uma vez, na Bahia, foi presa como suspeita<strong>de</strong> envolver-se em planos <strong>de</strong> insurreições <strong>de</strong> escravos,que não tiveram efeito.De olho na Cultura 49


CULTURAS E RELIGIÕESDeus criou o mar, nós criamos os barcos;Ele criou os ventos, nós criamos as velas;Ele criou as calmarias, nós criamos os remos.(Provérbio swahili)


52 De olho na Cultura


Um dos três reis magosTodos os anos acompanhamos a reafirmação dos símbolos cristãosatravés dos ritos e festejos natalinos. A montagem do presépiorelembra a homenagem <strong>de</strong> reis ou sábios vindos <strong>de</strong> diferentescantos do mundo para reconhecer o filho <strong>de</strong> Deus nascido emBelém, conforme anunciado numa antiga profecia. Os três reisofereceram como presentes ouro, incenso e mirra. São personagenscriados pelo evangelista Mateus. Eram eles Melquior, quevinha <strong>da</strong> Pérsia; Gaspar, que vinha <strong>da</strong> Europa, e Baltazar, que vinha<strong>da</strong> África. Baltazar era um sábio negro, segundo alguns relatos.A história <strong>da</strong> origem <strong>de</strong>sses personagens varia nas diferentesversões acerca <strong>de</strong>sse Natal primeiro. Mas, mesmo assim, a presença<strong>de</strong> um rei negro é quase sempre menciona<strong>da</strong>. A imagem, com opassar dos tempos, foi acresci<strong>da</strong> <strong>de</strong> simbologias do imagináriomedieval e Baltazar passou a representar a realeza <strong>de</strong> uma África.Um reino africano cristão. Já no século XV, a notícia <strong>de</strong> um domíniofabuloso governado por um sábio mesclou-se às histórias sobreo Preste João, pagão que fora convertido ao cristianismo pelosjesuítas, no contato com os navegantes portugueses. Os relatossobre ele falam <strong>de</strong> palácios com pare<strong>de</strong>s <strong>de</strong> ouro maciço, queiluminavam como o Sol, sendo <strong>de</strong> prata e pedras preciosas osornamentos <strong>da</strong>s mobílias. Seu figurino era <strong>de</strong> um requinteinigualável. Para as rezas em louvor ao Cristo, havia construídouma capela do mais puro cristal.De olho na Cultura 53


Geralmente po<strong>de</strong>mos observar, por meio <strong>da</strong> representaçãodos três reis magos, a eqüi<strong>da</strong><strong>de</strong> entre os continentes. Todosos monarcas ou sábios apresentam equivalência nos trajes e símbolos<strong>de</strong> realeza. Baltazar é a presença cristã entre a diversi<strong>da</strong><strong>de</strong><strong>de</strong> religiosi<strong>da</strong><strong>de</strong>s que existem na África.A Rainha <strong>de</strong> SabáJunto aos símbolos cristãos também encontramos os símbolos <strong>da</strong>religiosi<strong>da</strong><strong>de</strong> ju<strong>da</strong>ica.Davi reinara quarenta anos em Israel, sete anos em Hebrome trinta e três em Jerusalém. Ana, segundo interpretações que circulamna literatura cristã, ao morrer, transmitiu o trono ao filhoSalomão, que promoveu a construção <strong>de</strong> um palácio na Florestado Líbano (próximo à região <strong>de</strong> on<strong>de</strong>, 480 anos antes, os israelitashaviam sido expulsos).A rainha <strong>de</strong> Sabá, ou Make<strong>da</strong> para os etíopes, soube <strong>da</strong> famaque Salomão tinha alcançado, graças ao nome do Senhor, e foi aJerusalém para colocá-lo à prova com perguntas difíceis. Comandouuma caravana com 797 camelos carregados <strong>de</strong> especiarias,pedras preciosas e quilos <strong>de</strong> ouro e cedro. Salomão, que se apaixonoupor sua beleza negra, disse:— Gostaria que <strong>da</strong> nossa união viessem <strong>de</strong>scen<strong>de</strong>ntes.E então, à beira do Nilo, um dos quatro rios vindos do Paraísoterrestre, Sabá, a esposa <strong>de</strong> Salomão, <strong>de</strong>u à luz um filho chamadoMenelique. Foi ele que assegurou a dinastia salomônica <strong>de</strong> Aksum,a terra dos <strong>de</strong>uses e <strong>da</strong>s árvores perfuma<strong>da</strong>s, <strong>de</strong> on<strong>de</strong> <strong>de</strong>scen<strong>de</strong>m osju<strong>de</strong>us negros que vivem na região atualmente chama<strong>da</strong> Etiópia.Dicas <strong>cultura</strong>is:Falashas: ju<strong>de</strong>us que vivem na Etiópia. Pela Bíblia falasha, seriam<strong>de</strong>scen<strong>de</strong>ntes do rei Salomão com a rainha <strong>de</strong> Sabá. Eles resguar<strong>da</strong>mum ju<strong>da</strong>ísmo muito antigo on<strong>de</strong> não existe a figura do rabino.Consi<strong>de</strong>rando a leitura dos textos:Entreviste um religioso <strong>da</strong> comuni<strong>da</strong><strong>de</strong> ju<strong>da</strong>ica: para isso,organize uma lista <strong>de</strong> perguntas sobre ju<strong>da</strong>ísmo, ju<strong>de</strong>us negros esobre a rainha <strong>de</strong> Sabá.54 De olho na Cultura


A Etiópia e os rastasFoi na déca<strong>da</strong> <strong>de</strong> 1930 que surgiu na Jamaica o movimento rastafariem torno <strong>de</strong> uma previsão atribuí<strong>da</strong> ao ativista jamaicano MarcusGarvey: “Olhe para a África – quando um rei negro for coroado, odia <strong>da</strong> salvação estará próximo.” Na Etiópia, em 1930, Rãs Tafari foicoroado imperador e assumiu o título <strong>de</strong> Hailé Selassié I.Garvey foi um dos intelectuais que formalizaram a corrente<strong>de</strong> pensamento conheci<strong>da</strong> como pan-africanista, cujo argumentoprincipal <strong>de</strong>man<strong>da</strong>va a soberania negra na Diáspora africana.O pan-africanismo organizou congressos, enti<strong>da</strong><strong>de</strong>s e correntespolíticas.A Etiópia também era uma referência por ter sido poucoatingi<strong>da</strong> pelo tráfico, além <strong>de</strong> ter uma história <strong>de</strong> resistência aocolonialismo. Esses elementos contribuíram para a conexão entreafricanos na Diáspora e um ponto na África – cujo novo símboloapontava para um continente africano e to<strong>da</strong> a Diáspora reunidospor um rei africano.Ampliando o saber:Diáspora é um termo <strong>de</strong> origem grega que significa dispersão.Seu uso esteve primeiramente relacionado à experiência dosju<strong>de</strong>us que, sem pátria, se espalharam pelo mundo sem per<strong>de</strong>r ai<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>cultura</strong>l. Depois se esten<strong>de</strong>u para o caso dos armêniose dos africanos. A Diáspora africana ocasiona<strong>da</strong> pelo tráfico po<strong>de</strong>ser atualiza<strong>da</strong> nas formas <strong>cultura</strong>is transnacionais que geram sentimentos<strong>de</strong> uni<strong>da</strong><strong>de</strong> por uma i<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong> em comum.O antigo Estado etíope cristão caracterizou-se por uma resistênciasecular ao Islã. Durante o reinado <strong>de</strong> Hailé Selassié houveo incentivo ao uso do amárico, por exemplo, como língua oficialimperial, o que fortaleceu a tradicional Igreja Ortodoxa, seguidora<strong>de</strong> uma tradição cristã <strong>de</strong> um ramo muito antigo. No entanto,o movimento rastafari (nome em homenagem ao imperadoretíope Rãs Tafari) formula um sistema filosófico e religiosopróprio. Foram adota<strong>da</strong>s as cores <strong>da</strong> ban<strong>de</strong>ira <strong>da</strong> Etiópia, vermelho,preto e ver<strong>de</strong>, e, como marca principal do movimento, osDe olho na Cultura 55


cabelos dreadlocks, em contraste à aparência oci<strong>de</strong>ntal. Garvey instigavaa <strong>de</strong>rrota do sentimento <strong>de</strong> inferiori<strong>da</strong><strong>de</strong>, exercendo umaespécie <strong>de</strong> domínio mental por meio <strong>de</strong> práticas políticaspermea<strong>da</strong>s por um imaginário bíblico.A Cannabis sativa, marijuana para os jamaicanos, foi integra<strong>da</strong>com sentido religioso nos rituais <strong>de</strong> veneração a Jah, uma forma<strong>de</strong> Jeová encontra<strong>da</strong> em antigas versões <strong>da</strong> Bíblia. Em meados<strong>de</strong> 1970, o movimento ganhou populari<strong>da</strong><strong>de</strong> com o reggae <strong>de</strong> BobMarley (1945-1981), que retomava essa filosofia <strong>de</strong> vi<strong>da</strong>.A nova fé também encontrou abrigo no Brasil, nota<strong>da</strong>menteem São Luís do Maranhão, a partir dos anos <strong>de</strong> 1970.Dica <strong>cultura</strong>l:Durante todo o mês <strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong> 2005, aconteceram as celebraçõesdos 60 anos <strong>de</strong> nascimento <strong>de</strong> Bob Marley. Uma intensaprogramação ocorreu na Etiópia, reunindo mais <strong>de</strong> 200 mil fãs. Oevento foi apoiado pelo governo e pela igreja etíope, Unicef eUnião AfricanaRita Marley, viúva do cantor, preten<strong>de</strong> transla<strong>da</strong>r os restosmortais do esposo para a ci<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> Shashemene, on<strong>de</strong> várias centenas<strong>de</strong> rastafaris vivem <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que ganharam as terras do últimoimperador etíope, Hailé Selassié.No argumento <strong>de</strong> Rita, a Etiópia é o local <strong>de</strong> <strong>de</strong>scanso espiritual<strong>de</strong> Bob.Consi<strong>de</strong>rando a leitura do texto:Retire elementos para interpretação dos sentidos envolvidosnas duas canções a seguir:Bloco Afro Akomabu, criado em março <strong>de</strong> 1984.Akomabu, na língua fon fala<strong>da</strong> na República do Benin,significa a <strong>cultura</strong> não <strong>de</strong>ve morrer.Brilho <strong>de</strong> MaráfricaEscrete (MA, poeta e compositor) 1O reggae é um som jamaicanoBalança o Equador Latino-americanoJimmy Cliff, Bob MarleyNegritu<strong>de</strong> encantouNo som <strong>da</strong> Jamaica, São Luís gegê-nagô (...)56 De olho na Cultura


Rasta VoiceEdson Caten<strong>de</strong>Ele se elevou <strong>da</strong> fumaça <strong>de</strong>Suas narinas e o mundo criou (...)Pra ser rastafariTem que ser muito legalNão bastam cabelos berlotasTem que ser muito realAmar as pessoas como Jah amouAn<strong>da</strong>r pelo mundo sem alimentar rancor (...)Rastafari é uma atitu<strong>de</strong>, um jeito <strong>de</strong> amar a vi<strong>da</strong>Black man, Jamaica eh, Rasta Voice, Liber<strong>da</strong><strong>de</strong> ehMouros negrosAs relações sociais entre os mundos africano e árabe são milenares.Sob o aspecto religioso, a expansão islâmica inicia<strong>da</strong> pelo norte,levando a palavra <strong>de</strong> Maomé, preten<strong>de</strong>u atingir o mais extremodo Bilad-es-Su<strong>da</strong>n, o país dos negros. As Jihads, guerras santas,conquistavam ci<strong>da</strong><strong>de</strong>s e, ao longo do tempo, as crenças sofriama<strong>da</strong>ptações africanas. A conversão ao islamismo muitas vezes foitroca<strong>da</strong> por proteção.Dicas <strong>cultura</strong>is:Mussá, governante do império Mandinga, entre 1312 e 1337,realizava legendárias peregrinações a Meca propagando o po<strong>de</strong>rioe o sucesso comercial e intelectual <strong>de</strong> seus domínios.Para o Brasil também vieram africanos islamizados. Os maisconhecidos são os que viveram escravizados na Bahia, os malês,que se insurgiram contra a escravização através <strong>de</strong> uma ação coor<strong>de</strong>na<strong>da</strong>no ano <strong>de</strong> 1835. Existem também registros <strong>de</strong> africanosmarcados pelos preceitos do islamismo em Pernambuco, Alagoase Rio <strong>de</strong> Janeiro. Letrados pela prática <strong>de</strong> leitura do Alcorão, elesse distinguiam pela altivez e insubmissão, inclusive no aspecto religioso.O sistema econômico <strong>de</strong> escravizar gente fez surgir especialistasna compra e também na ven<strong>da</strong> <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> humana transfor-De olho na Cultura 57


ma<strong>da</strong> em mercadorias. As expansões políticas por entre os territóriosafricanos resultavam em aprisionamentos <strong>de</strong> guerra que<strong>de</strong>s<strong>de</strong> o século XVI adquiriram novas dimensões sociais.As instabili<strong>da</strong><strong>de</strong>s causa<strong>da</strong>s pelas guerras fomentaram a especializaçãodo tráfico, que se apoiou, muitas vezes, em i<strong>de</strong>ários<strong>de</strong> conquistas religiosas.Santos católicos negrosDes<strong>de</strong> que os portugueses passaram a transitar pelas costa africana,a presença <strong>de</strong> habitantes negros na socie<strong>da</strong><strong>de</strong> portuguesa setornou freqüente. Em Lisboa, a primeira irman<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> africanosfoi instala<strong>da</strong> no ano <strong>de</strong> 1460, no Mosteiro <strong>de</strong> São Domingos: airman<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> Nossa Senhora do Rosário, em cujo compromissose inspiraram as <strong>de</strong>mais. Ali os africanos escravizados recebiamo batismo e passavam a ser instruídos no cristianismo.No Brasil o batismo também foi uma prática <strong>da</strong>s freguesiasdurante a colonização. Delas <strong>de</strong>correram as inúmeras “irman<strong>da</strong><strong>de</strong>sdos pretos”, que adotavam santos como Santo Elesbão eSanta Efigênia, ditos originários do reino etíope, São Benedito,Santo Antônio, São Martinho, e outros. A estrutura <strong>de</strong>ssas irman<strong>da</strong><strong>de</strong>sincluía títulos <strong>de</strong> nobreza, eleição <strong>de</strong> reis e rainhas, cargosexecutivos e agremiações festivas chama<strong>da</strong>s reinados. Da se<strong>de</strong><strong>de</strong>ssas congregações saíam as Folias, que tomavam as ruas com omesmo fervor <strong>de</strong>votado aos oragos <strong>da</strong>s igrejas.Os Maracatus e as Conga<strong>da</strong>s são folguedos expressivos <strong>da</strong>i<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong> negra <strong>de</strong>ssas confrarias, resguar<strong>da</strong>ndo um imagináriosobre a África que é relacionado à realeza, cortejo, presença <strong>da</strong>corte, <strong>da</strong> música, <strong>da</strong> <strong>da</strong>nça, etc. As irman<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>de</strong> Nossa Senhorados Remédios, <strong>de</strong> Nossa Senhora do Carmo, do Senhor BomJesus, <strong>da</strong> Re<strong>de</strong>nção dos Homens Pretos, <strong>da</strong> Boa Morte e dos Martíriosreuniam africanos refazendo i<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong>s.A possibili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> conquista <strong>da</strong> alforria parece ter sido, noentanto, um forte motivo para esse tipo <strong>de</strong> associação entre os “pretos”,uma esfera <strong>da</strong>quele cotidiano. Como confrarias estabeleci<strong>da</strong>s,58 De olho na Cultura


eram capazes <strong>de</strong> oferecer alternativas para o escape legal <strong>de</strong>ntrodo sistema <strong>de</strong> escravidão. Formas <strong>de</strong> financiamento <strong>de</strong> alforriaspossibilitavam a compra <strong>da</strong> liber<strong>da</strong><strong>de</strong> aos filiados <strong>da</strong> congregação.Sob esse ponto <strong>de</strong> vista, po<strong>de</strong>-se conhecer um aspecto <strong>da</strong>religiosi<strong>da</strong><strong>de</strong> católica <strong>da</strong> população negra ain<strong>da</strong> escraviza<strong>da</strong> e <strong>de</strong>seus <strong>de</strong>scen<strong>de</strong>ntes no Brasil. As confrarias, aparentemente, seguemregras <strong>de</strong> hierarquia e distinção próprias do mundo europeu doAntigo Regime, mas, na ver<strong>da</strong><strong>de</strong>, recriam formas para expandirconvívios sociais, seja pela prática religiosa e festiva, seja pelaadministração econômica e política.Consi<strong>de</strong>rando a leitura do texto:A Irman<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> Nossa Senhora do Rosário dos HomensPretos <strong>de</strong> São Paulo foi constituí<strong>da</strong> em 2 <strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong> 1711. Seráque existiu alguma igreja só para escravos em sua ci<strong>da</strong><strong>de</strong>?As irman<strong>da</strong><strong>de</strong>s do Rosário existem até hoje, espalha<strong>da</strong>s portodo o Brasil. Vale a pena conhecer a história <strong>de</strong> ca<strong>da</strong> uma <strong>de</strong>las.O culto à Maria requer a recitação do rosário como forma <strong>de</strong> meditação,mas as ativi<strong>da</strong><strong>de</strong>s extrapolaram os cultos religiosos. Asirman<strong>da</strong><strong>de</strong>s assistiam os enfermos e auxiliavam nos enterros, aju<strong>da</strong>vamos mais necessitados e até os presos.Tecendo afro-religiosi<strong>da</strong><strong>de</strong>sno BrasilCandomblé era o nome <strong>da</strong>do às manifestações dos cultos <strong>de</strong> origemafricana na Bahia, sobretudo, a partir do século XIX. As cerimônias<strong>de</strong> mesmo gênero recebiam o nome <strong>de</strong> Xangô no Recife,macumba no Rio <strong>de</strong> Janeiro, Tambor-<strong>de</strong>-mina, no Maranhão eBatuque, em Porto Alegre.Mais especificamente, os terreiros baianos <strong>de</strong>senvolviam ocandomblé nagô-queto, <strong>de</strong> origem ioruba. Os ritos jeje remetiam à<strong>cultura</strong> fon, vizinha <strong>da</strong> <strong>cultura</strong> ioruba. Mas havia também o ritoangola, que apontava para uma origem bantu. To<strong>da</strong>s essas divisõesresultaram em um dinamismo próprio <strong>da</strong>s religiões africanas re-Os orixás são divin<strong>da</strong><strong>de</strong>s do panteão ioruba. Essa estruturareligiosa se organiza em torno do oráculo <strong>de</strong>Ifá, sistema <strong>de</strong> adivinhação que contém 256 odus (contosmíticos) reveladores dos segredos que revitalizama força <strong>da</strong> natureza.No panteão Fon, grupo étnico <strong>da</strong> região do Benin, asdivin<strong>da</strong><strong>de</strong>s são chama<strong>da</strong>s <strong>de</strong> voduns.Bantu é um termo cunhado pelo lingüista alemão W. H.Bleek, em 1875, para se referir a quase 2/3 <strong>da</strong>s línguasafricanas do sul do continente.São inúmeras as formas <strong>de</strong> religiosi<strong>da</strong><strong>de</strong> nessa gran<strong>de</strong>extensão <strong>cultura</strong>l. Porém, as divin<strong>da</strong><strong>de</strong>s bantu mais conheci<strong>da</strong>sno Brasil são os inquices.De olho na Cultura 59


cria<strong>da</strong>s no Brasil. Essas classificações, segundo os mo<strong>de</strong>los dosritos, não <strong>de</strong>ixam <strong>de</strong> reportar à idéia <strong>de</strong> nações africanas.Consi<strong>de</strong>rando a leitura do texto:Procure o CD do cantor e compositor Caetano Veloso coma música intitula<strong>da</strong> Milagres do Povo. Observe na construção <strong>da</strong> letrao tema proposto. Examine as estrofes. Escolha trechos <strong>da</strong> letra eproponha uma interpretação sobre religiosi<strong>da</strong><strong>de</strong> africana no Brasil.A letra <strong>da</strong> canção Milagres do Povo fala que “Oju Obá ia lá evia”. Obá na língua ioruba quer dizer rei e Oju, olhos. O grupoétnico ioruba vive em uma parte <strong>da</strong> Nigéria, no Togo e no Benin.Isto porque a divisão política resolvi<strong>da</strong> por um tratado europeunão correspon<strong>de</strong> à divisão <strong>cultura</strong>l <strong>da</strong>s etnias africanas. Entre osioruba existem os sacerdotes <strong>de</strong> Ifá, orixá que presi<strong>de</strong> a adivinhação.Esse sacerdotes possuem o dom <strong>de</strong> ver o <strong>de</strong>stino <strong>da</strong>spessoas ao consultar o oráculo, o opelê <strong>de</strong> Ifá, um colar feito <strong>de</strong>caroços presos por uma corrente.Esse olhar ioruba po<strong>de</strong> revelar um complexo conjunto <strong>de</strong>mitos que narram episódios <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> dos orixás. Neles, estão a origem,as características, as quali<strong>da</strong><strong>de</strong>s e fraquezas <strong>da</strong>s divin<strong>da</strong><strong>de</strong>s.Essas narrativas foram passa<strong>da</strong>s através <strong>da</strong>s gerações e contêmuma sabedoria singular na interpretação <strong>da</strong> origem dos tempos e<strong>da</strong> própria vi<strong>da</strong> do consultante.Orixás são forças <strong>da</strong> natureza. E ca<strong>da</strong> pessoa tem uma natureza<strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> si — a força do orixá. Oxum é a divin<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong>ságuas doces, é menina quase sempre <strong>de</strong>ngosa, dona <strong>da</strong> beleza e<strong>da</strong> fertili<strong>da</strong><strong>de</strong>. Já Iemanjá é orixá dos reinos <strong>da</strong>s águas salga<strong>da</strong>s, éa dona do mar e mãe dos orixás, figura feminina madura, mãenutridora. Oiá é o feminino guerreiro, dona dos ventos simboliza<strong>da</strong>pelo raio e pelas tempesta<strong>de</strong>s que transformam as situações.Nanã, orixá associado à lama <strong>de</strong> on<strong>de</strong> saímos e para on<strong>de</strong> todosiremos voltar, é o feminino representado pela senhora idosa.São tantos os orixás quanto os elementos que energizam anatureza. Mas, no Brasil, por causa <strong>da</strong> escravização <strong>de</strong> povos africanos,a memória foi selecionando os cultos prioritários. Restaramapenas por volta <strong>de</strong> 15 orixás bem lembrados. Entre eles, Xangô.60 De olho na Cultura


Xangô representa o po<strong>de</strong>r do panteão. Ele é rei (Obá), dono<strong>da</strong> justiça. Por isso, é associado ao trovão. O trovão é assustadorquando mostra sua autori<strong>da</strong><strong>de</strong>. Todos o temem. Seu símbolo é omachado <strong>de</strong> duas pontas, que representa o equilíbrio. Dois ladosalu<strong>de</strong>m à idéia <strong>de</strong> pon<strong>de</strong>ração para o julgamento. Quase semprean<strong>da</strong> com os Ibeji, divin<strong>da</strong><strong>de</strong>s po<strong>de</strong>rosas, gêmeas, que representama fartura, pois carregam o po<strong>de</strong>r <strong>da</strong> multiplicação.Para os orixás, se reza cantando. As <strong>da</strong>nças recontam mitologias,as cores utiliza<strong>da</strong>s nos ritos reverenciam ao mesmo tempoem que integram as forças dos orixás. Do mesmo modo, ca<strong>da</strong>orixá tem uma comi<strong>da</strong> que o representa. Diz-se que é sua preferi<strong>da</strong>,por isso lhe é ofereci<strong>da</strong> cerimonialmente. O alimento contéma natureza <strong>da</strong> divin<strong>da</strong><strong>de</strong>, assim como o banho que reúne o conhecimento<strong>da</strong>s folhas. Os ritos são modos através dos quais se saú<strong>da</strong>e se recebe a força do orixá.Consi<strong>de</strong>rando a leitura do texto:Organize uma pesquisa sobre o conhecimento <strong>da</strong>s plantas,a estética, os significados contidos na culinária, o acervo <strong>da</strong>s cantigas,o som dos tambores, a técnica <strong>da</strong>s <strong>da</strong>nças, enfim, tudo o quelhe for possível conhecer sobre a liturgia do candomblé.Faz parte <strong>da</strong> <strong>cultura</strong> maranhense a Casa <strong>da</strong>s Minas, <strong>de</strong> matrizesreligiosas relaciona<strong>da</strong>s à <strong>cultura</strong> fon africana, cujas divin<strong>da</strong><strong>de</strong>ssão chama<strong>da</strong>s <strong>de</strong> voduns. A tradição matriarcal foi inicia<strong>da</strong> por MãeAndresa, que coor<strong>de</strong>nou a Casa entre 1914 e 1954. Vizinha a esta,há a Casa <strong>de</strong> Nagô, tendo como sacerdotisa dirigente Mãe Dudu,que a coor<strong>de</strong>nou entre 1967 e 1988. Dentre outros templos quepontuam uma importante memória sobre a religiosi<strong>da</strong><strong>de</strong> afro-brasileira,está a Casa <strong>de</strong> Fanti-achanti, também no Maranhão, fun<strong>da</strong><strong>da</strong>pelo sacerdote conhecido como Pai Eucli<strong>de</strong>s, em 1958.As rememorações em torno <strong>de</strong>ssas religiões necessitam seramplia<strong>da</strong>s a partir <strong>da</strong>s inúmeras histórias regionais que possamrevelar uma personali<strong>da</strong><strong>de</strong>, uma estratégia <strong>de</strong> sobrevivência <strong>da</strong> casa,um rito peculiar, a força <strong>de</strong> uma tradição. Encontramos, por exemplo,poucas referências sobre os batuques do sul do Brasil. To<strong>da</strong>via,existe uma memória mais referi<strong>da</strong> na <strong>cultura</strong> nacional a respeito<strong>da</strong>s origens africanas dos candomblés na Bahia.De olho na Cultura 61


Dicas <strong>cultura</strong>is:A Casa Branca do Engenho Velho, em Salvador, foi fun<strong>da</strong><strong>da</strong>por três iorubanas, no início do século XIX, originárias <strong>da</strong>região <strong>de</strong> Ketu que haviam sido escraviza<strong>da</strong>s e trazi<strong>da</strong>s ao Brasil.Seus nomes eram Iya A<strong>de</strong>tá, Iya Akalá e Iya Nassô, auxilia<strong>da</strong>spor dois homens chamados Babá Assipá e Bamboxê Obiticô.Afora o último, cujo nome <strong>de</strong> batismo é conhecido (RodolfoMartins <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong>) todos os <strong>de</strong>mais são conhecidos apenaspelos seus título. Iyá Nassô, segundo Vivaldo <strong>da</strong> Costa Lima,não era um nome próprio iorubá, mas um título altamentehonorífico restrito à corte <strong>de</strong> Alafin Oyó, isto é, do rei <strong>de</strong> todosos iorubas. Este título estaria ligado a uma função religiosa específicae <strong>de</strong> alto significado nessa <strong>cultura</strong>. Preservando o culto aosorixás, as cantigas, comi<strong>da</strong>s, rezas e preceitos, as três iorubanasasseguraram a continui<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong>sse conhecimento religioso. Sobreessa presença feminina po<strong>de</strong>mos dizer ain<strong>da</strong> que pertenciamà Irman<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> Bom Jesus dos Martírios <strong>da</strong> Igreja <strong>da</strong> Barroquinha,no centro histórico <strong>de</strong> Salvador, nos fundos <strong>da</strong> qual a Casa Brancafoi fun<strong>da</strong><strong>da</strong>. Da Casa Branca saíram os fun<strong>da</strong>dores do terreirodo Gantois e do Axé Opó Afonjá, localizado em São Gonçalodo Retiro.A umban<strong>da</strong> é uma <strong>da</strong>s religiões <strong>de</strong>nomina<strong>da</strong>s afro-brasileiraspertencentes ao universo <strong>da</strong>s religiosi<strong>da</strong><strong>de</strong>s bantu, que sãoinúmeras e pouco conheci<strong>da</strong>s no Brasil. Como culto organizado,surgiu na déca<strong>da</strong> <strong>de</strong> 1920. Sua base doutrinária emancipou-se <strong>de</strong>práticas influencia<strong>da</strong>s pela religião espírita kar<strong>de</strong>cista. A presença<strong>de</strong> espíritos africanos <strong>de</strong>sprezados no culto kar<strong>de</strong>cista, pareceter provocado a <strong>de</strong>rivação.Babassuê, Cabula, Pajelança, Catimbó, Xambá, Toré, sãooutras <strong>de</strong>nominações regionais <strong>de</strong> manifestações <strong>da</strong> religiosi<strong>da</strong><strong>de</strong>afro-brasileira, ca<strong>da</strong> qual com características próprias.Um ponto <strong>de</strong> consi<strong>de</strong>ração é a vitali<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong>ssas manifestações<strong>de</strong> religiosi<strong>da</strong><strong>de</strong>s para serem conheci<strong>da</strong>s. Outro, é a difusão<strong>de</strong>ssas manifestações na socie<strong>da</strong><strong>de</strong>. Em âmbito nacional, algunsdos núcleos que propiciam a i<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> um grupo religioso62 De olho na Cultura


são mais bem conhecidos do que outros. As expressões regionaissão infinitamente <strong>maio</strong>res do que a produção <strong>de</strong> conhecimento<strong>de</strong>tecta<strong>da</strong> pela pesquisa nas universi<strong>da</strong><strong>de</strong>s, pelas históriasnos filmes, na literatura, nas músicas, po<strong>de</strong> acompanhar e difundir.As tentativas <strong>de</strong> estabelecer correspondências entre origens<strong>de</strong> um panteão religioso existente no Brasil e em África também ébastante complexo. Há dinamismos, tanto lá quanto aqui, poucoconhecidos. Mas, apesar dos infinitos arranjos tecidos na socie<strong>da</strong><strong>de</strong>brasileira, eles resguar<strong>da</strong>m uma i<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong> africana. O quadro aseguir traz algumas <strong>da</strong>s referências mais consoli<strong>da</strong><strong>da</strong>s nessa correspondência.Ele não esgota, mas procura aju<strong>da</strong>r na localizaçãoinicial <strong>de</strong>ssas tradições.O encontro entre o universo religioso cristão, as inúmeraspráticas religiosas indígenas, as religiosi<strong>da</strong><strong>de</strong>s africanas e <strong>de</strong>maisorigens formadoras <strong>de</strong> campos <strong>de</strong> religiosi<strong>da</strong><strong>de</strong>, apresenta nuancesconstruí<strong>da</strong>s ao longo <strong>da</strong> história brasileira. Mais do que precisarcorrespondências, o importante é enfatizar que as crenças quecirculam sobre essas manifestações <strong>de</strong>vem estar diretamente relaciona<strong>da</strong>sao respeito <strong>da</strong> socie<strong>da</strong><strong>de</strong> brasileira para com elas.A população afro-brasileirae suas religiosi<strong>da</strong><strong>de</strong>sAs pessoas negras po<strong>de</strong>m ter as mais diversas religiões. Po<strong>de</strong>m chegarao sacerdócio como ialorixás, babalaôs, babalorixás, humbonos,humbondos (<strong>de</strong>nominação jeje), mametos, tatetos, tatas (<strong>de</strong>nominaçãocongo-angola), mas também padres, rabinos, pastores, monges.Ou po<strong>de</strong>m ter a i<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong> principal numa religião e se interessarou ter simpatia por preceitos <strong>de</strong> outra(s). No entanto, a religiosi<strong>da</strong><strong>de</strong>caracteriza<strong>da</strong> como afro-brasileira é i<strong>de</strong>ntifica<strong>da</strong> imediatamente,em nossa socie<strong>da</strong><strong>de</strong>, com o candomblé ou com a umban<strong>da</strong>.Vale ressaltar que, <strong>da</strong> mesma forma que o cotidiano <strong>da</strong> populaçãonegra foi atingido por uma série <strong>de</strong> sinais negativos, a vi<strong>da</strong> religiosatambém foi alvo <strong>de</strong> muita con<strong>de</strong>nação e perseguição.De olho na Cultura 63


Uma <strong>da</strong>s <strong>maio</strong>res dificul<strong>da</strong><strong>de</strong>s na socie<strong>da</strong><strong>de</strong> brasileira é tratardo tema <strong>da</strong>s religiões com to<strong>da</strong>s as dimensões que ele merece:a histórica, a estética, a filosófica dos preceitos, a terapêutica,a lingüística, a ética. Isto se constitui uma <strong>da</strong>s piores faces <strong>da</strong> intolerânciaque é a perseguição religiosa.A Constituição garante a ca<strong>da</strong> ci<strong>da</strong>dão o direito <strong>de</strong> ter suacrença, <strong>de</strong> praticá-la ou, até mesmo. o direito <strong>de</strong> não ter crença. Épreciso lembrar que houve muita luta até esse direito estar garantido.Todos ganham exercitando uma atitu<strong>de</strong> <strong>de</strong> respeito às manifestações<strong>de</strong> fé, pois entre elas há um circuito <strong>cultura</strong>l <strong>de</strong> afetivi<strong>da</strong><strong>de</strong>,soli<strong>da</strong>rie<strong>da</strong><strong>de</strong> e i<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong>.Consi<strong>de</strong>rando a leitura do texto:Você é praticante <strong>de</strong> alguma religião? Hoje em dia, você po<strong>de</strong>praticá-la sem ser con<strong>de</strong>nado por isso?Os homens e as mulheres que vieram escravizados para oBrasil trouxeram consigo suas religiosi<strong>da</strong><strong>de</strong>s, mas, por geraçõessegui<strong>da</strong>s, foram entrando em contato com a religiosi<strong>da</strong><strong>de</strong> trazi<strong>da</strong><strong>da</strong> Europa, e outras influências que, já em África, aconteciam.O culto católico, por exemplo, ofereceu repertório ao modo<strong>de</strong> vi<strong>da</strong> religioso afro-brasileiro. Lembremos que to<strong>da</strong> a rica e varia<strong>da</strong>ritualística africana passou por perseguições e excomungações.No caso do culto aos orixás, principalmente na Bahia, se contaque, numa sábia operação, os santos do hagiológico cristão entraramem ação. Santos e orixás, unidos, abriram caminhos para permanecercultuados. Santa Bárbara, na leitura africana, foi reconheci<strong>da</strong>como Iansã, os gêmeos S. Cosme e Damião foram reconhecidoscomo os gêmeos ioruba Ibeji, Nosso Senhor do Bonfim,como Oxalá, e assim por diante.Com a segregação, a separação <strong>de</strong> igrejas para brancos e paranegros, promovi<strong>da</strong> pelo sistema escravagista, as irman<strong>da</strong><strong>de</strong>s cumpriraminúmeras funções, <strong>de</strong>ntre elas a <strong>de</strong> soli<strong>da</strong>rie<strong>da</strong><strong>de</strong> entre os“malungos”, isto é, irmãos. Havia i<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong>s compartilha<strong>da</strong>s, apesar<strong>da</strong>s origens e <strong>da</strong>s línguas diversas. Era um espaço <strong>de</strong> soli<strong>da</strong>rie<strong>da</strong><strong>de</strong>.Na <strong>de</strong>voção também se garantiu o culto aos mortos e atémesmo a organização para o objetivo <strong>de</strong> alforriar os escravizados.64 De olho na Cultura


