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Documentos do 1º Ciclo de Seminários Regionais do Partido da Causa Operária<br />

Imperialismo e partido revolucionário<br />

Rui Costa Pimenta<br />

I. Crise do socialismo ou adaptação ao imperialismo?<br />

A derrocada dos regimes políticos stalinistas do Leste Europeu<br />

deu lugar a ampla confusão política: morte do socialismo,<br />

crise do socialismo, fracasso do stalinismo, fracasso do<br />

leninismo e do marxismo, o fim da história, a vitória do capitalismo.<br />

Entre os agentes mais ativos de difusão desta mitologia<br />

política estão os próprios stalinistas, o que é natural, na medida<br />

em que procuram dar uma cobertura ideológica para a<br />

sua ação política, a qual constitui um dos elementos decisivos<br />

nestes processos []. A crise do stalinismo chegou a um<br />

ponto de fissão com a revolução polonesa do início da década<br />

de 80 que soou o dobre de finados para a dominação da<br />

burocracia, tal como havia se dado até ali. A glasnost e a perestróika<br />

de Gorbachov foram uma resposta a esta crise de<br />

características terminais.<br />

O conteúdo desta resposta foi o ingresso do conjunto da<br />

burocracia na via de restauração do capitalismo na URSS e<br />

nos países do Leste Europeu, primeiramente, mas das burocracias<br />

de todos os demais estados operários em seguida<br />

(Cuba, China, Vietnã, Coréia etc.). Para a burocracia, o que estava<br />

em jogo era proceder a uma transição, digamos assim, a<br />

frio, para o capitalismo, onde [ ] manteria sua dominação política<br />

e transformar-se-ia em classe proprietária e exploradora.<br />

O que determinou o caráter convulsivo e explosivo do<br />

atual processo político e econômico neste países foi a completa<br />

incapacidade da burocracia de colocar em prática o<br />

seu programa restauracionista. O golpe de agosto de 1991<br />

na URSS e o literal desmoronamento da Alemanha Oriental,<br />

com a sua subseqüente anexação pela RFA são os pontos culminantes<br />

deste fracasso.<br />

O que temos diante de nós é, portanto, uma situação de<br />

características nitidamente revolucionárias, onde o status<br />

quo político mundial não pode ser mantido em lugar algum<br />

e entrou em uma etapa de dissolução e tentativas de recuperação<br />

do equilíbrio perdido em meio a gigantescas mobilizações<br />

de massa.<br />

A ideologia da “morte” ou da “crise” do socialismo está longe<br />

de ser uma mera interpretação distorcida dos fatos, mas<br />

cumpre um papel político real, uma função ideológica na luta<br />

de classes. O limite da atual crise, que somente pode ser<br />

adequadamente definida como uma crise histórica do capitalismo,<br />

está dado pela ausência de uma direção revolucionária<br />

da classe operária. Este, no entanto, é uma limite que<br />

de forma alguma é uma barreira fixa, mas que se recoloca,<br />

se reposiciona sistematicamente a partir da própria evolução<br />

da crise impulsionada pelos seus fatores objetivos (decomposição<br />

econômica, desagregação da burguesia etc.). A classe<br />

operária em cerca de dois séculos de lutas criou poderosas<br />

organizações sindicais e políticas, as quais, inclusive sob<br />

a direção atual erguem-se como obstáculo às investidas capitalistas<br />

contra as condições de vida das massas e são um<br />

fator de agravamento da crise. As situações revolucionárias,<br />

como a atual, somente podem existir sob a forma da luta entre<br />

a revolução e a contra-revolução, sendo que seu ponto de<br />

equilíbrio não se encontra entre estas duas componentes da<br />

situação, mas pode ser dada apenas pela vitória de uma sobre<br />

a outra. Nestas circunstâncias, todas as conquistas históricas<br />

da classe operárias são inúteis sem uma direção revolucionária.<br />

O imperialismo é consciente desta situação em altíssimo<br />

grau e, justamente por isso, uma das suas trincheiras ideológicas<br />

fundamentais é a luta contra a organização revolucionária<br />

da classe operária mundial.<br />

Esta é a essência de todo o democratismo imperialista que<br />

domina completamente todas as variantes políticas mundiais.<br />

Ao contrário do que apregoaram muitos, a nova onda<br />

democrática está longe de ser apenas uma válvula de descompressão<br />

da situação política de características revolucionárias<br />

surgida na segunda metade da década de 70 e que levou<br />

à crise das ditaduras militares sustentadas pelo imperialismo<br />

mundial e à crise do leste. Na realidade, a democracia<br />

é uma arma política utilizada para se opor às tendências revolucionárias<br />

das massas mundiais a partir da experiência do<br />

Irã, Nicarágua, El Salvador e da própria Polônia.<br />

Nesse sentido, a ideologia formulada a posteriori pelos<br />

stalinistas convertidos em adeptos da democracia, de que a<br />

idéia de um partido revolucionário está superada demonstra<br />

antes de tudo a sua oposição visceral à tomado do poder pelo<br />

proletariado para a qual a construção de um partido revolucionário<br />

é um sine qua non.<br />

II. A questão do poder<br />

O partido é um instrumento para a conquista e o exercício<br />

do poder político. Esta é a forma necessária que assume o<br />

mecanismo da política na época moderna, após a revolução<br />

francesa mas, principalmente, após o surgimento do proletariado<br />

como fator político. Lênin fazia questão de sublinhar<br />

que o partidarismo é uma idéia fundamentalmente proletária<br />

e não burguesa. As classes sociais não podem agir politicamente,<br />

historicamente, a não ser através do instrumento<br />

indispensável do partido político.<br />

É, no entanto, esta idéia fundamental que se encontra em<br />

questão e que está no olho do furacão da luta ideológica do<br />

momento presente.<br />

A burguesia governa através de partidos - e não poderia<br />

ser de outra forma -, mas não exerce a sua dominação política<br />

apenas através de partidos. Todo o regime político, em<br />

suas instituições e expressões políticas, concorre para a supremacia<br />

de classe da burguesia, a qual constitui uma verdadeira<br />

ditadura de classe. O proletariado não dispõe e não disporá<br />

nunca devido às limitações da história desta prerrogativa.<br />

As características da formação da burguesia e da história<br />

da sua dominação política lhe permitiram dar ao regime político<br />

uma extraordinária plasticidade, uma flexibilidade que<br />

nenhum regime político teve antes e que o regime proletário<br />

não terá jamais. A ditadura do proletariado, que é a única forma<br />

possível de dominação política da classe operária, é pela<br />

sua própria essência, um regime de transição entre o capitalismo<br />

e o socialismo e como tal, um regime de guerra civil<br />

mundial, cuja característica é revolução permanente em to-<br />

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Documentos do 1º Ciclo de Seminários Regionais do Partido da Causa Operária<br />

