AMSTERDAM - JAN DUIKER - OPEN AIR SCHOOL
Monografia realizada para a disciplina de Teoria e História da Arquitetura e do Urbanismo Modernos II (IAU 0754) - Universidade de São Paulo. Discentes: Giovanna Navarro Miotto | Luiza Nadaleto Masiero | Mariana Blanco Gonzalez | Rafaela Walder Pimentel | Vívian de Almeida Coró.
Monografia realizada para a disciplina de Teoria e História da Arquitetura e do Urbanismo Modernos II (IAU 0754) - Universidade de São Paulo. Discentes: Giovanna Navarro Miotto | Luiza Nadaleto Masiero | Mariana Blanco Gonzalez | Rafaela Walder Pimentel | Vívian de Almeida Coró.
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AMSTERDAM
DUIKER
OPEN AIR SCHOOL
DUIKER
UM ARQUITETO, UMA CIDADE
Giovanna Navarro Miotto | Luiza Nadaleto Masiero | Mariana Blanco Gonzalez
Rafaela Walder Pimentel | Vívian de Almeida Coró
O entendimento da obra Open Air School de Jan Duiker, situada em Amsterdam, mais
precisamente, em Amsterdam-Sul, depende não só da compreensão do edifício, mas também do
contexto dos movimentos arquitetônicos e urbanísticos da época, situando o arquiteto histórica e
culturalmente.
O presente trabalho desenvolve um estudo que engloba a história holandesa até o início do
século XX, quando H. P. Berlage desenha o plano Zuid para Amsterdam-sul, além do movimento
artístico da Nova Objetividade Holandesa, inserindo o arquiteto Jan Duiker, e sua influência no
cenário das Open Air Schools, incluindo seu impacto no Brasil. Por fim, pretende-se levantar
questionamentos acerca do futuro da arquitetura frente aos impactos causados pela pandemia
de COVID-19.
05
A Cidade: Amsterdam, Holanda 09
O Cenário: Nova Objetividade Holandesa 51
O Arquiteto: Jan Duiker 59
O Movimento: Open Air School 73
A Obra: Open Air School Amsterdam 91
O Alcance: Open Air School Brasil 109
Conclusão 131
Bibliografia e Iconografia 135
ÍNDICE
a cidADE
amsterdam
Imagem 01: Bairro de trabalhadores em Londres, Inglaterra, durante a Revolução Industrial
Para a compreensão do ethos em que se insere Berlage e seu plano para
Amsterdam-Sul, é importante retomar o período da Revolução Industrial, após a
introdução da máquina na malha urbana a cidade sofre transformações.
Além de ser um local de concentração cultural, comercial e de poder popular, a
cidade torna-se um espaço de concentração de pessoas, matérias primas, capital e
energia. Essas transformações ocorrem em descompasso com a capacidade prévia dos
centros urbanos, criando situações de insalubridade, más condições de vida e o
surgimento de epidemias. Na época, a ideia das doenças era ligada aos miasmas,
surgindo teorias sobre a transmissão de agentes patológicos por meio da água e do ar.
Junto dessas teorias florescem pelo campo arquitetônico e urbanístico um novo modo
de projetar.
Aliada às ideias de Haussmann, a arquitetura higienista se desenvolve e se fortalece
no século XX, apoiada e desenvolvida por nomes como: Camillo Sitte, Ebenezer Howard
UM ARQUITETO, UMA CIDADE
e Ildefons Cerdà. Uma nova forma de projetar que pensa além do cercamento da
propriedade privada, mas também na limpeza e na salubridade do habitar, através de
técnicas de ventilação e insolação dos cômodos.
É dentro dessa mesma lógica sanitarista que enfermidades como a tuberculose
passam a ser tratadas. A tuberculose, apesar de ser um doença existente há muito
tempo, apenas passou a ser compreendida e estudada efetivamente entre os séculos
XVII e XVIII, por meio dos estudos da anatomia. Já entre os séculos XIX e XX, surgem
tratamentos relacionados ao ar livre e à exposição ao Sol, trazendo à tona discussões
sobre a arquitetura, os congressos internacionais e a criação dos sanatórios.
CONTEXTO
11
a cidade pré-industrial
Nascida como uma vila de pescadores,
Amsterdam sempre manteve uma relação
inerente com a água. Fundada abaixo do nível
do mar no século XIII, a cidade passou, um
século depois, pela a construção de um dam,
uma estrutura similar a um dique e que tem
como função - além de impedir a passagem
da água do mar para a terra - reter a água,
agindo como uma represa. Por estar localizado
no rio Amstel, o dam foi responsável pelo
nome Amsterdam, junção das duas palavras.
A participação da Holanda na Liga
Hanseática no século XIV - formada por países
de influência alemã como um acordo
comercial responsável pelo monopólio
comercial de alguns produtos - e a sua
dependência da Espanha, que, junto com
Portugal, tinha a hegemonia sobre as Grandes
Navegações no século XV, elevaram o nível
comercial do país. Assim, Amsterdam se torna
berço de um dos portos mais importantes do
mundo, precedida por Lisboa.
12
Imagem 02: Amsterdam em 1538
13
Devido à dificuldade em
edificar em áreas próximas e
sobre os diques, a lógica da
cidade Pré-Industrial se
resumia à maximização de
lotes. Isso gerou um
parcelamento irregular de
lotes estreitos, e,
consequentemente, com
uma testada pequena, e
compridos, buscando ocupar
toda a quadra. O espaço
intersticial das quadras era,
então, muito reduzido,
destinando às áreas de
circulação o papel de espaço
público, ao qual se buscava
garantir que todas as casas
tivessem acesso, com as
pequenas dimensões da
frente do lote. Assim, os lotes
compactados em um
desenho de quadra que exprimia
a densidade da cidade,
criava uma paisagem linear,
mas heterogênea onde vielas,
ruas e canais comportam
toda a vida urbana.