Denominação Região <strong>de</strong> concentração Origem africana 1regionalno BrasilTambor <strong>de</strong> Mina Maranhão e Pará Relaciona<strong>da</strong> aos voduns <strong>da</strong> etniaFon.Candomblé queto Bahia, mas encontrado emtodo o Brasil.Relaciona<strong>da</strong> ao panteão <strong>de</strong>divin<strong>da</strong><strong>de</strong>s iorubas, os orixá.Elegem a ci<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> Queto, aonorte do Benin como origem.Candomblé AngolaUmban<strong>da</strong>Norte, nor<strong>de</strong>ste, su<strong>de</strong>ste esulNorte, nor<strong>de</strong>ste, su<strong>de</strong>ste esulPráticas <strong>de</strong> origem africanarecebem os nomes <strong>de</strong> inquices.Referi<strong>da</strong>s a uma tradiçãogenérica bantu; com influênciacatólica, espírita e ameríndia.Xangô Pernambuco Os orixá são <strong>de</strong> origem nagô.Batuque Rio Gran<strong>de</strong> do Sul Raízes na Costa <strong>da</strong> Guiné e naNação Ijexá na Nigéria.CatimbóPernambuco, Amazonas,ParáAs origens dos candomblés sefun<strong>de</strong>m com a <strong>da</strong>s religiõesindígenas.Xambá Pernambuco O culto dos orixás trazido porfamílias que habitavam a regiãodos Camarões.Babaçuê Pará Baba remete à língua ioruba masa origem indígena também éreferi<strong>da</strong>.Fala-se <strong>de</strong> BárbaraSuera, do qual o nome teria<strong>de</strong>rivado. 2*1As origens aqui direciona<strong>da</strong>s são aponta<strong>da</strong>s pelas própriascomuni<strong>da</strong><strong>de</strong>s. Seriam memórias que fun<strong>da</strong>m umaespecífica i<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong>.Quem informa o <strong>da</strong>do é o pesquisador Vagner Gonçalves<strong>da</strong> SilvaDe olho na Cultura 65


Nas irman<strong>da</strong><strong>de</strong>s, um dos princípios era a liber<strong>da</strong><strong>de</strong> conquista<strong>da</strong>pela compra <strong>da</strong> carta <strong>de</strong> alforria, o que era feito <strong>de</strong> forma comunitária.Consi<strong>de</strong>rando a leitura do texto:Nos primórdios do cristianismo, a pregação do Evangelho<strong>de</strong>veria reunir todos os povos. O espírito <strong>da</strong> doutrina era o <strong>de</strong>superação <strong>da</strong>s diferenças. Que tal nos inspirarmos nessa práticapara uma ativi<strong>da</strong><strong>de</strong> que reúna os mais diferentes representantes<strong>da</strong>s diversas religiões na locali<strong>da</strong><strong>de</strong> on<strong>de</strong> você mora? Faça um levantamento<strong>da</strong>s religiões que existem em sua ci<strong>da</strong><strong>de</strong>. Elabore cartazes,frases para afixar em murais, cartazes com cores simbólicas,prepare comi<strong>da</strong>s representativas. Organize, com seus colegas, umareunião ecumênica. Convi<strong>de</strong> os sacerdotes e lí<strong>de</strong>res <strong>da</strong>s diversasmanifestações religiosas.Comece a levantar perguntas, entre seus colegas, para seremdirigi<strong>da</strong>s aos convi<strong>da</strong>dos. Uma sugestão é começar pela idéia <strong>de</strong>Deus em ca<strong>da</strong> uma <strong>da</strong>s religiões.O capítulo teve como objetivo incrementar o repertóriopara uma reflexão sobre a temática <strong>da</strong>s religiões afro-brasileiras.Trazer o repertório religioso para <strong>de</strong>ntro do ambiente escolarnão implica em dogmatização haja vista as escolas públicas seremlaicas. Mas é ou não importante a garantia do direito <strong>de</strong>ssasreligiões a estarem presentes como referência <strong>de</strong>ntro do panoramareligioso que existe no país? A abor<strong>da</strong>gem respeitosa <strong>de</strong>vetrabalhar formas <strong>de</strong> superação, <strong>da</strong> segregação, <strong>da</strong> perseguição,<strong>da</strong> con<strong>de</strong>nação sofri<strong>da</strong> em tempos pra lá <strong>de</strong> opressores.66 De olho na Cultura


DE OLHO NA INFÂNCIAE O ESPORTE EM JOGOAssim como o movimento que gira o corpo,a cabeça toca a terra e põe o mundo <strong>de</strong> ponta cabeça.A inversão <strong>da</strong> perspectiva altera a percepção <strong>da</strong> vi<strong>da</strong>ao redor e cria um ponto <strong>de</strong> vista.(a capoeira)De olho na Cultura 67


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O que os brinquedosestão falando?Quais as idéias que vêm à mente quando o assunto é populaçãoafro-brasileira? A formação <strong>de</strong> opiniões a esse respeito passa tambémpelos ambientes educativos, através <strong>da</strong>s bibliotecas,vi<strong>de</strong>otecas, visitas a museus, leitura <strong>de</strong> revistas, etc.Voltemos, por um instante, à nossa infância. Agora vamos tomaroutra via <strong>de</strong> conhecimento, aparentemente, muito ingênua: oacervo <strong>de</strong> brinquedos e brinca<strong>de</strong>iras que ficavam à nossa disposição.É possível atestar que fomos uma socie<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong>ltônica naoferta <strong>de</strong> repertórios que trouxessem mo<strong>de</strong>los afro-brasileiros: afalta <strong>de</strong> bonecas negras, por exemplo. Quando havia, o mais comumeram as banha<strong>da</strong>s em tinta que escurecia um padrão branco<strong>de</strong> beleza. Não se criavam mo<strong>de</strong>los a partir <strong>de</strong> fenótipos negros.Todos sabemos que a história do mundo não po<strong>de</strong> estar reduzi<strong>da</strong>à dos povos <strong>de</strong> pele e cabelo claros. Para não falarmos apenas<strong>de</strong> tipos físicos, que tal lembrarmos <strong>da</strong> riqueza <strong>cultura</strong>l do planeta?Um dos modos <strong>de</strong> entrarmos em contato com elas é atravésdos brinquedos e do brincar. Os jogos lúdicos auxiliam nas primeiraselaborações sobre a vi<strong>da</strong>. Um brinquedo, uma cantiga, uma figura<strong>de</strong> gibi inspiram associações com mo<strong>de</strong>los <strong>de</strong> humani<strong>da</strong><strong>de</strong>. Dentreos inúmeros personagens que habitam nossa infância, pensemosum pouco a respeito <strong>da</strong> representativi<strong>da</strong><strong>de</strong> negra em termosproporcionais aos <strong>de</strong> outros personagens. Depois, sobre a abor<strong>da</strong>gemque é trazi<strong>da</strong> sobre os personagens negros nesses formatos.De olho na Cultura 69


Sim, somos todos seres humanos, porém, com histórias particulares.A <strong>da</strong> escravidão gerou inúmeras <strong>de</strong>sigual<strong>da</strong><strong>de</strong>s reforça<strong>da</strong>s<strong>cultura</strong>lmente. Essas <strong>de</strong>sigual<strong>da</strong><strong>de</strong>s po<strong>de</strong>m estar manti<strong>da</strong>s nosbrinquedos que espelham o mundo real. Todos nós necessitamos<strong>de</strong> referenciais para construir nossa i<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong>. O quanto <strong>de</strong>positivi<strong>da</strong><strong>de</strong> que ela contenha faz a diferença ou tanto faz nesseprocesso <strong>de</strong> construção?Uma educação anti-racista <strong>de</strong>ve, portanto, começar cedo.Asi<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>de</strong> gênero não começam na tenra infância? Os temas“raciais” também são explorados, negociados enquanto percepçãoa partir <strong>de</strong>sse pequeno mundo social. A <strong>cultura</strong> <strong>de</strong>fine mo<strong>de</strong>los ecomportamentos que vão sendo oferecidos ao longo dos ambienteson<strong>de</strong> a criança experimenta a vi<strong>da</strong>. Como ela li<strong>da</strong> com tudo isso?Consi<strong>de</strong>rando a leitura do texto:Passeie por uma loja <strong>de</strong> brinquedos e procure observar comoos tipos humanos aparecem ali representados.Como propiciar a uma criança se sentir bem com uma imagemà sua semelhança em fatos, em brinquedos, jogos etc? Comoestimular o princípio <strong>da</strong> diversi<strong>da</strong><strong>de</strong> na escolha dos brinquedos?As duas in<strong>da</strong>gações sinalizam alguns dos cui<strong>da</strong>dos fun<strong>da</strong>mentaisna perspectiva <strong>de</strong> enxergar mecanismos <strong>cultura</strong>is envolvendorelações raciais. Não basta apenas circularem bonecas e bonecosque remetam a estilos afros <strong>de</strong> ser. Há <strong>de</strong> se atentar para a construção<strong>da</strong> figura humana. Uma pele cor <strong>de</strong> pele e não uma grotesca cor<strong>de</strong> piche. Que tipo <strong>de</strong> sentimentos a fisionomia retrata<strong>da</strong> no brinquedoprovoca? O traje ressalta uma integri<strong>da</strong><strong>de</strong> étnica ou mesmouma integração à <strong>cultura</strong> local longe <strong>de</strong> estereotipias?Contribuindo para o reconhecimento <strong>da</strong>s i<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong>s afrobrasileirassurgiram, nos últimos anos, algumas iniciativas como aprodução cooperativa <strong>de</strong> bonecas com diversi<strong>da</strong><strong>de</strong> étnica, a organização<strong>de</strong> brinquedotecas <strong>de</strong> bairro, que cui<strong>da</strong>m <strong>de</strong> assegurar umarepresentativi<strong>da</strong><strong>de</strong> positiva. Estas po<strong>de</strong>m ser formas alia<strong>da</strong>s na ampliação<strong>de</strong> um repertório mais afetivo para as associações que oeducando irá fazer. Elas são auxiliares também, na conversa sobreo tema <strong>da</strong> diversi<strong>da</strong><strong>de</strong> com a criança. Po<strong>de</strong>m mediar assuntos en-70 De olho na Cultura


volvendo violências simbólicas cotidianas presentes na <strong>cultura</strong>ou, simplesmente, integrar com positivi<strong>da</strong><strong>de</strong> o mo<strong>de</strong>lo já fruto<strong>de</strong> consciência social.Pesquisando a <strong>cultura</strong>:A cooperativa Abayomi confecciona bonequinhas que utilizamo repertório afro-brasileiro, utilizando o mínimo <strong>de</strong> ferramentas.Com apenas sobras <strong>de</strong> panos, não utilizam nem cola, nem costura.A se<strong>de</strong> <strong>da</strong> produção fica no Rio <strong>de</strong> Janeiro. Você conheceoutras iniciativas similares? Convi<strong>de</strong> representantes do projeto parauma entrevista. Aproveite a oportuni<strong>da</strong><strong>de</strong> e pesquise materiais paravocê criar um exemplar <strong>de</strong> brinquedo. Que estilo teria a sua criação?Brincar <strong>de</strong> casinha po<strong>de</strong>ria contemplar referências na origemafricana ou incorporar <strong>de</strong>talhes <strong>de</strong> expressões regionais afro-brasileiras.Famílias étnicas <strong>de</strong> brinquedo espelhariam a afetivi<strong>da</strong><strong>de</strong> tão presentenas famílias reais. Esse convívio, não apenas vivenciado porcrianças negras, ensina sobre a diversi<strong>da</strong><strong>de</strong> que entra pelo coração.Mensagens que associam os afros à mal<strong>da</strong><strong>de</strong>, cruel<strong>da</strong><strong>de</strong>, sujeira,inferiori<strong>da</strong><strong>de</strong>, má criação, estupi<strong>de</strong>z, feiúra circularam livrementepor gerações e gerações <strong>de</strong> brasileiros. Como fórmulas sutis do ensinaro racismo, promoveram um ataque psicológico violento. Porém,os brinquedos não <strong>de</strong>vem promover e reproduzir o racismo.Ícones como a boneca Barbie emergiram <strong>da</strong> socie<strong>da</strong><strong>de</strong> norte-americananos anos 50, era loira, magra e rica. O mo<strong>de</strong>lo i<strong>de</strong>alganhou um namorado formando um par i<strong>de</strong>al para a <strong>cultura</strong>, que,embora americana, virou sonho exportado globalmente. A partirdos anos 80, a boneca passou a aparecer diversifica<strong>da</strong> na sua vestimenta,com indumentária principalmente dirigi<strong>da</strong> ao públicooriental. A Barbie negra apareceu em 1990. A forma alterou o tom<strong>da</strong> pele mantendo os traços do fenótipo branco. Recebeu cabeloslisos coloridos (brancos, vermelhos) e muitos turbantes. O pacoteBarbie trazia implícito um mo<strong>de</strong>lo materialista e consumista <strong>de</strong>ser. O caso é clássico para observarmos a relação entre valoressociais e brinquedos.Outra forma <strong>de</strong> garantir <strong>de</strong>sigual<strong>da</strong><strong>de</strong>s é através <strong>da</strong>s brinca<strong>de</strong>iras.De olho na Cultura 71


Brinca<strong>de</strong>iras sem constrangimentosNão há na<strong>da</strong> pior para uma criança do que ser constrangi<strong>da</strong> numasituação <strong>de</strong> interação social. Em socie<strong>da</strong><strong>de</strong>s on<strong>de</strong> se trabalhapouco a superação dos preconceitos, as formas <strong>de</strong> opressão agemno cotidiano. Pesquisas têm <strong>de</strong>monstrado que as crianças <strong>de</strong> minoriasétnicas sofrem muitas formas <strong>de</strong> prejuízo na socie<strong>da</strong><strong>de</strong>brasileira. Azoil<strong>da</strong> Loretto, por exemplo, elenca uma série <strong>de</strong> situaçõesque são palcos para as discriminações sociais:Situação 1.Situação 2.Situação 3.Situação 4.apelidos: a cor, o cabelo sempre como pia<strong>da</strong>;impedimentos na hora <strong>da</strong> seleção para algunspapéis sociais;o amiguinho <strong>de</strong> escola se recusa a fazer par numafesta junina;expressões racistas como samba do crioulo doido,nega maluca, etc;Estas são algumas <strong>da</strong>s experiências recorrentes que po<strong>de</strong>mosrelacionar à história <strong>de</strong> vi<strong>da</strong> <strong>de</strong> muitos afro-brasileiros. To<strong>da</strong>selas favorecem a emergência do racismo.As questões <strong>de</strong> comportamento po<strong>de</strong>m parecer tão naturais,ao mesmo tempo em que anulam a percepção dos efeitospsicológicos sobre os que sofrem a recusa, os que agüentam oapelido e as expressões <strong>de</strong>preciativas.Quando uma pessoa passa a ser importante para alguém, équando se passa a prestar atenção e valorizar a sua condição <strong>de</strong> serhumano .Quando se finge não ver uma situação <strong>de</strong> violência ou sebanaliza o fato <strong>de</strong> ser uma brinca<strong>de</strong>ira, mesmo que inconseqüente,o que está em jogo é o valor posto em quem sofre a agressão.Pensando na infância dos afro-brasileiros, um ambiente menosestressante <strong>de</strong>staca a majesta<strong>de</strong> <strong>da</strong>s <strong>cultura</strong>s negras, o que incluias africanas. Cabelos afro fazem mo<strong>da</strong>, as músicas <strong>de</strong> origemnegra são admira<strong>da</strong>s, personali<strong>da</strong><strong>de</strong>s negras são reverencia<strong>da</strong>s, eto<strong>da</strong>s as Áfricas positivas passam a constituir referências, personali<strong>da</strong><strong>de</strong>s,etc... A médio e a longo prazo a criança assim forma<strong>da</strong>72 De olho na Cultura


terá um capital afetivo, ou seja, irá gostar <strong>de</strong> ser e irá gostar <strong>da</strong>spessoas afro-brasileiras.Vamos pensar agora, numa dimensão mais ampla: a expressão<strong>cultura</strong>l <strong>de</strong> uma coletivi<strong>da</strong><strong>de</strong> numa <strong>de</strong>termina<strong>da</strong> época. As cantigasque nos fizeram ninar tocam a memória <strong>de</strong> um tempo. Docessonori<strong>da</strong><strong>de</strong>s a cujas letras não prestamos atenção. No entanto,elas foram produzi<strong>da</strong>s num <strong>de</strong>terminado momento histórico. Nananeném que a cuca vem pegar; ou boi, boi, boi, boi <strong>da</strong> cara preta, pega essacriança que tem medo <strong>de</strong> careta são construções <strong>de</strong> um tempo em quea ameaça imperava. Quem terá sido o compositor <strong>da</strong>s melodias?Perdi<strong>da</strong>s no tempo, embalaram e ain<strong>da</strong> embalam as crianças brasileiras.Mas pensar na <strong>cultura</strong> <strong>da</strong> época em que foram gera<strong>da</strong>s, possivelmentecanta<strong>da</strong>s pelos ancestrais afro-brasileiros, requer a recor<strong>da</strong>çãodo ambiente sádico ameaçador <strong>de</strong>sse passado.O que chamamos <strong>de</strong> ambiente <strong>cultura</strong>l está refletido noscancioneiros para as crianças. Observemos um exemplo:Pai Francisco entrou na ro<strong>da</strong>Tocando o seu violãoBi–rim-bão bão bão, Bi–rim-bão bão bão!Vem <strong>de</strong> lá Seu DelegadoE Pai Francisco foi pra prisão.Como ele vem todo requebradoParece um boneco <strong>de</strong>sengonçado.Uma figura que entra na ro<strong>da</strong>. Que ro<strong>da</strong> é essa? O personagemse integra ao grupo tocando violão. E por que isso é con<strong>de</strong>návelao ponto <strong>de</strong> o <strong>de</strong>legado levá-lo para a prisão? Imediatamente,a compreensão dos versos nos remete ao tempo em que sereunir para cantar e tocar era proibido. Qualquer cantor e qualquermúsica eram proibidos? As ro<strong>da</strong>s <strong>de</strong> capoeira, as ro<strong>da</strong>s <strong>de</strong>samba, as ro<strong>da</strong>s <strong>de</strong> religiosi<strong>da</strong><strong>de</strong> “africana. Estas eram as proibi<strong>da</strong>s.O pai Francisco requebra o samba ou, talvez, jogue a capoeira<strong>de</strong> gestos difíceis <strong>de</strong> acompanhar, portanto, <strong>de</strong>sengonçados, a partir<strong>de</strong> um olhar <strong>de</strong>preciativo.Um tempo <strong>de</strong> repressão à população negra é um tema parapesquisa. Mas, quando imaginaríamos a presença <strong>de</strong> elementos <strong>de</strong>repressão em uma cantiga tão ingênua?De olho na Cultura 73


Mais explicitamente agressora, do ponto <strong>de</strong> vista simbólico,é a brinca<strong>de</strong>ira:Barra-manteigaNa fuça <strong>da</strong> negaMinha mãe mandou bater nessa <strong>da</strong>qui1, 2, 3Quem tem fuça? A presença do elemento <strong>de</strong> <strong>de</strong>sumanizaçãoao associar o ser humano com fuça.. Coita<strong>da</strong> <strong>da</strong> personagem querecebe manteiga nas faces e <strong>de</strong>ve apanhar porque a mãe <strong>da</strong> outrapersonagem mandou que ela batesse. Naturalmente, nesse contexto,a personagem que vai bater não é a negra .São mensagens semelhantes a essa que passam a pertencerao imaginário social. Ao menos, se faz necessário trazer alguns<strong>de</strong>sses elementos para o nivel do consciente ou, então, equilibrarcom a presença <strong>de</strong> um repertório afetivamente mais bem cui<strong>da</strong>doesse universo infantil. É a socie<strong>da</strong><strong>de</strong> que <strong>de</strong>ci<strong>de</strong> pela permanênciaou pela eliminação <strong>de</strong> estereótipos que, através <strong>da</strong>s brinca<strong>de</strong>iras,possam se manter ou serem ressignificados.Escravos <strong>de</strong> jóJogavam caxangáTira, põe, <strong>de</strong>ixa ficarGuerreiros, com guerreirosFazem zig, zig, zagComo seria esse jogo Caxangá na habili<strong>da</strong><strong>de</strong> dos escravizados?74 De olho na Cultura


Literatura infantil, <strong>de</strong>senho animado,programas infantisA Psicanálise já folheou as páginas <strong>da</strong> literatura produzi<strong>da</strong> paracrianças. Os profundos conflitos psíquicos aparecem nas personagensem chaves emocionais como abandono, per<strong>da</strong>, competitivi<strong>da</strong><strong>de</strong>,autonomia, etc. Lembremos que a obra literária dirigi<strong>da</strong>a esse público transmite mensagens não apenas através do textoescrito. As ilustrações, sobretudo, constróem enredos sobre protagonistas,personagens secundários e cenários.E se pensarmos nesse universo literário imaginado pela criaçãohumana, como um espelho on<strong>de</strong> o leitor se reconhece nos mo<strong>de</strong>los<strong>de</strong> personagens, ambientes, emoções? Procure olhar para apresença negra nessas produções. O que há <strong>de</strong> positivo e negativo?No processo <strong>de</strong> constituir-se sujeito leitor, a criança gosta <strong>de</strong> uns e<strong>de</strong>sgosta <strong>de</strong> outros personagem, forma opiniões a respeito <strong>da</strong>queletipo humano e dos cenários carregados <strong>de</strong> crenças e valores.Nessa dimensão, a literatura é, portanto, um espaço <strong>de</strong> representação<strong>de</strong> enredos e lógicas, on<strong>de</strong>, ao me representar, eu me crioe ao me criar eu me repito, isto é, dissemino e perpetuo percepções.Consi<strong>de</strong>rando a leitura do texto:Procure algumas <strong>da</strong>s tipologias negras que circulam na literaturainfanto-juvenil a seu dispor. Po<strong>de</strong>mos consi<strong>de</strong>rá-las expressivas <strong>da</strong>srelações raciais a partir do que aparece nesse mundo dos livros? Verifiquea construção i<strong>de</strong>ológica do corpo, as vestimentas, a hierarquiacom relação aos <strong>de</strong>mais personagens não-negros, a fala,a religião,asconcepções <strong>de</strong> civilização envolvi<strong>da</strong>s, raciologias, associações coma África, enfim, os códigos embutidos nos textos e nas imagens.Procure um <strong>de</strong>senho animado produzido para crianças ebaseado em uma narrativa africana.Assista a programas <strong>de</strong> televisão. Passe uma semana sintonizandoa programação dirigi<strong>da</strong> às crianças em um ou vários canais.Levante nos elementos visuais, o que circula como associaçõesaos afro-brasileiros.De olho na Cultura 75


Estudo sobre a relação entre televisão e criança vem <strong>de</strong>tectandoa exposição a valores globalizantes em <strong>de</strong>trimento dos regionais.As imagens nas telas são espelhos para a formação <strong>de</strong> i<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong>s.Intelectuais negros <strong>da</strong> África do Sul, por exemplo, ao discutiremsobre a televisão chamam a atenção para uma série <strong>de</strong>invisibili<strong>da</strong><strong>de</strong>s que caracterizaram a dominação pelos regimes racistasque governaram o país. Mais do que isso, levantam alguns princípiosque <strong>de</strong>vem ser televalorizados. Um <strong>de</strong>les utiliza o termo “umbuntu”,palavra africana que significa “eu vivo através <strong>de</strong> você”. Tomar contado outro sem qualquer expectativa <strong>de</strong> retribuição é um valor que perpassamuitos aspectos <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> africana e que não po<strong>de</strong> ser esquecidona orientação para uma i<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong> televisão sul africana.No Brasil, a presença <strong>de</strong> personagens bem construídos noseriado Rá Tim Bum, exibido a partir <strong>de</strong> 1995, <strong>de</strong>senvolveu umcui<strong>da</strong>do, até hoje, exemplar. Naquele universo <strong>de</strong> fantasia, mascom intenções educativas, a parcela afro-brasileira esteve semprerepresenta<strong>da</strong> através <strong>de</strong> seus protagonistas. Porém, o exemplo, apesar<strong>de</strong> sua força, é uma rari<strong>da</strong><strong>de</strong> no conjunto <strong>da</strong> programaçãodirigi<strong>da</strong> às crianças brasileiras.Outro fenômeno <strong>de</strong> sucesso é o <strong>de</strong>senho animado Kiriku e afeiticeira, uma produção dirigi<strong>da</strong> pelo francês Michel Ocelôt, que primapela construção <strong>da</strong>s figuras que remetem a uma África imaginária.Até então, casos como O Rei Leão, uma superprodução Disneynão haviam <strong>de</strong>monstrado a menor preocupação com a humani<strong>da</strong><strong>de</strong>africana, aparentemente central no repertório. Ao contrário, osleões remetem a figuras loiras do pai e seu filhote loirinho, morenas<strong>de</strong> cabelo liso como o irmão malvado que incorpora trejeitos gays.Em Kiriku, o corpo africano é altivo, não é imbecilizado. A narrativa,ain<strong>da</strong> que seja uma a<strong>da</strong>ptação, conserva outro princípio importanteque po<strong>de</strong> ser recolhido em algumas Áfricas: a não polarização<strong>da</strong> natureza em bem e mal apenas. É um avanço como materialdisponível, embora caiba ain<strong>da</strong> chamar a atenção para a orientalizaçãodo herói principal que, pelo gestual, lembra a figura <strong>de</strong> um Bu<strong>da</strong>.O cinema, a televisão, a literatura, o teatro, a internet, etc.precisam ain<strong>da</strong> integrar com quali<strong>da</strong><strong>de</strong> os afro-brasileiros e suariqueza <strong>cultura</strong>l, retratando-os em suas multifaces e nas varia<strong>da</strong>ssituações e papéis sociais que vivenciam no cotidiano <strong>de</strong>ste país.76 De olho na Cultura


Goooooooooooooooooool!Diz-se que nasce craque no Brasil como as palmeiras que dãococo com água fresca. O futebol, mais do que a alegria do povo,marca a i<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong> do país.– Brasil? Ah! Pelé.Vários jogadores brasileiros continuaram a ser reconhecidoscomo os melhores do mundo. Porém, a parti<strong>da</strong> mais difícil,quando se focaliza esta mo<strong>da</strong>li<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> esporte como campo <strong>da</strong><strong>cultura</strong>, tem sido o jogo contra o racismo e a discriminação. Voltemosaos primeiros placares.O futebol foi criado na Inglaterra em 1863, mas só chegouao Brasil, com os ingleses, por volta do ano <strong>de</strong> 1894. Nos primeiroscampeonatos, realizados em clubes e colégios <strong>de</strong> elite, só jogavambrancos. A novi<strong>da</strong><strong>de</strong> importa<strong>da</strong>, no entanto, logo se popularizou.Na estruturação dos primeiros campeonatos cariocas, já em1906, surgiu o nome do goleiro negro Manoel Maia. O time era oBangu, criado por operários ingleses <strong>da</strong> Fábrica <strong>de</strong> Tecidos Bangu,pertencente à Companhia Industrial Progresso do Brasil. O jogadorera tecelão <strong>da</strong> equipe, que se une a outras para fun<strong>da</strong>r a LigaMetropolitana. To<strong>da</strong>via, a Liga <strong>de</strong>ci<strong>de</strong>, a partir <strong>de</strong> <strong>maio</strong> <strong>de</strong> 1907,com unanimi<strong>da</strong><strong>de</strong> dos votos, proibir o registro <strong>de</strong> atletas negros.Alguns anos <strong>de</strong>pois, sai no Diário Oficial <strong>de</strong> 20 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro<strong>de</strong> 1917, o artigo <strong>da</strong> Lei do Amadorismo que recorre ao mesmoexpediente.Houve o caso do jogador Luiz Antônio <strong>da</strong> Guia, que atuouno clube entre 1912 e 1931 e chegou à seleção carioca, mas nuncafoi convocado para a seleção brasileira, por ser negro. Somenteem 1924, alguns times começam a abandonar a Liga e a admitirjogadores negros.Consi<strong>de</strong>rando a leitura do texto:Ca<strong>da</strong> ci<strong>da</strong><strong>de</strong> possui uma história singular <strong>da</strong> presença afrobrasileirano futebol. Qual é a <strong>da</strong> sua ci<strong>da</strong><strong>de</strong>, do seu bairro, <strong>da</strong> suarua?De olho na Cultura 77


Dicas <strong>cultura</strong>is:Você sabia que, há mais ou menos 80 anos, os jogadoresnegros usavam toucas para escon<strong>de</strong>r o cabelo crespo e usavampó-<strong>de</strong>-arroz para clarear a pele? Sabe por quê? Só <strong>de</strong>ssa formaseriam acolhidos em times <strong>de</strong> futebol que não aceitavam negros.O Fluminense, por exemplo, era conhecido como “pó-<strong>de</strong>-arroz”,exatamente por esse motivo.No século XXI já temos até seleção feminina <strong>de</strong> futebol. Asmulheres superaram machismos.A carioca Delma Gonçalves, conheci<strong>da</strong> como Pretinha, é aestrela <strong>da</strong> seleção brasileira <strong>de</strong> futebol feminino, me<strong>da</strong>lha <strong>de</strong> prata,nas Olimpía<strong>da</strong>s <strong>de</strong> 2004.78 De olho na Cultura


A gingaA capoeira, como metáfora, acompanha a história que queremoscontar. Ela é negra. Assim como o movimento que gira o corpo,fazendo a cabeça tocar a terra e pondo o mundo <strong>de</strong> ponta-cabeça.A inversão <strong>da</strong> perspectiva altera a percepção <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> ao redore cria um novo ponto <strong>de</strong> vista. O giro cria uma ro<strong>da</strong>, a ro<strong>da</strong>gera uma força. No centro há um olho.O caráter lúdico <strong>da</strong> capoeira, parecendo um jogo, uma brinca<strong>de</strong>ira,uma <strong>da</strong>nça, na ver<strong>da</strong><strong>de</strong> uma luta , é uma sabedoria lapi<strong>da</strong><strong>da</strong>na e pela <strong>cultura</strong>. O treino <strong>da</strong> habili<strong>da</strong><strong>de</strong> acrescentou os sons dosberimbaus e a criação <strong>de</strong> melodias e cantigas que reuniam os heróis<strong>de</strong>ssa dramatização encantadora para uns e assustadora para outros.Pesquisando a <strong>cultura</strong>A prática <strong>da</strong> capoeira foi proibi<strong>da</strong> no território nacional logoapós a assinatura <strong>da</strong> Abolição, perdurando como ilegali<strong>da</strong><strong>de</strong> até 1932.Pesquise sobre alguns dos motivos envolvidos nessa <strong>de</strong>cisão.Mestre Bimba, na déca<strong>da</strong> <strong>de</strong> 1930, na Bahia, trabalhou paraque a capoeira fosse reconheci<strong>da</strong> como uma mo<strong>da</strong>li<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>sporto.Seu nome está associado à Capoeira Regional.Mestre Pastinha, também na Bahia, procurou refletir sobreos princípios e valores importantes para a formação do capoeirista,<strong>de</strong>ixando suas idéias registra<strong>da</strong>s em livro. Seu nome está associadoà Capoeira Angola.De olho na Cultura 79


Das ruas para as aca<strong>de</strong>miasNo ano <strong>de</strong> 2004, o município <strong>de</strong> São Paulo sancionou a Lei 13.774/04, que instituiu a Semana <strong>da</strong> Capoeira, referi<strong>da</strong> como manifestaçãoprimordial <strong>da</strong> <strong>cultura</strong> afro-brasileira. Além do caráter <strong>cultura</strong>l,a lei contribui para incentivar a prática do jogo entre os jovens,como alternativa <strong>de</strong> lazer e esporte. A oportuni<strong>da</strong><strong>de</strong> também facilitaa comunicação <strong>de</strong> mestres e associações que se organizam paraenfrentar a massificação <strong>de</strong>ssa manifestação <strong>cultura</strong>l.Até essa <strong>da</strong>ta existiam cerca <strong>de</strong> quatro mil aca<strong>de</strong>mias <strong>de</strong> capoeiraregistra<strong>da</strong>s na ci<strong>da</strong><strong>de</strong>. As inúmeras a<strong>da</strong>ptações introduzi<strong>da</strong>snesses recintos fechados geraram a necessi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>fesa <strong>da</strong> capoeira,para que seus princípios não fossem <strong>de</strong>svirtuados.Consi<strong>de</strong>rando a leitura do textoO que você conhece sobre a capoeira em sua ci<strong>da</strong><strong>de</strong>?A capoeira era um instrumento <strong>de</strong> <strong>de</strong>fesa dos escravizadoscontra os feitores e capitães-do-mato, uma vez que aqueles nãodispunham <strong>de</strong> armas suficientes para um enfrentamento, a nãoser o próprio corpo. Atualmente, em quase to<strong>da</strong>s as iniciativas quegiram em torno <strong>da</strong> expansão <strong>de</strong> ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia, encontramos a capoeiracomo uma ferramenta <strong>de</strong> socialização, afastando jovens <strong>da</strong> criminali<strong>da</strong><strong>de</strong>.Esta tendência é um resgate <strong>cultura</strong>l que valoriza ocaráter libertário e o espírito construtivo <strong>de</strong>ssa prática.Consi<strong>de</strong>rando a leitura do texto:Faça uma pesquisa na internet em sites que tratam do temacapoeira.Relacione filmes que trazem a capoeira como tema integrante<strong>da</strong>s histórias que narram.Organize uma ro<strong>da</strong> com os amigo(a)s e <strong>de</strong>scubra que cantigas<strong>de</strong> capoeira são conheci<strong>da</strong>s no seu ambiente social.Descubra as diferenças <strong>de</strong> estilos <strong>da</strong> capoeira: visite aca<strong>de</strong>mias,converse com capoeiristas.Organize uma apresentação com todos os seus conhecidosque jogam capoeira.80 De olho na Cultura


O corpo e a menteOutro aspecto que po<strong>de</strong>mos lembrar quando o assunto é esportee população afro-brasileira é a divisão mente-corpo. A <strong>cultura</strong>escravista <strong>de</strong>ixou como marca a distinção entre ativi<strong>da</strong><strong>de</strong>s intelectuaise braçais, <strong>de</strong> acordo com o que a socie<strong>da</strong><strong>de</strong> é dividi<strong>da</strong>. Apopulação afro-brasileira quase sempre está associa<strong>da</strong> aos esportesou profissões distantes <strong>da</strong>s ocupações intelectuais. Esta representaçãoenfatiza o corpo em <strong>de</strong>trimento do intelecto, o que po<strong>de</strong>levar à naturalização <strong>da</strong>s <strong>de</strong>sigual<strong>da</strong><strong>de</strong>s sociais.O fato <strong>de</strong> as profissões mais braçais serem exerci<strong>da</strong>s, emgran<strong>de</strong> parte, pela população afro-brasileira po<strong>de</strong> ter como causaa pouca preocupação do Estado brasileiro com um ensino <strong>de</strong> excelênciapara os <strong>de</strong>scen<strong>de</strong>ntes <strong>da</strong> história <strong>da</strong> escravidão.Outro movimento que complementa essa mesma lógica <strong>cultura</strong>lé o processo <strong>de</strong> branquear as exceções que ultrapassam alinha <strong>de</strong>limitadora. Foi assim com Machado <strong>de</strong> Assis, cujas fotografiasseleciona<strong>da</strong>s para a memória oficial procuraram clareá-lonas feições.Este capítulo procurou chamar a atenção para alguns aspectos“bons para pensar” quando o assunto é esporte e a produção<strong>cultura</strong>l dirigi<strong>da</strong> às crianças. Nosso objetivo é estimular a busca<strong>de</strong> referenciais afro-brasileiros nessas duas áreas <strong>da</strong> <strong>cultura</strong> nacional.Consi<strong>de</strong>rando a leitura do texto:Levante o nome <strong>de</strong> homens e mulheres afro-brasileiros quese tornaram conhecidos por sua atuação no campo <strong>da</strong>s ciências.Analise criticamente os resultados.Agora procure os nomes <strong>de</strong> esportistas afro-brasileiros quepraticam tênis, golfe, natação, fórmula 1, boxe, ciclismo, arco-eflecha,pingue-pongue, hipismo, atletismo, etc. Relacione os <strong>da</strong>doscom a primeira proposta.De olho na Cultura 81