dos os domínios da vida política econômica, social e política<br />

e não a estabilidade que caracterizou a dominação histórica<br />

da burguesia. Nesse sentido, as possibilidades de um parlamentarismo<br />

operário - embora teoricamente aceitável - nunca<br />

serão tão amplas como o parlamentarismo burguês.<br />

Daí que o papel histórico do partido operário seja muito<br />

mais decisivo do que os partidos burgueses tanto daS revoluções<br />

burguesas, como de toda a época de fastígio e decadência<br />

do parlamentarismo.<br />

A missão histórica do partido revolucionário, se nos permitem<br />

a expressão, não apenas é a de educar e organizar a<br />

classe operária para a tomada do poder, mas a de organizar<br />

conscientemente a insurreição, engrenagem decisiva da revolução,<br />

e de exercer, contra toda a ferocíssima resistência<br />

das velhas classes dominantes o poder político. A complexidade<br />

das tarefas - cujo caráter consciente supera em muito<br />

as tarefas das revoluções burguesas - impõe a complexidade<br />

da organização operária, ou seja, opõe-se ao espontaneísmo<br />

e a toda a ficção “democrática” das virtudes das massas<br />

desorganizadas.<br />

Toda a esquerda stalinista - ou ex-stalinista - passou da<br />

ideologia do partido único, estatal e monolítico para a condenação<br />

sem atenuantes do partido revolucionário como<br />

sendo um crime capital contra a democracia. Esta inflexão<br />

ideológica não deixou de fora a maioria das variantes da esquerda<br />

que se apresenta como trotskista.<br />

III. Os organismos de poder<br />

O abandono do conceito de partido revolucionário como<br />

instrumento indispensável para a tomada do poder pela<br />

classe operária foi elevado ao nível de teoria política pelos<br />

morenistas em vários de seus escritos. No Brasil, já tivemos a<br />

oportunidade de criticar as teses apresentadas pelos seguidores<br />

de N. Moreno ao I Congresso do Partido dos Trabalhadores<br />

(1990), onde a tomada do poder pela classe operária<br />

era apresentada como uma movimento de tipo parlamentar<br />

no interior dos sovietes. Naquela oportunidade, assinalamos<br />

que os morenistas colocavam-se de fato como os que maiores<br />

ilusões depositavam no parlamentarismo.<br />

Na oportunidade de organização de um partido político<br />

legal no Brasil com outros grupos, os morenistas trataram de<br />

desenvolver estas idéias de maneira ampla. Segundo um artigo<br />

de um dos dirigentes morenistas escrito nesta época,<br />

“nossa luta consiste em fazer com que a classe operária e os setores<br />

a ela aliados tomem o poder político através dos seus organismos<br />

e não que o partido tome o poder. Este sim é a direção<br />

política da revolução. Não estamos com isso secundarizando o<br />

papel consciente que exerce o partido, ao contrário. Mas o fato<br />

de separar o poder político exercido pela classe auto-organizada<br />

do partido significar retirar o que há de fundamental na experiência<br />

da Revolução Russa.<br />

“Se temos acordo com esta formulação (de que os organismos<br />

exercem o poder), isso significa que a disputa política central<br />

entre os setores revolucionários e reformistas e as várias<br />

alas que possam existir numa determinada organização se dá<br />

dentro destes organismos” (A atualidade do partido revolucionário,<br />

João Ricardo Soares, in revista Desafio n° 2).<br />

Sob a aparência de uma análise marxista aqui temos a<br />

substituição completa da revolução pela democracia (burguesa)<br />

e do partido revolucionário pelo parlamentarismo.<br />

A disputa entre os “setores reformistas” e “revolucionários”<br />

é a luta entre a revolução e a contra-revolução, entre a classe<br />

operária e a burguesia, entre o partido bolchevique e os<br />