Novos
impostos,
repressão e a ausência de
liberdade religiosa foram
alguns dos motivos que
levaram a Holanda a
participar da Guerra dos
Oitenta Anos contra a
Espanha. Durante o período
da guerra, o país se opôs ao
impedimento espanhol sobre
seus comércios e fez trocas
com outras regiões, como
Malabar e as Antilhas, e em
1581, a Holanda se tornou
independente do governo de
Felipe II.
Assim, no início do século
XVII, o país se encontra em
seu auge, tornando-se o
mais importante núcleo
financeiro do mundo. Este
século é chamado o
Primeiro Século de Ouro de
Amsterdam. A cidade fervia
com a arte e a
intelectualidade: de
Rembrandt a Spinoza, o
leque de estudiosos era
grande. Além disso, esse
caráter cosmopolita é
fortalecido pelas diversas
religiões e culturas
presentes, como católicos,
protestantes e judeus, que
viviam de forma passiva e
respeitosa. A cidade atraía
grande número de
imigrantes, por questões
econômicas e sociais, visto
que a tolerância religiosa era
uma questão conflituosa no
14
Imagem 04: frentes das habitações, enfatizando a pequena
testada dos lotes e sua relação com o canal
Imagem 03: quadras e lotes próximos aos canais
Imagem 05: vias estreitas da Cidade Pré Industrial.
15
mundo e Amsterdam possuía esse diferencial.
Também se destacava nos mares, já que os
colonizadores holandeses, que partiam do
porto de Amsterdam, conquistavam mais
espaço nas navegações, chegando a criar, em
1602, a Companhia Holandesa das Índias
Ocidentais para lutar pelo monopólio da rota. O
poder econômico de Amsterdam ganhou ainda
mais força com a criação do Banco de
Amsterdam em 1609, elevando a cidade ao
posto de núcleo financeiro mais influente do
mundo.
Com a expansão mercantil da cidade,
também se fez necessária uma expansão
urbana, oficializada com um plano em 1607. O
plano constituía na criação de três canais
concêntricos, perto dos quais se estabeleceram
os comerciantes com suas lojas e moradias.
Um dos bairros mais marcantes é o do
Jordaan, que se formou em antigos terrenos de
cultivo junto aos canais, destinado aos
trabalhadores e artesãos. Os lotes eram
alinhados em relação aos canais e as quadras
distribuídas seguindo uma hierarquia social. Os
Imagem 06: Limites do bairro de Jordaan
Imagem 07/09: Fachadas próximas aos canais
16
Imagem 08: Bairro de Jordaan em 1950
lotes cuja frente se dava para o canal eram
destinados às habitações de classes sociais
mais altas, além de abrigar os equipamentos
públicos e os grandes negócios. Já os terrenos
situados nas vias paralelas e transversais aos
canais eram ocupados por oficinas, pequenos
comércios e casas da população mais pobre. O
parcelamento do bairro ficou sob
responsabilidade da especulação dos
comerciantes.
A ausência de limite de construção nos fundos
dos lotes de bairros como o Jordaan resultou
em quadras com pouco ou nenhum espaço
livre no interior da quadra: além de ocupar
quatro pavimentos, os edifícios normalmente
possuíam anexos à construção, gerando uma
projeção quase equivalente ao desenho do
lote.
17
Imagem 10: Fachadas das casas próximas aos canais
Entre os séculos XVII e XIX,
a Holanda sofreu com um
recesso em sua economia e
em seu crescimento
demográfico, que colocava
um fim à sua Primeira Era de
Ouro, por conta do bloqueio
comercial e da invasão
francesa em 1810, que
ocorreram devido às Guerras
Napoleônicas. Esse domínio
dura até 1813, quando a
Holanda se torna
independente da França. Em
1815, ocorre o Congresso de
Viena, quando é criado o
Reino Unido dos Países
Baixos, unindo também
Bélgica e Luxemburgo,
liderado pelo rei Guilherme I.
Essa união perdurou até
1839, quando o Tratado de
Londres oficializou a inde-
pendência da Bélgica, após
revoluções desde 1830, e de
Luxemburgo, consequentemente,
reduzindo o Reino
Unido dos Países Baixos ao
Reino dos Países Baixos. Essa
separação, junto com as
mudanças constitucionais
devido à contração do título
de Reino Unido, que
cristalizou essa condição,
incomodaram o rei
Guilherme I, que renunciou
em 1840, deixando seu filho,
Guilherme II, no comando.
Frente às pressões
populares, uma vez que a
Primavera dos Povos em 1848
se alastrava pela Europa,
temendo que tais ideias
alcançassem a Holanda, o
monarca prefere o
desenvolvimento de uma nova
constituição a perder seu
poder, com a criação de um
comitê constituinte liderada
pelo liberal Johan Thorbecke.
Em 1849, após a morte
repentina de Guilherme II, a
constituição é instituída por
Guilherme III, de modo a
reduzir os poderes
monárquicos e aumentar os
direitos de voto da população.
Com o passar dos anos, a
influência liberalista, somada
ao poder das Igrejas Católica
e Calvinista, a Holanda
retoma seu potencial
comercial e econômico.
Assim, o país passa por um
período de prosperidade
industrial, denominado
Segundo Século de Ouro, que
auxilia na expansão
geográfica e demográfica da
20
Imagem 11: Mapa do Reino Unido dos Países Baixos, 1831 21
cidade.