82 De olho na Cultura


MEMÓRIAS CORPORAISAFRO-BRASILEIRASCandombeNinguém tinha liber<strong>da</strong><strong>de</strong>, que era tempo <strong>da</strong> escravidão.O povo era só trabaiá. Então Nossa Senhora do Rosárioapareceu lá nas água (vou completar ain<strong>da</strong>).Os rico foi pra tirá ela, com ban<strong>da</strong> <strong>de</strong> música, e tal;ela num quis. Quando o padre foi celebrá missa [...]ela só mexeu um mucadim mas paro.Os nego pegaro seus tambô [...]foro bateno os tambô [...],ela vei vino <strong>de</strong>vagarzim até que chegô na bera<strong>da</strong> [...].Então fico seno o tambô sagrado, o Candome.E ele tirô ela. Num tambô ela vei senta<strong>da</strong>, igual andô [...].(Geraldo Artur Camilo,patriarca <strong>da</strong> Comuni<strong>da</strong><strong>de</strong> Negra dos Arturos,em Contagem-MG)De olho na Cultura 83


84 De olho na Cultura


Orali<strong>da</strong><strong>de</strong> e corporali<strong>da</strong><strong>de</strong>afro-brasileiraA tradição oral é guardiã <strong>da</strong> história e <strong>da</strong> memória entre muitospovos africanos, sendo preserva<strong>da</strong>, principalmente, por homenssábios, que foram e são responsáveis por manter a memória vivados fatos e feitos <strong>de</strong> seus antepassados. São poetas, músicos, <strong>da</strong>nçarinos,conselheiros. Por isso, são <strong>de</strong>nominados, <strong>de</strong> modo geral,como contadores <strong>de</strong> histórias.Em muitas <strong>cultura</strong>s <strong>de</strong> origem africana, o visível constituimanifestação do invisível, por isso, po<strong>de</strong> haver uma energia vivanas pedras, nas folhas, nos rios, nos fenômenos temporais, nosanimais, nos alimentos, dos quais emana uma força vital. Entre ascivilizações bantu, essa energia po<strong>de</strong> receber a <strong>de</strong>nominação <strong>de</strong>hamba. Já para o povo iorubá ela é <strong>de</strong>nomina<strong>da</strong> axé. O fun<strong>da</strong>mentalé que essa força po<strong>de</strong> ser aumenta<strong>da</strong>, diminuí<strong>da</strong>, transforma<strong>da</strong>ou realimenta<strong>da</strong>. Por exemplo, a morte é vista como transferência<strong>de</strong> energia, uma vez que essa força não acaba.As pedras e as árvores não são adora<strong>da</strong>s porque são pedrase árvores, mas porque são sagra<strong>da</strong>s. Elas são acresci<strong>da</strong>s <strong>de</strong> significadossimbólicos, isto é, quando um objeto ou acontecimento évisto como sagrado, ele permanece o mesmo, mas passa a ser epossuir uma outra força.De olho na Cultura 85


Essa interação envolve os reinos mineral, vegetal e animal eo mundo sobrenatural. Tudo se inter-relaciona, pois o espaço cotidianodialoga com o espaço sagrado. Do mesmo modo, o universopossui duas dimensões, uma é o mundo on<strong>de</strong> vivemos e aoutra é on<strong>de</strong> habitam as forças dos ancestrais. As oferen<strong>da</strong>s sãocompreendi<strong>da</strong>s nesse contexto como uma <strong>da</strong>s maneiras <strong>de</strong> estabelecera comunicação entre as dimensões e obter a força dosantepassados.Todos nós temos alguma relação simbólica com os objetos,que se tornam algo muito especial – talismã ou amuleto – epassam a fazer parte <strong>da</strong> nossa história. Vasculhe a sua memória eresgate algo que seja significativo para você.Outro aspecto importante nessa relação visível-invisível é ofato <strong>de</strong> ela ser comunica<strong>da</strong> e registra<strong>da</strong> por meio <strong>da</strong> palavra fala<strong>da</strong>.O po<strong>de</strong>r <strong>da</strong> palavra garante e preserva o ensinamento, uma vezque ela possui uma energia vital, com capaci<strong>da</strong><strong>de</strong> transformadorado mundo.Conforme citado no capítulo sobre i<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong>, existe umafigura que representa o po<strong>de</strong>r <strong>da</strong> palavra: o griot. Ele tem enormecredibili<strong>da</strong><strong>de</strong>, pois instrui os governantes na história <strong>de</strong> seus antecessorese cria, com pompa, uma atmosfera para o relato que conduz.Utilizando a sabedoria e os privilégios <strong>da</strong> casta a que pertence,que é a dos músicos, exerce seu ofício <strong>de</strong> ser a memória <strong>de</strong>personagens e famílias, sobretudo as reais. Sua presença é marcantepor to<strong>da</strong> a África Oci<strong>de</strong>ntal, com <strong>de</strong>staque para o Mali e to<strong>da</strong> aregião <strong>da</strong> Senegâmbia.Senegâmbia é um termo proposto por intelectuais africanosque investigam o problema do processo <strong>de</strong> formação <strong>de</strong> novasi<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong>s, a partir <strong>da</strong>s fronteiras que <strong>de</strong>finiram os Estados africanos.A <strong>de</strong>limitação <strong>da</strong>s fronteiras do noroeste <strong>da</strong> África, durantea colonização européia, envolveu, principalmente, seis países— Senegal, Gâmbia, Guiné-Bissau, parte <strong>da</strong> Mauritânia, Mali eGuiné Conakry — tendo em vista a organização <strong>de</strong> uma regiãopolítica e economicamente re<strong>de</strong>fini<strong>da</strong> por alianças <strong>cultura</strong>is.Os Dieli armazenam séculos e mais séculos <strong>de</strong> segredos,crenças, costumes, len<strong>da</strong>s e lições sábias <strong>de</strong> vi<strong>da</strong>, sem recorrer aoregistro escrito, valendo-se <strong>da</strong> memorização. Entre os guardiões86 De olho na Cultura


<strong>de</strong> histórias coletivas há uma categoria menos profana, a dos Doma,respeitados como os mais nobres guardiões <strong>da</strong> palavra, por meio<strong>da</strong> qual criam a harmonia e reor<strong>de</strong>nam a vi<strong>da</strong> em socie<strong>da</strong><strong>de</strong>. Elesnão po<strong>de</strong>m estragar sua palavra com a mentira. É <strong>da</strong> palavra quevem o po<strong>de</strong>r. A palavra carrega uma força e, por isso, ignoraraquilo que é pronunciado e ver<strong>da</strong><strong>de</strong>iro é cometer uma falha grave,que po<strong>de</strong> ser compara<strong>da</strong> ao ato <strong>de</strong> tirar uma parte <strong>de</strong> nosso corpo,o que nos faria per<strong>de</strong>r a vi<strong>da</strong> ou uma parte <strong>de</strong> nós.A tradição oral po<strong>de</strong> ser vista como um reservatório <strong>de</strong>fórmulas <strong>de</strong> conhecimento que auxilia o homem a se integrar notempo e no espaço. Ela não po<strong>de</strong> ser esqueci<strong>da</strong> ou <strong>de</strong>sconsi<strong>de</strong>ra<strong>da</strong>.Sendo assim, o ser humano é um ser <strong>de</strong> palavra, sua voz e sua falatêm que ser respeita<strong>da</strong>s e a palavra não po<strong>de</strong> ser usa<strong>da</strong> para ferir adigni<strong>da</strong><strong>de</strong> humana. A orali<strong>da</strong><strong>de</strong> é uma forma <strong>de</strong> registro, preservaçãoe transmissão dos conhecimentos tão (ou mais) complexa quea escrita, pois emprega vários modos <strong>de</strong> expressão, tais comocorporali<strong>da</strong><strong>de</strong>, musicali<strong>da</strong><strong>de</strong>, gestos, narrativas, <strong>da</strong>nças, etc.É nessa perspectiva, talvez incomum para algumas pessoas,que as ativi<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>de</strong>ste bloco <strong>de</strong>vem ser realiza<strong>da</strong>s, a fim <strong>de</strong> refletirsignificados e conhecimentos <strong>cultura</strong>is que façam parte dos saberesafro-brasileiros, até então <strong>de</strong>svalorizados ou ignorados em espaçoseducativos e profissionais.Vale salientar que parte dos africanos passou a conviver coma orali<strong>da</strong><strong>de</strong> e também com a escrita surgi<strong>da</strong> no continente, no Egitoantigo. Tal surgimento, que <strong>da</strong>ta <strong>de</strong> cerca <strong>de</strong> cinco mil anos A.C, se<strong>de</strong>u por meio <strong>da</strong> escrita hieroglífica. Para alguns historiadores, essefato marca a passagem <strong>da</strong> pré-história para o início <strong>da</strong> história.Hoje nós temos a escrita como forma <strong>de</strong> apontamento <strong>de</strong>nossas memórias, mas ela não é a única forma <strong>de</strong> registrar os conhecimentos.A orali<strong>da</strong><strong>de</strong> serviu para preservar as manifestações<strong>cultura</strong>is africanas no Brasil. Sendo assim, a influência negra natradição musical brasileira, a capoeira, as formas <strong>de</strong> resistência, asreligiões <strong>de</strong> matriz africana e outras manifestações <strong>cultura</strong>is <strong>de</strong>diversos grupos étnicos foram passa<strong>da</strong>s <strong>de</strong> geração em geração,até chegarem aos dias atuais.A tradição oral, no universo africano e afro-brasileiro, revelauma dimensão criadora e ancestral, uma vez que os costumes,De olho na Cultura 87


os valores e a memória são revividos, por exemplo, em ca<strong>da</strong> cantiga,<strong>da</strong>nça, ritual e narrativas que expressam nossas marcas <strong>cultura</strong>isComo já afirmado, a palavra é um elemento primordial para acomposição <strong>da</strong>s relações individuais e grupais.Os africanos que foram escravizados no Brasil trouxeramconsigo seus rituais <strong>de</strong> celebração, seus valores, suas linguagens, suasreligiões, seus costumes. Trouxeram também suas vestimentas, penteados,temperos, canções, <strong>da</strong>nças, folhas, tambores, as técnicas nocampo <strong>da</strong> agri<strong>cultura</strong>, <strong>da</strong> metalurgia, <strong>da</strong> pesca, <strong>de</strong>ntre outros.Geografia <strong>da</strong> memóriaÉ possível percorrer espaços, gentes, vozes, imagens, épocas etc,para realizar um mapeamento ou geografia <strong>da</strong> nossa memória ancestralafro-brasileira? Para isso, pare, sinta, ouça e reflita arespeito.Faça isso por meio <strong>da</strong>s histórias conta<strong>da</strong>s por quem convivecom você, pelas festas, músicas, <strong>da</strong>nças e fotografias.Enquanto na África <strong>de</strong>staca-se a figura masculina como contadora<strong>de</strong> histórias, no Brasil, <strong>de</strong> modo geral, <strong>de</strong>staca-se a mulhernegra como guardiã <strong>da</strong> memória: ela é quem conta histórias paradormir, para educar, para trabalhar, para reverenciar a memóriados ancestrais e para festejar. Po<strong>de</strong>mos i<strong>de</strong>ntificar alguns <strong>de</strong>ssesaspectos nos textos a seguir:Texto AVovó BrandinaCaxinguelê - Lepê CorreiaTá aí, vovó BrandinaMeus filhos, meus pais, teus netosTá aí, negra velha minha,Bisavó, dos meus poemasMãe do parir <strong>de</strong>ste cantoNegro e belo que é teu par.Conta histórias do engenhoDa moen<strong>da</strong>, do cercadoDo chicote e homens bravosDa pele ebanifica<strong>da</strong>....88 De olho na Cultura


Texto BBabá AlapaláGilberto GilAganjúXangôAlapalá, alapaláAlapaláXangôAganjúO filho perguntou pro paiOn<strong>de</strong> é que tá meu avôO meu avôOn<strong>de</strong> é que táO pai perguntou pro avôOn<strong>de</strong> é que tá meu bisavôMeu bisavô on<strong>de</strong> é que táAvô perguntou bisavôOn<strong>de</strong> é que tataravôTataravô on<strong>de</strong> é que táTataravô,BisavôAvôPai Xangô, AganjúVivaEgumBabáAlapaláAganjúXangôAlapalá, alapaláAlapaláXangôAganjúAlapalá egumEspírito elevado ao céuMachado aladoAsas do anjo <strong>de</strong> aganjúAlapalá egumCaxinguelê - Lepê Correia (Edição do autor, 1993).Espírito elevado ao céuMachado astralDe olho na Cultura 89


Ancestral do metalDo ferro naturalDo corpo embalsamadoPreservando em bálsamo sagradoCorpo eterno e nobreDe um rei nagôXangôConstruindo saberes <strong>cultura</strong>isa) Releia os textos. Qual <strong>de</strong>les faz referência a um períodoespecífico <strong>da</strong> história <strong>da</strong> população negra no Brasil? Qual<strong>de</strong>les faz referência à <strong>cultura</strong> africana, especificamente aque povo?b) É possível i<strong>de</strong>ntificar uma referência à ancestrali<strong>da</strong><strong>de</strong>?Explique e exemplifique.c) Investigue quem é a pessoa negra mais antiga do bairroou <strong>da</strong> comuni<strong>da</strong><strong>de</strong> próxima. Se possível, grave uma entrevistacom ela. Para isso, prepare um roteiro sobre asquestões a serem feitas.d) O que a <strong>cultura</strong> africana tem a ver com metal, com ferro,ou seja, com a metalurgia?e) Quais as marcas <strong>de</strong> orali<strong>da</strong><strong>de</strong> presentes nos textos?(Gilberto Gil, Refavela, 1994)90 De olho na Cultura


Orali<strong>da</strong><strong>de</strong> e corpo em açãoA composição a seguir, intitula<strong>da</strong> Olodumaré, é <strong>de</strong> autoria <strong>de</strong> AntonioNóbrega e Wilson Freire, pesquisadores nor<strong>de</strong>stinos <strong>de</strong><strong>cultura</strong> popular (CD Ma<strong>de</strong>ira que cupim não rói - Na panca<strong>da</strong> do GanzáII, 1997). Olodumaré é o Ser Supremo (criador) do panteãoioruba.Você já <strong>de</strong>ve ter ouvido falar em alguma la<strong>da</strong>inha, ouviucânticos <strong>de</strong> procissão ou algo semelhante. Mantenha essa melodiana memória ao ler o texto a seguir. Se não conseguir, leia <strong>de</strong>vagar,criando um ritmo que marque a última palavra <strong>de</strong> ca<strong>da</strong> linha, <strong>de</strong>poistransporte esse ritmo, criando um movimento corporal.Se possível ouça a música.OlodumaréVou-me embora <strong>de</strong>ssa terra...– Olodumaré...Para outra terra eu vou...– Olodumaré...Sei que aqui eu sou querido...– Olodumaré...Mas não sei se lá eu sou...– Olodumaré...O que eu tenho pra levar...– Olodumaré...É a sau<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong>sse chão...– Olodumaré...Minha força, meu batuque...– Olodumaré...Heranças <strong>da</strong> minha Nação...Ain<strong>da</strong> me lembrodo terror <strong>da</strong> agonia,como um louco eu corriapara po<strong>de</strong>r escapar.E num porãoDe um navio, dia e noite,Fome e se<strong>de</strong> e o açoiteConheci, posso contar.Que o <strong>de</strong>stinoQuase sempre foi a morte,De olho na Cultura 91


Muitos só tiveram a sorte<strong>da</strong> mortalha ser o mar.Na nova terraNovos povos, novas línguas,Pelourinho, dor, à mínguaNunca mais pu<strong>de</strong> voltar.E mesmo escravoNas cal<strong>de</strong>iras <strong>da</strong>s usinas,Nas senzalas e nas minasNova raça fiz brotar.Hoje, essa terraTem meu cheiro, minha cor,O meu sangue, meu tambor,Minha saga pra lembrarAmpliando saberes:Em grupo, faça um levantamento <strong>da</strong> memória <strong>da</strong> sua Ci<strong>da</strong><strong>de</strong>ou Estado sobre a presença <strong>da</strong> população negra.a) busque elementos (fotos, quadros, ilustrações, histórias,cantigas antigas, reportagens, ví<strong>de</strong>os, sites etc) que evi<strong>de</strong>nciema <strong>cultura</strong> negra em sua região;b) procure e i<strong>de</strong>ntifique a presença feminina negra na memória<strong>da</strong> sua Ci<strong>da</strong><strong>de</strong>/Estado (no campo político, educacional,histórico, artístico, religioso, <strong>cultura</strong>l etc);c) pesquise e colete cantigas antigas que retratem as tradiçõese os costumes <strong>da</strong> população negra;d) Com base na música Olodumaré e nas reflexões realiza<strong>da</strong>s,diga qual a importância <strong>da</strong> orali<strong>da</strong><strong>de</strong>, <strong>da</strong> musicali<strong>da</strong><strong>de</strong> edos gestos corporais para a memória afro-brasileira.92 De olho na Cultura


Orali<strong>da</strong><strong>de</strong>, som e gestocomo forma <strong>de</strong> comunicaçãoO texto a seguir exige uma atenção <strong>maio</strong>r. Leia-o individualmente.Grife as partes que lhe chamam a atenção. Escreva o que vocêenten<strong>de</strong>u e discuta com seus colegas. O objetivo <strong>da</strong> leitura é obterinformações a respeito <strong>da</strong> orali<strong>da</strong><strong>de</strong> e corporei<strong>da</strong><strong>de</strong> comosímbolos ou significados <strong>de</strong> algumas manifestações <strong>cultura</strong>is oureligiosas. Trata-se <strong>de</strong> uma seleção <strong>de</strong> algumas partes do texto “AOralitura <strong>da</strong> Memória” <strong>da</strong> pesquisadora Le<strong>da</strong> Maria Martins, publicadono livro Brasil Afro-brasileiro (Autêntica, 2001) 1 .Nesse texto, a autora faz uma reflexão sobre a performancedo corpo grafado no tempo e na memória, através <strong>da</strong>s manifestaçõesdos Reinados e dos Congados (manifestações presentes naregião su<strong>de</strong>ste do país: Minas Gerais, Espírito Santo, São Paulo).Segundo Le<strong>da</strong> Martins, os Reinados ou Congados são umsistema religioso que se institui no âmbito <strong>da</strong> religião católica, veiculadospor cerimônias festivas e por celebrações que gravitamem torno <strong>de</strong> Nossa Senhora do Rosário, São Benedito, SantaEfigênia e Nossa Senhora <strong>da</strong>s Mercês. Os rituais <strong>de</strong>ssas manifestações,concretizados por meio <strong>de</strong> uma estrutura simbólica elitúrgica complexa, incluem a participação <strong>de</strong> grupos distintos,<strong>de</strong>nominados guar<strong>da</strong>s, e a instauração <strong>de</strong> um império negro, noâmbito do qual autos e <strong>da</strong>nças dramáticas, coroação <strong>de</strong> reis e rainhas,embaixa<strong>da</strong>s, atos litúrgicos cerimoniais e cênicos criam umaperformance mitopoética que reinterpreta as travessias dos negros<strong>da</strong> África às Américas.Essa recriação dos vestígios e reminiscências <strong>de</strong> uma organizaçãosocial ancestral remete ao papel e função do po<strong>de</strong>r realnas socie<strong>da</strong><strong>de</strong>s africanas transplanta<strong>da</strong>s para as Américas. Oaforisma Kicongo Ma’Kwen<strong>da</strong>! Ma’Kwisa!, O que se passa agora,retornará <strong>de</strong>pois, traduz com sabor a idéia <strong>de</strong> que o que flui no movimentocíclico permanecerá no movimento.Esse sistema <strong>de</strong> pensamento configura o sujeito como umaparte do cosmos; um dos anéis <strong>de</strong> um dínamo temporal curvilíneoque produz um movimento simultaneamente retrospectivo e1A obra foi organiza<strong>da</strong> pela pesquisadora, professorae militante do movimento negro <strong>de</strong> Salvador MariaNazareth S. Fonseca.De olho na Cultura 93


prospectivo, vertical e horizontal, circunscrevendo ain<strong>da</strong> no mesmoâmbito o tempo e o espaço como imagens reciprocamenteespelha<strong>da</strong>s. Nessa sincronia, o passado po<strong>de</strong> ser <strong>de</strong>finido como olugar <strong>de</strong> um saber e <strong>de</strong> uma experiência acumulativos, que habitamo presente e o futuro, sendo também por eles habitado.A mediação dos ancestrais, manifesta nos Congados pelaforça dos candomblés (os tambores sagrados), é a chave-mestrados ritos e é <strong>de</strong>la que advém a potência <strong>da</strong> palavra vocaliza<strong>da</strong> e dogesto corporal, instrumentos <strong>de</strong> inscrição e <strong>de</strong> retransmissão dolegado ancestral. Na performance ritual, o conga<strong>de</strong>iro, simultaneamente,espelha-se nos rastros vincados pelos antepassados,reificando-se, mas <strong>de</strong>les também se distancia, imprimindo, comona improvisação melódica, seus próprios tons e pega<strong>da</strong>s.Nos rituais, “ca<strong>da</strong> repetição é em certa medi<strong>da</strong> original, assimcomo, ao mesmo tempo, nunca é totalmente nova.” Esse processopendular entre a tradição e a sua transmissão institui ummovimento curvilíneo, reativador e prospectivo que integra sincronicamente,na atuali<strong>da</strong><strong>de</strong> do ato performado, o presente dopretérito e do futuro.O corpo em performance restaura, expressa e, simultaneamente,produz esse conhecimento, grafado na memória do gesto.Performar, neste sentido, significa repetir, transcriando, revisando.Ação restaura<strong>da</strong> é aquilo que po<strong>de</strong> ser repetido e recriado. A persistência<strong>da</strong> memória coletiva através <strong>de</strong> uma ação restaura<strong>da</strong> representauma forma <strong>de</strong> conhecimento potencialmente alternativa econtestatória – conhecimento corporal, hábito, costume.A memória dos saberes dissemina-se por inúmeros atos <strong>de</strong><strong>de</strong>sempenho, um mais além do registro gravado pela letra alfabética.Por via <strong>da</strong> performance corporal — movimentos, gestos, <strong>da</strong>nças,práticas performáticas, cerimônias <strong>de</strong> celebração e rituais — amemória seletiva do conhecimento prévio é instituí<strong>da</strong> e manti<strong>da</strong>nos âmbitos social e <strong>cultura</strong>l.Na performance dos congados, a palavra, articula<strong>da</strong> através<strong>de</strong> vogais, ressoa como efeito <strong>de</strong> uma linguagem pulsional do corpo,inscrevendo o sujeito emissor num <strong>de</strong>terminado circuito <strong>de</strong> expressão,potência e po<strong>de</strong>r. Como sopro, hábito, dicção e acontecimento,a palavra proferi<strong>da</strong> grafa-se na performance do corpo, lugar94 De olho na Cultura


<strong>da</strong> sabedoria. Por isso, a palavra, índice do saber, não se petrificanum <strong>de</strong>pósito ou arquivo imóvel, mas é concebi<strong>da</strong> cineticamente.Como tal, a palavra ecoa na corporei<strong>da</strong><strong>de</strong>, ressoando comovoz cantante e <strong>da</strong>nçante, numa relação expressiva que se faz entreos vivos, os ancestrais e os que ain<strong>da</strong> vão nascer.Nos congados a a<strong>de</strong>quação dos gestos e do canto é fun<strong>da</strong>mental:há cantos específicos para caminha<strong>da</strong>s, levantamento <strong>de</strong>mastros, sau<strong>da</strong>ções, evocações, cruzamentos, passagens <strong>de</strong> portase interseções. É assim, para ca<strong>da</strong> situação, pois a eficácia <strong>da</strong> palavrae seu po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> realização gestual <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>m <strong>da</strong> proprie<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong>sua execução. Daí a natureza divina <strong>da</strong> voz e o po<strong>de</strong>r sobrenaturaldo corpo nas religiões afro-brasileiras ressoarem a africani<strong>da</strong><strong>de</strong>.A partir <strong>da</strong>s informações do texto, notamos que um traçomarcante her<strong>da</strong>do <strong>da</strong> <strong>cultura</strong> africana, no Brasil, é a forma <strong>de</strong> compreen<strong>de</strong>r,representar e interpretar a vi<strong>da</strong> – o estar no mundo – apartir <strong>de</strong> uma íntima e harmônica interação entre corpo, som, falae gesto, na qual esses elementos estabelecem uma relação <strong>de</strong>complementari<strong>da</strong><strong>de</strong>. É nesse contexto que <strong>de</strong>vemos compreen<strong>de</strong>ra noção <strong>de</strong> performance que permeia o texto.Ro<strong>da</strong> <strong>de</strong> compreensão:Pense em outras manifestações religiosas e <strong>cultura</strong>is em que osgestos corporais constituam aspecto fun<strong>da</strong>mental. Talvez em seucurso ou enti<strong>da</strong><strong>de</strong> haja pessoas <strong>de</strong> várias regiões que po<strong>de</strong>m trocaridéias sobre isso.I<strong>de</strong>ntifique, através <strong>de</strong> pesquisa, um ponto do território brasileiroon<strong>de</strong> a presença negra seja pouco conheci<strong>da</strong> e divulga<strong>da</strong>oficialmente. Procure conhecer a reali<strong>da</strong><strong>de</strong> do norte ao sul do paísno que se refere às manifestações religiosas e/ou <strong>cultura</strong>is negrasou com forte influência negra e perceba como a tradição oral e osgestos corporais estão intimamente imbricados.Busque compreen<strong>de</strong>r como as relações entre corporali<strong>da</strong><strong>de</strong>e orali<strong>da</strong><strong>de</strong> foram e são uma forma inteligente que comuni<strong>da</strong><strong>de</strong>snegras utilizaram para manter seus conhecimentos, sua <strong>cultura</strong> esua ancestrali<strong>da</strong><strong>de</strong>. Procure obter mais informações sobre o tema.Você po<strong>de</strong> utilizar como ponto <strong>de</strong> parti<strong>da</strong> para sua pesquisa:De olho na Cultura 95


1. O Cacumbi, manifestação <strong>da</strong> região sul do país, típica doEstado <strong>de</strong> Santa Catarina; Toque <strong>de</strong> Orocongo, Fan<strong>da</strong>ngoem Porto Alegre;2. As Conga<strong>da</strong>s, Samba e Samba <strong>de</strong> Ro<strong>da</strong>, Jongo na regiãosu<strong>de</strong>ste;3. O Maracatu em Pernambuco; A Lavagem do Bonfim, naBahia;4. O Carimbó e o Lelê na Paraíba, o Bumba-Meu-Boi e o Reggaeno Maranhão e na região norte.5. O carnaval. Qual a importância <strong>da</strong> <strong>cultura</strong> negra para ocarnaval? Como ele é comemorado em nosso país? Quetipos <strong>de</strong> manifestações negras po<strong>de</strong>m ser encontra<strong>da</strong>s nocarnaval, nas diversas regiões do Brasil?Cultura carnavalescaPara compreen<strong>de</strong>r a importância <strong>da</strong> <strong>cultura</strong> negra no carnaval,<strong>de</strong>senvolva a pesquisa a seguir:1. Faça um estudo comparado entre as escolas <strong>de</strong> samba (naregião sul e su<strong>de</strong>ste) e os blocos afro, os afoxés e trioselétricos, no Norte e Nor<strong>de</strong>ste;1.1 Destaque as diferenças entre as formas <strong>de</strong> comemoraçãono ambiente rural e urbano;1.2 Investigue como se dá a representação feminina emasculina nessas manifestações.2. Mobilize a ro<strong>da</strong> <strong>de</strong> compreensão no tempo e no espaçobrasileiro. Organize uma cartilha a partir <strong>de</strong> sua pesquisae envie uma cópia para enti<strong>da</strong><strong>de</strong>(s) negra(s) e/ou paracentros <strong>de</strong> <strong>cultura</strong> <strong>da</strong> sua ci<strong>da</strong><strong>de</strong> ou do seu estado.3. Qual a importância <strong>da</strong>s manifestações <strong>cultura</strong>is negras queforam preserva<strong>da</strong>s?96 De olho na Cultura


Ginga <strong>da</strong> corporali<strong>da</strong><strong>de</strong>É Berimbau afoxé capoeiraÉ atabaque candomblé e gafieira (...)É berimbau capoeira um encontroÉ atabaque candomblé mais um pontoSalloma Salomão, Memórias Sonoras <strong>da</strong> Noite.Você já ouviu dizer que na África os tambores falam? Pois bem,no Brasil também é assim. Na capoeira a comunicação se faz conjuntamenteentre os movimentos do corpo, os sons dos váriosinstrumentos, as la<strong>da</strong>inhas e cantigas.Vejamos um trecho retirado do livro Luana, a menina que viuo Brasil neném <strong>de</strong> A. Macedo e O. Faustino (Editora FTD, 2000), emque os autores fazem referência a alguns golpes utilizados na capoeira:É rabo-<strong>de</strong>-arraia, é esquiva, rasteira e ginga prum lado epro outro, se safa do golpe ligeiro do pé <strong>de</strong> Babão. Se apruma esalta <strong>de</strong> novo, tasca um martelo, uma negativa... é poeira subindo...Ninguém segura Luana!Na capoeira encontra-se uma complexi<strong>da</strong><strong>de</strong> simbólica, conformeapontado no capitulo IV. Em primeiro lugar, ela foi umaluta que colocou em evidência a figura do/a guerreiro/a acima <strong>de</strong>tudo, treinado (a) para se <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r e se proteger.Em segundo lugar, foi também uma <strong>da</strong>nça utiliza<strong>da</strong> pelosescravos e, como to<strong>da</strong> <strong>da</strong>nça, foi marca<strong>da</strong> por diversos movimentose ritmos, dos quais se <strong>de</strong>staca a ginga, além <strong>da</strong>s músicas. Essa<strong>da</strong>nça, em parte, se mantém até hoje, inclusive nas ro<strong>da</strong>s e aca<strong>de</strong>miasespalha<strong>da</strong>s pelos centros urbanos e periferias <strong>de</strong> gran<strong>de</strong>s capitais,no Brasil, bem como em países como Estados Unidos <strong>da</strong>América e Alemanha.Em terceiro lugar, ela é um jogo, revelando-se como combinaçãoentre a <strong>da</strong>nça e a luta, com rituais que garantiram a perpetuaçãodo grupo social negro no tempo. Esse jogo ritual acontecemediante o diálogo entre alguns elementos. Vejamos:Um <strong>de</strong>les é a música, já que a capoeira é acompanha<strong>da</strong> poralguns instrumentos e pelas palmas. Na capoeira há uma base orques-De olho na Cultura 97


tral — espécie <strong>de</strong> bateria — composta por três berimbaus, <strong>de</strong>nominadosgunga, médio e viola, dois pan<strong>de</strong>iros, um reco-reco, um atabaquee um agogô. O jogo segue o ritmo ditado pela orquestra <strong>da</strong> capoeira.O berimbau — primeira caixa acústica — instrumento complexo<strong>de</strong> origem africana, é elemento central na capoeira. Seu somse faz presente no momento em que uma varinha bateritma<strong>da</strong>mente numa cor<strong>da</strong> <strong>de</strong> aço estica<strong>da</strong>. É acompanhado pelochocalhar do caxixi e por uma moe<strong>da</strong> ou pedra que, ao ser aproxima<strong>da</strong>ou afasta<strong>da</strong> do fio, forma ritmos diferenciados.As configurações <strong>da</strong> capoeira são retoma<strong>da</strong>s em todo ritual,<strong>de</strong>s<strong>de</strong> o espaço, cuja base é o solo <strong>de</strong> on<strong>de</strong> parte uma arquiteturacorporal envolvendo gestos ascensionais e <strong>de</strong>scensionais, os giros,a ginga. Os principais movimentos têm nomes interessantes.Vejamos alguns <strong>de</strong>les:a) Rabo-<strong>de</strong>-arraia: golpe traumatizante em que o capoeiristaapóia as mãos no solo, gira o corpo sobre a cabeça e procuraatingir com os calcanhares a cabeça do adversário;b) Esquiva: outro movimento <strong>de</strong>fensivo em que o jogadorse abaixa e se <strong>de</strong>sloca do lugar, apoiando-se em braços epernas dobrados;c) Rasteira: golpe que o lutador <strong>de</strong>sfere com a perna bemestira<strong>da</strong>, após <strong>de</strong>ixar-se cair para trás, para a frente oupara o lado, apoiando-se no solo com as duas mãos; estando<strong>de</strong> pé, o lutador mete a perna ou o pé entre aspernas do adversário, para <strong>de</strong>rrubá-lo;d) Martelo: golpe em que o capoeirista usa o dorso do pépara golpear seu adversário no rosto ou no tronco;e) Negativa: movimento <strong>de</strong>fensivo em que o lutador se abaixae torce o corpo, esten<strong>de</strong>ndo uma <strong>da</strong>s pernas e apoiandouma <strong>da</strong>s mãos no chão.A ginga, na capoeira, é um movimento fun<strong>da</strong>mental, do qualpartem todos os golpes ofensivos ou <strong>de</strong>fensivos. O capoeiristaprocura iludir e <strong>de</strong>snortear o adversário, agitando-se, sem <strong>de</strong>ixar<strong>de</strong> manter a base <strong>de</strong> apoio, em conjugação com as pernas.98 De olho na Cultura


Gesto ritmadoO capoeirista não é aqueleque sabe movimentar o corpo,é aquele que sabe movimentar a almaMestre Pastinha.Após a <strong>de</strong>scrição <strong>de</strong> alguns movimentos <strong>da</strong> capoeira, faça algumastentativas. Experimente fazer um <strong>de</strong>sses movimentos. Seriainteressante convi<strong>da</strong>r algum grupo <strong>de</strong> capoeira para fazer essainteração, colocando todos para <strong>da</strong>nçar e complementando asinformações. Importa aqui movimentar o corpo buscando a consciênciados gestos e dos movimentos.De modo geral, gingar é balançar o corpo <strong>de</strong> um lado parao outro, ro<strong>de</strong>ar, remexer, <strong>de</strong>sviar, oscilar, enganar. Observe osmovimentos <strong>da</strong>s pessoas numa ro<strong>da</strong> <strong>de</strong> capoeira e em uma parti<strong>da</strong><strong>de</strong> futebol. Você nota alguma semelhança entre a ginga nacapoeira e os movimentos dos jogadores no futebol? Discutaum pouco sobre isso com seus colegas.Na <strong>cultura</strong> afro-brasileira, orali<strong>da</strong><strong>de</strong>-corporali<strong>da</strong><strong>de</strong>-musicali<strong>da</strong><strong>de</strong>não se separam. A fala ou o canto imprimem um ritmoque se traduz na linguagem dos gestos. A guisa <strong>de</strong> exemplo, citamosa embola<strong>da</strong> — forma poética e musical organiza<strong>da</strong> em compassobinário, po<strong>de</strong>ndo ser improvisa<strong>da</strong> ou não — cuja melodia<strong>de</strong>clamatória, em valores rápidos e intervalos curtos, é utiliza<strong>da</strong>pelos solistas como refrão corporal ou dialogado. É possível i<strong>de</strong>ntificara embola<strong>da</strong> em manifestações <strong>cultura</strong>is como o coco e os<strong>de</strong>safios nor<strong>de</strong>stinos.Leia o texto a seguir, <strong>de</strong> Thaí<strong>de</strong>, gran<strong>de</strong> representante domovimento Hip Hop, <strong>da</strong> ci<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> São Paulo. Participações especiais:Chico César (cantor maranhense) e Nelson Triunfo ( educadore <strong>da</strong>nçarino <strong>de</strong> música negra nascido em Pernambuco). Sepossível, ouça a música para perceber e sentir o <strong>de</strong>senrolar do<strong>de</strong>safio, atrelado ao rap.De olho na Cultura 99