mencheviques e socialistas-revolucionários. Esta luta de vida<br />

ou morte para a classe operária - e para a burguesia - é<br />

transformada em um debate parlamentar, que seria o âmbito<br />

ideal da democracia “operária”. O partido revolucionário<br />

não toma o poder porque, na realidade, não pode tomá-lo<br />

sem os agentes da burguesia dentro do movimento operário,<br />

os quais estariam todos subordinados ao mesmo “organismo<br />

de poder”.<br />

Segundo Trotski, os partidos reformistas e pequeno-burgueses<br />

não querem se separar do semi-cadáver político da<br />

burguesia, o que tornaria a hipótese de um governo dos partidos<br />

operários reformistas e do partido revolucionário mesmo<br />

como uma transição rumo à ditadura do proletariado extremamente<br />

improvável (Programa de Transição). No raciocínio<br />

acima, esta seria a única variante possível, o que torna a<br />

ditadura do proletariado, esta sim uma variante excepcional<br />

da revolução.<br />

O partido é a direção política da revolução, segundo esta<br />

teoria, mas seu papel dirigente consiste em apontar, no interior<br />

dos organismos de poder, o caminho para os partidos reformistas.<br />

Não é através da luta pela construção de uma nova<br />

direção para a classe operária, sobre os escombros das velhas<br />

direções, que o partido revolucionário afirmar-se-á como<br />

dirigente[] da revolução, mas através de um acordo com<br />

estes partidos em um mesmo “organismo de poder”, o que<br />

não passa evidentemente de uma ficção política. O partido<br />

revolucionário transforma-se, assim, em um grupo de pressão<br />

que abandona a luta pela organização independente da<br />

classe em prol de uma tentativa de influenciar as superestruturas<br />

unitárias da classe operária, ou seja, as direções pequeno-burguesas<br />

democratizantes das organizações operárias.<br />

Outra ficção é o conceito de “classe auto-organizada”, ou<br />

seja, a idéia de que o proletariado seria uma classe consciente<br />

(classe para si) à margem da sua organização em um partido<br />

revolucionário pela virtude de ter criados organismos de<br />

dualidade de poder. O surgimento de organismos de dualidade<br />

de poder são a expressão de uma mobilização revolucionária<br />

da classe, mas de forma alguma implicam em uma<br />

ruptura integral com a burguesia. Não fosse assim, não teria<br />

havido organismos de dualidade de poderes dirigidos pelos<br />

stalinistas (Espanha 1936), pelos social-democratas (Alemanha,<br />

1918) e até mesmo pela Igreja Católica (Polônia, 1981).<br />

IV. A experiência da revolução russa<br />

Curiosamente, a experiência da revolução russa demonstra<br />

exatamente o contrário do que pretende o autor do artigo.<br />

A “disputa” entre o partido bolchevique e os partidos pequeno-burgueses<br />

que dirigiam os sovietes somente ocorreram<br />

no interior dos sovietes na medida em que estes últimos<br />

detinham a maioria e mesmo assim muito parcialmente pois<br />

os bolcheviques tiveram que conquistar a maioria operária<br />

nas fábricas para conquistar a maioria nos sovietes e, mais<br />

ainda, para fazer a revolução de outubro. Quando os bolcheviques<br />

arrancaram o poder à burguesia e começaram a governar,<br />

os partidos pequeno-burgueses simplesmente formalizaram<br />

a sua ruptura com a revolução e alinharam-se com<br />

a contra-revolução da burguesia, da monarquia e do imperialismo<br />

na guerra civil que estourou em seguida.<br />

A experiência da revolução russa comprova antes de mais<br />

nada esta lição elementar de que nenhuma forma organizativa<br />

está acima ou infensa à política, ou seja, à luta de classes.<br />

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Documentos do 1º Ciclo de Seminários Regionais do Partido da Causa Operária<br />