Por volta de 1870, Amsterdam chega a
ter cerca de 500.000 habitantes e passa por
diversas intervenções, com a construção de
museus, teatros e da Estação Central em 1889.
Além disso, surgem novos bairros de
trabalhadores para além do canal
Singelgracht. Ao mesmo tempo, desde 1867,
surgiam melhorias sociais devido à novas
legislações.
Com a vinda de um grande número de
trabalhadores do campo para a cidade para
operar nas fábricas, e o consequente
adensamento desses bairros, as habitações
eram muito precárias. Além da oferta reduzida
de casas, a desvalorização da qualidade de
vida era notória pela falta de infraestrutura,
como notou Donald I Grinberg, estudioso que
focou na precariedade e na política
habitacional da Holanda na sua obra “Housing
in the Netherlands”.
A transformação do pensamento
holandês acerca da habitação se deu com o
22
surgimento de diversas epidemias que, de
acordo com a teoria miasmática vigente entre
especialistas da saúde e higienistas na época,
se espalhavam através do ar e estavam
associadas à falta de ventilação e de exposição
ao sol. Assim, associou-se o surgimento e a
proliferação dessas doenças à má qualidade
das moradias.
Imagem 12: Habitações precárias dos trabalhadores
em Amsterdam
Em 1902, após um período próspero
a nível de reformas sociais e de
crescimento sindical (resultando inclusive
na criação de partidos progressistas como
o Partido Social-Democrata dos
Trabalhadores, SDAP-1894, e a União
Democrática Liberal, VDB-1901), as
decisões sobre as questões habitacionais
passam a ser, em sua maioria,
responsabilidade do Estado, substituindo
a lógica mercadológica anterior. Isso se dá
pela instituição do Ato Habitacional, ou
Housing Act, que determinava, entre
outras questões, que toda cidade com
mais de 10.000 habitantes ou com um
crescimento populacional de mais de 20%
nos últimos 5 anos seria obrigada a fazer
um plano habitacional. Além de colocar a
habitação como centro da discussão
urbanística, essa decisão tinha como
premissa a melhor distribuição de renda.
Imagem 13: Habitações precárias dos trabalhadores em
Amsterdam
23
plano zuid
A primeira versão do plano de
Amsterdam Sul foi projetada por H. P. Berlage
em 1904. Seu desenho era curvilíneo e
fragmentado em pequenas unidades de
vizinhança. Ainda que aprovada pelo conselho
em 1905, a versão apresentava muitas
dificuldades associadas pela desapropriação
excessiva e por pressupor a utilização de
espaços que não pertenciam à administração
do governo municipal, não sendo, portanto,
executada.
Em 1915, Berlage apresentou ao
conselho uma nova versão, agora levando em
consideração o Ato Habitacional de 1902. Essa
nova versão, aprovada em 1917, apresentava,
ao contrário da anterior, eixos retilíneos e
longos, além da presença de simetria.
Grinberg, sobre o plano do arquiteto, afirma:
“o plano de expansão de Berlage era uma visão
urbanística que refletia as influências de Brinkmann,
Sitte e Unwin. A rua, os blocos habitacionais e as
construções especiais como pontos de destaque eram
os elementos básicos. Para Amsterdã, o plano continha
uma gradação de espaços abertos ainda não obtida
nesta escala”. (GRINBERG, 1982, p. 43).
26
Imagem 15: Desenho da primeira versão do plano de Amsterdam Sul
27
Imagem 16: Vista aérea de satélite de parte de Amsterdam Sul
O desenho viário partia de uma hierarquia
das vias de maior fluxo às vias de menor fluxo. As
grandes vias leste-oeste Vrijheidslaan,
Rooseveltlaan e Churchillaan e os seus
prolongamentos ligavam o rio Amstel ao Estádio
Olímpico e as vias menores e locais eram mais
tranquilas, destinadas à habitação.
A “gradação de espaços abertos” a que se
refere Grinberg foca não nas vias como ocorria
anteriormente, mas no espaço interior às
quadras. O artigo “Habitação coletiva e a
evolução da quadra” de Mário Figueroa,
publicado na revista Vitruvius em 2006, discute a
relação dos desenhos da cidade e da paisagem
em relação ao tratamento das quadras na
história do planejamento urbano. Dos sete tipos
de quadra mencionadas, destacam-se, para esta
análise, três: a quadra tradicional, a quadra do
plano Cerdá e a quadra com ocupação
perimetral.
Enquanto em cidades com a quadra
tradicional, como acontece em Paris no plano de
Haussman, o desenho viário é priorizado, sendo
Imagem 17: Vista aérea de perspectiva das quadras
do plano Zuid
29
Imagem 18 quadra tradicional
Imagem 19: quadra do plano Cerdá
Imagem 20: quadra com ocupação
perimetral
Imagem 21: vista aérea de satélite das
quadras do plano de Haussmann
30
Imagem 22: vista aérea de satélite
das quadras do plano Cerdá
Imagem 23: vista aérea de satélite
das quadras do plano Zuid
a quadra um resíduo deste planejamento, na
quadra do plano Cerdá para Barcelona a quadra
é entendida como um espaço e as esquinas,
desenhadas com um corte de 45º, configuram
um lugar.