Desafio no rap embola<strong>da</strong>É o Rap embola<strong>da</strong>/ É o Rap e o repente rebentando naquebra<strong>da</strong>Duelo <strong>de</strong> Titãs, atenção irmãos, irmãs/ Acen<strong>de</strong>ram opavio, Nelson fez o <strong>de</strong>safio e Thaí<strong>de</strong> aceitou/ Vai começara disputa, vale tudo nessa luta/ Coco, Hip Hop,Soul/ Quem não conhece Nelsão, aquelecara comprido/ Magro, parece um palito, e com ocabelão/ Hoje tá no Hip Hop, mas já foi do soul/ Melembro <strong>da</strong> primeira vez que a gente conversou/ Masisso é passado, tô muito invocado/ Porque emDia<strong>de</strong>ma ele me <strong>de</strong>safiou/ Tô ligado que ele é do nor<strong>de</strong>ste/Minha rima vai mostrar que eu também soucabra <strong>da</strong> peste/ Vou me transformar em tesoura, cortaro cabelo <strong>de</strong>le/ E pôr <strong>de</strong>baixo do tapete com umavassoura/ Vou até o fim <strong>de</strong>ssa batalha/ Vai ser difícilsuperar a minha leva<strong>da</strong>/ No verso eu faço a treta/ Tedou um nó <strong>de</strong> letra/ Abro e enfio o microfone na tuacabeça/ Sou eu o responsável pela tua esperteza/ Vocênão me assusta/ Então cresça e apareça/ < Nelsão>Você provocou agora/ Vonta<strong>de</strong> também consola/ Vocêdiz que dá na bola/ Na bola você não dá/ Cabra Thaí<strong>de</strong>você po<strong>de</strong> se lascar/ Se você vier para cima, vai cairna sua rima/ Nem Deus que tá lá em cima vai po<strong>de</strong>rte segurar/ Você disse no CD “Preste Atenção”/ Masagora <strong>de</strong>u manca<strong>da</strong> e per<strong>de</strong>u sua razão/ Eu ouvi vocêdizer que vai cortar meu cabelão/ Eu tô no ar, voureagir/ A poeira vai subir/ E a gente vai sumir/ Porqueno mundo ninguém jamais me tirou assim/ Homempra bater em mim/ Se nasceu, não se criou e, secriou, já levou o fim/ Eu curto Luiz Gonzaga, e o meupai Tropical/ Conheço o bem e o mal e som do JamesBrown/ Danço Break, Samba, Soul, sou poeta e coisae tal/ Meu cabelo foi tombado, é patrimônio nacional/Dentro do mundo <strong>da</strong> mo<strong>da</strong>, seguiu pela contramão/Do estilo Black Power é a foto original/ Então,irmão, preste a atenção/ Meu cabelo é real, não éficção/ Aqui é Nelsão, <strong>de</strong>scen<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> Sansão/ Refrão/Bicho pegou nessa que<strong>da</strong> <strong>de</strong> braço/ Dois homens<strong>de</strong> aço estão frente a frente/ A força <strong>da</strong> mente, doverso ligeiro/ Feliz nessa luta é quem está frente afrente/ A força <strong>da</strong> mente, do verso ligeiro/ Feliz nessaluta é quem sai inteiro/ E diz a ver<strong>da</strong><strong>de</strong> para to<strong>da</strong>gente/ Sei que você não é <strong>de</strong> na<strong>da</strong>/ Man<strong>de</strong>logo a embola<strong>da</strong>, se prepara pra batalha/ Porque aqui100 De olho na Cultura


é escorpião, é um tiro <strong>de</strong> canhão/ Não respeita sol<strong>da</strong>doraso, nem mesmo capitão/ Te jogo no chão, seliga, Nelsão/ Não leva uma comigo só porque é grandão/O meu facão é meu microfone e tô com ele namão/ Te dou lápis, ca<strong>de</strong>rno, borracha, régua, compasso/Sua matrícula eu faço para te ensinar a lição/ Me ensinar a lição? Sai <strong>de</strong>ssa, meu irmão!/Sou formado/ Sou um gran<strong>de</strong> ci<strong>da</strong>dão/ Eu sei que écerto, errado/ Também sou escorpião/ Eu não voulhe maltratar/ Só quero lhe preparar para fazer ovestibular/ Conheço muita gente/ A <strong>maio</strong>riainteligente/ Veja bem nesse exemplo que eu nãoestou só/ Conheço RZO, DMN, XIS, GOG, ZÁFRICABRASIL/ Todos componentes Hip Hop do Brasil/ Enão acabou, e tal; conheço Nino Brown/ CharlieBrown, Zé Brown, Paulo Brown, na<strong>da</strong> mau/ Se ain<strong>da</strong>não te convenci, conheço mano Brown/ Não vem que não tem, conheço eles também/ E atédou um toque/ São todos do Hip Hop/ Você diz que éB. Boy, mas minha <strong>da</strong>nça lhe <strong>de</strong>strói/ Sinto pena <strong>de</strong>você, mas na<strong>da</strong> posso fazer/ Então a seqüência,movimento em ação/ Vou te <strong>de</strong>tonar agorano break <strong>de</strong> chão/ Do giro <strong>de</strong> cabeça, passo pro moinho<strong>de</strong> vento/ Aprendi lá na São Bento parar no giro<strong>de</strong> mão/ Parar no giro <strong>de</strong> mão, isso nãome assusta não/ sou forte que nem tornado/ Vou edou pião/ Me transformo em tempesta<strong>de</strong>/ Te jogo lápro sertão/ Valeu, Nelsão, você é muitobom/ Falô Thaí<strong>de</strong>, você é bom também/Então agora vamos apertar as mãos/ porque no Rapembola<strong>da</strong> não tem pra ninguém/ Ninguém per<strong>de</strong>u,todo mundo ganhou/ pois o povo apren<strong>de</strong>u com ocantador/ Veja aí, meu povo, vem do mesmo ovo/ oRap, o repente, o neto e o avô/ Veja aí meu povo, vemdo mesmo ovo/ O Rap, o repente, o neto e o avô/ É oRap embolaaaa<strong>da</strong>...Ampliando saberesEsse texto é um misto <strong>de</strong> Rap (ritmo e poesia) e Repente(qualquer improviso ou verso improvisado). Ambas as formas seconstróem com base na orali<strong>da</strong><strong>de</strong>, no canto improvisado em forma<strong>de</strong> <strong>de</strong>safio, no ritmo e na corporali<strong>da</strong><strong>de</strong>. Observe a expressãocorporal dos rappers, dos repentistas e improvisadores, em geral.De olho na Cultura 101


Mente em açãoNote que o jogo <strong>de</strong>safio exige que se tenha a força <strong>da</strong> mente, do versoligeiro. Em uma passagem do texto, Nelsão (Nelson Triunfo) afirma:... Sou formado/ Sou um gran<strong>de</strong> ci<strong>da</strong>dão/ Eu sei que é certo, errado/Também sou escorpião/ Eu não vou lhe maltratar/ Só quero lhe prepararpara fazer o vestibular. Agora é sua vez, crie uma rima <strong>de</strong>safio, recheiecom uma linguagem metafórica, cujo tema tenha a ver comos <strong>de</strong>safios <strong>da</strong> juventu<strong>de</strong> para enfrentar o vestibular, o mercado<strong>de</strong> trabalho ou a violência.1. O que você sabe a respeito do Hip Hop? Faça umapesquisa sobre esse movimento. Alguns estilos sãocitados no texto (rap e break). Analise outras manifestaçõesque você conheça ou venha a conhecer, apartir <strong>da</strong> sua pesquisa, tais como: bumba-meu-boi,lundu, cacuriá, tambor <strong>de</strong> criola e coco.2. Leia o trecho a seguir e procure interpretar o que éblack power: Meu cabelo foi tombado, é patrimônio nacional/Dentro do mundo <strong>da</strong> mo<strong>da</strong>, seguiu pela contramão/Do estilo Black Power é a foto original/ Então, irmão, prestea atenção/ Meu cabelo é real, não é ficção.3. Aceite o <strong>de</strong>safio <strong>de</strong> criar algumas rimas e expresseasem movimentos corporais. Reúna-se com maispessoas e veja se é possível criar novos movimentosou expressões. Ensaiem, coloquem o corpo emcena. Aperfeiçoem a performance para apresentálapara outros grupos ou em uma ocasião especialpara a instituição <strong>da</strong> qual você participa.102 De olho na Cultura


NOSSA LÍNGUA AFRO-BRASILEIRAOkitalandêKuá mabu kibukoSiá itó (…)Mukí okitalandê azan unguí zukaláGuerreiro EspertoVocê tem sorteEu também (…)A força do guerreiro é o segredo(Lepê Correia)De olho na Cultura 103


104 De olho na Cultura


As línguas em nossa línguaA língua é um fenômeno social que <strong>de</strong>signa um grupo étnico,sua <strong>cultura</strong>, seus costumes e crenças, espaço territorial e forma<strong>de</strong> organização. O ca<strong>de</strong>rno <strong>de</strong> educação do Projeto <strong>de</strong> ExtensãoIlê Aiyê 1 nos explica que as línguas africanas têm seus sons, suasgramáticas, suas formas <strong>de</strong> escrita, suas expressões literárias, seusfonemas, seus números.No Brasil, com a escravização dos africanos, um dos recursosutilizados pelos colonizadores foi evitar a comunicação entreos membros <strong>de</strong> um mesmo grupo étnico, que compartilhavamuma mesma língua. Costumava-se separar os africanos que tivessemuma origem comum, a fim <strong>de</strong> que não cultivassem seus costumes,valores e conhecimentos, sua linguagem.Essa estratégia impediu, por um lado, que preservássemosas diversas línguas africanas, mas, por outro, fez com que a línguaportuguesa sofresse alterações semânticas, sintáticas, morfológicase fonológicas. Na ver<strong>da</strong><strong>de</strong>, a influência do falar africano e indígenano Brasil fez com que tivéssemos uma língua menos rígi<strong>da</strong>,mais afetiva, criativa, musical e marca<strong>da</strong> pela orali<strong>da</strong><strong>de</strong>. Na<strong>da</strong> dissofoi vivido sem resistência, reação e busca <strong>de</strong> estratégias para sobreviver,se comunicar, sublevar-se, mantendo vivas as tradições.O texto a seguir, uma música do grupo Ilê Aiyê, resgata emnossa memória a Revolta dos Malês. Essa foi uma <strong>da</strong>s revoltas que<strong>de</strong>monstraram a forma <strong>de</strong> organização e <strong>de</strong> resistência <strong>de</strong> gruposescravizados, no Brasil do século XIX.De olho na Cultura 1051A Associação Cultural Bloco Carnavalesco Ilê Aiyê éuma instituição negra que realiza um trabalho histórico<strong>de</strong> resgate dos valores civilizatórios africanos. Éum bloco afro tradicional <strong>de</strong> Salvador/BA, NúmeroIX, África Ventre Fértil do Mundo,


Levante <strong>de</strong> Sabres <strong>Africanos</strong>(Guellwaar & Moa Catendê)Levante <strong>de</strong> Sabres... a noite caiu,(A noite <strong>da</strong> glória talvez)Na hora <strong>da</strong> ver<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> gran<strong>de</strong>s sábios malêsComo fúria e sonhos na tez.1835 voltas do mundo malê,Um sonho tão belo foi sub-traído.Mas ressoa no coro do majestoso Ilê (bis)Por to<strong>da</strong> ci<strong>da</strong><strong>de</strong> vitorioso.RefrãoCante! Aê, aêVibre! Aê, eáNinguém cala a boca <strong>de</strong> Babba Almami(Carcará)O po<strong>de</strong>r era o fim e a rainha esqueci<strong>da</strong> Luiza MahinTemperou a revolta no tempo <strong>da</strong> memóriaEm nome <strong>de</strong> Allah se o dono <strong>da</strong> terraPara calafatear nosso caminho.Só quem tem patuá não tem medo <strong>da</strong> guerraEscorrega, levanta e nunca está sozinho.Alufás: Dassalú, Dan<strong>da</strong>rá, Salin,Licutan, Nicobé, Ahuna...Construindo saberes1. O que foi a Revolta dos Malês? Por que o título Levante <strong>de</strong>Sabres? Faça uma pesquisa para obter <strong>maio</strong>res informaçõessobre as principais revoltas ou insurreições dos/asescravos/as no Brasil. Destaque a participação femininanesses movimentos.2. Após a pesquisa, procure comentar a importância <strong>de</strong>ssasrevoltas para a i<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong> e a resistência negra, no Brasil.3. Qual a origem do termo malê? O que significa? O queessa revolta tem a ver com o islamismo e Allah?4. Procure informações sobre alguns nomes citados no texto,tais como Luiza Mahim, Babba Almami e Dan<strong>da</strong>rá.5. O que quer dizer “Um sonho tão belo foi sub-traído”?6. Procure o significado <strong>de</strong> patuá e Alufás.106 De olho na Cultura


As palavras a seguir têm origem africana. Provavelmente,você conhece a <strong>maio</strong>ria <strong>de</strong>las. Esse reduzido quadro nos mostra aforte influência <strong>de</strong> falares africanos no falar brasileiro.quilombo, banana, ginga, cafuné, bingo, cachimbo,Oxalá, cabaça, toco, tempo, moleque, bengala, cuíca,curinga, <strong>de</strong>ndê, <strong>de</strong>ngue, Iemanjá, caçula, fuzuê,quizomba, orixá, <strong>de</strong>ndê, afoxé, axé, cachaça, Zumbi,malungo, sopapo, taco, tagarela, zangado, bun<strong>da</strong>,canjica, banzo, olubajé, boboca, Boi-Bumbá, bugiganga,pururuca, potoca, mugunzá.A <strong>maio</strong>ria <strong>de</strong>ssas palavras se origina <strong>de</strong> um tronco lingüístico<strong>de</strong>nominado bantu, o que mais influenciou a língua portuguesano Brasil. Para obtermos um pouco mais <strong>de</strong> informações sobre aquestão, vamos ler um texto do antropólogo Kabenguele Munanga,publicado em Dossiê sobre o Negro, Revista <strong>da</strong> USP, 1998.Nota lingüísticaA ortografia <strong>da</strong>s palavras em línguas bantu dispensa a representação<strong>da</strong> tonali<strong>da</strong><strong>de</strong>, fenômeno característico <strong>de</strong>ssas línguas. Essatonali<strong>da</strong><strong>de</strong> é marca<strong>da</strong> pelos tons baixo (por exemplo /à/), alto (/á/), montante (/ã/), <strong>de</strong>scen<strong>de</strong>nte (/â/). Exemplo: Kílómbò.Utilizam-se o alfabeto africano para grafar alguns nomes.Os nomes <strong>de</strong> povos ou grupos <strong>cultura</strong>is são precedidos <strong>de</strong> prefixosclassificadores: mu, indicando o singular e ba indicando o plural.Exemplos: mukongo (mu-kongo), indivíduo que pertence à etniaKongo; plural bakongo (ba-kongo). Mas, na literatura etnográfica,costuma-se dispensar os prefixos classificadores, anotando apenasos radicais dos nomes dos povos. Por exemplo: os lun<strong>da</strong>; oskongo; os mbundu; os jaga, etc.Às vezes, faz-se confusão entre o nome dos povos e suasrespectivas línguas que sempre conservam o mesmo radical comprefixo classificador diferente. Por exemplo: povo bakongo, línguaKikongo; povo mbundu, língua Kalun<strong>da</strong>; povo ovimbundu,língua umbundu.Bantu, que hoje <strong>de</strong>signa uma área geográfica contígua e umcomplexo <strong>cultura</strong>l específico <strong>de</strong>ntro <strong>da</strong> África negra, é uma palavraher<strong>da</strong><strong>da</strong> dos estudos lingüísticos oci<strong>de</strong>ntais. Os estudiosos <strong>da</strong>sDe olho na Cultura 107


línguas fala<strong>da</strong>s no continente africano, ao fazer estudos comparativos<strong>de</strong>ssas línguas, a partir do mo<strong>de</strong>lo <strong>da</strong>s línguas indo-européias,chegaram a classificá-las em algumas famílias principais, <strong>de</strong>ntreessas, a família <strong>da</strong>s línguas bantu.O estudo <strong>de</strong> algumas palavras principais revelou a existência<strong>da</strong>s mesmas raízes com o mesmo conteúdo entre esses povos.Todos empregam, por exemplo, a palavra –ntu (muntu, singular, ebantu, plural) para <strong>de</strong>signar pessoa, o ser humano. Por isso, essaslínguas foram batiza<strong>da</strong>s <strong>de</strong> bantu pelos lingüistas oci<strong>de</strong>ntais. Amesma palavra passou a i<strong>de</strong>ntificar os povos que falam essas línguas,enquanto um complexo <strong>cultura</strong>l ou civilizatório, <strong>de</strong>vido àcontigüi<strong>da</strong><strong>de</strong> territorial e aos múltiplos contatos, mestiçagens eempréstimos facilitados pela proximi<strong>da</strong><strong>de</strong> geográfica entre eles.Ampliando repertóriosO estudo do texto Dinha Mira, do historiador e compositor mineiroSalloma Salomão, oferecerá subsídios para <strong>de</strong>sven<strong>da</strong>rmos algumasmarcas presentes na língua portuguesa por influência africana.Dinha Mira(Salloma Salomão)Fui na cacimba tirar águaFui tirar água pra beberTinha um espelho <strong>de</strong>ntro d’águaE o espelho quis me pren<strong>de</strong>rÔ Dinha, eu vi na cacimba quimeraEu vi nas quimera mandingaVi tudo o que os eguns <strong>de</strong> GuinéÔ Dinha Mira se to<strong>da</strong> beleza é nquizilaSe to<strong>da</strong> tristeza é quebrantoMe diga on<strong>de</strong> vou me escon<strong>de</strong>rTecendo interpretações:1 I<strong>de</strong>ntifique no texto as seguintes marcas:a) colocação dos pronomes átonos em início <strong>de</strong> frase;b) utilização dos artigos no plural,com o substantivo nosingular;108 De olho na Cultura


c) uso <strong>de</strong> diminutivos em nomes próprios ou formas<strong>de</strong> tratamento.2 Resolva a chara<strong>da</strong> a seguir: A palavra é <strong>de</strong> origem bantue significa antipatia, inimiza<strong>de</strong>, <strong>de</strong>sentendimento, proibição,problema. Com o tempo se transformou e hojeestá, por exemplo, nas seguintes expressões: Eu <strong>de</strong>testozica entre amigos; Você está zicado ou Que zica, hein!?Explorando nossa línguaSão poucos os estudos acerca do repertório lingüístico <strong>de</strong> origemafricana no Brasil. A religião é uma <strong>da</strong>s áreas que conservam marcaslingüísticas dos valores ancestrais negros. A estudiosa Ye<strong>da</strong>Pessoa <strong>de</strong> Castro, professora <strong>da</strong> Universi<strong>da</strong><strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral <strong>da</strong> Bahia,<strong>de</strong>dicou-se a romper o silêncio existente sobre as línguas africanasno Brasil. A fim <strong>de</strong> <strong>da</strong>r voz e vez às línguas silencia<strong>da</strong>s, teremosa oportuni<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> conhecer o que a autora expressa sobre oassunto, no artigo “Colaboração, Antropologia e Lingüística nos<strong>Estudos</strong> Afro-Brasileiros” (Pallas, 1999).Antropologia e LingüísticaJá o comportamento dos lingüistas em relação aoinfluxo <strong>de</strong> línguas africanas no português do Brasilé o “lavar as mãos”, como Pilatos. Em outros termos,alegando a falta <strong>de</strong> documentos lingüísticos dotempo <strong>da</strong> escravidão, prefere-se <strong>da</strong>r por encerrado esseassunto (...). Ou, então, atribuir a responsabili<strong>da</strong><strong>de</strong><strong>de</strong>ssa tarefa aos africanistas que li<strong>da</strong>m com o conceito<strong>de</strong> religião, a partir <strong>da</strong> conclusão não menos absur<strong>da</strong><strong>de</strong> que os falares africanos foram resguar<strong>da</strong>dosnos terreiros, confinados ao uso exclusivamente<strong>de</strong> natureza litúrgica, sem que tivessem participadodo processo <strong>de</strong> configuração do perfil <strong>da</strong> língua portuguesado Brasil, o que também não é ver<strong>da</strong><strong>de</strong>iro.Por outro lado, esse distanciamento <strong>da</strong>s línguas africanas,que se reflete na sua ausência dos currículosuniversitários, tem um motivo não confessado, ouseja, não admitir que línguas <strong>de</strong> tradição oral pu<strong>de</strong>sseminfluir em uma língua <strong>de</strong> reconhecido prestígioliterário como a portuguesa. Conseqüentemente, segundoessa apreciação, os fatos que po<strong>de</strong>m <strong>de</strong>nunci-De olho na Cultura 109


ar um movimento em direção oposta são vistos como “traçosmal disfarçados pelo português” em lugar <strong>de</strong> expressões<strong>de</strong> resistência dos falantes africanos ante um sistemalingüístico estranho que servia a sua escravização, aexemplo <strong>da</strong> redução e simplificação <strong>da</strong>s formas verbais“nós vai, nós fala” etc, <strong>de</strong> uso generalizado na linguagempopular do Brasil.’O texto abaixo foi retirado do livro Bantos e Malês e i<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong>negra, <strong>de</strong> Nei Lopes (Forense Universitária, 1988). Esse estudiosoapresenta, em sua pesquisa, as várias influências africanas no falarbrasileiro, principalmente as mu<strong>da</strong>nças na fonética. Vejamos algumas<strong>de</strong>las:Pai Joãoautor/a <strong>de</strong>sconhecido/aLundu [<strong>da</strong>nça <strong>de</strong> origem africana]Quando Iô tava na minha teráIô chamava capitão,Chega na terá <strong>de</strong> baranco.Iô mi chama – Pai João.Grupos consonantais são separados pela inclusão ou <strong>de</strong> umgrupo vocálico ou <strong>de</strong> uma vogal. Exemplo: baranco, por branco.Mais abaixo, veremos os termos: cane, ao invés <strong>de</strong> carne, fruta nolugar <strong>de</strong> furta.Quando Iô tava na minha teráComia minha garinha,Chega na terá dim baranco,Cane seca co farinha.O r com pronúncia forte não existe na língua bantu, porisso é substituído pelo l ou pelo r fraco. Como terra por tera, galinhapor garinha.Quando Iô na minha teráIô chamava generáChega na terá dim baranco, (...)110 De olho na Cultura


A supressão do l ou r no final <strong>da</strong>s palavras. Exemplo: generáno lugar <strong>de</strong> general, aturá no <strong>de</strong> aturar.Dizofor dim barancoNó si póri aturá,Ta comendo, ta... drumindo,Man<strong>da</strong> negro trabaiáO fonema lh transforma-se em i. Exemplo: trabaiá ao invés<strong>de</strong> trabalhar.Baranco — dize quando moreJezuchrisso que levou,E o pretinho quando moreFoi cachaxa que matouNosso preto quando frutaVai pará na coreçãoSinhô baranco quando frutaLogo sai sinhô barão.Uso dos diminutivos <strong>de</strong> nomes próprios ou <strong>de</strong> apelidos <strong>de</strong>tratamento: exemplo: sinhô, dinhinha. Po<strong>de</strong>-se encontrar o registro<strong>de</strong> <strong>de</strong>formação <strong>de</strong> nomes próprios. Joca, Chico, Zeca, Doca.Após a leitura dos textos apresentados neste capítulo, você<strong>de</strong>verá fazer as ativi<strong>da</strong><strong>de</strong>s:1. Passe a observar a presença <strong>de</strong> algumas influências nasfalas <strong>da</strong>s pessoas, em textos poéticos, nas cantigas (<strong>de</strong>capoeira, conga<strong>da</strong>s, maracatus, cocos, ciran<strong>da</strong>s, batuquesetc), nas embola<strong>da</strong>s, no rap.2. Um texto, além <strong>da</strong>s marcas e influências lingüísticas, apresenta– do ponto <strong>de</strong> vista do sentido (<strong>da</strong> semântica) –informações importantes que são apreendi<strong>da</strong>s a partir docontexto em que se fala ou se escreve. O “eu” <strong>da</strong> cançãofaz uma acusação e se <strong>de</strong>fen<strong>de</strong> ao mesmo tempo. Qual acrítica presente no texto e a que contexto <strong>de</strong> nossa históriase refere?3. Que informações ou hipóteses po<strong>de</strong>mos levantar, a partir<strong>da</strong>s duas últimas estrofes?De olho na Cultura 111


4. Um dos significados <strong>de</strong> territoriali<strong>da</strong><strong>de</strong> é: área que umgrupo ocupa e que é <strong>de</strong>fendi<strong>da</strong> contra a invasão <strong>de</strong> outros indivíduos<strong>da</strong> mesma espécie. Na primeira estrofe do lundu, <strong>de</strong> queforma aparece a alusão à territoriali<strong>da</strong><strong>de</strong>?Recorremos mais uma vez ao texto <strong>de</strong> Munanga Kabenguelê,Nota lingüística, sobre a população negra e africana para discutir anoção <strong>de</strong> territoriali<strong>da</strong><strong>de</strong> e <strong>cultura</strong>.(...) os escravos africanos e seus <strong>de</strong>scen<strong>de</strong>ntes nuncaficaram presos aos mo<strong>de</strong>los i<strong>de</strong>ológicos exclu<strong>de</strong>ntes.Suas práticas e estratégias <strong>de</strong>senvolveram-se <strong>de</strong>ntrodo mo<strong>de</strong>lo trans<strong>cultura</strong>l, com o objetivo <strong>de</strong> formari<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong>s pessoais ricas e estáveis que nãopodiam estruturar-se unicamente <strong>de</strong>ntro do limite<strong>de</strong> sua <strong>cultura</strong>. Tiveram uma abertura externa emduplo sentido para <strong>da</strong>r e receber influências <strong>cultura</strong>is<strong>de</strong> outras comuni<strong>da</strong><strong>de</strong>s, sem abrir mão <strong>de</strong> suaexistência enquanto <strong>cultura</strong> distinta e sem <strong>de</strong>srespeitaro que havia <strong>de</strong> comum entre os seres humanos.Visavam à formação <strong>de</strong> i<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong>s abertas,produzi<strong>da</strong>s pela comunicação incessante com o outro.Precisamos <strong>de</strong>sse exemplo <strong>de</strong> união legado pelaRepública <strong>de</strong> Palmares para superar e erradicar oracismo e seus duplos.De olho na língua:1. Amplie seu universo <strong>de</strong> compreensão, investigue um poucomais sobre o tema territoriali<strong>da</strong><strong>de</strong> e sobre a importânciados vários quilombos que existiram e existem até hojeem to<strong>da</strong>s as regiões do nosso país.Visite sites que tratamdo tema quilombos. Elabore um texto dissertativo sobre arelação territoriali<strong>da</strong><strong>de</strong>-quilombo e reforma agrária.2. Leia o texto a seguir, <strong>de</strong>nominado Carreira. Consulte textose dicionários especializados, tais como o Novo dicionáriobanto do Brasil (Pallas, 2003) <strong>de</strong> Nei Lopes “Das LínguasAfricanas ao Português do Brasileiro” (Afro-Ásia,CEAO, nº 14, 1983) e “Notícia <strong>de</strong> uma Pesquisa em África”(Afro-Ásia, CEAO, nº 1, 1965), <strong>da</strong> pesquisadora Ye<strong>da</strong>Pessoa <strong>de</strong> Castro. Procure i<strong>de</strong>ntificar as influências estu<strong>da</strong><strong>da</strong>saté o momento, outras que você conheça ou tenhapercebido em seu exercício <strong>de</strong> leitura.112 De olho na Cultura


Carreira(Teotônio e Bomba)Vô lembrá dos velho tempo/dos tempo <strong>da</strong> escravidão/que o negro não sabia lê/ e só sofria judiação (bis)// onegro nego não sabia lê/ e só sofria judiação/ e trabaiavasol a sol/ in<strong>da</strong> apanhava do patrão// (Teotônio) “Mai´no mei´<strong>de</strong> nego burro/tinha um nego que era bão/ osinhô comprô o nego/eu vou contá que aflição/ eJoãozinho ven<strong>de</strong>u pa Pedro/ e ven<strong>de</strong>u por <strong>de</strong>z tostão/quando chegô no caminho/ olhe lá que confusão/ elepediu o nome do home/ home negô istrivo (estribo),disse que não/ meu nome, meu nome é fogo/ vô dá respostaa sinhô/ veja, o seu nome é fogo/ ce vai perdê suadireção/ eu sô água que apaga fogo/ on<strong>de</strong> que o nego éprisão/ eu sô água que apaga fogo/ eu não sô negoturrão// e se ocê batê ni mim/ sua muié chora sem razão//porque o negrinho era <strong>de</strong>cente/ e era burro inteligente<strong>de</strong> nação/ era burro inteligente <strong>de</strong> nação”. 2Ouvimos falar em preconceito contra o negro, o idoso, amulher, o/a jovem etc. E preconceito lingüístico, o que é? Descubrae veja como ele po<strong>de</strong> estar relacionado ao texto estu<strong>da</strong>do.2CD Batuques do Su<strong>de</strong>ste. Documentos Sonoros Brasileiros– Acervo Cachuera! , Coleção Itaú Cultural, SP.De olho na Cultura 113


Linguagem e po<strong>de</strong>r... A começar do nível mais elementar <strong>de</strong> relaçõescom o po<strong>de</strong>r, a linguagem constitui o arame farpadomais po<strong>de</strong>roso para bloquear o acesso ao po<strong>de</strong>r...(Gnerre)Reveja como a relação <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r na linguagem está expressa nostextos anteriores. Como você se posiciona em relação à epígrafe?Por quê?Ca<strong>da</strong> vez mais a linguagem vem sendo reafirma<strong>da</strong> como espaço<strong>de</strong> po<strong>de</strong>r e como aspecto fun<strong>da</strong>mental na preservação <strong>da</strong>memória, na construção <strong>de</strong> versões sobre as informações <strong>cultura</strong>is,como instrumento <strong>de</strong> saber. Se quisermos aludir às transformaçõessocio<strong>cultura</strong>is, temos que forçosamente falar e pensar também nalinguagem, no discurso que não apenas dá forma, mas é elementofun<strong>da</strong>mental nesses processos <strong>de</strong> mu<strong>da</strong>nças, <strong>de</strong> conquistas.Ler, escrever, falar significa também ter acesso às informações,às leis que regem o país e às relações que nele se estabelecem,significa a possibili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> registrar interpretações <strong>da</strong> nossa <strong>cultura</strong>.Ao longo <strong>de</strong> nossa história, várias instituições têm sido responsáveispelo <strong>de</strong>senvolvimento <strong>da</strong>s pessoas: a família, os espaçosreligiosos, o círculo <strong>de</strong> amigos, o trabalho, a escola.Na história <strong>da</strong> população negra a experiência escolar tem<strong>de</strong>ixado marcas não muito positivas. As práticas escolares, muitasvezes, têm sido associa<strong>da</strong>s ao sofrimento, ao medo. O ladoprazeroso <strong>da</strong> linguagem aparece fora <strong>da</strong> escola.É preciso perceber que por trás disso, além <strong>da</strong> má quali<strong>da</strong><strong>de</strong>do ensino, existe ain<strong>da</strong>, também nesse campo, a necessi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong><strong>de</strong>mocratizar as relações específicas <strong>de</strong> respeito ao outro, ao seuuniverso vocabular e <strong>cultura</strong>l. Um dos caminhos para a <strong>de</strong>mocratizaçãoé o conhecimento e a valorização <strong>da</strong> memória, <strong>da</strong> herança<strong>cultura</strong>l dos povos. Enquanto o estudo <strong>da</strong> linguagem, ao lado <strong>de</strong> muitasoutras questões, continuar a ser um mistério para a <strong>maio</strong>ria <strong>da</strong>população, permanecerá agudo o processo <strong>de</strong> exclusão e <strong>de</strong> silêncio.O <strong>de</strong>safio é buscar as explicações — <strong>de</strong>sfiar a trama <strong>cultura</strong>l,nos seus múltiplos sentidos, recuperando, produzindo signifi-114 De olho na Cultura


cados — e, na própria voz dos sujeitos, buscar saí<strong>da</strong>s pararedimensionar a condição atual.Vejamos a seguir algumas maneiras encontra<strong>da</strong>s para enfrentartal <strong>de</strong>safio.A linguagem – uma forma <strong>de</strong> inter-açãoA linguagem configura-se nos discursos falados ou escritos quecirculam em espaços abertos ou fechados, na mídia impressa ouem sites mantidos por vários grupos na Internet. Tais discursosapresentam várias proposições para a construção <strong>de</strong> um auto-conceitopositivo e a re<strong>de</strong>scoberta <strong>de</strong> uma i<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>cultura</strong>l.O movimento Hip Hop completou 30 anos <strong>de</strong> existênciaem Nova York, <strong>de</strong> on<strong>de</strong> foram disseminados seus conceitos e práticas,inspira<strong>da</strong>s nas festas <strong>de</strong> rua jamaicanas. Consi<strong>de</strong>rado um dosgran<strong>de</strong>s fenômenos socio<strong>cultura</strong>is <strong>da</strong> atuali<strong>da</strong><strong>de</strong>, é predominantementeurbano, li<strong>de</strong>rado por jovens, em sua <strong>maio</strong>ria negros, que se<strong>de</strong>stacam como porta-vozes <strong>da</strong> periferia <strong>de</strong> gran<strong>de</strong>s capitais. Nosúltimos anos, a linguagem do hip hop transbordou para espaços<strong>de</strong> classe média e interage com outros estilos musicais, tais comoo rock e a música eletrônica. Outra marca a ressaltar <strong>de</strong>ste movimentoé o uso <strong>da</strong> linguagem não-verbal.No Brasil, a ci<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> São Paulo foi o berço do hip hop, nadéca<strong>da</strong> <strong>de</strong> 1980. A partir <strong>da</strong>í, o movimento se espalhou para outrasregiões como <strong>cultura</strong> <strong>de</strong> rua, pelo aspecto mais artístico e festivo,por um lado, e, por outro lado, como forma <strong>de</strong> retomar questionamentose reivindicações do movimento negro e <strong>de</strong> algumas organizaçõesnão-governamentais. Como exemplo, po<strong>de</strong>mos citar as políticas<strong>de</strong> ação afirmativa volta<strong>da</strong>s para a população negra.O movimento Hip Hop abrange o break — que faz uso <strong>da</strong>linguagem corporal, <strong>da</strong> <strong>da</strong>nça; o grafite — que faz uso <strong>da</strong> linguagemvisual, plástica; e o rap — que faz uso <strong>da</strong> linguagem oral eescrita, como veremos neste capítulo. A música fala<strong>da</strong> é acompanha<strong>da</strong><strong>de</strong> gestos ritmados, ao som <strong>de</strong> bati<strong>da</strong>s.As letras apontam a intencionali<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> quem fala nos espaços<strong>de</strong> interação. Os Mestres <strong>de</strong> Cerimônia — MCs — usamDe olho na Cultura 115