A luta entre a revolução e a contra-revolução desenvolveu-se<br />

tanto no interior dos sovietes como de quaisquer outras organizações<br />

(exército) levando em todos os lugares a rupturas<br />

irreconciliáveis. Pretender fazer repousar o poder proletário<br />

sobre uma suposta unidade dos sovietes é cair na utopia política<br />

e no abandono da luta de classes.<br />

No entanto, acima de tudo, a revolução russa demonstrou<br />

o papel excepcionalmente decisivo do partido revolucionário<br />

para a conquista do poder e para a conservação do regime<br />

proletário contra os inimigos da revolução. A revolução,<br />

ou seja, o deslocamento para posições independentes<br />

da burguesia e do imperialismo de milhões de operários que<br />

arrastaram centenas de milhões camponeses (uma expressiva<br />

parcela na figura dos efetivos militares) criaram as premissas<br />

fundamentais para o exercício do poder pelo proletariado,<br />

mas somente a ação consciente e planejada da minoria<br />

que compunha o Partido Bolchevique, da vanguarda revolucionária<br />

destes milhões de operários é que levou a revolução<br />

a um desenlace através da insurreição de outubro. Esta<br />

tarefa nunca poderia ser cumprida pela classe “auto-organizada”,<br />

mas apenas por estado-maior plenamente consciente<br />

dos seus objetivos e dos meios para atingi-lo e capaz de agir<br />

sobre a base destas premissas.<br />

Foi o partido como fator consciente da revolução a coluna<br />

vertebral da guerra civil e do enfrentamento com as gigantescas<br />

dificuldades políticas e econômicas desencadeadas a<br />

partir da pressão do imperialismo e da burguesia. Não devemos<br />

esquecer, também, que a burocracia utilizou-se na sua<br />

marcha para a conquista do poder do instrumento da dissolução<br />

do partido entre os setores mais atrasados da classe<br />

operária no famoso “recrutamento leninista” de 1924.<br />

V. “Partido único” ou partido revolucionário?<br />

Que a fantasia da tomada do poder pela “classe auto-organizada”<br />

é um reflexo da ideologia (não uma conclusão da<br />

ação política) da burguesia o demonstra a seguinte afirmação<br />

do mesmo artigo: “Nos períodos revolucionários, toda classe<br />

ou setor de classe forja sua direção para a defesa de seus interesses<br />

de classe imediatos. Isso se traduz na mecânica da própria<br />

revolução burguesa, onde a burguesia como classe emergente<br />

constituiu suas organizações para a conquista do poder<br />

político e criou o parlamento para que as suas diversas frações<br />

pudessem negociar suas diferenças à revelia dos interesses do<br />

proletariado” (idem).<br />

Segundo se deduz, os diversos “setores” da burguesia formaram<br />

direções para a defesa dos seus interesses imediatos -<br />

no marco da revolução - e criou o parlamento para que estes<br />

interesses imediatos pudessem ser acomodados no marco<br />

mais geral da revolução, excluindo o proletariado. Esta noção<br />

harmônica da revolução burguesa nada mais é que simples<br />

desconhecimento dos acontecimentos destas revoluções. A<br />

burguesia inglesa de 1640 tomou o parlamento feudal como<br />

elemento da sua[] centralização nacional em face da monarquia<br />

e a evolução deste parlamento é a história das suas depurações<br />

nas quais afirmou-se a fração burguesa mais decidida<br />

a levar a revolução à uma conclusão vitoriosa, a fração<br />

de Oliver Cromwell que, finalmente, dissolveu o parlamento<br />

e estabeleceu uma ditadura militar. na França de 1789, a expressão<br />

mais alta da revolução é a Convenção do Ano II dominada<br />

pelos jacobinos após a derrota dos girondinos pela<br />

mobilização dos sans-culotes parisienses. Esta mesma convenção,<br />

por outro lado, já era o produto de vários enfrentamentos<br />

entre frações burguesas, onde algumas foram simplesmente<br />