A quadra com ocupação perimetral, que é o
caso das propostas pelo plano Zuid, seria, nessa
lógica, mais similar à de Barcelona, uma vez que
seu interior também é um espaço vazio e suas
esquinas têm importância na constituição da
paisagem - ainda que não sejam em 45º como
as de Cerdá, as esquinas têm um tratamento a
nível do gabarito, se destacando por serem mais
altas ou mais baixas que o resto da quadra,
resultando em uma paisagem homogênea. O
“miolo de quadra” de Berlage vai além, ao
pensar em uma função semi pública para o
local: podendo ser espaços ajardinados ou
comportar equipamentos públicos - como é o
caso da Open Air School de Duiker -, os centros
das quadras são de responsabilidade tanto do
poder público quanto dos moradores das
residências que ocupam o seu perímetro.
Imagem 24: vista das esquinas do plano Zuid
Imagem 25: vista aérea de satélite da quadra da
Open Air School de Jan Duiker
31
Uma leitura mais atual pode considerar a
ideia de Jane Jacobs aplicada ao projeto de
Berlage: os moradores do térreo que tinham os
fundos no interior da quadra e os residentes
dos andares seguintes, que podiam observar a
partir de seus balcões, incorporam o conceito
de “olhos da rua” trazido pela autora. A
presença desses indivíduos no local garante
não só a sua segurança, mas a sua
manutenção.
32
Imagem 26: vista aérea das quadras do plano Zuid, enfatizando os espaços livres intraquadra
33
Imagem 27: plano Amsterdam-Sul
Imagem 28: plano Amsterdam-Sul, enfatizando as vias principais que ligam o rio Amstel e o Estádio
ruas locais: residenciais
e tranquilas
Imagem 29: plano Amsterdam-Sul, enfatizando as vias locais
OS HOLANDESES E A ÁGUA
A história dos holandeses e suas técnicas
de contenção do avanço das águas visando
evitar enchentes, além da relação desses
corpos d’água com as práticas humanas, não é
recente.
Em algumas aldeias no norte dos países
baixos, no final da Idade do Ferro, foram
encontradas as primeiras indicações de
construção de diques, até então com no
máximo 70 centímetros de altura, feitos por
meio do empilhamento de turfa, um material
de origem vegetal e pantanoso. Entre 800 e
1250 a população holandesa começou a
apresentar certo crescimento, após a retirada
das tropas romanas e da instabilidade política,
quando assentamentos voltaram a se formar
nas regiões pantanosas, sendo construídos
diques em pequena escala seguindo os
contornos dos desníveis já existentes. Então, é
a partir do século XII, após a drenagem de
deltas para a criação de terras aráveis, seguida
da oxidação da turfa, abaixando o nível do
solo, que os polders mais tradicionais são
construídos.
42
Progressivamente o nível do mar e o nível
do solo tendiam a se igualar, então no século
XIV são iniciadas as construções de diques em
grande escala. Já na Idade do Ouro as grandes
obras de engenharia hidráulica foram
organizadas por coletivos, recuperando terras,
pôlderes e extraindo turfa. É vista também a
necessidade de não apenas drenar, mas de
bombear a água para manter áreas secas,
sendo criados complexos de moinhos de vento
os quais exerciam essa função de
bombeamento.
As grandes obras entraram em decadência
com a rápida proliferação de um molusco,
prejudicando as estruturas costeiras de
madeira como o quebra-mar dos diques. Assim,
impulsionando sua modernização, iniciou-se
uma busca por materiais e designs alternativos
para a construção dos diques que passaram a
ter seus declives externos de baixo gradiente e
sua estrutura fortalecida por meio de materiais
rochosos, sendo desenvolvidos em massa, a
partir de 1900, blocos de concreto.
Logo, com os avanços em conhecimentos,
tecnologia e mobilidade, intervenções em maior
escala no sistema hídrico foram possibilitadas.
Apesar das inovações, em 1953, uma grande
enchente provocou o rompimento de diques na
região sudoeste dos países baixos, alavancada
pela combinação entre a maré alta, uma
tempestade vinda do norte-noroeste e a maré
alta dos rios. Muitas vidas foram perdidas e mais
de mil quilômetros quadrados de terra foram
inundados. Como uma reação a essa catástrofe
foram desenvolvidas muitas novas obras
hidráulicas como parte do Plano Delta, sendo os
diques largamente reforçados e as enseadas
fechadas, após a aprovação do Delta Act de 1958,
tornando a linha costeira mais curta e facilitando
sua defesa. Os reforços aconteceram mais uma
vez após as cheias de 1993 e 1995, sendo a isso
somado o aprofundamento dos rios e
alargamento dos seus leitos em áreas
adequadas para a inundação, em um projeto
chamado “Room for the River”, permitindo a
prática da agricultura em faixas ao longo dos rios.
44
100 DC | 1.500 km de linha costeira 800 DC | 2.300 km de linha costeira 1500 DC | 2.600 km de linha costeira
1850 DC | 2.100 km de linha costeira 1950 DC | 1.600 km de linha costeira 2000 DC | 880 km de linha costeira
45
Imagem 32: diminuição da linha costeira
7
Imagem 33: execução do dique de Wieringermeer (entre 1800 e 1950)
7
Imagem 34: Dia do Rei, Amsterdam
Entendendo de maneira mais aprofundada
a história dos pôlderes na Holanda, é possível
perceber o cuidado exaustivo dos holandeses
com relação às enchentes, desenvolvendo
novas tecnologias e designs para a
manutenção dessas estruturas. Além disso, a
relação que estabelecem com os corpos d’água
é admirável, possibilitando que os rios
atravessem as cidades destamponados e
fazendo deles protagonistas e corpos ativos na
cidade. A água, na Holanda, é vista como um
espaço público a ser celebrado e integrado no
dia-a-dia. Em eventos e festas populares, como
acontece no Dia do Rei em Amsterdam, os
habitantes se envolvem nas comemorações,
ocupando o rio, enfatizando seu caráter
importante na vida pública.