termos lingüísticos com a finali<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> persuadir e chamar a atençãopara <strong>de</strong>terminados acontecimentos. Nas canções háentonações diferencia<strong>da</strong>s, para<strong>da</strong>s, alongamentos <strong>de</strong> algumas palavras,aumento e diminuição <strong>de</strong> volume. Os MCs falam e solicitamrespostas, organizam refrões que interrogam, afirmam e pe<strong>de</strong>m,<strong>de</strong> maneira mais ou menos direta, um comprometimentodos ouvintes. Tudo isso fortalece o uso socio<strong>cultura</strong>l <strong>da</strong> orali<strong>da</strong><strong>de</strong>.Leia atentamente os textos a seguir, observe o emprego <strong>da</strong>linguagem e localize a relação existente entre territoriali<strong>da</strong><strong>de</strong>, cotidianoe <strong>cultura</strong>.Texto AA letra <strong>de</strong> rap a seguir é <strong>da</strong> primeira canção <strong>de</strong> sucesso doAliado G, do grupo Face <strong>da</strong> Morte — criado em 1995 e originário<strong>de</strong> Hortolândia, distrito <strong>de</strong> Campinas/SP.Bomba H - Aliado G (grupo Face <strong>da</strong> Morte)Só idéia forte/Aqui é face <strong>da</strong> morte que chegou praficar/Não veio pra rebolar/Na bati<strong>da</strong> que apavora/Orap é fo<strong>da</strong> e não é mo<strong>da</strong>/Fo<strong>da</strong>-se quem se incomo<strong>da</strong>/Revolução no ar/Minha rima é Bomba H/Difícil <strong>de</strong> segurar/Eucheguei pra somar/Trocar uma idéia <strong>de</strong> irmão/Eaí sangue bom, a coisa aqui não é fácil não/Cheirar cola, fumar crack, <strong>da</strong>r uns tiro ou tomar baque,encher a cara <strong>de</strong> cachaça, ou assistir o “Sai <strong>de</strong>baixo”/É melhor pensar um pouco e ver em qual drogaeu me encaixo/Eu acho que nenhuma vale a penaTô fora <strong>de</strong>sse esquema/Eu quero ir pra bem distante/Espere um instante, acho que vou pra beira-marpegar um táxi pra estação lunar/Quem sabe <strong>de</strong> lá, euconsiga ver e enten<strong>de</strong>r melhor esse mundo imundo/E como disse Zé Ramalho: ê vi<strong>da</strong> <strong>de</strong> gado, baralhomarcado, não entendo esse jogo/Tão me fazendo <strong>de</strong>bobo/Vê se po<strong>de</strong>? No congresso mu<strong>da</strong>r a lei em benefício<strong>da</strong> sic/Enquanto o povo passa fome, é humilhadoe só se fo<strong>de</strong>/Nas ruas eu vejo as tropas <strong>de</strong> choquetrocando tiro /na favela o sangue escorre nasvielas/quem tem fé acen<strong>de</strong> vela/o corpo rola noescadão/essa é a missão/o militar <strong>de</strong> baixo e alto escalão/nosquartéis eles ensinam uma antiga lição <strong>de</strong>116 De olho na Cultura


morrer pela pátria e /viver sem razão/Com a força <strong>de</strong>Deus é que vamos lutar/Paranauê, paranauê/CamaráA revolta <strong>da</strong>qui é o medo <strong>de</strong> lá/Paranauê, paranauê/Camará/O estudo <strong>da</strong>qui é o medo <strong>de</strong> lá/Paranauê,paranauê/Camará/E a rima <strong>da</strong>qui é o medo <strong>de</strong> lá/Dozemanos armados/ executaram um bem bolado/Atitu<strong>de</strong>e sorte na fita do carro forte que ren<strong>de</strong>u quase ummilhão/Garantia <strong>de</strong> pão/O mano me diz que 57 é queresta, na<strong>da</strong> mais interessa/Lhe é nega<strong>da</strong> educação,distorci<strong>da</strong> informação/Processo <strong>de</strong> exclusão que <strong>de</strong>ixamarca/O rap retrata na leva<strong>da</strong>, na caixa, no bumbo,o baixo marcando o compasso/(Ximau?) na luta contrao mal, minha rima é letal/também sou racional,tenho um lado animal/no país do carnaval, on<strong>de</strong> oclima é tropical/tudo aqui é uma <strong>de</strong>lícia/mas confira aestatística/calcule as proporções/com mais <strong>de</strong> 15 anos,mais <strong>de</strong> 15 milhões que não sabe o beabá/<strong>de</strong>sse jeitonão dá/on<strong>de</strong> essa porra vai parar/JuscelinoKubitschek há quem conteste/Levou o governo doBrasil pra Brasília/Seguindo nessa trilha FHC é bempior/Um sociólogo vendido/Entrega nosso governo aosEstados Unidos/Serviçal do imperialismo/Doutoradoem cinismo/Um tal <strong>de</strong> FMI é quem dá as cartas poraqui/Tem concentração <strong>de</strong> ren<strong>da</strong>, latifúndio, fazen<strong>da</strong>,piscina/Na favela tem chacina/No congresso <strong>de</strong>scobriramcoisa boa é cocaína pra fazer negócio <strong>da</strong> China/Agora olhe do seu lado um cara <strong>de</strong> carro importado/com ar condicionado an<strong>da</strong> <strong>de</strong> vidro fechado/No sinalé abor<strong>da</strong>do, se pá assassinado/Por quê? Tente vocêrespon<strong>de</strong>r/A elite tem que enten<strong>de</strong>r/Desigual<strong>da</strong><strong>de</strong> social,a origem <strong>de</strong> todo mal/Vou mandá um comunicadoà direção do “Playcenter” que tem muito concorrente<strong>de</strong> olho na patente <strong>da</strong>s noites do terror /Tipoaon<strong>de</strong> eu levo meu avô/Tem morto no corredor/Nohospital <strong>da</strong> re<strong>de</strong> pública há muito choro e muita súplica,/masfalta remédio, leito, médico, respeito/Ninguémdá um jeito/Investimento na saú<strong>de</strong> é pouco, éprecário/O ministro José Serra é um bom agente funerário/eu sou católico crismado e batizado/Outro diainjuriado fui <strong>da</strong>r um rolê no centro/cheguei lá tavachovendo aproveitei e entrei no templo/não vejo na<strong>da</strong><strong>de</strong> mal já que Deus é universal/Porém, não concor<strong>de</strong>icom o que vi /coitados sendo explorados até o ultimocentavo/Eu acho muito esquisito comprar favores nocéu sacrificar seu dinheiro na fogueira <strong>de</strong> Israel/Vouexplicar agora, veja: /Você faz um <strong>de</strong>pósito na contaDe olho na Cultura 117


<strong>da</strong> igreja/comprovante vai pro fogo/e o dinheiro vai probolso — <strong>de</strong> Deus, é claro /pra que fique bem claro é tipoassim a regra <strong>de</strong>ssa firma/ joga o dinheiro pra cima oque Deus pegar é <strong>de</strong>le o que cair no chão é meu, enten<strong>de</strong>u?/Essaé a vi<strong>da</strong> tudo bem cheguei à conclusão quefe<strong>de</strong> mais, não cheira bem/Ca<strong>da</strong> vez mais expostos nosempurram /impostos confortáveis em seus postos ganhamum puta dinheirão/eles são os anões que apertambotões manipulam a nação por meio <strong>da</strong> televisão /com a retórica e a república fazem na vi<strong>da</strong> pública o quefazem na priva<strong>da</strong> /um monte <strong>de</strong> bosta que não serve prana<strong>da</strong>.Texto BA ban<strong>da</strong> afro Axé Dudu, que significa Força Negra em ioruba,tem se configurado como símbolo <strong>de</strong> resistência negra no Pará,disseminando os valores ancestrais e sendo instrumento <strong>de</strong> <strong>de</strong>núnciado racismo, por intermédio <strong>da</strong> <strong>cultura</strong>. Originou-se comoum bloco afro, <strong>de</strong>nunciando nas ruas <strong>de</strong> Belém, durante o carnaval,por meio <strong>da</strong> música, <strong>da</strong> poesia e <strong>da</strong> <strong>da</strong>nça, o racismo, contribuindo,assim, para a organização <strong>da</strong> população negra no Estado.Força NegraBan<strong>da</strong> Afro Axé Dudu, a Olórún (1987)No toque do afoxéBantus, nagôs, gegêsMãe África espalha<strong>da</strong>No mundo <strong>de</strong> Xangô (...)Axé Dudu, é força negra (...)Xangô que teus filhos <strong>da</strong>ncem (...)Contra as injustiças do Brasil (...).Texto CMagnu Sousa e Maurílio <strong>de</strong> Oliveira, conhecedores <strong>da</strong> reali<strong>da</strong><strong>de</strong><strong>da</strong> periferia, compositores e integrantes do Samba <strong>da</strong> Vela edo grupo <strong>de</strong> samba <strong>de</strong> raiz Quinteto em Branco e Preto, têm contribuídopara disseminar a diversi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong> <strong>cultura</strong> afro-brasileira, pormeio <strong>de</strong> suas canções.118 De olho na Cultura


Por Liber<strong>da</strong><strong>de</strong>Ninguém pensou na favelaNinguém sabe por que a ver<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong>sapareceuDivisão <strong>de</strong> uma socie<strong>da</strong><strong>de</strong>Por liber<strong>da</strong><strong>de</strong> os sonhos meusSão vividos por outrosQue não me conhecem e crêem em DeusDeturparam a nossa <strong>cultura</strong>O nosso samba não é <strong>de</strong> ateuCantado com fé, pé <strong>de</strong>scalço na la<strong>de</strong>iraPor uma procissão <strong>de</strong> benze<strong>de</strong>iraBatido o tambor no mais forte congadoMaxixe, baião e xaxadoSoado ao tom <strong>de</strong> lava<strong>de</strong>iraQuizombeira!Mas que maravilha ficouRefrão <strong>de</strong> criança que canta e o dia raiouE sorriso <strong>de</strong> leve do rosto sumiuEsse canto à capela à favela chegouE <strong>de</strong>sconfiança divi<strong>de</strong> essa populaçãoPara reflexão:Encontramos hoje informações em sites, revistas, etc. sobrediversos estilos musicais e manifestações artísticas,tais como reggae, forró, xote, axé music, brega, repente,hip hop, samba, pago<strong>de</strong>. As opiniões se divi<strong>de</strong>m: é comumouvirmos uma série <strong>de</strong> argumentos contra ou a favoremitidos por <strong>de</strong> pessoas que têm preferência pelosmais diversos estilos musicais. Porém, no palco, nas pistas<strong>de</strong> <strong>da</strong>nça, nas ruas, essas linguagens expressam significados,<strong>de</strong>sejos e uma i<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>cultura</strong>l, revelando-secomo expressão, registro <strong>de</strong> um modo <strong>de</strong> pensar e agirno mundo.De olho na Cultura 119


MODALIDADES CULTURAISDE LINGUAGEMLá pras ban<strong>da</strong>s do boqueirãoPerto do Vale <strong>da</strong>s AntasConta o Povo do LugarSuas crenças suas len<strong>da</strong>sEm noite <strong>de</strong> lua cheiaTem Latomia e aparição.Mulher <strong>de</strong> Branco, Saci-PererêNos arredores do anoitecer (...)Coral A Quatro Vozes


122 De olho na Cultura


Patrimônio oralNas uni<strong>da</strong><strong>de</strong>s anteriores, fizemos abor<strong>da</strong>gens sobre a tradiçãooral e sobre a influência africana no falar do Brasil. Agora vamosestu<strong>da</strong>r algumas mo<strong>da</strong>li<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>de</strong> linguagem presentes na nossalíngua afro-brasileira. Nosso pensamento, nosso patrimônio <strong>cultura</strong>lrecebeu a influência <strong>de</strong> mitos, len<strong>da</strong>s, provérbios, contos,canções, sátiras.A orali<strong>da</strong><strong>de</strong> é patrimônio que expressa <strong>cultura</strong>, hábitos, cujocompartilhamento se dá por meio do ambiente familiar religioso,escolar, familiar etc. De acordo com Edmilson Rocha, no livro OsComedores <strong>de</strong> Palavras, não temos mais os contadores <strong>de</strong>scen<strong>de</strong>ntes dosnarradores primordiais, isto é, aqueles que não inventavam: contavam o quetinham ouvido e ou conhecido e que representavam a memória dos tempos aser preserva<strong>da</strong> pela palavra e transmiti<strong>da</strong> <strong>de</strong> povo para povo ou <strong>de</strong> geraçãopara geração (Coelho: 2000).A tradição <strong>de</strong> narrar mantém a sua força. Todos nós temoshistórias para contar. Como escreve Celso Sisto: “O homem já nascepraticamente contando histórias. Está inserido numa história que o antece<strong>de</strong> ecom certeza irá sucedê-lo”.As histórias estão nos livros, nos jornais, na re<strong>de</strong> informatiza<strong>da</strong>.A fala e a escuta, que sugerem troca, intimi<strong>da</strong><strong>de</strong> e proximi<strong>da</strong><strong>de</strong>,aju<strong>da</strong>m a viver situações e a conhecer o mundo, os vários mo-De olho na Cultura 1<strong>23</strong>


dos e formas <strong>de</strong> expressarmos, por meio <strong>da</strong> linguagem, nossasidéias, poesias, protestos e canções. Vamos observar como umahistória po<strong>de</strong> ser conta<strong>da</strong> por meio <strong>de</strong> um mito, uma len<strong>da</strong>, umconto ou um provérbio.Quais as diferenças entre algumas <strong>de</strong>ssas mo<strong>da</strong>li<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>de</strong>linguagem?Len<strong>da</strong> é uma narração popular, que po<strong>de</strong> ser escritaou oral. Os fatos históricos são <strong>de</strong>sfigurados ouper<strong>de</strong>m sua aproximação com o mundo real.Mito é uma narrativa que remonta aos tempos fabulososou heróicos, em que aparecem seres e acontecimentosimaginários, que simbolizam forças <strong>da</strong>natureza, aspectos <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> humana, etc. Narrativa<strong>de</strong> significação simbólica, transmiti<strong>da</strong> <strong>de</strong> geração ageração e consi<strong>de</strong>ra<strong>da</strong> ver<strong>da</strong><strong>de</strong>ira ou autêntica <strong>de</strong>ntro<strong>de</strong> um grupo. Tem geralmente a forma <strong>de</strong> umrelato sobre a origem <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminado fenômeno,instituição, etc., por meio do qual se formula umaexplicação <strong>da</strong> or<strong>de</strong>m natural e social e <strong>de</strong> aspectos<strong>da</strong> condição humana.Conto. Narrativa pouco extensa, concisa e com uni<strong>da</strong><strong>de</strong>dramática, concentrando-se a ação num únicoponto <strong>de</strong> interesse.124 De olho na Cultura


Soltando o verboO provérbio é outra mo<strong>da</strong>li<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> difusão <strong>de</strong> saberes através<strong>da</strong> orali<strong>da</strong><strong>de</strong> muito comum na <strong>cultura</strong> africana. Ele se caracterizacomo uma máxima ou sentença <strong>de</strong> caráter prático e popular, comuma todo um grupo social. Tem forma sucinta e geralmente érico em imagens. Também é conhecido como adágio, ditado,exemplo, refrão, Por exemplo: “Casa <strong>de</strong> ferreiro, espeto <strong>de</strong> pau”;“Quanto <strong>maio</strong>r a nau, <strong>maio</strong>r a tormenta”.a) Na ativi<strong>da</strong><strong>de</strong> a seguir você encontrará alguns provérbios<strong>de</strong> origem africana (retirados do site http://www.umjogopordia.com/ca<strong>de</strong>otexto/texto1.html). Leiaose escolha uma <strong>da</strong>s palavras em <strong>de</strong>staque para completaro sentido <strong>de</strong> ca<strong>da</strong> um <strong>de</strong>les. Sobra uma palavra.Casa/ caçarola/ ninho/ escorregou/ hábeis/ mãos/ olha1. Não olhe para on<strong>de</strong> você caiu, mas para on<strong>de</strong> você2. Julgue um homem pelo que ele produz com as3. Pássaro que muito canta não constrói4. A perdiz adora ervilhas, mas não as que vão com ela na5. Mares calmos não fazem marinheirosDe olho na Cultura 125


Botando a boca no mundoPara o povo africano em geral, e para a <strong>cultura</strong> iorubá especificamente,a festa é uma dádiva <strong>de</strong> Olodumaré. Vejamos uma <strong>da</strong>sversões <strong>de</strong> um mito – expressa no livro Mitologias dos Orixás, <strong>de</strong>Reginaldo Prandi – que conta como os seres humanos forampresenteados com a festa, que simboliza o gran<strong>de</strong> po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> Deus.Quando Orunmilá (sábio adivinho) veio à Terra junto comos orixás para visitar os humanos, ele pediu a Olorum (nome como mesmo significado que Olodumaré: Deus, Senhor Supremo)permissão para trazer “algo novo, belo e ain<strong>da</strong> não imaginado quemostrasse aos homens a gran<strong>de</strong>za e o po<strong>de</strong>r do Ser Supremo”.Olodumaré concordou com Ifá (esta po<strong>de</strong> ser uma outra <strong>de</strong>nominaçãopara Orunmilá ou po<strong>de</strong> significar oráculo – jogo <strong>de</strong> búzios,utilizado para as adivinhações) e enviou a festa aos humanos.Olodumaré mandou trazer aos homens música, o ritmo,a <strong>da</strong>nça (...) os instrumentos.Os tambores que os homens chamaram <strong>de</strong> ilu e atá,Os atabaques que eles <strong>de</strong>nominaram rum, rumpi e lê,O xequere, o gã e o agogô (...)Para tocar os instrumentos, Olodumare ensinou os alabês,Que sabem soar os instrumentos que são a voz <strong>de</strong>Olodumaré.Realizou-se a primeira gran<strong>de</strong> festa na Terra e, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> então, amúsica e a <strong>da</strong>nça estão presentes na vi<strong>da</strong> dos humanos e são umaexigência dos orixás (divin<strong>da</strong><strong>de</strong>s africanas) quando estes visitam nossomundo. No <strong>de</strong>correr dos capítulos anteriores e nos próximos, vocênotou e continuará percebendo que, quando nos referimos à <strong>cultura</strong>afro-brasileira, sempre citamos uso <strong>da</strong> música, do ritmo, dos gestoscorporais, dos instrumentos, <strong>da</strong> palavra canta<strong>da</strong> ou versa<strong>da</strong>.Todos esses elementos se comunicam e nos comunicam algosobre nosso território, nossa <strong>cultura</strong> e nossa língua. Isso, nós pu<strong>de</strong>mosapreciar nos textos que fizeram alusão à capoeira, ao Lundu,à embola<strong>da</strong>, ao Candombe etc. e nas várias ativi<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>de</strong> pesquisaque têm sido propostas até o momento. A <strong>maio</strong>ria <strong>de</strong>las esteve ouestará liga<strong>da</strong> aos aspectos mencionados.126 De olho na Cultura


Um traço marcante nas mo<strong>da</strong>li<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>de</strong> linguagem que vimosestu<strong>da</strong>ndo é o seu po<strong>de</strong>r metafórico. As palavras, textos,canções, telas, poesias têm mais <strong>de</strong> um ou diversos significados.E ca<strong>da</strong> um <strong>de</strong>sses sentidos po<strong>de</strong> nos ensinar, nos alertar, nos provocar,nos fazer refletir, questionar, sorrir, chorar, <strong>da</strong>nçar, reclamar,recor<strong>da</strong>r, sentir sau<strong>da</strong><strong>de</strong> etc. Há um encanto ou uma magiana maneira como eles nos contam sobre a vi<strong>da</strong>, nos tocam ou,simplesmente, nos fazem existir e resistir.Exemplo <strong>de</strong>ssa lição <strong>de</strong> coisas ou <strong>de</strong> significados é um outromito <strong>de</strong> Orunmilá, o primeiro babalaô — palavra que querdizer Pai do Segredo. Oxalá pediu que Orunmilá lhe preparasse omelhor prato que existisse. Orunmilá preparou a língua. Satisfeitocom a comi<strong>da</strong>, Oxalá pediu que ele também mostrasse o pior prato.E, para a surpresa <strong>de</strong> Oxalá e <strong>de</strong> todos, Orunmilá tambémapresentou a língua como o pior prato.Oxalá estava achando tudo muito estranho, até que Orunmiláexplicou que com a língua se conce<strong>de</strong> axé, mas também se calunia,se <strong>de</strong>stróem reputações e se cometem as mais repudiáveis vilezas. Afala ou a palavra po<strong>de</strong> servir tanto para o bem quanto para o mal —um mesmo elemento po<strong>de</strong> ter um duplo valor simbólico.Nossa vi<strong>da</strong>, nosso cotidiano também se movimenta <strong>de</strong>ssa forma.Po<strong>de</strong>mos narrar, contar, fazer e pensar as coisas, a fim <strong>de</strong> conseguiruma convivência produtiva com as outras pessoas, ou não.Dando continui<strong>da</strong><strong>de</strong> ao caráter polissêmico dos textos e <strong>da</strong>spalavras, temos Júlio Emílio Brás, escritor negro <strong>de</strong> literaturainfanto-juvenil, que nos premia com um livro que traz gran<strong>de</strong> contribuiçãopara nós brasileiros. Em Len<strong>da</strong>s negras, o autor, contandoum conto, aumentou pontos em seu repertório ao retratar o universoangolano, como no texto a seguir.Quem per<strong>de</strong> o corpo é a línguaConta-se em Angola que há muito tempo um caçador,voltando para sua al<strong>de</strong>ia, encontrou uma caveiranum oco <strong>de</strong> pau. Assustado olhou <strong>de</strong>sconfia<strong>da</strong>mente<strong>de</strong> um lado para o outro, temendo algumaarmadilha ou uma <strong>da</strong>s muitas artimanhas dos espíritosque faziam <strong>da</strong> floresta o seu lar. Mesmo ain<strong>da</strong>De olho na Cultura 127


muito espantado, tomou coragem e se aproximou paraobservar.Nesse momento, a Caveira chamou-o e pediu:— Chegue mais perto, caçador, que eu não mordo, não!— Mas quem diz que ele a enten<strong>de</strong>? Mais <strong>de</strong>sconfiadodo que propriamente assustado, o caçador ficou on<strong>de</strong>estava e somente <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> mais algum tempo juntouum restinho <strong>de</strong> coragem e perguntou:— Quem a pôs nesse lugar, caveira?— Foi a morte, caçador — apressou-se ela a respon<strong>de</strong>r.— E quem a matou?Enigmática, os olhos brilhando nas órbitas vazias, acaveira voltou a respon<strong>de</strong>r:— Quem per<strong>de</strong> o corpo é a língua!...O caçador voltou para casa e contou aos companheiroso que acontecera. Ninguém acreditou, mas conversavai, conversa vem a história <strong>da</strong> caveira quefalava no meio <strong>da</strong> floresta foi se espalhando, até quemuita gente <strong>de</strong>la falava. Dias mais tar<strong>de</strong> o caçadorpassou pelo mesmo pe<strong>da</strong>ço escuro e sombrio <strong>da</strong> florestae tornou a ver a caveira no mesmo lugar, ajeita<strong>da</strong>caprichosamente num oco <strong>de</strong> uma enorme eigualmente assustadora árvore.Tornou a fazer as mesmas perguntas e, como era <strong>de</strong>esperar, ouviu as mesmas respostas. Mais que <strong>de</strong>pressao caçador correu para a al<strong>de</strong>ia e, todo orgulhoso<strong>de</strong> si mesmo, pois afinal era o único que encontravae conversava com a misteriosa Caveira, teimouem contar a história aos companheiros. A ver<strong>da</strong><strong>de</strong>é que tanto ele contou que muitos começarama ficar com raiva <strong>de</strong>le...Afinal <strong>de</strong> contas, que Caveira era aquela que só falavacom ele?E por quê? Seria mentira? Por fim, acabaram dizendo:— Vamos ver essa tal Caveira <strong>de</strong> que fala tanto, masouça bem: se ela não disser coisa alguma que se pareçacom tudo isso que você tem dito a nós, vamoslhe <strong>da</strong>r lá mesmo a <strong>maio</strong>r surra <strong>de</strong> pau que você jálevou pra <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> ser mentiroso, ouviu bem?128 De olho na Cultura


Certo <strong>de</strong> que a Caveira não o <strong>de</strong>cepcionaria, mais doque <strong>de</strong>pressa o caçador os conduziu até a sua estranhacompanheira. Vendo-a, apressou-se em fazer astais perguntas <strong>de</strong> que tanto falara, mas a Caveiranão murmurou sequer qualquer coisa. Cala<strong>da</strong> estava,cala<strong>da</strong> ficou. Mais o caçador perguntava e maisela ficava cala<strong>da</strong>. Nem um “ai”, quanto mais umaresposta.Diante dos olhares ameaçadores dos companheiros,ele ain<strong>da</strong> tentou argumentar, dizendo qualquer coisa,encontrar um jeito <strong>de</strong>... Mas ninguém quis saber <strong>de</strong>conversa e muito menos <strong>de</strong> explicação. Caíram sobreele com to<strong>da</strong> a raiva do mundo e <strong>de</strong>ram-lhe uma gran<strong>de</strong>surra. A <strong>maio</strong>r que já levara. Foram embora reclamandomuito e gritando:— Mentiroso!Pobre caçador! Todo machucado, o corpo dolorido,ficou estirado no chão, gemendo,gemendo. Só commuito esforço, conseguiu se encostar na árvore, procurandoforças para ficar <strong>de</strong> pé. Quando finalmenteconseguiu se levantar, olhou cheio <strong>de</strong> raiva para aCaveira e resmungou:— Olha bem, coisa do diabo, o que fez comigo!Os olhos <strong>de</strong>la cintilaram quase zombeteiramente e,<strong>de</strong>pois <strong>de</strong> algum tempo, ela afirmou:— Quem per<strong>de</strong> o corpo é a língua, meu amigo, é alíngua...E cá entre nós, com to<strong>da</strong> razão!O caçador, bem machucado, foi para casa e, <strong>de</strong>ssavez, calou-se, guar<strong>da</strong>ndo para si aquilo que somenteele ouvira.MUKUENDANGÓ,MUKÚFUANGÓ,MUKUZUELANGÓ, MUKUIANGÓ.(por an<strong>da</strong>r à toa, morre-se à toa; por falar à toa, vaiseà toa!).De olho na Cultura 129


Expressando seus saberesVocê já <strong>de</strong>ve ter ouvido provérbios ou ditos popularessobre a língua, a boca ou quem fala <strong>de</strong>mais. Agora, solteo escritor que está <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> você. Selecione um assuntoque esteja <strong>de</strong>ntro do que você já estudou neste livro ecrie seu(s) próprio(s) provérbios.Ampliando a arte <strong>de</strong> contarContar e escrever histórias po<strong>de</strong> ser algo muitobom, muito ruim ou ain<strong>da</strong> as duas coisas. Leia otexto a seguir, <strong>da</strong> escritora Márcia Silva, artista plásticae atriz, sobre o assunto.Era uma vezArte <strong>de</strong> contar estórias na escola e na vi<strong>da</strong>Na <strong>maio</strong>ria <strong>da</strong>s <strong>cultura</strong>s não existe uma linha claraseparando o conto folclórico do popular, do conto <strong>de</strong>fa<strong>da</strong>s e <strong>da</strong> fábula. Antes <strong>de</strong> serem escritas, as estóriaseram transmiti<strong>da</strong>s oralmente, fundindo-se umascom as outras, incorporando a experiência <strong>de</strong> umasocie<strong>da</strong><strong>de</strong>; foram se modificando <strong>de</strong> acordo com oque o contador julgava ser <strong>de</strong> <strong>maio</strong>r ou <strong>de</strong> menorinteresse para os ouvintes <strong>de</strong> sua época. Aos contossão atribuídos diversos valores, o entretenimento éapenas um aspecto interno do contar estórias.Uma estória apresenta uma série <strong>de</strong> conhecimentoscom os quais somos alimentados para formar umabase em nosso interior, ao longo dos anos, <strong>de</strong> modoque esse conjunto agirá sobre a pessoa, reavivandoinformações e tradições. É como se fosse uma pílulacom cobertura açucara<strong>da</strong>, cujo ingrediente ativo resi<strong>de</strong>em seu interior.Ain<strong>da</strong> nos dias <strong>de</strong> hoje, algumas pessoas rejeitam oscontos <strong>de</strong> fa<strong>da</strong>s julgando que as crianças po<strong>de</strong>m tomáloscomo <strong>de</strong>scrições <strong>da</strong> reali<strong>da</strong><strong>de</strong> e/ ou, ain<strong>da</strong>, se afastardo gosto pela leitura. Vamos argumentar sobreesses dois aspectos.É ver<strong>da</strong><strong>de</strong> que as fábulas, narrativas em que seresirracionais, e algumas vezes inanimados, assumemcaracterísticas humanas, geralmente diverti<strong>da</strong>s, sem-130 De olho na Cultura


pre afirmam explicitamente uma ver<strong>da</strong><strong>de</strong> moral. Nãohá significado oculto.O conto <strong>de</strong> fa<strong>da</strong>s é mais sutil, <strong>de</strong>ixa à fantasia <strong>da</strong> criançao modo <strong>de</strong> tomar para ela mesma o que a estóriarevela sobre a vi<strong>da</strong> e a natureza humana, tanto agra<strong>da</strong>ndoquanto instruindo. Como símbolos <strong>de</strong> acontecimentosou problemas psicológicos, estas estórias sãototalmente ver<strong>da</strong><strong>de</strong>iras no momento <strong>da</strong> audição.Quanto à segun<strong>da</strong> objeção relativa ao ato <strong>de</strong> contar estórias,é sabido que muitas pessoas dizem não gostar<strong>de</strong> ler porque, geralmente, isso é uma ativi<strong>da</strong><strong>de</strong>imposta e, sendo assim, nem sempre é bem recebi<strong>da</strong>.Embora isso não seja a finali<strong>da</strong><strong>de</strong> última, contarestórias é uma forma <strong>de</strong> promover o gosto pela leitura,provavelmente quem ouvir estórias será leitorpela ânsia <strong>de</strong> buscar mais estórias.Há enorme diferença em contar um conto com prazer,<strong>da</strong>ndo atenção às reações <strong>da</strong> criança, ou contaruma estória como que por obrigação ou para passar otempo, sem empolgação, sem vi<strong>da</strong>. Tentar explicar oenredo como algo extremamente realista vai contraas experiências internas <strong>da</strong>s pessoas. É salutar abrirespaço para comentários sobre a estória, para que asimpressões causa<strong>da</strong>s pelo conto sejam discuti<strong>da</strong>s,troca<strong>da</strong>s, sem que precisem ser racionaliza<strong>da</strong>s.De olho na história:O escritor mo<strong>de</strong>rnista Mário <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong> escreveuuma obra que se tornou famosa no Brasil:Macunaíma. Leia o livro e assista ao filme <strong>de</strong> mesmonome, uma a<strong>da</strong>ptação <strong>da</strong> obra <strong>de</strong> Mário <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong>.Como é retrata<strong>da</strong> a imagem negra no livro? Há diferençasem relação ao filme?De olho na Cultura 131


Fechando e abrindo portascom a linguagemDestacamos outro texto <strong>de</strong> Júlio E. Brás: neste fragmento, elecontextualiza alguns traços <strong>da</strong>s <strong>cultura</strong>s africanas. Para aguçar suacuriosi<strong>da</strong><strong>de</strong>, no <strong>de</strong>correr do texto, você encontrará alguns pontos<strong>de</strong> interrogação ou exercícios <strong>de</strong> reflexão. Leia o texto e observeo que você conhece (ou <strong>de</strong>sconhece) sobre o tema.Quantas histórias sobre os tuaregues, o lendário povonôma<strong>de</strong> do norte <strong>da</strong> África, você já leu ou escutou?História <strong>de</strong> reinos tão po<strong>de</strong>rosos quanto <strong>de</strong>sconhecidoscomo o <strong>de</strong> Ghana e Achanti? E sobreos impériosMali, Songai, Kanem-bornu, Bambara?Pouco ou na<strong>da</strong>tem sido ensinado sobre a África aosjovens <strong>de</strong> hoje, afro-<strong>de</strong>scen<strong>de</strong>ntes ou não. E quandose ensina, busca-se mais a discussão sobre as religiõesou o folclor. Para muitos, a África ain<strong>da</strong> é ummistério ou, pior ain<strong>da</strong>, quando aparece nos noticiários,é como palco <strong>de</strong> terríveis guerras civis, epi<strong>de</strong>miaspavorosas ou <strong>de</strong> países muito próximos <strong>de</strong>barbárie, on<strong>de</strong> a civilização parece não existir.Procure checar as informações sobre a África com os livrosem circulação ao seu alcance. Pergunte a algumas pessoas, próximasou não, o que lhes vem à cabeça, quando elas ouvem a palavraÁfrica. Registre e compares as respostas. Liste as mais recorrentese tente <strong>de</strong>scobrir o porquê <strong>de</strong>ssas informações.Ghana e Achanti? Império Mali? Songai? Kanembornu?Bambara? Consulte mapas, veja on<strong>de</strong> se localizamesses impérios e busque informações sobreo modo <strong>de</strong> vi<strong>da</strong> <strong>da</strong>s pessoas que lá vivem.Herança <strong>de</strong> séculos <strong>de</strong> colonização pre<strong>da</strong>tória que<strong>de</strong>ixou como legado a divisão artificial e, por issomesmo, conflituosa <strong>de</strong> todo um continente, on<strong>de</strong> povos<strong>da</strong> mesma origem histórica foram separados einimigos seculares passaram a viver num mesmo país.Mas a África é bem mais do que isso. Na ver<strong>da</strong><strong>de</strong>,não existe apenas uma África, mas incontáveis, ri-132 De olho na Cultura


cas em histórias e tradições. Do norte islamizado até osul dividido em incontáveis crenças e religiões, muitas<strong>de</strong>las fruto dos anos <strong>de</strong> colonização européia, passandopor uma surpreen<strong>de</strong>nte diversi<strong>da</strong><strong>de</strong> ecológica e geográficaque vai dos <strong>de</strong>sertos escal<strong>da</strong>ntes como o Saara eo Kalahari às maravilhas florestais como Okavango e asextensas savanas em países como o Quênia.A riqueza étnica é impressionante, responsável por umaherança <strong>cultura</strong>l e artística que, penso, muitos <strong>de</strong> nós,inclusive os afro-<strong>de</strong>scen<strong>de</strong>ntes, <strong>de</strong>sconhecem, apesar<strong>de</strong> a África ter uma influência <strong>de</strong>cisiva nos hábitos enos costumes mesmo <strong>da</strong>queles brasileiros que não sãoafro-<strong>de</strong>scen<strong>de</strong>ntes.Seja na musicali<strong>da</strong><strong>de</strong>, no falar, na culinária ou no temperamentodo brasileiro, o Brasil e a sua história,direta ou indiretamente, estão ligados aos milhares<strong>de</strong> africanos que entraram neste país com aescravidão. Po<strong>de</strong>mos falar o mesmo <strong>de</strong> países comoos Estados Unidos, Cuba e outros tantos no continenteamericano.Você sabe o que é diáspora africana? Procure saber e expliqueo que o trecho acima, sobre Cuba, Estados Unidose Haiti, tem a ver com esse assunto.As receitas típicas<strong>da</strong> culinária africana, geralmente, têm uma história,um contexto, uma marca <strong>de</strong> sobrevivência, <strong>de</strong> ancestrali<strong>da</strong><strong>de</strong>e <strong>de</strong> resistência. I<strong>de</strong>ntifique algumas <strong>da</strong>s muitas quefazem sucesso no Brasil.De olho na Cultura 133