varridas da cena política.<br />

As instituições parlamentares das revoluções burguesas,<br />

muito longe de serem o espaço neutro onde se harmonizavam<br />

os interesses conflitantes da burguesia para uma ação<br />

revolucionária unificada, foram palcos da mais aguda luta de<br />

classes entre estas frações (burguesas e pequeno-burguesas)<br />

e tenderam à mais extrema centralização através do predomínio<br />

da fração mais conseqüente da revolução burguesia,<br />

o Comitê de Salvação Pública de Robespierre e dos jacobinOs<br />

na França e a ditadura dos costelas de ferro do exército<br />

de Cromwell.<br />

Se o parlamentarismo original não cumpria esta função<br />

idealizada de pasteurizador dos interesses políticos das diversas<br />

frações da burguesia, menos ainda o parlamentarismo<br />

posterior, o qual terminou por perder toda a sua independência<br />

em relação ao verdadeiro centro do governo, ou seja,<br />

o executivo dominado pelos grandes capitalistas.<br />

Esta versão da história das revoluções burguesas opõe-se<br />

ao que consideram como a idéia que Marx e Engels tinham<br />

do partido revolucionário: “A concepção de partido em Marx<br />

e Engels, nascida da revolução de 1848, tinha como ponto de<br />

partida a compreensão da necessidade de tornar o proletariado<br />

independente da burguesia. Para atingir este fim sustentaram<br />

a idéia do partido único da classe operária. O caráter revolucionário<br />

desses partidos era definido pela tarefa que eles assumiam:<br />

romper com o monopólio burguês da política e construir<br />

uma prática política classista.<br />

“Esta concepção, correta para a época, deu origem aos grandes<br />

partidos social-democratas do início do século, que tiveram<br />

um papel muito progressivo, arrancando a classe do seguidismo<br />

da política da burguesia liberal.<br />

“As características destes partidos eram ditadas, em última<br />

instância, pelos objetivos colocados. A própria evolução do capitalismo<br />

modelou estes partidos (...) O proletariado vivia uma<br />

época reformista. A revolução não estava colocada como tarefa<br />

imediata. (...) Estes (partidos) passaram a representar não os<br />

interesses do conjunto do proletariado, mas de uma camada da<br />

classe que, fruto de conquistas arrancadas com muita luta, colocaram<br />

esses interesses acima da revolução (...)<br />

Este rico processo político e social significou o fim do partido<br />

único da classe operária” (idem).<br />

É comum a idéia, como ângulo de ataque ao partido revolucionário,<br />

de que as teorias de Lênin de partido centralizado,<br />

disciplinado e composto por revolucionários profissionais<br />

é que teriam sido a origem do “partido único” das ditaduras<br />

stalinistas. Aqui temos uma versão nova: a idéia de um<br />

partido único da classe operária seria de Marx e Engels e teria<br />

fracassado porque o partido única ter-se-ia transformado em<br />

um partido não da classe, mas de um setor, o que teria dividido<br />

para sempre a classe. Podemos supor que, a partir daí, a<br />

tentativa de construir um partido de classe, um partido operário,<br />

estaria superada pela realidade.<br />

Nem Marx e Engels, nem Lênin e Trotski jamais defenderam<br />

a construção de um partido único da classe operária, assim<br />

como nunca conceberam um partido comunista como<br />

um partido de um setor da classe com interesses próprios<br />

opostos aos do conjunto da classe (Manifesto Comunista). O<br />

marxismo defende a construção de um partido revolucionário,<br />

de vanguarda, ou seja, um partido que organize a camada<br />

mais evoluída da classe que compreende os fundamentos<br />

da exploração capitalista e que, a partir daí, luta por um pro-<br />

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Documentos do 1º Ciclo de Seminários Regionais do Partido da Causa Operária<br />