Comparativamente, vemos as cidades
brasileiras, como é o caso de muitas do interior
de São Paulo, destacando aqui a cidade de São
Carlos, renegarem a presença e a importância
dos rios que permeiam a malha urbana.
Negligenciada com o tamponamento do rio e
a falta de infraestrutura, a água retorna nas
grandes e destruidoras enchentes anuais que
ocorrem na cidade. Os rios, se estivessem
associados às adequadas infraestruturas verde e
azul viabilizadoras da redução das enchentes que
assolam os bairros localizados nas cotas mais
baixas, poderiam funcionar como grandes
espaços de sociabilidade, adquirindo um novo
papel de lugar urbano, restituindo a relação
natural entre o homem e os cursos d’água e
aprimorando a qualidade de vida nas cidades.
Imagem 35: Córrego do Gregório, São Carlos
49
o cenário
nova objetividade HOLANDESA
Imagem 36: "Vendedor de Fósforos" - Otto Dix
A expressão “nova objetividade” aparece pela primeira vez, segundo Kenneth Frampton em
seu tratado “História Crítica da Arquitetura Moderna”, em uma carta de G. F. Hartlaub a Alfred
Barr em julho de 1929. Na carta, Hartlaub descreve a Neue Sachlichkeit (Nova Objetividade) como
sendo uma escola de pintura que se opunha ao expressionismo após a Primeira Guerra Mundial.
Segundo o autor da carta, a guerra despertou nesses artistas um “cinismo” após a desilusão, mas
ao mesmo tempo gerou um “entusiasmo pela realidade imediata”. Esse “realismo de matiz
socialista” descrito por Hartlaub e a sua objetividade apresentava tanto uma ótica resignada,
quanto uma perspectiva de entendimento da realidade como ela é, baseada na materialidade
dos acontecimentos.
Na verdade, a expressão Neue Sachlichkeit foi criada por mim no ano de 1924. Um ano depois, foi
aberta em Mannheim a exposição que trazia o mesmo nome. A expressão realmente devia aplicar-se
como um rótulo ao novo realismo de matiz socialista. Estava ligada ao sentimento contemporâneo,
vigente na Alemanha, de resignação e cinismo depois de um período de esperanças exuberantes (que
haviam desembocado no expressionismo). O cinismo e a resignação são o lado negativo da Neue
Sachlichkeit, o lado positivo expressa-se no entusiasmo pela realidade imediata em decorrência de um
UM ARQUITETO, UMA CIDADE
desejo de considerar as coisas de modo totalmente objetivo, sobre uma base material, sem investi-las
imediatamente de implicações ideais. Na Alemanha, essa desilusão saudável encontra sua expressão
mais clara na arquitetura.
G. F. Hartlaub
Carta a Alfred Barr, julho de 1929
O termo aparece novamente em Muthesius, quando escreve artigos para o jornal Dekorative
Kunst entre 1897 e 1903. Pela primeira vez, a Nova Objetividade é associada com o universo
arquitetônico, sendo pensada a partir do movimento Arts and Crafts e tendo um caráter
funcionalista aplicado ao design de objetos visando uma transformação na sociedade industrial.
Fritz Schmalenbach, historiador de arte, também via a Nova Objevidade com uma
capacidade transformadora da mentalidade da época:
Na verdade, a "objetividade" da nova pintura não era aquilo que o termo pretendia formular em
nova objetividade holandesa
53
primeiro lugar e acima de tudo, mas sim algo
de mais universal e subjacente a essa
objetividade, do qual era a expressão
revolução na atitude mental geral dos
tempos, uma nova e geral Sachlichkeit de
pensamento e sentimento.
SCHMALENBACH apud FRAMPTON,
1980, P. 157.
Com a Revolução Russa em 1917,
observou-se, no campo das artes, uma atitude
neo-objetiva e socialista, que culminou no
movimento construtivista russo. O colapso
militar alemão e o Tratado de Rapallo - no
qual os países retiraram suas demandas
territoriais sobre o outro - resultaram em uma
maior aproximação política dos países que
ressoou na arte.
El Lissitzky e Ilya Ehrenburg, artistas
russos, se tornam embaixadores não-oficiais
da URSS e, em 1921, criam em Berlim uma
exposição oficial da arte vanguardista
soviética. Em 1922, lançam o primeiro volume
da revista trilíngue Veshch/Gegenstand/Objet,
que estampa uma máquina removedora de
neve, simbolizando o objeto técnico ao lado
Imagem 37: Tratado de Rapallo
54
de um quadrado e um círculo negro sobre um fundo
branco, representando a não objetividade do
Suprematismo Russo.
Em 1923, Lissitzky se une a Hans Richter e
Werner Graeff na composição da Revista G, na qual
apresentam pela primeira vez o conceito de Proun,
palavra criada por Lissitzky derivada de Pro-Unovis,
ou, “para a escola da nova arte”. O movimento
constrói um novo campo artístico entre a pintura e o
espaço.
El Lissitzky conhece, em 1922, o arquiteto
holandês Mart Stam, após o seu trabalho com Max
Imagem 39: Revista Vesch/Gegenstand/Objet
Imagem 38: espaço PROUN, El Lissitzky
Imagem 40: Revista G (Gestaltung)
55
Taut em Berlim. Lissitzky
convida Stam para trabalhar no
seu projeto de Wolkenbügel,
dois edifícios corporativos
suspensos, e os dois trabalham
em uma versão do projeto
posteriormente descartada. Em
1923, mudam-se para Zurique e
criam, dois anos depois, o grupo
de esquerda ABC.