12MOURA, Diógenes. Um Jongo Para Nunca Esquecer.In: SPÍNOLA, Cláudio. Jongueiros do Taman<strong>da</strong>ré,Pinacoteca do Estado <strong>de</strong> São Paulo, 2002.Jongo do Taman<strong>da</strong>ré, Guaratinguetá/SP, 2/7/94.Festa <strong>de</strong> São Pedro. Batuques do Su<strong>de</strong>ste – DocumentosSonoros Brasileiros – Acervo Cachuera!Fechando e abrindo conversasOutra mo<strong>da</strong>li<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> linguagem que une <strong>da</strong>nça, ritmo e versoscantados é o Jongo. De acordo com as pessoas mais antigas, oJongo significa sau<strong>da</strong><strong>de</strong>, isto é, sau<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong> Mãe-África. Ele é umbatuque <strong>de</strong> origem congo-angolesa (Congo e Angola), tambémconhecido como ngoma (festa, casa, realeza, po<strong>de</strong>r, cargo, autori<strong>da</strong><strong>de</strong>).Um dos parentes mais próximos do samba, é praticado<strong>de</strong>s<strong>de</strong> o tempo do cativeiro pelos negros. Essa manifestação reúne,ao mesmo tempo, arte e religiosi<strong>da</strong><strong>de</strong>, ancestrali<strong>da</strong><strong>de</strong> e resistência.1 No capítulo X, você estu<strong>da</strong>rá mais <strong>de</strong>talha<strong>da</strong>mente o jongocomo <strong>da</strong>nça. Aqui, preten<strong>de</strong>mos enfatizar o jongo como mo<strong>da</strong>li<strong>da</strong><strong>de</strong><strong>de</strong> linguagem: os jongueiros conversam entre si organizandoum enca<strong>de</strong>amento <strong>de</strong> versos cantados, que são <strong>de</strong>nominados pontos.Há diferentes categorias <strong>de</strong> pontos: <strong>de</strong> louvação (sau<strong>da</strong>ção <strong>de</strong>enti<strong>da</strong><strong>de</strong>s espirituais, <strong>de</strong> pessoas vivas ou mortas); os <strong>de</strong> visaria oubizarria (apresentam <strong>de</strong> modo satírico situações vivencia<strong>da</strong>s pelacomuni<strong>da</strong><strong>de</strong>); os <strong>de</strong> <strong>de</strong>man<strong>da</strong> ou porfia (<strong>de</strong>safios apresentados sempreem forma <strong>de</strong> enigmas a ser <strong>de</strong>sven<strong>da</strong>dos pelo rival).Essa última categoria (<strong>de</strong>man<strong>da</strong>) faz uso <strong>de</strong> segredos mágicopoéticosque só alguns conhecem. Por exemplo, a força dos versosé tão gran<strong>de</strong> que faz com que uma pessoa fique imobiliza<strong>da</strong> aocantá-los. Eis o po<strong>de</strong>r <strong>da</strong> palavra, que se dá com a força <strong>da</strong>poetici<strong>da</strong><strong>de</strong> para os que conhecem profun<strong>da</strong>mente a linguagememprega<strong>da</strong>.Estu<strong>da</strong>remos três textos que expressam a linguagem dojongo.1. Ponto <strong>de</strong> louvação - Maria José Martins, d. Zé, e AntoniaRita Jeremias, d. Tó.sinto sau<strong>da</strong><strong>de</strong>/<strong>de</strong> quem se foi (bis)/ sarava CanárioZumba (o meu filho) (minha mãe Preta) (as AlmaPreta) (a minha irmã) (Zé Capelão) (Dito pru<strong>de</strong>nte)...n´Aruan<strong>da</strong>. 22. Ponto <strong>de</strong> Bizarria – Cunha, Mestre Lico Sales, Zé <strong>de</strong>Toninho e João Rumo.134 De olho na Cultura


Mestre Lico: Tatu tá véio/ (coro) mal sabe negá ocarreiro.Zé <strong>de</strong> Toninho: Ô, olha lá senhor jongueiro/pra mimocê é um home fraco// esse tatu tá véio/ (coro) mai écostumado no buraco.João Rumo: Eh, meu Deus do céu// esse tatu po<strong>de</strong> távéio/ (coro) mais não cai nessa gaiola.Zé <strong>de</strong> Toninho: Meu senhor jongueiro/escute o queeu tô falano/esse tatu é véio/mai’ ele veve cavucano//(coro): aia iê/iê ia/esse tatu é véio/ mai’ ele vevecavucano. 33. Ponto para <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r um ente querido e ponto parapedir bebi<strong>da</strong> – Caxambu <strong>da</strong> Fazen<strong>da</strong> São José –Teresinha <strong>de</strong> Maria <strong>de</strong> Jesus.Galinha assanha/não mexe com pinto/galinha assanha,ei.Bombeiro <strong>da</strong> bomba/bombeiro <strong>da</strong> bomba dê um copod’água/a se<strong>de</strong> me tomba. 4Você já <strong>de</strong>ve estar familiarizado com essa mo<strong>da</strong>li<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong>linguagem que utiliza verso cantado, rima, improviso, <strong>de</strong>safio, ritmo,poetici<strong>da</strong><strong>de</strong>, musicali<strong>da</strong><strong>de</strong>, sátira etc. O <strong>de</strong>safio está lançado:eu sou jovem,eu não sou bobo,num aceito preconceito,risqu’ esse termo do seu conceito.Andréia Lisboa <strong>de</strong> SousaNei Lopes, no Novo Dicionário Banto do Brasil (Pallas, 2003),apresenta alguns significados para o vocábulo bomba, mencionadono ponto 3.Seguindo as trilhas <strong>da</strong> interpretação, o que significa esse tatu évéio/ mai’ ele veve cavucano?Bomba [1], s.f. Certo doce <strong>de</strong> forma cilíndrica ou esférica,feito <strong>de</strong> massa cozi<strong>da</strong> (...). Ou do umbundo:ombomba, bolo, broa; mbomba, farinha molha<strong>da</strong> masnão cozi<strong>da</strong>.Bomba [2], s.f. Fôlego (PR) - do xitonga bomba, cansar.Cp. AbombarBombeador, s.m. Aquele que age ou se comporta comobombeiro (BH). De bombear.Bombear, v.t.d (1) espionar. (2) Seguir alguém buscandoocasião para lhe falar. (3) Observar com atenção (BH).Bombeiro [1], s.f. Espião ou explorador <strong>de</strong> campo inimigo.Do quimbundo pombo, espião.Bombeiro [2], s.m. (1) ven<strong>de</strong>dor ambulante. (2) O práticoem trilhas e encruzilha<strong>da</strong>s nos campos gerias mineirose baianos (BH). Do quimbundo pombo, mensageiro.3Várzea do Gouvêa, Cunha-SP, 18/7/93. DocumentosSonoros Brasileiros – Acervo Cachuera!4Fazen<strong>da</strong> São José, Santa Isabel do Rio Preto-RJ (6/6/98). Documentos Sonoros Brasileiros-Acervo Cachuera!De olho na Cultura 135


Sarau afro - Plantando o Axé ...De acordo com o Dicionário Brasileiro Melhoramentos,sarau significa: 1. (s.m) Reunião festiva, em casaparticular, clube ou teatro, em que se passa a noite<strong>da</strong>nçando, jogando, tocando, etc. 2. Concerto musical<strong>de</strong> noite. 3. Reunião <strong>de</strong> pessoas amantes <strong>de</strong> letras,para recitação e audição <strong>de</strong> trabalhos em prosaou em verso. 5Uma <strong>da</strong>s várias formas <strong>de</strong> mantermos vivas nossas memórias<strong>cultura</strong>is é o sarau.Aqui no Brasil, uma saí<strong>da</strong> encontra<strong>da</strong> por muitos escritores/asnegros/as para furar o bloqueio a eles imposto no meioeditorial e fazer suas obras chegarem ao leitor foi a publicação emregime cooperativo. Durante o ano <strong>de</strong> 1978, existiu em São Paulo,no bairro do Bexiga, o <strong>Centro</strong> <strong>de</strong> Cultura e Arte Negra (Cecan),on<strong>de</strong> se reuniam pessoas liga<strong>da</strong>s às letras, <strong>de</strong>ntre as quais o poetaCuti e o advogado Hugo Ferreira. Juntos, eles <strong>de</strong>cidiram lançar osCa<strong>de</strong>rnos Negros, pequenas coletâneas <strong>de</strong> poemas.Recitar poesias, acompanhando seu ritmo com palmas, como corpo, não <strong>de</strong>ve ser novi<strong>da</strong><strong>de</strong> para você. Para esse grupo <strong>de</strong>artistas, a poesia é axé. Plantar o axé é o mesmo que soltar osversos, cantar a beleza negra e alimentar nossa <strong>cultura</strong>, nossa i<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong>,(re)lembrando formas <strong>de</strong> resistência por meio do po<strong>de</strong>r <strong>da</strong>palavra. Po<strong>de</strong>mos perceber que, muitas vezes, os africanos escravizadosutilizaram a palavra como arma seja em suas rezas ouxingamentos em sua própria língua, seja nos <strong>de</strong>sabafos <strong>da</strong> dorsenti<strong>da</strong>. Os compositores <strong>de</strong> bloco afro, rappers, capoeiristas, conga<strong>de</strong>iros,emboleiros, repentistas, sambistas etc. sabem fazer commuita proprie<strong>da</strong><strong>de</strong> essa combinação <strong>de</strong> palavra e ritmo.5Novo Dicionário Brasileiro Melhoramentos – Vol. V – 1969136 De olho na Cultura


Utilizando outras mo<strong>da</strong>li<strong>da</strong><strong>de</strong>s na falaBanco <strong>de</strong> poemas - Leia o poema abaixo e observe asimagens que ele traz a sua mente.À Moloise(Mooslim)Poeta? É quem extravasaos sentimentos contidos nos corpos,nos travesseiros e camas,e <strong>de</strong>sfaz as tramas bem traça<strong>da</strong>spelas cabeças dominantesPoeta? É quem traça a retaem direção à meta proposta,e abre a porta do inconcebívele adormecido sonhoPoeta? É quem <strong>de</strong>sven<strong>da</strong> o mistério<strong>da</strong> incógnita, in<strong>de</strong>svendávelaos olhos e aos corações ven<strong>da</strong>dose revolve a podridão do porãoPoeta? É quem adormece acor<strong>da</strong>doem pleno auge <strong>da</strong> festa,que infesta o antro dos po<strong>de</strong>rososPoeta? É quem não <strong>de</strong>ixa dormir o povoÉ <strong>de</strong> quem morre o corpo,e permanecem as palavras,e faz do papel o ninhoque aquece o ovo <strong>da</strong> revoluçãoFaz <strong>da</strong> caneta uma arma,e <strong>da</strong>s palavras um vulcãoPoeta? É quem queré agoraE não cansa <strong>de</strong> escreverFaça um poema junto com seus colegas. O primeiro passoé formar uma ro<strong>da</strong> e tomar uma folha em branco e umacaneta. Comece escrevendo um ou dois versos e passe opapel para o colega que estiver do seu lado esquerdo. Essegesto será repetido por um <strong>de</strong> ca<strong>da</strong> vez, sucessivamente,até você receber seu papel novamente. Veja o resultado ecomente com a sua turma. Se achar necessário, continue apoesia, <strong>da</strong>ndo um <strong>de</strong>sfecho para o texto.De olho na Cultura 137


ARTE AFRO-BRASILEIRA:MEMÓRIA CULTURALA gente precisa pesquisar na fonte <strong>de</strong> origeme <strong>de</strong>volver ao povo em forma <strong>de</strong> arte,era isso o que meu pai dizia.(Raquel Trin<strong>da</strong><strong>de</strong>)


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O conceito <strong>de</strong> ArteCostuma-se relacionar a arte à idéia <strong>de</strong> beleza. Há muito tempotenta-se <strong>de</strong>finir o que é capaz <strong>de</strong> <strong>de</strong>spertar essa idéia no ser humanoe até hoje não se chegou a uma resposta exata. Ca<strong>da</strong> <strong>cultura</strong>,ca<strong>da</strong> contexto constrói um conceito sobre o que seja arte e beleza.No mercado formal os limites para <strong>de</strong>terminar o que sejauma obra <strong>de</strong> arte são tênues e imprecisos. Essa <strong>de</strong>terminação, emgeral, fica a cargo <strong>de</strong> críticos, historiadores, peritos, e <strong>da</strong> mídiaespecializa<strong>da</strong> que, durante muito tempo, adotou uma concepçãoestética eurocentrista, interpretando os fenômenos segundo osvalores do oci<strong>de</strong>nte europeu.Po<strong>de</strong>mos enten<strong>de</strong>r estética como um ramo <strong>da</strong> filosofia voltadopara a reflexão à respeito <strong>da</strong> beleza sensível e do fenômenoartístico.Na Europa, <strong>de</strong> modo geral, principalmente após o séculoXV, pressupunha-se que a produção artística, para ser consi<strong>de</strong>ra<strong>da</strong>como tal, necessariamente <strong>de</strong>veria ser executa<strong>da</strong> ou por alguémdotado <strong>de</strong> habili<strong>da</strong><strong>de</strong>s especiais ou segundo mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> produçãoartística. A arte <strong>de</strong>veria ser ensina<strong>da</strong>, segundo os padrões estéticosditados e adotados e o resultado <strong>de</strong>veria apresentar certo grau <strong>de</strong>civili<strong>da</strong><strong>de</strong> e beleza.De olho na Cultura 141


Os adornos corporais, os objetos rituais e utilitários integradosao cotidiano dos povos africanos não partilhavam <strong>da</strong>sconcepções oci<strong>de</strong>ntais, portanto, não foram legitimados comoarte.Sabemos, hoje, que o conceito <strong>de</strong> arte não se restringe àestética eurocentrista e po<strong>de</strong>mos falar em Artes e não apenas emArte.Faz-se necessário explicitar que estamos abraçando a idéia<strong>de</strong> que arte é linguagem que se manifesta através <strong>de</strong> música, <strong>da</strong>nça,teatro, imagens. Seus processos <strong>de</strong> construção <strong>de</strong>senvolvem umalógica interna particular na organização <strong>de</strong> sons, silêncios, ritmos,cores, formas, linhas, gestos, <strong>de</strong> acordo com a intenção do produtor.142 De olho na Cultura


Artes <strong>da</strong>s ÁfricasA expressão Arte Africana foi cunha<strong>da</strong> por pesquisadores e artistasoci<strong>de</strong>ntais no final do século XIX, <strong>de</strong>signando as produções <strong>de</strong>todo o território africano sem consi<strong>de</strong>rar as peculiari<strong>da</strong><strong>de</strong>s estéticas,<strong>cultura</strong>is e filosóficas dos diversos povos e etnias presentes navastidão do continente africano. Se tomássemos apenas a arte doEgito, que gran<strong>de</strong> parte dos historiadores <strong>de</strong>sconsi<strong>de</strong>ra como partedo território africano, já teríamos um enorme universo em termos<strong>de</strong> arte.É tão inviável a generalização <strong>de</strong> uma Arte <strong>da</strong> África quanto<strong>de</strong> uma Arte Asiática ou Européia. Consi<strong>de</strong>rando esse fator,optamos por utilizar o termo Arte <strong>da</strong> África e nos ater aos aspectosgerais <strong>de</strong>ssas produções.Um dos pontos em comum entre as produções <strong>da</strong> arte <strong>da</strong>África é o culto às origens ancestrais e aos elementos <strong>da</strong> natureza,talvez motivado pelo anseio <strong>de</strong> sobrevivência e perpetuação quefaz parte <strong>da</strong> filosofia <strong>de</strong> vi<strong>da</strong> dos africanos em geral, embora nãoseja uma característica exclusiva <strong>de</strong>ste povo.A arte <strong>da</strong> África negra tradicional, presente em objetos <strong>de</strong>uso cotidiano e no universo performático — música e <strong>da</strong>nça —vai além <strong>da</strong> expressão artístico-estética, estando o artista e sua produçãoa serviço <strong>da</strong> comuni<strong>da</strong><strong>de</strong>.As artes plásticas, manifestas em objetos utilitários, estampas<strong>de</strong> tecidos, jóias, têm nas máscaras e es<strong>cultura</strong>s suas versõesmais conheci<strong>da</strong>s. O significado exato <strong>de</strong>sses objetos é quase sempre<strong>de</strong>sconhecido, uma vez que <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> <strong>da</strong> finali<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> ca<strong>da</strong>peça e do ritual a que esta se <strong>de</strong>stina.Algumas es<strong>cultura</strong>s são representações <strong>de</strong> personali<strong>da</strong><strong>de</strong>s importantesna comuni<strong>da</strong><strong>de</strong> e espíritos ancestrais em ações cotidianas.As máscaras que, em sua gran<strong>de</strong> <strong>maio</strong>ria, serviam a ritosreligiosos como funerais, rituais mágicos <strong>de</strong> cura, <strong>de</strong> nascimento ecasamento, conferiam a quem as usasse o po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> incorporação<strong>de</strong> espíritos e <strong>de</strong> absorção <strong>de</strong> forças mágicas e místicas.Embora as máscaras fossem elabora<strong>da</strong>s com diversos tipos<strong>de</strong> materiais, como marfim, metais ou barro, o mais comum era oIbejis, es<strong>cultura</strong>s em ma<strong>de</strong>ira,Museu Afro Brasil, São PauloDe olho na Cultura 143


uso <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira, que era entalha<strong>da</strong> com uma espécie <strong>de</strong> faca oucanivete.Em alguns casos, o criador executava o trabalho em meio aum ritual em que se isolava na selva e buscava se comunicar comos espíritos dos ancestrais, por vezes, usando uma máscara quelhe conferia as condições necessárias para a função.Um procedimento muito comum é a junção <strong>de</strong> materiais <strong>de</strong>diversas naturezas em uma mesma peça, como as obras entalha<strong>da</strong>sem ma<strong>de</strong>ira e recobertas com couro, pele e/ ou latão.Para os africanos, a máscara e o corpo são amálgamas doscomponentes do universo: reino vegetal e animal.O senso comum ten<strong>de</strong> à visão romântica <strong>de</strong> que to<strong>da</strong> a produçãoartística <strong>da</strong> África, <strong>de</strong> ontem e <strong>de</strong> hoje, é <strong>de</strong> cunho mágicoreligioso.O fato é que foram e ain<strong>da</strong> são produzi<strong>da</strong>s peças sem intençãomágico-religiosa, criações livres que congregam os valores estéticosdos africanos amalgamados às influências estéticas européias.Você po<strong>de</strong>r vivenciar a experiência <strong>de</strong> produção<strong>de</strong> uma máscara <strong>de</strong>senvolvendo a ativi<strong>da</strong><strong>de</strong> númeroum sugeri<strong>da</strong> no final <strong>de</strong>ste capítulo144 De olho na Cultura


IbejisRepública do Benin ( ex-Daomé)Acervo do Museu Afro-Brasileiro – UfbaFoto: Claudiomar GonçalvesDe olho na Cultura 145


Da África para o MundoPor muito tempo <strong>de</strong>svaloriza<strong>da</strong>s e incompreendi<strong>da</strong>s, as produçõesestéticas marca<strong>da</strong>s por traços étnicos indígenas e africanos estiveramdistantes dos espaços <strong>de</strong>stinados aos fenômenos artísticos —museus, galerias <strong>de</strong> arte, teatros, salas <strong>de</strong> concerto e afins.A crítica <strong>de</strong> arte européia passou a consi<strong>de</strong>rar algumas <strong>da</strong>sproduções visuais africanas como obras <strong>de</strong> arte a partir do séculoXX, quando as tropas dos países colonizadores, movi<strong>da</strong>s pela beleza<strong>da</strong>s peças e pela possibili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> comercializá-las, passaram apromover um gran<strong>de</strong> saque <strong>de</strong> objetos <strong>de</strong> arte que, em sua gran<strong>de</strong><strong>maio</strong>ria, encontram-se atualmente nos museus europeus. Produçõesoriginais e <strong>de</strong> inegável quali<strong>da</strong><strong>de</strong> técnica tiveram seu valormedido pela aparência, isola<strong>da</strong>mente, sem consi<strong>de</strong>ração <strong>de</strong> contexto,finali<strong>da</strong><strong>de</strong> e processo <strong>de</strong> produção.Desconsi<strong>de</strong>ra<strong>da</strong> sua importância <strong>cultura</strong>l, muitos objetos <strong>de</strong>barro ou ma<strong>de</strong>ira foram <strong>de</strong>struídos, porque era <strong>da</strong><strong>da</strong> preferênciaàs peças que apresentavam materiais <strong>de</strong> valor como ouro, pedraspreciosas, bronze e marfim, trabalhados segundo técnicas ain<strong>da</strong><strong>de</strong>sconheci<strong>da</strong>s na Europa.Em suas versões mais conheci<strong>da</strong>s — es<strong>cultura</strong>s figurativas eem especial as máscaras com rostos humanos — a arte <strong>da</strong> Áfricafoi percebi<strong>da</strong> pelo oci<strong>de</strong>nte em um período em que a <strong>cultura</strong> européiapassava por um questionamento sobre a razão <strong>de</strong> ser e afunção <strong>da</strong> arte.A configuração estiliza<strong>da</strong> e geométrica <strong>da</strong> arte <strong>da</strong> África aten<strong>de</strong>uà necessi<strong>da</strong><strong>de</strong> dos artistas entediados com a pintura acadêmicae dos opositores <strong>da</strong> pintura impressionista.Padrões artísticos africanos foram integrados às pinturas ees<strong>cultura</strong>s realiza<strong>da</strong>s por artistas europeus, entre os quais o espanholPablo Picasso (1881-1973), reconhecido mundialmente comoo mais notável mestre <strong>da</strong>s Artes Plásticas do século 20.Uma <strong>da</strong>s obras mais conheci<strong>da</strong>s <strong>de</strong> Picasso “Les Demoisellesd’Avignon” (As senhoritas <strong>de</strong> Avignon), inaugura o movimentocubista, cuja proposta era o rompimento com o conceito <strong>de</strong> artecomo imitação <strong>da</strong> natureza, e procurou eliminar a noção <strong>de</strong> pers-146 De olho na Cultura


Máscara GueledéRepública do Benin ( ex-Daomé)Acervo do Museu Afro-Brasileiro - UfbaFoto: Claudiomar GonçalvesDe olho na Cultura 147


pectiva e a ilusão <strong>de</strong> profundi<strong>da</strong><strong>de</strong> e tridimensionali<strong>da</strong><strong>de</strong> mostrandovárias faces <strong>da</strong> figura ao mesmo tempo. Os objetos eram,então, representados explicitando sua estrutura geométrica básicacomo cubos e cilindros.O expressionismo, que tem como precursor o artista norueguêsEdvard Munch (1863-1944), também dialoga com os padrõesestéticos <strong>da</strong> arte <strong>da</strong> África, propondo uma ruptura com asaca<strong>de</strong>mias <strong>de</strong> arte européias. Eliminando a ilusão <strong>de</strong>tridimensionali<strong>da</strong><strong>de</strong>, se caracteriza, principalmente, pela distorçãoe o exagero <strong>da</strong>s formas, pensados para causar impacto emocionalno apreciador.No campo <strong>da</strong>s artes plásticas, po<strong>de</strong>mos enten<strong>de</strong>r estilo comoas quali<strong>da</strong><strong>de</strong>s físicas <strong>da</strong> obra, ou seja, a forma como a imagem éconfigura<strong>da</strong>, os traços recorrentes e característicos.O cubismo e o expressionismo, embora captassem as característicasestilísticas <strong>da</strong> arte negra, como alternativa ao padrão estéticoaté então vigente, não comportaram a sua essência, que é ouniverso mítico em diálogo com a vi<strong>da</strong> terrena.148 De olho na Cultura


Es<strong>cultura</strong> <strong>de</strong> IemanjáRepública do Benin (ex-Daomé)Acervo do Museu Afro-Brasileiro – UfbaFoto: Claudiomar GonçalvesDe olho na Cultura 149


Arte <strong>de</strong> MemóriaQuando o ser humano, pela primeira vez, gravou uma imagemna pare<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma caverna, emitiu um som ou fez um gesto comintenção <strong>de</strong> transmitir alguma sensação ou emoção é certo quenão estivesse pensando em arte tal qual pensamos atualmente.Quando o sergipano Arthur Bispo do Rosário construiupeças, bordou mantos e jaquetas e fez instalações, atribuindooutras funções aos objetos <strong>de</strong> uso cotidiano, não tencionava produzirobras <strong>de</strong> arte e sim aten<strong>de</strong>r a uma motivação interna.Nascido em 1909, em Japaratuba, interior do Sergipe, ingressoucomo marinheiro na Escola <strong>de</strong> Aprendizes <strong>de</strong> Aracajunos anos 20, <strong>da</strong>ndo baixa em 1933, quando já estava no Rio <strong>de</strong>Janeiro. Nessa época, se <strong>de</strong>stacou como boxeador e aperfeiçoou atécnica dos bor<strong>da</strong>dos. De volta à vi<strong>da</strong> civil, trabalhou como lavador,borracheiro e aju<strong>da</strong>nte geral na residência <strong>de</strong> uma família. Em1938, segundo a comuni<strong>da</strong><strong>de</strong> médica, sofreu um surto psicótico efoi internado na Colônia Juliano Moreira-RJ. Lá ganhou o respeitoe a confiança dos funcionários e <strong>de</strong>mais pacientes, que contribuíamna coleta e armazenamento dos objetos que ele julgavanecessários para realizar suas composições.Nos anos 80, o meio artístico <strong>de</strong>scobriu suas obras e o convidoupara participar <strong>de</strong> exposições. Ele rejeitou tais convites, assimcomo rejeitou o rótulo <strong>de</strong> artista. Bispo morreu em 1989 nas<strong>de</strong>pendências <strong>da</strong> Colônia Juliano Moreira que, atualmente, sedia oMuseu Bispo do Rosário.Arthur Bispo do Rosário não consi<strong>de</strong>rava suas produçõescomo obras <strong>de</strong> arte. No entanto, suas obras, como Macumba adquiriramo estatuto <strong>de</strong> Arte, <strong>de</strong>ntro e fora do Brasil.Construindo saberesEste é um excelente momento para estabelecer um diálogoartístico entre você e seus colegas <strong>de</strong> sala. Selecionee traga para o grupo um objeto que tenha um significadoespecial para você.Socialize o significado simbólico e afetivo <strong>de</strong>sse objeto.150 De olho na Cultura


Diferindo <strong>de</strong> Arthur Bispo do Rosário, o artista afro-brasileiroAgnaldo Manoel dos Santos, quando esculpe e talha imagens,tem a intenção <strong>de</strong> produzir uma obra <strong>de</strong> arte para expor emum espaço que legitima o objeto como uma obra <strong>de</strong> arte.Agnaldo Manoel dos Santos nasceu no povoado <strong>da</strong> Gamboa,em Mar Gran<strong>de</strong>, próximo ao litoral <strong>de</strong> Itaparica, em <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong>1926. Conheceu as técnicas e os procedimentos <strong>da</strong> es<strong>cultura</strong> noestúdio do artista plástico e fotógrafo Mário Cravo Jr. e os empregouem representações intimamente liga<strong>da</strong>s à religiosi<strong>da</strong><strong>de</strong> africana.Em 1953, Agnaldo acompanhou Mário Cravo Jr a São Paulopara ajudá-lo na montagem <strong>da</strong> participação <strong>de</strong>ste na Bienal. Apartir <strong>da</strong>quele ano, sentiu o <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> participar e não poupouesforços até ser aceito e premiado pela obra Figura e Pilão, na Bienal<strong>de</strong> 1957. Agnaldo morreu em 1962, <strong>de</strong>ixando uma obra <strong>de</strong> significativaimportância.De olho na Cultura 151


Cultura e i<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong> na arteNem todo artista necessariamente produz uma arte <strong>de</strong> estéticae/ou temática correspon<strong>de</strong>nte ou em diálogo com suas matrizesétnicas. No século XIX, por exemplo, muitos <strong>de</strong>les, forçosamenteou não, inconscientemente ou não, para sair <strong>da</strong>s margens domundo artístico, incorporaram-se às aca<strong>de</strong>mias oficiais, seguidoras<strong>da</strong>s correntes estilísticas européias.Arthur Timóteo <strong>da</strong> Costa (1882) e João Timóteo <strong>da</strong> Costa(1879-1932), nascidos no Rio <strong>de</strong> Janeiro, eram membros <strong>de</strong> umafamília numerosa e <strong>de</strong>sprovi<strong>da</strong> <strong>de</strong> recursos financeiros. Quandojovens, foram aprendizes na Casa <strong>da</strong> Moe<strong>da</strong> e estu<strong>da</strong>ram na EscolaNacional <strong>de</strong> Belas Artes, antiga Aca<strong>de</strong>mia Imperial <strong>de</strong> BelasArtes, no Rio <strong>de</strong> Janeiro.Arthur Timóteo <strong>da</strong> Costa, ágil nas pincela<strong>da</strong>s <strong>de</strong> alta quali<strong>da</strong><strong>de</strong>técnica, foi consi<strong>de</strong>rado um autêntico precursor do mo<strong>de</strong>rnismono Brasil. Recebeu, em 1906, a menção <strong>de</strong> 1º Grau <strong>da</strong> Aca<strong>de</strong>mia<strong>de</strong> Belas Artes e, no ano seguinte, o gran<strong>de</strong> prêmio – umaviagem à Europa – pela obra Antes <strong>da</strong> Aleluia.João Timóteo <strong>da</strong> Costa, que se <strong>de</strong>stacou pela pintura <strong>de</strong> retratose paisagens, expôs no Salão Nacional <strong>de</strong> Belas Artes <strong>de</strong>s<strong>de</strong>1906 e ali conquistou todos os prêmios. Esteve na Europa entre1910 e 1911, contratado, <strong>de</strong>ntre outros artistas, pelo governo brasileiropara fazer <strong>de</strong>corações no Pavilhão <strong>da</strong> Exposição <strong>de</strong> Turim.Artur Timóteo <strong>da</strong> Costa. In:Lau<strong>de</strong>lino Freire. Um século <strong>de</strong> pintura.Apontamentos para a história<strong>da</strong> pintura no Brasil; <strong>de</strong> 1816 a 1916.Rio <strong>de</strong> Janeiro, Röhe, 1916.152 De olho na Cultura


João TimóteoDe olho na Cultura 153


África-Brasil - re/traduçãoNão é fácil categorizar <strong>de</strong>termina<strong>da</strong> produção como arte afrobrasileira,consi<strong>de</strong>rando o todo <strong>da</strong> produção artística brasileira,uma vez que os diálogos entre as diferentes <strong>cultura</strong>s são inevitáveis.Mas é possível perceber a re/tradução <strong>da</strong> estética <strong>da</strong> arte <strong>da</strong>África nas obras <strong>de</strong> vários artistas brasileiros, dos quais vamos<strong>de</strong>stacar três: Rubem Valentim, Niobe Xandó e Emanuel AraújoRubem Valentim produziu pinturas e es<strong>cultura</strong>s quereconduzem/ retraduzem a estética e o valor mítico <strong>da</strong> <strong>cultura</strong>afro-brasileira. Niobe Xandó, pintora e <strong>de</strong>senhista, é autodi<strong>da</strong>ta eseu trabalho traz a influência <strong>da</strong>s <strong>cultura</strong>s africana e indígena, principalmentenas representações <strong>de</strong> máscaras, recorrentes em suaobra. No conjunto <strong>da</strong> obra <strong>de</strong> Emanuel Araújo, se faz presente aancestrali<strong>da</strong><strong>de</strong> ameríndia e ioruba.O artista baiano Rubem Valentim nasceu em 1922 e faleceu,em São Paulo, em 1991. Formou-se em Odontologia, profissãoque exerceu por alguns anos até passar a se <strong>de</strong>dicar à arte. Suasproduções inciais apresentavam forte influência <strong>da</strong> arte oci<strong>de</strong>ntale, ao longo do tempo, passou a representar as características estéticas<strong>da</strong> África.Niobe Xandó, nasci<strong>da</strong> em 1915, no interior do Estado <strong>de</strong>São Paulo, iniciou sua carreira artística aos 22 anos com obras cujatemática era a natureza. Alguns anos <strong>de</strong>pois, passou a utilizar osrecursos construtivos característicos do Letrismo e/ou Grafismo,movimento surgido na França nos anos 50, no qual as imagenssão configura<strong>da</strong>s com a utilização <strong>de</strong> palavras, letras e sinais <strong>da</strong>gramática literária.Niobe utiliza, no conjunto <strong>da</strong> sua obra, diversos materiais,como guache, óleo, acrílico, nanquim e spray, e recursos técnicos,como a colagem e a cópia xerox.Você po<strong>de</strong> vivenciar essa experiência <strong>de</strong>senvolvendo aativi<strong>da</strong><strong>de</strong> número dois sugeri<strong>da</strong> no final <strong>de</strong>ste bloco.Filho e neto <strong>de</strong> ourives, Emanuel Araújo nasceu em SantoAmaro <strong>da</strong> Purificação (BA) em 15 <strong>de</strong> novembro <strong>de</strong> 1940 e, ain<strong>da</strong>criança, exerceu funções significativas para o <strong>de</strong>senvolvimento <strong>da</strong>154 De olho na Cultura


Emanoel AraújoDe olho na Cultura 155


técnica e expressão artística, como marcenaria e composição gráfica.Percorreu um caminho que passa pela formação na EscolaNacional <strong>de</strong> Belas Artes <strong>da</strong> Bahia, pelo resgate, reunião e preservação<strong>de</strong> documentos, fotos e objetos <strong>de</strong> arte que espelham a históriado negro e pela criação do Museu Afrobrasil, localizado noParque do Ibirapuera, em São Paulo.156 De olho na Cultura