grama de liquidação do capitalismo e de estabelecimento da<br />

ditadura do proletariado. No essencial, não há qualquer diferença<br />

entre a concepção que Marx e Engels, por um lado, e<br />

Lênin e Trótski, por outro, tinham do partido revolucionário.<br />

O partido revolucionário não defende interesses particulares,<br />

mas os interesses da revoluçÃo proletária. É por isso<br />

que o programa de transição afirma que a “única exigência<br />

que os revolucionários fazem a todos os partidos que procuram<br />

falar em nome da classe operária é que rompam com a<br />

burguesia”. Há aqui uma distância gigantesca entre este programa<br />

e o “partido único”.<br />

A luta da burguesia contra o suposto “partido único” teórico<br />

- que na China, por exemplo, é o apoio ao partido único<br />

realmente existente - está na realidade, dirigido contra a luta<br />

conseqüente pelo programa revolucionário, ou seja, o que<br />

a burguesia teme é, na verdade, a centralização política da<br />

classe detrás de uma estratégia revolucionária.<br />

VI. A moral burguesa na luta revolucionária<br />

A substituição do critério da luta de classe nos “organismos<br />

de poder” conduz necessariamente à supressão da realidade<br />

da luta de classes no interior do partido: “além dos elementos<br />

acima descritos existe um outro ao qual tanto Lênin como<br />

Trotsky e Moreno davam importância fundamental, o elemento<br />

subjetivo. As relações de confiança que se constróem<br />

entre a base do partido, seus quadros e a direção. Para isso, não<br />

há fórmulas que possam resolver.<br />

O fundamental para que esta relação seja construída está na<br />

lealdade em que se desenvolve a luta política entre os quadros<br />

no interior do partido, sem este elemento subjetivo não há ambiente<br />

capaz de permitir a elaboração coletiva, e o partido perde<br />

a capacidade de intervenção na luta de classes” (idem).<br />

O elemento subjetivo aqui não é a consciência, que permite<br />

distinguir e defender os interesses da classe que o partido<br />

representa, mas a lealdade. Este ponto tem sido apresentado<br />

em todos os lados como a necessidade da “ética revolucionaria”<br />

para regular a relação no interior do movimento<br />

operário de uma maneira geral. Nesse caso, o partido viveria<br />

uma dualidade: teria um programa e um critério moral,<br />

a revolução e um padrão de comportamento. Esta dualidade<br />

permite opor a moral à revolução, os métodos à política,<br />

a defesa dos interesses de classe a normas universais de<br />

bom comportamento.<br />

As condições para a construção de um partido revolucionário<br />

está na sua relação com os interesses da classe operária.<br />

Por esta relação - que freqüentemente assume o caráter<br />

de uma discussão inclusive tática - estão determinados os aspectos<br />

da moralidade revolucionária e proletária. Nenhuma<br />

norma de relacionamento “ético” vai conseguir evitar um enfrentamento<br />

brutal entre a revolução e a contra-revolução inclusive<br />

- e principalmente - no interior de um partido revolucionário.<br />

VII. Por um partido revolucionário<br />

A crise histórica do capitalismo confirma, de maneira extraordinária,<br />

a atualidade e a correção da idéia fundamental<br />

do Programa de Transição de que a crise histórica da humanidade<br />

se reduz à crise de direção do proletariado. Esta redução<br />

operada não por Trotski, mas pela luta de classes coloca<br />

na ordem-do-dia a luta pela construção de partidos revolucionários<br />

em oposição às frentes populares que se estruturam<br />

em todos os lados como uma camisa-de-força contra<br />

o proletariado.<br />

A necessidade deste partido está determinada não por interesses<br />

particulares de setores políticos, mas pela linha demarcatória<br />

da luta de classes que é o programa da ditadura<br />

do proletariado, ou seja, da luta entre a supremacia da<br />

burguesia, que conduz o mundo, através de uma degradação<br />

permanente, à sua maior catástrofe histórica e a luta das<br />

massas em todo o mundo contra barbárie capitalista, entre a<br />

revolução e a contra-revolução.<br />

A luta contra as manifestações da ideologia democratizante<br />

impõe-se como forma de conquistar a independência<br />

política da classe operária através da denúncia das suas manifestações<br />

mais sutis, que se encobrem com a tradição do<br />

marxismo, da revolução e da IV Internacional.<br />

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