O grupo ABC, sediado em
Basiléia, era composto também
por membros notáveis como
Emil Roth, Hans Schmidt,
Hannes Meyer e Hans Wittwer.
Na sua revista ABC, se
encontram ensaios sobre design
coletivo, funcionalismo, elementos
abstratos e concreto
armado. O ABC tinha como
princípio a construção de
edifícios funcionalistas e anti
monumentais, economizando
pelo uso de tecnologias
modernas, sempre visando o
56
bem coletivo. Esses ideais se
concretizaram, em 1926, com a
construção da Petersschule,
escola projetada por Meyer e
Wittwer: além da relevância
social, o desenho priorizava
espaços abertos para as
crianças, dando destaque à luz
natural.
O movimento da Nova
Objetividade Holandesa se
cristalizou com o surgimento do
grupo De 8 en Opbouw, após
Stam ser um dos representantes
do país no CIAM. O novo grupo
era a junção dos funcionalistas
de Amsterdam, entre eles Mart
Stam com o núcleo Opbouw de
Rotterdam, que incluia o
arquiteto Jan Duiker. Partiam de
premissas de racionalização e
funcionalidade do espaço,
considerando a luz solar e o ar
como compositores do lugar,
sempre visando servir ao social.
Imagem 41: Revista ABC
Imagem 42: Wolkenbügel
Imagem 44: Revista De 8 en Opbouw
Imagem 02
Imagem 43: produto gráfico da escola Petersschule
57
O ARQUITETO
JAN DUIKER
Imagem 45: arquiteto Jan Duiker
O arquiteto Johannes Duiker – mais conhecido como Jan Duiker – nasceu em 1890 na cidade
The Hague localizada no norte da Holanda e foi um dos principais nomes do Nieuwe Bouwen, o
ramo holandês da Escola Internacional de Modernismo. Duiker estudou na prestigiada Delft
University of Technology, onde se aproximou de outro estudante de arquitetura promissor, o
Bernard Bijvoet – que também viria a ser um dos expoentes do Nieuwe Bouwen –, com quem
Duiker manteria uma relação próxima ao longo dos anos.
O primeiro emprego de ambos foi com Henri Evers, um arquiteto holandês já consagrado na
época e com um estilo arquitetônico distinto do que Duiker e Bijvoet assumiriam nos anos
seguintes. Sobre a supervisão de Evers, a dupla participou do projeto da nova prefeitura de
Rotterdam, que é caracterizada pelo estilo Beaux Art com influências bizantina, romana e Art
Déco, que pode ser percebido pelo edifício estar simetricamente estruturado em torno de um
pátio interno e na rica ornamentação na fachada e no interior da obra.
Em 1916, Duiker e Bijvoet montaram um escritório juntos e, dois anos depois, ganharam o
concurso de projeto do novo prédio da Faculdade de Belas Artes de Amsterdam. O projeto
UM ARQUITETO, UMA CIDADE
possuía um layout simétrico, com linhas verticais e horizontais bem marcadas, e superfícies de
parede grandes e vazias, o que revela uma ruptura com o tradicionalismo de Henri Evers e uma
forte influência do modernista holandês Hendrik Petrus Berlage e do americano Frank Lloyd
Wright. Contudo, apesar do concurso ter recebido grande destaque, tendo o próprio Berlage
como um dos jurados, o projeto não foi construído, porém serviu para trazer reconhecimento
para Duiker e Bijvoet.
Um dos frutos desse reconhecimento foi a indicação de Berlage para projetarem o Sanatório
Zonnestraal para a União dos Trabalhadores de Diamantes de Amsterdam. No entanto, o projeto
precisou ser adiado – em razão da crise de diamantes –, tendo sido retomado anos depois. Em
1925, por conta de problemas financeiros, Duiker e Bijvoet fecham seu escritório, porém
continuam colaborando em diversos projetos.
JAN DUIKER
61
sanatório zonnestraal
O Sanatório Zonnestraal, traduzido como ”Raio
de Sol”, foi retomado em 1925 e reformulado
segundo as novas tendências, consolidando-se como
um paradigma da Nova Objetividade Holandesa e
como a primeira importante obra de Duiker, tendo
sido concluído em 1931. O sanatório, localizado nas
proximidades da cidade de Hilversum, representou
um símbolo de solidariedade frente aos
trabalhadores holandeses, por ser um ambiente de
acompanhamento e acolhimento para pessoas com
tuberculose.
Para o projeto, Bijvoet e Duiker buscaram
inspiração nos traçados de Frank Lloyd Wright,
arquiteto estadunidense conhecido por sua
arquitetura moderna e suas obras de excelência.
Para a estrutura do Zonnestraal, os arquitetos
optaram pelo concreto armado, além de vigas e
pilares em T. A obra possui fechamentos
translúcidos, emoldurados por esquadrias metálicas
e fechados por vidros, o que possibilita a passagem
de luz solar diretamente para a edificação, auxiliando
no tratamento da doença, segundo as teorias de
cromoterapia vigentes na época.
62
Imagem 46: fachada Sanatório Zonnestraal
63
Imagem 47: Sanatório Zonnestraal antes da reforma
7
Imagem 01: descrição da imagem
Imagem 48: Sanatório Zonnestraal depois da reforma
Zonnestraal funcionou como sanatório apenas até 1957 em razão do progresso na erradicação
da tuberculose após o fim da Segunda Guerra Mundial, passando a partir de então a funcionar
somente como hospital até 1993, embora já apresentasse sinais de ruína desde a década de 60.