A imagem do negrona história <strong>da</strong> Arte BrasileiraDurante muito tempo, quem <strong>de</strong>tinha (e ain<strong>da</strong> <strong>de</strong>tém, em gran<strong>de</strong>parte) os meios <strong>de</strong> produção, divulgação e circulação <strong>de</strong> informaçõesestendia esse mesmo monopólio para o campo <strong>da</strong>s artes.Razões políticas e <strong>cultura</strong>is fizeram com que a representaçãopositiva <strong>da</strong> imagem do negro no Brasil fosse cercea<strong>da</strong> durantemuito tempo. Vingava a imagem <strong>de</strong> uma população negra dócil esubordina<strong>da</strong>, ou do negro como um ser exótico e inferiorizado.Somente em 1853, um negro seria objeto <strong>de</strong> um retrato, gênero<strong>de</strong> pintura que homenageava personali<strong>da</strong><strong>de</strong>s importantes. Omarinheiro Simão, carvoeiro do vapor <strong>de</strong> Pernambuco, foi consi<strong>de</strong>radoum herói por ter bravamente salvo pessoas <strong>de</strong> um naufrágioem Santa Catarina. Na época, talvez este fosse o único motivopor que um negro pô<strong>de</strong> ter o seu retrato pintado pelo artista mineiroe professor <strong>da</strong> Aca<strong>de</strong>mia Imperial <strong>de</strong> Belas Artes José Correia<strong>de</strong> Lima (1814-1857).Movimento Mo<strong>de</strong>rnista BrasileiroA história <strong>da</strong> arte <strong>de</strong>signa, genericamente, como mo<strong>de</strong>rnismo os váriosmovimentos artísticos e literários surgidos no fim do século XIXe no início do século XX que apresentaram novas concepções estéticas.Esse movimento <strong>de</strong> renovação estética influenciou artistas brasileiroscomo Di Cavalcanti e Lasar Segall. O Mo<strong>de</strong>rnismo Brasileiroencontrou campo fértil para o seu <strong>de</strong>senvolvimento em São Paulo.Naquele momento, a elite paulista procurava se distinguir <strong>da</strong> ci<strong>da</strong><strong>de</strong>do Rio <strong>de</strong> Janeiro por meio <strong>da</strong> propagan<strong>da</strong> do progresso <strong>da</strong> região,que recebia muitos imigrantes, principalmente italianos.A Semana <strong>de</strong> Arte Mo<strong>de</strong>rna <strong>de</strong> 1922 foi o marco do movimentomo<strong>de</strong>rnista, que buscava a i<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> uma arte autenticamentebrasileira, livre dos tradicionais mo<strong>de</strong>los europeus. Dentreoutros temas, os artistas mo<strong>de</strong>rnistas se ocuparam em retrataros vários fenótipos dos brasileiros.O artista brasileiro Cândido Portinari, <strong>de</strong> família bastantehumil<strong>de</strong>, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> pequeno gostava <strong>de</strong> <strong>de</strong>senhar e pintar. Suas obrasDe olho na Cultura 157


etratam suas lembranças <strong>de</strong> infância, a preocupação com a digni<strong>da</strong><strong>de</strong>do ser humano e, o que mais lhe incomo<strong>da</strong>va, a pobrezaque via em sua ci<strong>da</strong><strong>de</strong>, quando criança.Lasar Segall, o sexto <strong>de</strong> oito filhos <strong>de</strong> uma família ju<strong>da</strong>ica epobre, nasceu em 1891, na capital <strong>da</strong> Lituânia, e iniciou seus estudos<strong>de</strong> <strong>de</strong>senho aos 14 anos. Em 19<strong>23</strong>, já um artista consagrado erespeitado na Europa, sofrendo perseguição por ser ju<strong>de</strong>u e tendosido prisioneiro durante a I Guerra Mundial (1914-1918), escolheuo Brasil como país para morar <strong>de</strong>finitivamente e passou afazer parte do grupo <strong>de</strong> artistas <strong>da</strong> corrente mo<strong>de</strong>rnista. Faleceuem 1957, em São Paulo, <strong>de</strong>ixando pinturas, <strong>de</strong>senhos, gravuras ees<strong>cultura</strong>s que refletem sua preocupação com as injustiças sociaise com o sofrimento humano.I<strong>de</strong>aliza<strong>da</strong> por Di Cavalcanti, e abraça<strong>da</strong> por vários artistas<strong>da</strong> época, a Semana <strong>de</strong> Arte Mo<strong>de</strong>rna aconteceu entre 11 e 18 <strong>de</strong>fevereiro <strong>de</strong> 1922, no Teatro Municipal <strong>de</strong> São Paulo, on<strong>de</strong> foramapresenta<strong>da</strong>s exposições <strong>de</strong> arte, conferências, leituras <strong>de</strong> poesia eprosa, espetáculos <strong>de</strong> música e <strong>de</strong> <strong>da</strong>nça. A Semana causou inúmerasreações, negativas e positivas, no cenário <strong>cultura</strong>l. Este foi operíodo <strong>de</strong> <strong>maio</strong>r visibili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong>s questões liga<strong>da</strong>s às relações étnico-raciaisna composição <strong>da</strong> <strong>cultura</strong> brasileira.Estampa negraA gravura, como arte, firma-se no século XX e sua particulari<strong>da</strong><strong>de</strong>é a possibili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong> reprodução <strong>da</strong> imagem ser consi<strong>de</strong>ra<strong>da</strong> comouma obra original. Um trabalho <strong>de</strong> gravura divi<strong>de</strong>-se em quatroetapas igualmente importantes: a gravação, momento em que secava o suporte para configurar a imagem; a entintagem, momentoem que se passa tinta no suporte já gravado; a impressão, quandose transfere a imagem para o papel; e a finalização, quando a impressãoé numera<strong>da</strong> e assina<strong>da</strong>. Uma gravura é consi<strong>de</strong>ra<strong>da</strong> originalquando assina<strong>da</strong> e numera<strong>da</strong> pelo artista, <strong>de</strong>ntro dos padrõesestabelecidos internacionalmente.A impressão <strong>da</strong> imagem é feita diretamente <strong>da</strong> matriz peloartista ou por impressor especializado, mas sob a orientação doprimeiro. Quando consi<strong>de</strong>ra termina<strong>da</strong> a produção, o artista tira aprimeira prova, que é chama<strong>da</strong> <strong>de</strong> PA. (prova do artista).158 De olho na Cultura


Cabeça <strong>de</strong> negro, Lasar Segall 1929, xilogravura, 20 x 15 cmDe olho na Cultura 159


Pérolas do BrasilTambém nos anos 1920, são revelados e valorizados dois gran<strong>de</strong>smestres <strong>da</strong> arte brasileira: Antônio Francisco Lisboa e MestreAtaí<strong>de</strong>.A palavra “barroco” significa pérola ou jóia <strong>de</strong> formatotriangular. Designa o estilo artístico predominante no século XVII,que se caracteriza, na es<strong>cultura</strong>, pelo emprego excessivo <strong>de</strong> ornamentose, na pintura, pela intensi<strong>da</strong><strong>de</strong> do contraste <strong>de</strong> luzes e sombras,que intensifica a expressão dos sentimentos.Manuel <strong>da</strong> Costa Ataí<strong>de</strong>, pintor, entalhador, dourador, arquiteto,músico e professor <strong>de</strong> arte, conhecido como Mestre Ataí<strong>de</strong>,nasceu em 1762 e morreu em 1830 na ci<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> Mariana, MinasGerais. Mestre Ataí<strong>de</strong> conferiu caráter bem brasileiro ao estilo barroco,pintando o interior <strong>de</strong> várias igrejas <strong>de</strong> Minas Gerais comum estilo próprio. Pintando Nossa Senhora e anjos negros e mulatoscom cores vivas, entre as quais a preferi<strong>da</strong> era o azul, foi umdos <strong>maio</strong>res representantes <strong>da</strong> pintura barroca brasileira, ao ladodo arquiteto e escultor Antônio Francisco Lisboa.Antônio Francisco Lisboa nasceu, provavelmente, em 1738,na ci<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> Vila Rica, atual Ouro Preto. Morreu em 1814, quasecego e acometido <strong>de</strong> uma doença que <strong>de</strong>generava seus órgãos.Morreu sem ter o seu valor artístico reconhecido. O gran<strong>de</strong> artistaseria re<strong>de</strong>scoberto quase cem anos mais tar<strong>de</strong>. Fruto <strong>da</strong> união doportuguês Manuel Francisco Lisboa, consi<strong>de</strong>rado um dos melhoresarquitetos <strong>de</strong> sua época, com sua escrava Isabel, nasceu escravoe foi libertado pelo pai, com quem apren<strong>de</strong>u a <strong>de</strong>senhar. Maistar<strong>de</strong> passou a freqüentar oficinas <strong>de</strong> produção artística e começoua <strong>de</strong>senvolver um estilo peculiar no seu trabalho, cujo <strong>de</strong>staquesão os entalhes em ma<strong>de</strong>ira e as es<strong>cultura</strong>s <strong>de</strong> santos. Suasobras consi<strong>de</strong>ra<strong>da</strong>s mais importantes estão na ci<strong>da</strong><strong>de</strong> mineira <strong>de</strong>Congonhas do Campo: Os Doze Profetas, um conjunto <strong>de</strong> dozeestátuas em tamanho natural, esculpi<strong>da</strong>s em pedra-sabão, e Os Passos<strong>da</strong> Paixão.Você po<strong>de</strong> vivenciar essa experiência <strong>de</strong>senvolvendo a ativi<strong>da</strong><strong>de</strong>número quatro sugeri<strong>da</strong> no final <strong>de</strong>ste bloco.160 De olho na Cultura


Imagem do negro pelo negroA atuação dos artistas mo<strong>de</strong>rnistas foi importante, porém insuficientepara a afirmação e o fortalecimento nas artes plásticas doque hoje <strong>de</strong>nominamos i<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong> afrobasileira.Nesse sentido, coube a alguns artistas procurar ser escriba<strong>da</strong> sua própria história e i<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong>, como o fez Rosana Paulino.Rosana Paulino nasceu em 1967, no interior <strong>de</strong> São Paulo, ena juventu<strong>de</strong> <strong>de</strong>slocou-se para a Capital para fazer vestibular paraBiologia, mas acabou optando pelas artes plásticas. Em 1994, ganhouo primeiro prêmio <strong>da</strong> Mostra <strong>de</strong> Arte Jovem, <strong>de</strong>dica<strong>da</strong> atalentos <strong>da</strong> Universi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> São Paulo (USP), por seus trabalhoscom imagens <strong>de</strong> mulheres e crianças negras. Peças serigrafa<strong>da</strong>s,pinta<strong>da</strong>s, costura<strong>da</strong>s ou recorta<strong>da</strong>s articulavam a atitu<strong>de</strong> artísticacom as questões sobre política, raça e <strong>cultura</strong>. Uma <strong>de</strong> suas famosasobras é Pare<strong>de</strong> <strong>da</strong> memória, com retratos <strong>de</strong> mulheres <strong>da</strong> suafamília.Você po<strong>de</strong> compor com seus colegas uma pare<strong>de</strong> <strong>da</strong> memóriapara reralizar a ativi<strong>da</strong><strong>de</strong> número cinco sugeri<strong>da</strong>no final <strong>de</strong>ste bloco.De olho na Cultura 161


Afinal, o que é arte?Po<strong>de</strong>mos aceitar a <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> que arte é o produto simbólicoque o ser humano criador realiza com intenção <strong>de</strong>termina<strong>da</strong>.O que há em comum entre a es<strong>cultura</strong> africana, as composições<strong>de</strong> Bispo, as es<strong>cultura</strong>s <strong>de</strong> Agnaldo, as pinturas dos irmãosTimóteo e as <strong>de</strong>mais que já vimos ou <strong>de</strong> que ouvimos falar, paraserem classifica<strong>da</strong>s como obras <strong>de</strong> arte, é a ação dos seus produtoresdiante <strong>de</strong> fenômenos oferecidos pelo contexto em que estavaminseridos e o processo <strong>de</strong> transformação <strong>de</strong> suas percepçõesem linguagem.Em outras palavras, o ato criador não se manifesta <strong>de</strong> modoisolado. É no conjunto <strong>de</strong> relações entre o artista e o contexto emque está inserido que surge a necessi<strong>da</strong><strong>de</strong> e o processo <strong>de</strong> elaboraçãoe construção <strong>da</strong> forma.Como sujeito em diálogo com seu meio ambiente, ampliandosua concepção a respeito do universo circun<strong>da</strong>nte, o artistanão é um iluminado que, tomado por forças <strong>de</strong> um mundo além,produz uma obra <strong>de</strong> arte imune às influências e exigências domeio em que se insere. Além disso, o artista também é um indivíduoque não está livre <strong>de</strong> suas paixões pessoais.Nutrindo o seu processo <strong>de</strong> criação com as experiênciasvivi<strong>da</strong>s, o artista cria um fenômeno <strong>de</strong> características próprias, comelementos simbólicos comuns, a fim <strong>de</strong> estabelecer um diálogocom o universo <strong>cultura</strong>l do apreciador.Caso contrário, <strong>de</strong>stituí<strong>da</strong> <strong>da</strong> possibili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> comunicação,sua produção não po<strong>de</strong>ria ser traduzi<strong>da</strong> como linguagem queé, na medi<strong>da</strong> em que comunica fatos e/ou idéias. Evi<strong>de</strong>ntemente,não há uma resposta única e exata para a questão “O que é arte?”Uma dos muitos caminhos para enten<strong>de</strong>r uma obra <strong>de</strong> artecomo tal seria tomá-la como o resultado <strong>da</strong> artesania do artistamovido por uma intenção.As <strong>de</strong>finições <strong>de</strong> arte e <strong>de</strong> beleza variam <strong>de</strong> acordo com a épocae o lugar. Po<strong>de</strong>mos afirmar, então, que fazer arte é uma <strong>da</strong>s muitasmaneiras que o ser humano tem <strong>de</strong> expor seus sentimentos e pensamentosem relação ao mundo que o cerca e <strong>de</strong> contar os fatos162 De olho na Cultura


que percebe à sua volta, <strong>de</strong>spertando no espectador, isto é, napessoa que observa, diferentes sensações, pensamentos e até comportamentos.Arte é uma ativi<strong>da</strong><strong>de</strong> humana em que é possível representarnossas emoções, nossa história, nossos sentimentos e nossos <strong>de</strong>sejos,nossa <strong>cultura</strong>, nossa i<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong>, ou melhor, nossas i<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong>s.Ain<strong>da</strong> que a feitura <strong>da</strong> obra <strong>de</strong> arte seja uma ativi<strong>da</strong><strong>de</strong> solitária,a arte só se realiza como tal quando estabelece a comunicaçãopela contemplação e i<strong>de</strong>ntificação com o seu conteúdo.Uma obra <strong>de</strong> arte é sintomática <strong>da</strong> <strong>cultura</strong> <strong>de</strong> seu tempo e <strong>de</strong>seu lugar. Relacionar os produtos artísticos à idéia <strong>de</strong> beleza representauma visão reducionista <strong>de</strong> um processo complexo <strong>de</strong>codificação <strong>de</strong> uma linguagem, processo em que o criador empregaconhecimento, afetivi<strong>da</strong><strong>de</strong> e percepção <strong>de</strong> mundo e o observador,pensamento, sentimento e visão <strong>de</strong> mundo.Um artista, po<strong>de</strong> ser muito conhecido na sua comuni<strong>da</strong><strong>de</strong>sem ter sido reconhecido pelos articuladores dos espaços oficiaisou institucionalizados. E são artistas assim, em sua gran<strong>de</strong> <strong>maio</strong>riaanônimos, que preservam e re-significam os elementos tradicionais<strong>da</strong> africani<strong>da</strong><strong>de</strong> na arte brasileira.Vamos recor<strong>da</strong>r que, na África Negra, a imagem, a representaçãoestá liga<strong>da</strong> a uma mensagem social, educativa, humana.Constantemente evoca um tipo <strong>de</strong> comportamento. Muito além<strong>da</strong> a<strong>de</strong>quação ao que é real, à aparência, ao visível, o africano vaimais longe e se relaciona com forças que nos superam e se referemao <strong>de</strong>stino do ser humano no cosmos.Sugestão <strong>de</strong> ativi<strong>da</strong><strong>de</strong>s1 Fazendo Arte - MáscarasReúna elementos que possam simbolizar o reino animal,vegetal e mineral e produza uma máscara que homenageiea arte <strong>da</strong> África.Você vai precisar <strong>de</strong>: Tiras <strong>de</strong> jornal e/ou papel pardo/1 bexiga/-cola branca/ uma bacia ou recipiente similar/1 caneta piloto ou similar/ tinta guache ou acrílica <strong>de</strong>cores diversas e pincéis.De olho na Cultura 163


Para <strong>da</strong>r certo: Encha a bexiga até atingir um tamanhoequivalente ao do seu rosto, misture 2/3 <strong>de</strong> cola e 1/3 <strong>de</strong>água no recipiente. Com a caneta piloto, risque a meta<strong>de</strong><strong>da</strong> bexiga no sentido vertical. Mergulhe as tiras <strong>de</strong> jornalna água com cola e escolha uma <strong>da</strong>s meta<strong>de</strong>s <strong>da</strong> bexigapara colar as tiras <strong>de</strong> papel em seis cama<strong>da</strong>s, observandoque, entre a colagem <strong>de</strong> uma cama<strong>da</strong> e outra, <strong>de</strong>ve haverum intervalo mínimo <strong>de</strong> 6 horas. Quando a coberturacom as tiras <strong>de</strong> jornal estiver bem firme, fure a bexiga.Você terá uma base e po<strong>de</strong>rá trabalhar como quiser, pintandoe adornando com os seus elementos <strong>de</strong> maneiraque o resultado seja uma máscara <strong>de</strong> estética africana.Se <strong>de</strong>sejar salientar partes do rosto, como olhos, nariz eboca, utilize canudos <strong>de</strong> jornal mol<strong>da</strong>dos e colados nolocal <strong>de</strong>sejado a partir <strong>da</strong> segun<strong>da</strong> cama<strong>da</strong> <strong>da</strong> colagem.Se <strong>de</strong>sejar algum elemento vazado, como olhos, nariz eboca, espere o mol<strong>de</strong> secar totalmente, contorne a forma<strong>de</strong>seja<strong>da</strong> com a caneta e recorte introduzindo umatesoura <strong>de</strong> ponta.Para iniciar a pintura, recomen<strong>da</strong>-se uma <strong>de</strong>mão <strong>de</strong> tintabranca em to<strong>da</strong> a base.2 Fazendo arte - Grafismo.Faça uma composição visual utilizando o grafismo.Vocêpo<strong>de</strong> escolher uma <strong>da</strong>s obras apresenta<strong>da</strong>s neste livro,em outra fonte, ou criar a sua produção.Você vai precisar <strong>de</strong>: papel sulfite e caneta esferográfica<strong>de</strong> cores varia<strong>da</strong>s.3 Fazendo Arte - GravuraDefina com os colegas e o professor quantos exemplaresterá a tiragem <strong>da</strong> gravura produzi<strong>da</strong> por vocês.Utilize, como suporte <strong>de</strong> gravação, uma placa <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>iraou <strong>de</strong> linóleo ou uma ban<strong>de</strong>ja <strong>de</strong> isopor e, para o entalhe,goivas <strong>de</strong> metal ou outros objetos, no caso <strong>de</strong> opçãopela ban<strong>de</strong>ja <strong>de</strong> isopor como suporte.164 De olho na Cultura


Para imprimir a imagem na mesma posição do <strong>de</strong>senhooriginal, este <strong>de</strong>ve ser gravado na matriz em posição inverti<strong>da</strong>.a Procure uma foto sua ou <strong>de</strong> alguém que você queirahomenagear e faça o esboço em uma folha <strong>de</strong> papelsulfite.b Reproduza o esboço do rosto em um papel brancocom um carbono virado para o avesso do papel. Aovirar o papel, você terá a imagem inverti<strong>da</strong>.c Gravando a imagem na matriz:Siga o seu esboço e inicie a gravação <strong>da</strong> imagem. Oespaço que você <strong>de</strong>seja que fique branco <strong>de</strong>ve ser cavado,o espaço que você <strong>de</strong>seja que fique preto <strong>de</strong>veestar em alto-relevo.Comece <strong>de</strong>terminando on<strong>de</strong> <strong>de</strong>seja que fique preto ecave em volta.Caso tenha dúvi<strong>da</strong> no <strong>de</strong>correr do trabalho, antes <strong>de</strong>prosseguir, entinte a matriz e tire uma prova para verificaron<strong>de</strong> mais necessita ser cavado.Você po<strong>de</strong> criar, além <strong>da</strong>s formas principais, efeitos<strong>de</strong> textura.4 Fazendo Arte - Es<strong>cultura</strong>Procure a imagem <strong>de</strong> corpo inteiro <strong>de</strong> um homem ou <strong>de</strong>uma mulher que represente a etnia negra, para fazer suaes<strong>cultura</strong> em argila.Você vai precisar <strong>de</strong>:– 2 Kg <strong>de</strong> argila– Instrumentos auxiliares, como estecas <strong>de</strong> plástico ouma<strong>de</strong>ira, que po<strong>de</strong>m ser substituí<strong>da</strong>s por palitos, tampas<strong>de</strong> canetas, réguas e similares; lixa d’água para o acabamento<strong>da</strong> es<strong>cultura</strong> <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> seca.Forre o espaço <strong>de</strong> trabalho com várias folhas <strong>de</strong> jornal ebrinque um pouco com a argila, amassando e batendopara tirar o excesso <strong>de</strong> água, caso ela esteja muito mole.De olho na Cultura 165


Caso esteja quebradiça, proce<strong>da</strong> <strong>da</strong> mesma maneira,acrescentando um pouco <strong>de</strong> água até a argila adquiriruma consistência que permita a formação <strong>de</strong> um bloco,no qual você irá esculpir.Você po<strong>de</strong> fazer o esboço <strong>da</strong>s linhas principais <strong>da</strong> imagema ser produzi<strong>da</strong>.Esculpir é diferente <strong>de</strong> mol<strong>da</strong>r. A es<strong>cultura</strong> se processaretirando o material do entorno <strong>da</strong> imagem projeta<strong>da</strong>.Ao final, apresente o trabalho aos colegas e relate o seuprocesso <strong>de</strong> criação.5 Fazendo Arte - Pare<strong>de</strong> <strong>da</strong> memóriaTraga uma cópia, amplia<strong>da</strong> <strong>de</strong> maneira que ocupe umafolha <strong>de</strong> sulfite tamanho A-4, do retrato <strong>de</strong> uma mulherque você conheça, <strong>da</strong> sua família ou não, mas que sejaimportante na sua vi<strong>da</strong>.Utilize tinta guache bem diluí<strong>da</strong> para colorizar a cópia <strong>da</strong>foto e apresente-a aos seus colegas.Construam juntos uma “pare<strong>de</strong> <strong>da</strong> memória” com as fotos<strong>de</strong> to<strong>da</strong>s as mulheres apresenta<strong>da</strong>s.166 De olho na Cultura


NEGRO EM CENASe a vi<strong>da</strong> fere como a sensação do brilho,<strong>de</strong> repente a gente brilhará.Gilberto GilDe olho na Cultura 167


168 De olho na Cultura


Mídia. Fio constitutivo<strong>da</strong> i<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong> étnico-racialA sobrevivência obrigou os primeiro seres humanos a se reunirem grupos. A partir <strong>da</strong> convivência grupal, surgiu a necessi<strong>da</strong><strong>de</strong><strong>de</strong> comunicação, cujo veículo primordial é o gesto. Com o passardo tempo, a comunicação, além <strong>de</strong> ser uma prática fun<strong>da</strong>mental àsobrevivência, transforma-se em prática <strong>cultura</strong>l.Os modos e veículos <strong>de</strong> comunicação são múltiplos. Dasinscrições nas pare<strong>de</strong>s <strong>da</strong>s cavernas às telas <strong>de</strong> computadores. É oque se <strong>de</strong>nomina mídia. Por mídia, po<strong>de</strong>mos enten<strong>de</strong>r todo suporte<strong>de</strong> transmissão e difusão <strong>de</strong> informações, como jornais, revistas,cinema e televisão.A mídia exerce gran<strong>de</strong> influência na configuração dos valoressociais e estéticos do gran<strong>de</strong> público e, historicamente, tem ouimpedido a veiculação <strong>da</strong> imagem do afro-brasileiro e <strong>de</strong> seus valorespositivos, ou refletido e recriado uma imagem estereotipa<strong>da</strong>difundi<strong>da</strong> pelos i<strong>de</strong>ais e idéias racistas.Neste capítulo, o espaço, as imagens associa<strong>da</strong>s à populaçãonegra e as ações empreendi<strong>da</strong>s contra a discriminação serão abor<strong>da</strong>dos<strong>de</strong> maneira a ampliar o olhar para o papel <strong>da</strong> mídia na construção<strong>da</strong> i<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>cultura</strong>l.De olho na Cultura 169


A cara negra <strong>da</strong> imprensaA imprensa nacional é marca<strong>da</strong> pela censura e pela subserviênciaaos órgãos oficiais. Em 1746, no Rio <strong>de</strong> Janeiro, foi inaugura<strong>da</strong> aprimeira tipografia, pelo português Antônio Isidoro <strong>da</strong> Fonseca.No ano seguinte, ela seria fecha<strong>da</strong> pela <strong>de</strong>terminação <strong>de</strong> um documentooficial, a Carta Régia, que proibia a impressão <strong>de</strong> livros ou<strong>de</strong> papéis avulsos no Brasil, então colônia <strong>de</strong> Portugal.Em 1808, com a chega<strong>da</strong> <strong>da</strong> Coroa Portuguesa ao Brasil,surgiu a Imprensa Régia, que mais tar<strong>de</strong> passou a se chamar ImprensaNacional. Nessa época surgiram também dois jornais: oCorreio Braziliense e A Gazeta do Rio <strong>de</strong> Janeiro.O Correio Brasiliense, sob a responsabili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> Hipólito José<strong>da</strong> Costa, foi editado em Londres, entre 1808 e 1822, o que levamuitos historiadores a consi<strong>de</strong>rar a Gazeta do Rio <strong>de</strong> Janeiro como oprimeiro jornal <strong>de</strong> fato brasileiro. Este, cujo primeiro número circulouem 10 <strong>de</strong> setembro <strong>de</strong> 1808, tinha a função <strong>de</strong> transmitir asinformações dos órgãos oficiais.Nos jornais oficiais, o espaço <strong>de</strong>stinado à população negraeram os anúncios <strong>de</strong> ven<strong>da</strong> <strong>de</strong> escravos e os que ofereciam recompensapela captura <strong>de</strong> negros fugidos.Alguns jornais <strong>de</strong> curta duração surgidos nesse período tambémeram veículo propício para a difusão <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ais racistas epreconceituosos embutidos no discurso <strong>de</strong> intelectuais que a<strong>de</strong>riama teorias sobre a inferiori<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong> população negra e sobre operigo <strong>da</strong> miscigenação, que, segundo esses princípios, provocariaa <strong>de</strong>generação <strong>da</strong> raça branca.Em contraparti<strong>da</strong>, os negros e abolicionistas, que semprehaviam criado os seus próprios mecanismos <strong>de</strong> resistência políticae <strong>cultura</strong>l, o fizeram também na imprensa, produzindo jornais<strong>de</strong>dicados à luta pelo abolicionismo e contra o preconceito racial.Em 14 <strong>de</strong> setembro <strong>de</strong> 1833, foi fun<strong>da</strong>do o jornal O Homem<strong>de</strong> Cor, o primeiro <strong>da</strong> imprensa negra brasileira, pelo poeta, dramaturgoe tradutor carioca Francisco <strong>de</strong> Paula Brito.Brito iniciou sua carreira como aprendiz na Tipografia Nacional,quando adolescente, e veio a tornar-se o primeiro editor <strong>da</strong>170 De olho na Cultura


imprensa negra do Brasil. A se<strong>de</strong> <strong>da</strong> Tipografia Fluminense <strong>de</strong>Brito & Cia foi ponto <strong>de</strong> encontro para discussões sobre a questãodo negro entre políticos e intelectuais, <strong>de</strong>ntre os quais Machado<strong>de</strong> Assis. No século XX, o movimento se intensifica com oaparecimento <strong>de</strong> jornais importantes – O Clarim <strong>da</strong> Alvora<strong>da</strong>, AVoz <strong>da</strong> Raça e Quilombo, entre muitos outros – cuja temática era ocombate ao preconceito, a valorização <strong>da</strong> <strong>cultura</strong> e a afirmação <strong>da</strong>i<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong> população negra.Em 6 <strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong> 1924, circula pela primeira vez o jornalO Clarim <strong>da</strong> Alvora<strong>da</strong>, organizado por José Correia Leite e Jayme<strong>de</strong> Aguiar.Em 18 <strong>de</strong> setembro <strong>de</strong> 1933, circulou o primeiro númerodo jornal A Voz <strong>da</strong> Raça, órgão <strong>da</strong> Frente Negra Brasileira, fun<strong>da</strong><strong>da</strong>em 1931.A Frente Negra Brasileira, que contou também com aação <strong>de</strong> José Correia Leite, foi uma importante enti<strong>da</strong><strong>de</strong> volta<strong>da</strong>às questões gerais dos afro-brasileiros, com braços em vários Estadosdo Brasil. Em 1936, transformou-se em partido político,cujo órgão oficial era A Voz <strong>da</strong> Raça, que circulou até 1937, quandoa Frente Negra Brasileira foi dissolvi<strong>da</strong> pelo Estado Novo.No final dos anos 40, Abdias Nascimento lançou o jornalQuilombo, que apresentava algumas diferenças com relação aos jornaisvoltados para a temática racial que o antece<strong>de</strong>ram. Quilomboprivilegiava o diálogo entre a produção artística e <strong>cultura</strong>l negra ea produção artística e <strong>cultura</strong>l <strong>da</strong> Europa e o vínculo com os principaisjornais negros norte-americanos.Formando <strong>da</strong> primeira turma do Instituto Superior <strong>de</strong> <strong>Estudos</strong>Brasileiros (ISEB), Abdias Nascimento é Professor Emérito<strong>da</strong> Universi<strong>da</strong><strong>de</strong> do Estado <strong>de</strong> Nova York em Buffalo e DoutorHonoris Causa pela Universi<strong>da</strong><strong>de</strong> do Estado do Rio <strong>de</strong> Janeiro epela Universi<strong>da</strong><strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral <strong>da</strong> Bahia. Neto <strong>de</strong> africanos escravizados,filho <strong>de</strong> um sapateiro e <strong>de</strong> uma doceira, nasceu em março <strong>de</strong>1914 em Franca, São Paulo. É figura importante na história <strong>da</strong> lutapela afirmação <strong>da</strong> i<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong> negra, atuando artística e politicamentena divulgação e preservação <strong>da</strong> arte e <strong>da</strong> <strong>cultura</strong>. Fundou oMuseu <strong>de</strong> Arte Negra, no Rio <strong>de</strong> Janeiro, em 1968. Também atuouna Frente Negra Brasileira, fundou em 1944, no Rio <strong>de</strong> Janeiro,em conjunto com Aguinaldo Camargo, Teodorico dos Santos, JoséDe olho na Cultura 171


Herbel e Tibério, o Teatro Experimental do Negro-TEN, com oqual o jornal Quilombo tinha forte vínculo. O TEN foi a oportuni<strong>da</strong><strong>de</strong>para atrizes e atores negros <strong>de</strong>senvolverem um trabalho comfortes raízes afro-brasileiras e se tornou responsável peloprofissionalização <strong>de</strong> artistas que mais tar<strong>de</strong> seguiriam carreira tambémno cinema e na televisão.172 De olho na Cultura


Negro em revistaAo olhar para as bancas <strong>de</strong> jornal, notamos que a presença donegro é ain<strong>da</strong> pouco visível, embora já se tenha avançado muitona luta por trazer a presença <strong>da</strong> figura do povo negro representa<strong>da</strong>nas diversa publicações em circulação no país. Exemplo recente<strong>da</strong> presença do negro no mercado editorial é a revista RaçaBrasil, cria<strong>da</strong> pelo escritor e jornalista Aroldo Macedo.Aroldo Macedo exerceu por pouco tempo a sua profissão<strong>de</strong> engenheiro civil, ingressando na carreira <strong>de</strong> comunicação em1972. Trabalhou na TV durante alguns anos, participando <strong>de</strong> algumasnovelas. Residiu em Nova York durante seis anos, períodoem que atuou como fotógrafo e vi<strong>de</strong>omaker in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte. Em1995, <strong>de</strong> volta ao Brasil, criou a revista Raça Brasil, <strong>da</strong> qual foieditor e diretor por quatro anos.A revista Raça, ain<strong>da</strong> que revele personali<strong>da</strong><strong>de</strong>s afro-brasileiras,apresenta um perfil mais comercial, veiculando assuntoscomo beleza, mo<strong>da</strong>, comportamento, <strong>cultura</strong> e lazer. É uma sobreviventeno mercado editorial, embora não seja a primeira revistaa priorizar o público negro. Publicações como a Ébano, Raízese Da Rua,por exemplo, também tentaram estabelecer-se, mas foramsuprimi<strong>da</strong>s do mercado por razões diversas.A revista Da Rua, lança<strong>da</strong> em São Paulo, em 20 <strong>de</strong> março <strong>de</strong>2003, foi dirigi<strong>da</strong> e edita<strong>da</strong> pela jornalista Daniela Carrara e pelaprofessora Érica Thaís, que abraçaram a idéia <strong>de</strong> um colega, JorgeAntonio Andra<strong>de</strong> <strong>de</strong> Jesus Santos — mostrar a <strong>cultura</strong> hip hop<strong>de</strong>stacando o papel <strong>da</strong>s mulheres no movimento. Sobreviveu aolongo <strong>de</strong> quatro edições, resistindo à pressão <strong>da</strong> editora, que queriaque a revista tivesse um caráter mais pop.Atualmente, muitas revistas, boletins e jornais voltados paraa <strong>de</strong>núncia e o combate ao preconceito étnico-racial são lançados.Alguns se mantêm circulando, ain<strong>da</strong> que não oficialmente, em váriasenti<strong>da</strong><strong>de</strong>s negras espalha<strong>da</strong>s por to<strong>da</strong>s as regiões do Brasil.De olho na Cultura 173


Televisão em questãoA televisão, juntamente com o rádio, é um dos veículos <strong>de</strong> comunicaçãomais populares e está presente em to<strong>da</strong>s as regiões doBrasil, nas casas, nas praças, nos bares e outros locais públicos.Pensar o po<strong>de</strong>r <strong>da</strong> televisão como agente socializador <strong>de</strong>padrões <strong>cultura</strong>is e i<strong>de</strong>ológicos é fun<strong>da</strong>mental para compreen<strong>de</strong>rmoso seu papel como um dos fios constitutivos <strong>de</strong> concepçõese práticas em relação ao outro. Dentre a vasta programaçãotelevisiva, vale <strong>de</strong>stacar a telenovela, que, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> seu nascimento,no Brasil, tem ditado mo<strong>da</strong>s e costumes, influenciando o imagináriosocial <strong>da</strong> população como um todo.A primeira transmissão televisiva aconteceu no dia 26 <strong>de</strong>fevereiro <strong>de</strong> 1926, em Londres. No Brasil, a televisão surge em18 <strong>de</strong> setembro <strong>de</strong> 1950, quando foi inaugura<strong>da</strong> a primeira emissorabrasileira, a TV Tupi, canal 4.A re<strong>de</strong> Tupi, extinta em 1980, consi<strong>de</strong>ra<strong>da</strong> a gran<strong>de</strong> responsávelpela difusão <strong>da</strong> telenovela, levou ao ar, em 7 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro<strong>de</strong> 1964, o primeiro capítulo do drama O Direito <strong>de</strong> Nascer. Anovela, cuja trama era basea<strong>da</strong> em um romance cubano, tinhacomo personagem importante no seu <strong>de</strong>senrolar a negra MamãeDolores, vivi<strong>da</strong> pela atriz Cléa Simões. Tal personagem não tinhafamília nem uma história <strong>de</strong> vi<strong>da</strong> própria. A ela cabia tão-só zelarpela proteção <strong>de</strong> Albertinho Limonta, cuja ver<strong>da</strong><strong>de</strong>ira mãe, tambémcria<strong>da</strong> por Mamãe Dolores, era filha dos patrões.Em 1969, estreava na TV a novela A Cabana do Pai Tomás,cujo roteiro foi baseado no romance homônimo <strong>de</strong> HarrietBeecher Stowe. Sérgio Cardoso era maquiado para que pu<strong>de</strong>sseinterpretar o papel do Pai Tomás, negro idoso, fiel e serviçal.Na déca<strong>da</strong> <strong>de</strong> 70, a Re<strong>de</strong> Globo <strong>de</strong> Televisão, fun<strong>da</strong><strong>da</strong> em1965, produziu novelas cujos enredos reservavam aos personagense, conseqüentemente, aos atores negros papéis <strong>de</strong> escravos,em sua <strong>maio</strong>ria servis ou traidores, moleques <strong>de</strong> recado, preguiçososou <strong>da</strong> negra sensual que ameaça a harmonia familiar. Essasnovelas alimentavam o imaginário social sobre o negro como serinferior, <strong>cultura</strong>l e economicamente, aos brancos, impedindo aconstrução <strong>de</strong> uma i<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong> positiva para a comuni<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> afro-174 De olho na Cultura


asileiros e <strong>de</strong>ixando <strong>de</strong> promover discussões sobre o preconceitoétnico-racial.Quando a discussão sobre a libertação dos escravos, emgeral como pano <strong>de</strong> fundo para uma trama mais romântica, étrazi<strong>da</strong> à luz, a responsabili<strong>da</strong><strong>de</strong> heróica pelo <strong>de</strong>sfecho positivo éimputa<strong>da</strong> ao homem branco, em geral jovem, republicano e solidárioà causa dos negros e negras escravizados. Foi o que se viuna novela Escrava Isaura, leva<strong>da</strong> ao ar em 1976, com roteiro a<strong>da</strong>ptadopor Gilberto Braga do romance homônimo <strong>de</strong> BernardoGuimarães, e em Sinhá Moça, em que o ator Henrique Felipe <strong>da</strong>Costa interpretou um lí<strong>de</strong>r quilombola.Parece claro que os eventos acima relatados em na<strong>da</strong> contribuírampara a construção positiva <strong>da</strong> imagem <strong>de</strong> negros e negras.Posteriormente, o quadro, <strong>de</strong> alguma forma, começaria asofrer alterações.Em 1978, na telenovela Corpo a Corpo, a personagem Sônia,interpreta<strong>da</strong> pela atriz Zezé Motta, mantém um relacionamentoamoroso com uma personagem não-negra, Cláudio, interpreta<strong>da</strong>pelo ator Marcos Paulo. A família do rapaz se opõe ao relacionamentopor preconceito racial, até que Sônia salva a vi<strong>da</strong> do pai <strong>de</strong>Cláudio, Alfredo, vivido por Hugo Carvana, doando seu sangue.Tal atitu<strong>de</strong> provoca o arrependimento <strong>de</strong> Alfredo, que acaba consentindono casamento e pedindo perdão a Sônia. Ain<strong>da</strong> que tenhahavido um casamento inter-racial, o que é positivo para pensarmosa vi<strong>da</strong> em socie<strong>da</strong><strong>de</strong>, outras questões merecem um olharmais cui<strong>da</strong>doso e atento às sutilezas do racismo à brasileira.Joel Zito, na obra A Negação do Brasil – O Negro na TelenovelaBrasileira, diz que as novelas veicula<strong>da</strong>s nessa época apresentam onegro sem apresentar a sua história própria, as suas questões <strong>cultura</strong>ise religiosas e tampouco a sua luta contra a discriminaçãoracial.Ain<strong>da</strong> segundo Zito, a primeira telenovela a ter a luta abolicionistacomo assunto central é Sinhá-Fuló, <strong>de</strong> Lafayette Galvão,leva<strong>da</strong> ao ar em 1978, também pela Re<strong>de</strong> Globo <strong>de</strong> Televisão. Essanovela mostra os negros em um papel mais ativo na luta por suaprópria libertação, mas, ain<strong>da</strong> assim, reforça a idéia <strong>de</strong> que sem oherói branco não há êxito.De olho na Cultura 175