Atualmente, o edifício principal abriga diversos serviços de saúde, e os pavilhões estão passando
por um processo de restauração. A reabilitação da edificação foi realizada pelo escritório Bierman
Henket architecten e Wessel de Jonge architecten, teve mais de 4 décadas de estudos e foi
finalizada em 2009, tal reforma foi condecorada pelo prêmio prêmio Knoll Modernisme Prize, de
2010, concedido pelo Fundo de Monumentos Mundiais (The World Monuments Fund), da
UNESCO.
Antes de sua restauração, o Zonnestraal estava em uma situação muito crítica, tanto que os
esforços para a sua recuperação foram considerados “heróicos” pelo Knoll Modernisme Prize. O
prêmio traz à tona que edifícios modernos ameaçados de extinção podem ser econômicos e
funcionalmente viáveis se continuarem a servir suas comunidades. Embora o edifício tenha sido
muito conhecido na época em que foi construído, após um tempo, os anexos da obra foram
UM ARQUITETO, UMA CIDADE
abandonados e quase que escondidos pela vegetação do local. Assim, boa parte do sanatório
precisou ser meticulosamente reconstruída, inclusive os elementos que na época da construção
foram encomendados industrialmente, por não serem mais fabricados, precisaram ser
reconstruídos artesanalmente.
É interessante comparar o sanatório holandês com os sanatórios de tuberculose construídos
no estado de São Paulo, em cidades como Campos do Jordão e Poços de Caldas. Atualmente,
Campos do Jordão é uma cidade que atrai anualmente milhares de pessoas para o turismo,
porém no de 1874 à 1950, a cidade possuiu uma fase sanatorial, que atraiu diversas pessoas de
famílias ricas para o tratamento da tuberculose. A cidade era ideal para o tratamento da doença,
pois possuía um clima frio e seco, com pouca nebulosidade e muita insolação, condições
consideradas essenciais no ambiente da climatoterapia para o tratamento da tuberculose.
sanatório zonnestraal
65
7
Imagem 49: Cineac de Amsterdam de Jan Duiker
Após o Sanatório Zonnestraal, Duiker seguiu
realizando diversos projetos, a exemplo da Open Air
School de Amsterdam (1927-1928), do Cineac de
Amsterdam (1933-34) e, por fim, do Grand Hotel
Gooiland de Hilversum (1934-36). *
*Importante pontuar que, embora Duiker tenha
realizado outras obras ao longo de sua carreira, o
grupo decidiu pontuar essas como as mais
importantes por condensarem seu estilo
arquitetônico e representarem bem as fases de sua
produção
Em 1935, Duiker faleceu precocemente aos 45
anos, em meio ao projeto do Grand Hotel Gooiland,
em razão disso, a obra foi concluída por Bijvoet.
Assim, embora a carreira de Duiker não tenha sido
longa, ela foi marcada por projetos de grande
importância para a arquitetura holandesa. Sua
contribuição é especialmente notável uma vez que
ele conseguiu se manter relativamente livre das
tendências holandesas da época, como o uso do
tijolo, ao mesmo tempo que sucedeu em criar seu
próprio estilo.
Imagem 50: arquiteto Bernard Bijvoet
67
ASPECTOS ARQUITETÔNICOS
Os aspectos arquitetônicos mais importantes
vistos nas obras de Duiker derivam dos ideais da
estética maquinista (ligação da beleza e da
economia com a funcionalidade), sendo eles:
- caráter funcionalista e minimalista de suas
obras
- combate à ornamentação
- economia de recursos
- preocupação com a higiene e com a qualidade
de vida
- priorização do bem estar social frente ao
pessoal
- uso da transparência
- uso de cores que aludem às máquinas (como
branco, cinza e alumínio) e da cor que ficou
conhecida como azul Duiker
68
Imagem 51: Open Air School de Jan Duiker
69
Fases da produção arquitetônica
Segundo Claudio Conenna, a carreira de Duiker
pode ser dividida em três fases: a primeira sendo
desde a sua formatura na universidade até 1924, a
segunda de 1924 até 1931 e a última fase de 1931 até
a morte do arquiteto em 1935. O primeiro período
representa uma época de grande aprendizado,
tendo sido marcado pela influência de arquitetos
com Berlage e Frank Lloyd Wright; já o segundo e o
terceiro representam um período de maior criação,
revelando o estilo arquitetônico do próprio Duiker. A
diferença entre esses períodos é que a segunda fase
da carreira Duiker foi caracterizada pela preferência
por linhas retas e concreto, a exemplo da Open Air
School, e a terceira foi marcada pela preferência por
linhas curvas e estrutura metálica, tendo essa
transição ocorrido a partir do projeto do Cineac.
Duiker optou por migrar do uso do concreto
para o metal pois o aço condiz com seus princípios
de economia de material e praticidade de
construção e também pela leveza do material em
comparação ao concreto armado. A primeira vez
que Duiker fez uso do aço foi em seu restauro do
Cineac, pois, uma vez que as paredes originais da
estrutura seriam reutilizadas, a nova estrutura
precisava ser o mais leve possível.
70
Imagem 52: Grand Hotel Gooiland de Jan Duiker
71
o movimento
open air SCHOOL
Em 1901 ocorreu o Congresso Internacional
da Tuberculose, para discutir sobre os avanços
nos tratamentos da doença. Desse congresso
surgiu a ideia dos sanatórios, um meio de
tratar os doentes através do isolamento e do
tratamento relacionado ao ar puro e à
exposição à luz solar. Nesse sentido, os
adoentados, desde idosos até mesmo crianças,
iam para esses centros de recuperação.