Em 1996, a Re<strong>de</strong> Manchete <strong>de</strong> Televisão produz a novelaChica <strong>da</strong> Silva. Escrita por Walcyr Carrasco, a trama é basea<strong>da</strong> nahistória <strong>da</strong> mulata mineira Chica <strong>da</strong> Silva, que conquista o rico epo<strong>de</strong>roso comerciante <strong>de</strong> diamantes João Fernan<strong>de</strong>s, servidor <strong>da</strong>Coroa Portuguesa, motivo, aliás, que impe<strong>de</strong> a oficialização <strong>da</strong> uniãodo casal. A história, que já inspirara Carlos Diegues para a produçãocinematográfica em 1976, cunha a imagem <strong>de</strong> Chica comouma mulher sensual, mima<strong>da</strong>, ardilosa e impiedosa, cujo principal<strong>de</strong>sejo é se impor na vi<strong>da</strong> social dos brancos, pouco se importandocom a questão <strong>da</strong> escravidão.No que se refere à participação negra na história <strong>da</strong> televisãobrasileira, a novela Da Cor do Pecado, escrita por João EmanuelCarneiro e leva<strong>da</strong> ao ar em 2004 pela Re<strong>de</strong> Globo <strong>de</strong> Televisão,significou um marco.Um dos <strong>de</strong>z programas mais vistos em 2004, primeira novela<strong>da</strong> emissora que apresenta uma protagonista negra e tem comotrama principal um romance inter-racial, alcançou gran<strong>de</strong>s índices<strong>de</strong> audiência no horário <strong>da</strong>s 19 horas, o que não ocorria na emissora<strong>de</strong>s<strong>de</strong> 1996.A novela conta a história <strong>de</strong> amor entre Paco, um jovembranco e rico, criado no Rio <strong>de</strong> Janeiro, e Preta, uma jovem negrae pobre cria<strong>da</strong> no Maranhão.Alguns pontos merecem atenção, a começar pelo título.Da cor do pecado é título <strong>de</strong> uma música composta por Bororóna déca<strong>da</strong> <strong>de</strong> 30 e interpreta<strong>da</strong> já por vários nomes <strong>da</strong> MPB. Nessacomposição se po<strong>de</strong> localizar a manifestação <strong>de</strong> preconceitoem frases como (...) é um corpo <strong>de</strong>lgado <strong>da</strong> cor do pecado e [...] a vergonhase escon<strong>de</strong> porque se revela a mal<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong> raça [...].A <strong>de</strong>speito do título alusivo à música, a personagem vivi<strong>da</strong>pela atriz Taís Araújo não correspon<strong>de</strong> ao estereótipo <strong>da</strong> mulhersedutora e arrebatadora. O título induz à interpretação <strong>de</strong> que amulher negra traria na cor <strong>da</strong> pele a mal<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong> raça, idéia explicita<strong>da</strong>pela antagonista Bárbara, que disputa com Preta o amor <strong>de</strong>Paco.Bárbara, personagem branca, exacerba o seu preconceitoracial disparando expressões como “aquela negrinha” e “negra176 De olho na Cultura


suja”, sem que nenhuma providência legal seja toma<strong>da</strong> pela ofendi<strong>da</strong>ou por outros personagens não-negros que presenciam osfatos.Por um lado, temos, no título, a alusão ao estereótipo <strong>da</strong>mulher negra como objeto sexual. Por outro lado, a trama estampounacionalmente o racismo velado <strong>da</strong> socie<strong>da</strong><strong>de</strong> brasileira e suscitou<strong>de</strong> maneira positiva o <strong>de</strong>bate em torno <strong>da</strong>s relações étnicoraciais.À guisa <strong>de</strong> exemplo, diferentemente do que ocorreu nocaso <strong>da</strong> novela Corpo a Corpo, a opinião pública, majoritariamente,mostrou-se favorável a um final feliz entre Paco e Preta.De olho na Cultura 177


Cinema em preto e brancoNo Brasil dos anos 30 do século XX, o i<strong>de</strong>al <strong>de</strong> industrialização,<strong>de</strong>fendido pelo então Presi<strong>de</strong>nte <strong>da</strong> República Getúlio Vargas, favoreceua criação <strong>da</strong>s companhias cinematográficas.No Rio <strong>de</strong> Janeiro foram fun<strong>da</strong><strong>da</strong>s a Brasil Vita Filmes e aCinédia, em 1934, e a Sonofilmes, em 1937.Em 1941, no Rio <strong>de</strong> Janeiro, foi fun<strong>da</strong><strong>da</strong> a Atlânti<strong>da</strong> Cinematográfica.Seus i<strong>de</strong>alizadores, Moacyr Fenelon e José CarlosBurle, tinham o objetivo <strong>de</strong> fomentar o <strong>de</strong>senvolvimento industrialdo Cinema Brasileiro unindo o glamour do cinema norte-americanocom as características <strong>da</strong>s chancha<strong>da</strong>s do cinema popular,para conquistar os dois tipos <strong>de</strong> público. Na ver<strong>da</strong><strong>de</strong>, resultaramgran<strong>de</strong>s sátiras aos filmes americanos.Foi na déca<strong>da</strong> <strong>de</strong> 50 que a Atlânti<strong>da</strong> lançou uma <strong>da</strong>s maisfamosas duplas do cinema brasileiro, Oscarito e Gran<strong>de</strong> Otelo,que já haviam participado <strong>da</strong> primeira produção <strong>da</strong> Atlânti<strong>da</strong>,Moleque Tião (1943).A Companhia Vera Cruz, i<strong>de</strong>aliza<strong>da</strong> por Franco Zampari eFrancisco Matarazzo Sobrinho, foi inaugura<strong>da</strong> em 1949 em SãoPaulo, com o objetivo <strong>de</strong> produzir filmes <strong>de</strong> alto padrão técnico etemático, que atraíssem um público mais intelectualizado e refinado.Para rivalizar com a chancha<strong>da</strong> nacional, produziu filmes comoCaiçara, um melodrama narrando a história <strong>de</strong> uma filha <strong>de</strong> leprososno litoral paulista, Tico-tico no Fubá, baseado na vi<strong>da</strong> do compositorpopular Zequinha <strong>de</strong> Abreu, Santuário, um documentário sobreAntônio Francisco Lisboa, e Sinhá Moça.João Carlos Rodrigues observa em seu livro O negro brasileiroe o Cinema que Sinhá Moça é um dos poucos filmes a tratar <strong>da</strong> campanhaabolicionista, ain<strong>da</strong> que alimente o inconsciente coletivocom a idéia <strong>de</strong> que o êxito <strong>da</strong> abolição <strong>de</strong>pendia <strong>da</strong>s ações <strong>da</strong>sinhazinha e <strong>de</strong> seu par romântico, jovem abolicionista.Até então, os cineastas tinham uma gran<strong>de</strong> preocupação emse igualar tecnicamente com o cinema norte-americano. A ênfaseestava na quali<strong>da</strong><strong>de</strong> técnica, não na criação <strong>de</strong> uma temática brasileira.178 De olho na Cultura


Em 1952 foi realizado o I Congresso Nacional <strong>de</strong> CinemaBrasileiro, em que se propunha um mo<strong>de</strong>lo que refletisse a reali<strong>da</strong><strong>de</strong>do país. Essa proposta inaugurou uma fase que ficou conheci<strong>da</strong>como Cinema Novo e cujo empenho era produzir filmes queretratassem a reali<strong>da</strong><strong>de</strong> social brasileira e o sub<strong>de</strong>senvolvimento.Nessa fase do cinema nacional, duas produções foram importantespara a discussão <strong>da</strong> imagem do negro: Rio Quarenta Graus,<strong>de</strong> Nelson Pereira dos Santos, exibido em 1955, após ter a exibiçãocensura<strong>da</strong> e só libera<strong>da</strong> após uma intensa campanha <strong>da</strong> imprensa,é ambientado em favelas e espaços públicos do Rio <strong>de</strong>Janeiro e conta a história <strong>de</strong> um grupo <strong>de</strong> crianças ven<strong>de</strong>doras <strong>de</strong>amendoins. Macunaíma, <strong>de</strong> Joaquim Pedro <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong>, inspiradono livro homônimo <strong>de</strong> Mario <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong>, apresenta um brasileiropreguiçoso e amoral que não poupa esforços para ganhar avi<strong>da</strong> sem trabalhar.Zózimo Bulbul foi um dos principais atores negros dos filmesproduzidos no movimento do Cinema Novo. No filme Compasso<strong>de</strong> Espera (1973), <strong>de</strong> José Antunes Filho, Zózimo representouum poeta negro que convivia com problemas existenciais por causado preconceito do qual era constante vítima.Como diretor, Zózimo Bulbul é responsável, <strong>de</strong>ntre outrasproduções, pelo filme Abolição (1988), no qual são <strong>de</strong>scritas situaçõesvivi<strong>da</strong>s pelos afro-<strong>de</strong>sce<strong>de</strong>ntes brasileiros até a atuali<strong>da</strong><strong>de</strong>,consi<strong>de</strong>rando que o 13 <strong>de</strong> <strong>maio</strong> não significou o fim <strong>da</strong>s dificul<strong>da</strong><strong>de</strong>sdo povo negro, e pelo curta-metragem Pequena África, quemostra locais <strong>da</strong> ci<strong>da</strong><strong>de</strong> do Rio que, entre os anos <strong>de</strong> 1850 e 1920,foram habitados por escravos alforriados.O Cinema Novo, que foi um fracasso comercial, mas incomodoua censura política e <strong>cultura</strong>l <strong>da</strong> época, teve como diretoresGlauber Rocha, Leon Hirszman, Paulo Cesar Saraceni, JoaquimPedro <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong> e, entre outros, um dos mais populares cineastasbrasileiros, o alagoano Cacá Diegues, que contribuiu, com suas produções— <strong>de</strong>s<strong>de</strong> Ganga Zumba, passando por Chica <strong>da</strong> Silva até Orfeu— para a cristalização dos estereótipos sobre o negro (a) no Brasil.De olho na Cultura 179


Luz, câmera... re/açãoA representação do negro no cinema brasileiro apresenta semelhançacom o que se vê na televisão, on<strong>de</strong>, em geral, as questõesétnico-raciais parecem não existir ou existir em um mundo à parte.João Carlos Rodrigues compilou os principais arquétiposrepresentados pelos personagens negros, que parecem se dividirbasicamente em dois grupos: o grupo dos bondosos, dóceis, alegrese servis e o grupo dos rebel<strong>de</strong>s.No primeiro grupo — o dos aceitos — estão tipos como: opreto-velho e a mãe-preta, que alimenta, zela e se sacrifica pelosinhozinho ou sinhazinha; o mártir, que sofre as tiranias do seusenhor calado para não prejudicar os <strong>de</strong>mais; o negro <strong>de</strong> alma brancaque, por benevolência do seu senhor, vive na casa-gran<strong>de</strong>, freqüentaa escola e é integrado na socie<strong>da</strong><strong>de</strong> branca, apagando ounegando suas raízes étnicas; o nobre selvagem que não se conformacom a situação, mas parece impotente sem a aju<strong>da</strong> do branco.No segundo grupo se inserem os revoltados, que são ingratose impiedosos com o seu senhor; os malandros que ganhamvi<strong>da</strong> com pequenos golpes, estelionatos, furtos ou explorando suasmulheres; o negro e a negra sedutores, que se valem <strong>da</strong> sensuali<strong>da</strong><strong>de</strong>para conquistar os seus objetivos; o favelado que, ao contráriodo malandro, é um honesto subempregado que vive o ano inteiroesperando fevereiro para representar sua escola <strong>de</strong> samba e parecenão ambicionar sair <strong>da</strong> favela, porque lá estão os seus iguais.Caso não sobre espaço em nenhum <strong>de</strong>sses fortes grupos, onegro po<strong>de</strong> transitar entre os dois como uma espécie <strong>de</strong> bobo <strong>da</strong>corte, o cômico infantilizado e trapalhão, e para acentuar ain<strong>da</strong>mais esse traço, em geral fazendo par constante com o herói <strong>da</strong>história.Parece que não há outra saí<strong>da</strong>, um meio termo entre o conformismoe a marginali<strong>da</strong><strong>de</strong>.Há sim. Po<strong>de</strong>mos crer que, embora a história oficial poucotenha registrado <strong>da</strong>s ações empreendi<strong>da</strong>s pelos negros, ações quepo<strong>de</strong>riam se refletir nas telas, não houve passivi<strong>da</strong><strong>de</strong> em relação aessa questão.180 De olho na Cultura


A história <strong>de</strong> vi<strong>da</strong> do negro, sem ser pano <strong>de</strong> fundo <strong>de</strong>alguma trama romântica proibi<strong>da</strong>, começa a romper barreiraspelas mãos dos próprios afro-<strong>de</strong>scen<strong>de</strong>ntes, que explicitam emsuas produções que há espaço e alternativas entre o conformismoe a marginali<strong>da</strong><strong>de</strong>.Muitas ações têm sido empreendi<strong>da</strong>s para que o cinemacumpra o papel <strong>de</strong> <strong>de</strong>nunciar, conscientizar e promover o <strong>de</strong>batesobre o preconceito racial.Na déca<strong>da</strong> <strong>de</strong> 70, na Universi<strong>da</strong><strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral <strong>da</strong> Bahia, começoua crescer a Jorna<strong>da</strong> Internacional <strong>de</strong> Cinema <strong>da</strong> Bahia, queviria a ser um dos festivais mais in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes do país. O festivalsurgiu com o nome <strong>de</strong> Jorna<strong>da</strong> Baiana <strong>de</strong> Curta-Metragem e tinhao intuito <strong>de</strong> mostrar as produções locais. Esten<strong>de</strong>ndo-se por todoo Nor<strong>de</strong>ste já no ano seguinte, na terceira edição passou a exibirproduções <strong>de</strong> cineastas <strong>de</strong> todo o país, mu<strong>da</strong>ndo o nome paraJorna<strong>da</strong> Brasileira <strong>de</strong> Curta-Metragem. Na déca<strong>da</strong> <strong>de</strong> 80, finalmente,exibiu produções <strong>de</strong> cinema e ví<strong>de</strong>o também <strong>de</strong> outros países. Nasua XXXI edição, em 2004, <strong>de</strong>stacou a produção cinematográfica<strong>de</strong> países africanos <strong>de</strong> língua portuguesa.Em São Paulo foi realiza<strong>da</strong> a 1ª Mostra Internacional doCinema Negro-Mundo Negro. I<strong>de</strong>aliza<strong>da</strong> pelo antropólogo e cineastaProf. Dr. Celso Luiz Pru<strong>de</strong>nte e apoia<strong>da</strong> pela Secretariapara o Desenvolvimento <strong>da</strong>s Artes Audiovisuais-MINC e pelaFun<strong>da</strong>ção Palmares, a mostra dispôs ao gran<strong>de</strong> público, gratuitamente,27 filmes produzidos em diversos países, que retratam aluta e a afirmação do negro em vários pontos do mundo. Tambémhouve, paralelamente, workshops, <strong>de</strong>bates, lançamentos <strong>de</strong>livros étnicos e uma exposição <strong>de</strong> artistas plásticos que abor<strong>da</strong>m atemática afro: entre eles Achiles Nascimento, Denise Renner, JoãoCandido, Malema, Sakae e Shirley <strong>de</strong> Queiroz.De olho na Cultura 181


O papel <strong>da</strong> mídiana discussão étnico-racialOs produtos lançados pela mídia chegam até nós acompanhados<strong>de</strong> uma série <strong>de</strong> pressupostos i<strong>de</strong>ológicos. Sabemos que, paraalém do produto palpável, existe a imagem que construímosi<strong>de</strong>almente. Nesse sentido, é fun<strong>da</strong>mental que a mídia ofereça imagenspositivas <strong>da</strong> população negra, para que os afro-brasileirospossam construir uma auto-imagem igualmente positiva e paraque os não-negros conheçam outras possibili<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>de</strong> representação<strong>de</strong>sse segmento.A mídia po<strong>de</strong> e <strong>de</strong>ve atuar no sentido <strong>de</strong> produzir e fornecerconteúdos para a construção positiva <strong>da</strong> i<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong> brasileira,explicitando a legitimi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong> presença negra na formação <strong>cultura</strong>ldo Brasil, reconhecendo o negro como autor, ator, produtor epensador.1- Construindo saberesProcure em jornais e revistas reportagens e artigos quese refiram à população afro-brasileira e/ou que sejam escritospor jornalistas negros. Converse sobre os textoscom seus colegas. Faça um mapeamento dos temas e do<strong>da</strong> abor<strong>da</strong>gem político <strong>da</strong>s matérias.Escolha uma notícia, reportagem ou artigo, <strong>de</strong>ntre tudoo que foi recolhido, e elabore uma análise crítica do assuntoabor<strong>da</strong>do.Junte-se aos seus colegas para montar uma revista ou umjornal mural com os resultados <strong>da</strong>s investigações e reflexões.


Palavras finaisO termo “<strong>cultura</strong>”, em termos amplos, é mais aceito, atualmente,do que “mentali<strong>da</strong><strong>de</strong>” ou “i<strong>de</strong>ologia” quando o assunto é pensar ahumani<strong>da</strong><strong>de</strong> em sua plena diversi<strong>da</strong><strong>de</strong>. As palavras surgem pararespon<strong>de</strong>r a certos problemas. Nesse caso, a questão é a experiênciaque faz com que nos i<strong>de</strong>ntifiquemos com uns ou com outros.I<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong> que nunca é absoluta e muito menos <strong>de</strong>finitiva.Passando para os processos coletivos, compreen<strong>de</strong>r a diferençaentre os povos do mesmo modo que entre as tribos <strong>da</strong>smetrópoles é compreen<strong>de</strong>r os processos <strong>de</strong> atribuição <strong>de</strong> i<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong>s,que po<strong>de</strong>m ser próprias ou <strong>de</strong>fini<strong>da</strong>s por outros.O jeito <strong>de</strong> ser, o estilo, o modo <strong>de</strong> vi<strong>da</strong> <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>m <strong>da</strong>s relaçõessociais. O sentido <strong>da</strong>do a elas é que po<strong>de</strong> nos interessar. Assimé fun<strong>da</strong>mental estarmos mais atentos aos processos <strong>de</strong> construção<strong>da</strong>s idéias que circulam em nosso cotidiano.Delimitemos o patrimônio <strong>cultura</strong>l afro-brasileiro, que abarcaa orali<strong>da</strong><strong>de</strong>, as manifestações religiosas, as imagens, os gestos e aarte. Vamos pensar um pouco, agora, para além <strong>da</strong>s diferenças,nas <strong>de</strong>sigual<strong>da</strong><strong>de</strong>s em socie<strong>da</strong><strong>de</strong>.Os indicadores sociais permitem avaliar a condição <strong>de</strong> vi<strong>da</strong>material <strong>da</strong>s populações e <strong>de</strong>nunciam como esses índices atingem,concretamente, os diferentes grupos. Desigual<strong>da</strong><strong>de</strong> pe<strong>de</strong>igual<strong>da</strong><strong>de</strong>!Relaciona<strong>da</strong>s às <strong>de</strong>sigual<strong>da</strong><strong>de</strong>s, estão as subliminares formulações<strong>de</strong> sentidos que agem concretamente sobre os indivíduos.A única forma <strong>de</strong> garantir a eqüi<strong>da</strong><strong>de</strong> social, <strong>cultura</strong>l, políticae econômica é garantir os pontos <strong>de</strong> vista nas infinitas negociaçõese renegociações sociais.Esta obra procurou <strong>da</strong>r uma certa tonali<strong>da</strong><strong>de</strong> ao <strong>de</strong>bate aochamar a atenção para as referências afro-brasileiras. Nós apresentamosum ponto <strong>de</strong> vista. Mais que isso, a necessi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong>recolocar valores, <strong>de</strong> contar para todo mundo que existiram e existemsucessos e absurdos nos sentidos atribuídos à presença afrobrasileira,que se expressa através <strong>da</strong>s linguagens do corpo, <strong>da</strong> palavra,<strong>da</strong> alma. O olhar é crítico, pois aponta o que não <strong>de</strong>ve ser


etomado, mas também é generoso, pois quer falar para além <strong>da</strong>sdores. É um olhar orgulhoso, curioso e convi<strong>da</strong>tivo.Quatro escritoras e os leitores em busca <strong>de</strong> sentidos. E issofaz todo o sentido!184 De olho na Cultura


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Capítulo 91. AMARAL, Aracy. Artes plásticas na semana <strong>de</strong> 22. São Paulo: Perspectiva,1976.2. ARAÚJO, Emanoel. A Mão Afro-Brasileira: Significado <strong>da</strong> ContribuiçãoArtística e Histórica. São Paulo: Tenenge, 19883. ARGAN, Giulio Carlo – Arte Mo<strong>de</strong>rna. São Paulo: Cia <strong>da</strong>s Letras, 19984. CALABRESE, Omar. A linguagem <strong>da</strong> arte. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Globo, 1987.5. JUNGE, Peter (org.) A Arte <strong>da</strong> áfrica- Obras primas do Museu etnológico<strong>de</strong> Berlim. <strong>Centro</strong> Cultural do banco do Brasil,20046. LEITE, José Roberto Teixeira. Dicionário crítico <strong>da</strong> pintura no Brasil. Rio<strong>de</strong> Janeiro: Artlivre, 1988.7. GOMBRICH, Ernest. História <strong>da</strong> Arte. Rio <strong>de</strong> Janeiro :Ed. Guanabara,1993.8. PAREYSON, Luigi . Estética. Teoria <strong>da</strong> formativi<strong>da</strong><strong>de</strong>. Petrópolis: Vozes,1993.9. SASSOUNS, S. (coord.). MOSTRA DO REDESCOBRIMENTO “,Arte Afrobrasileira;São Paulo: Fun<strong>da</strong>ção Bienal /Associação Brasil 500 anos ArtesVisuais, 2000.CatálogosALVES, Adilson Monteiro in: Agnaldo Manoel dos santos-O inconscienteRevelado- catálogo <strong>de</strong> Exposição <strong>da</strong> Pinacoteca do Estado <strong>de</strong> São PauloSiteshttp://www.itau<strong>cultura</strong>l.org.br/AplicExternas/Enciclopedia/artesvisuais2003/in<strong>de</strong>x.cfm?fuseaction=<strong>de</strong>talhe&cd_verbete=858http://mac.mac.usp.br/projetos/seculoxx/modulo2/mo<strong>de</strong>rnismo/www.portinari.org.brwww.museusegall.org.br/http://www.cyberartes.com.br/in<strong>de</strong>xFramed.asp?pagina=in<strong>de</strong>xApren<strong>da</strong>.asp&edicaoCapítulo 101. BARBOSA, Márcio. Frente Negra Brasileira, <strong>de</strong>poimentos. São Paulo:Qquilombhoje; Ministério <strong>da</strong> Cultura.2. COELHO,Teixeira. O que é indústria <strong>cultura</strong>l. São Paulo: Brasiliense, 1988.3. NASCIMENTO, Abdias & NASCIMENTO, Elisa Larkin. Quilombo: vi<strong>da</strong>,problemas e aspirações do negro/edição fac-similar do jornal dirigido porAbdias nascimento. São Paulo: Fun<strong>da</strong>ção <strong>de</strong> Apoio à Universi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> SãoPaulo; ed 34, 2003.4. RAMOS, Sílvia. Mídia e Racismo. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Pallas, 2002De olho na Cultura 191


5. RODRIGUES, João Carlos. O Negro brasileiro e o cinema. Rio <strong>de</strong> Janeiro:Pallas, 20016. ZITO, Araújo Joel. A negação do Brasil - O negro na telenovela brasileira. SãoPaulo: Senac, 2000.siteshttp:// Portalafro.com.brhttp://www.partes.com.br/memoria11.htmlhttp://www.estacaonegra.hpg.ig.com.br/socie<strong>da</strong><strong>de</strong>/30/in<strong>de</strong>x_int_10.htmlwww.continentemulti<strong>cultura</strong>l.com.bhttp://www.cinemando.com.br/200301/iniciativas/dogmafeijoa<strong>da</strong>.htmhttp://www.ceafro.ufba.br/main/<strong>de</strong>fault.asphttp://www.arquivocabecasfalantes.hpg.ig.com.br/http://www.cinemando.com.br/200301/entrevistas/lazaroramos_01.htmhttp://www.portalafro.com.br/enti<strong>da</strong><strong>de</strong>s/falapreta6/abdias.htmCapítulo 1Figura 1 MapaCRÉDITO DAS IMAGENSCapítulo 5Figura 1 = foto <strong>de</strong> bonecaFigura 2 Pretinha (foto Folha <strong>de</strong> São Paulo) http://esporte.uol.com.br/olimpia<strong>da</strong>s/brasileiros/futebol/pretinha.jhtm (sendo substituí<strong>da</strong>)Capítulo 9Pesquisa iconográfica: Adriana AfesselFigura 1 (es<strong>cultura</strong> par <strong>de</strong> crianças)Legen<strong>da</strong>: Par <strong>de</strong> IbejiSéculo XIXMa<strong>de</strong>ira Policroma<strong>da</strong>, búzios , tecidos e contas. Museu Afro Brasil/DIM/DPH/DPH/SMC-SP-Como<strong>da</strong>to Emanoel Araujo © Imagem digitalFigura 2 (máscara com formato <strong>de</strong> cabeça)Legen<strong>da</strong>: Máscara Egbo EkoiUtiliza<strong>da</strong> para fins <strong>de</strong> regulamentação e controle <strong>da</strong> or<strong>de</strong>m social. Ekoi (Nigéria/Camarões)Ma<strong>de</strong>ira fibra natural e pele <strong>de</strong> antílope, 50 x 18 x 24 cm. Museu Afro Brasil/DIM/DPH/DPH/SMC-SP-Como<strong>da</strong>to Emanoel Araujo © Imagem digitalFigura 3 (pintura mo<strong>de</strong>rna mostrando pessoas lado à lado)192 De olho na Cultura


Legen<strong>da</strong>:Dorothea Kreutzfeldt, óleo sobre tela, Galeria João Ferreira, CapeTown, África do Sul © Dorothea Kreutzfeldt Imagem digitalFigura 4 (es<strong>cultura</strong> em marfim avermelhado)Legen<strong>da</strong>: Oxossi, marfim, 20 x 8 Ø cm. Museu Afro Brasil, São Paulo ColeçãoEmanoel Araújo © Imagem digitalFigura 5 : (painel montado com vários elementos (conchas, imagens, bonecas,colares, etc...)Legen<strong>da</strong>: Arthur Bispo do Rosário, Macumba, s/ <strong>da</strong>ta. ma<strong>de</strong>ira, metal, contas,gesso, papelão e vidro - 193 x 75 x 15 cm. Coleção Museu Bispo do Rosário -IMAS Juliano Moreira - Prefeitura <strong>da</strong> Ci<strong>da</strong><strong>de</strong> do Rio <strong>de</strong> Janeiro. © MarthaTwice Imagem digitalFigura 6 (fotografia antiga <strong>de</strong> um homem negro <strong>de</strong> bigo<strong>de</strong>)Legen<strong>da</strong>: Artur Timóteo <strong>da</strong> Costa. In:Lau<strong>de</strong>lino Freire. Um século <strong>de</strong> pintura .Apontamentos para a história <strong>da</strong> pintura no Brasil; <strong>de</strong> 1816 a 1916. Rio <strong>de</strong> Janeiro,Röhe, 1916 © Reprodução Imagem digitalFigura 7 (fotografia antiga <strong>de</strong> um rapaz )Legen<strong>da</strong>: João Timóteo. In:Lau<strong>de</strong>lino Freire. Um século <strong>de</strong> pintura . Apontamentospara a história <strong>da</strong> pintura no Brasil; <strong>de</strong> 1816 a 1916. Rio <strong>de</strong> Janeiro, Röhe, 1916© Reprodução Imagem digitalFigura 8 (pintura com formas geométricas)Legen<strong>da</strong>: Rubem Valentim, Emblema – logotipo poético, 1975. Acrílica sobre tela,52 x 71,5 cm. Museu Afro Brasil/DIM/DPH/DPH/SMC-SP-Como<strong>da</strong>toEmanoel Araujo © Imagem digitalFigura 9 (<strong>de</strong>senho em preto e branco com 3 figuras)Legen<strong>da</strong>: Niobe Xandó, As três figuras, 1969. óleo sobre tela, 46 x 56 cm.Coleção Lour<strong>de</strong>s Xandó © Divulgação Imagem digitalFigura 10 (es<strong>cultura</strong>/painel em ma<strong>de</strong>ira com figuras geométricas repeti<strong>da</strong>s)Legen<strong>da</strong>: Emanoel Araújo, Máscara para Oxalá, ma<strong>de</strong>ira pinta<strong>da</strong>. MuseuAfro Brasil.Coleção do artista © Imagem digitalFigura11 (pintura <strong>de</strong> um homem negro segurando uma cor<strong>da</strong>)Legen<strong>da</strong>: José Correia <strong>de</strong> Lima, Marinheiro Simão, O Carvoeiro, óleo sobre tela ©Museu Nacional <strong>de</strong> Belas Artes, Rio <strong>de</strong> Janeiro Imagem digitalFigura 12 (pintura <strong>de</strong> um rapaz negro com os braços cruzados)Legen<strong>da</strong>: Candido Portinari, Mestiço, 1934, óleo sobre tela, 81 x 65,5 cm.Acervo <strong>da</strong> Pinacoteca do Estado <strong>de</strong> São PauloReprodução autoriza<strong>da</strong> por João Candido Portinari ©Imagem do acervo doProjeto Portinari Imagem digitalFigura 13 (<strong>de</strong>senho <strong>da</strong> cabeça <strong>de</strong> um negro)Legen<strong>da</strong>: Cabeça <strong>de</strong> negro, Lasar Segall 1929, xilogravura, 20 x 15 cm© Museu Lasar Segall, São Paulo Imagem digitalDe olho na Cultura 193


194 De olho na Cultura


Os/as autores/asAna Lúcia Silva Souza. Gradua<strong>da</strong> em Ciências Sociais ePolíticas é doutoran<strong>da</strong> em Lingüística Aplica<strong>da</strong> Unicamp/IEL.Estu<strong>da</strong> as interfaces entre juventu<strong>de</strong>, letramento e relações raciais.É professora universitária na área <strong>de</strong> sociologia <strong>da</strong> educação,assessora projetos <strong>de</strong> dinamização <strong>de</strong> acervo <strong>de</strong> leitura junto aeducadores e jovens e sobre práticas <strong>de</strong> letramento em contextosescolares e não escolares.Andréia Lisboa <strong>de</strong> Sousa. Gradua<strong>da</strong> em Língua e LiteraturaPortuguesa. Mestre em Educação pela Facul<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> Educação<strong>da</strong> USP. Doutoran<strong>da</strong> em Educação pela USP. Sub-Coor<strong>de</strong>nadora<strong>de</strong> Políticas Educacionais <strong>da</strong> Coor<strong>de</strong>nação Geral <strong>de</strong>Diversi<strong>da</strong><strong>de</strong> e Inclusão Educacional/SECAD/MEC. Pesquisadorae Fellow do Fundo Riochi Sasakawa e do <strong>Centro</strong> Interdisciplinar<strong>de</strong> Culturanáli<strong>de</strong> <strong>de</strong> Grupos Educação (CICE-FEUSP).Heloisa Pires Lima. Antropóloga, doutoran<strong>da</strong> em AntropologiaSocial pela USP, Pesquisadora Cáte<strong>da</strong>r Jaime Cortesão/Instituto Camões, consultora do MEC para o projeto Vi<strong>da</strong>e História <strong>da</strong>s Comuni<strong>da</strong><strong>de</strong>s Remanescentes <strong>de</strong> Quilombos noBrasil. Escritora infanto- juvenil, autora <strong>de</strong> Histórias <strong>da</strong> Preta (Cia<strong>da</strong>s Letrinhas) entre outros. Criou e foi editora <strong>da</strong> Selo NegroEdições.Márcia Silva. Mestre em Comunicação e Semiótica (PUC-SP). É autora do material didático pe<strong>da</strong>gógico <strong>de</strong> Artes do SistemaAnglo <strong>de</strong> Ensino. Docente no Ensino Superior, atua juntoàs disciplinas: Fun<strong>da</strong>mentos <strong>da</strong> Arte-educação; Metodologia doEnsino <strong>da</strong> Arte e Prática <strong>de</strong> Ensino <strong>de</strong> Arte. Desenvolve e assessoraprojetos e pesquisas metodológicas para o ensino <strong>de</strong> Arte.De olho na Cultura 195


Uma história do negro no Brasil<strong>de</strong> Wlamyra R. <strong>de</strong> Albuquerque e Walter Fraga Filhoé uma publicação do <strong>Centro</strong> <strong>de</strong> <strong>Estudos</strong> Afro-Orientais<strong>da</strong> Universi<strong>da</strong><strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral <strong>da</strong> Bahiae <strong>da</strong> Fun<strong>da</strong>ção Cultural Palmares.Impressa na ........Salvador, março <strong>de</strong> 2006.

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