Contudo, com o tempo, um problema surgiu:
por conta do isolamento, as crianças eram
afastadas de suas escolas, fazendo com que
ficassem atrasadas em seus estudos. Essa
situação foi resolvida através da introdução da
Open Air School – traduzida como Escola ao Ar
Livre – como uma forma de unir o estudo aos
tratamentos da tuberculose e entre outras
enfermidades.
74
Imagem 53: Congresso Internacional da Tuberculose em 1901
MOVIMENTO OPEN AIR SCHOOL
75
Waldschule
Huldah Winsted discute sobre o
desenvolvimento das Open Air Schools
trazendo inicialmente a ideia da educação
como um meio possibilitador para os
indivíduos. A autora afirma que através da
escola as pessoas podem fazer parte da
experiência moderna, além dela é necessária a
“eficiência social”, ou seja, seus poderes e
faculdades totalmente desenvolvidos, e da
saúde do corpo. Entretanto, Winsted discute
sobre as condições presentes nos alunos, como
miopia e problemas na coluna, e afirma que
parte dessas podem ser causadas ou pioradas
através do ambiente escolar comum na
Alemanha no início do século XX. Ela pontua
que fatores como a piora na visão, a má
circulação de ar, a má postura em sala de aula
e os hábitos sedentários são indicativos da
negligência aos alunos.
Imagem 54: Imagem da autora Huldah L. Winsted
76
Posto tais condições, a Open Air School foi
uma solução que unia melhores formas de
ensino à recuperação para as crianças. Dessa
forma, em 1904 na cidade de Charlottenburg,
na Alemanha, foi criada a primeira escola ao ar
livre pelo Dr. Neufert e pelo Dr. Bendix,
responsáveis respectivamente pela educação e
pela saúde das crianças no município. Eles
criaram o modelo de escola que foi
amplamente utilizado e difundido na Europa,
inicialmente, e nas demais partes do mundo. O
modelo possui três principais objetivos: criar
um espaço de aprendizado e de recuperação
para as crianças, criar um espaço de
experimentação sobre a relação entre o mental
e o físico dos indivíduos e, segundo o autor,
para impedir o desenvolvimento de crianças
“socialmente inefetivas” para a futura
Alemanha.
Imagem 55: Waldschule em Charlottensburg, Alemanha
Assim, com a doação do Clube Nacional da
Mulher, foi possível criar a escola em um
terreno gradeado com mais de cinco acres. Em
meio ao terreno florestado já existia um edifício
construído, que foi utilizado como cozinha, sala
de trabalho, banheiros e dormitórios para os
funcionários. Depois, foram adicionados mais
cinco construções que, funcionando como salas
de aula e refeitórios, se dividiam em três tipos:
barracas escolares, edifícios e galpões.
As barracas eram um ambiente aberto,
separado por divisórias leves, formando duas
salas de aula e duas salas destinadas aos
professores e ao alojamento dos materiais. Ao
seu redor um alpendre expandia o local de
ocupação dos alunos e de seus materiais
pessoais. Já o edifício tinha apenas a fachada
sul aberta, enquanto as demais eram fechadas
visando a proteção para chuva. Por fim, os
galpões, sendo apenas uma cobertura, eram
utilizados como refeitórios ou salas de aula,
dependendo do clima.
Imagem 56: Waldschule em Charlottensburg, Alemanha
78
Dr. Neufert e Dr. Bendix buscavam criar
espaços pensando no aprendizado, mas
também nas condições climáticas que seriam
enfrentadas pelos alunos, porém, apesar dos
edifícios, o espaço mais utilizado era o externo.
A escola ainda contava com pequenos abrigos
em formatos de cogumelos com mesas e
cadeiras. E todo o equipamento utilizado pelas
crianças era do padrão das escolas alemãs,
sendo leves para que as crianças pudessem
transportar-los.
Imagem 57: representação dos blocos da escola
79
Inicialmente, a Waldschule recebeu 107
crianças, durante três meses do ano de 1904,
que possuíam uma condição a ser tratada,
como tuberculose, problemas no coração,
anemia e escrófula. Durante esse período, um
médico examinava e selecionava as crianças
que entrariam na escola, além de dar
prosseguimento ao tratamento. Ainda,
enfermeiras mantinham a escola limpa e
alimentavam as crianças cinco vezes ao dia,
bem como registravam a temperatura e peso
dos alunos. Ademais, havia o corpo docente da
instituição, que no ano de 1908 chegava a nove
componentes, sendo em sua maioria mulheres.
Foi também com o passar dos anos que a
escola ampliou seu tempo de funcionamento
chegando a funcionar oito meses do ano,
exceto os quatro meses de inverno que eram
muito rigorosos para as atividades na área
externa.
A instituição era custeada pela comunidade,
por alguns alunos pagantes e por meio de
doações, como por exemplo o Clube
Nacional da Mulher que fornecia comida,
funcionários e enfermeiras da Cruz Vermelha.
80
Imagem 58: Waldschule em Charlottensburg, Alemanha
81
O currículo fornecido pela Waldschule
era semelhante ao de uma escola padrão da
Alemanha no século XX, sua única diferença
era o modo de ensinar através de uma
pedagogia que envolvia o ambiente externo
da escola e tirava proveito das condições de
insolação e ventilação para seus alunos. Todos
os estudantes possuíam entre sete e quatorze
anos, separados entre vinte e vinte cinco
alunos por sala, as quais recebiam 6 horas de
aula por dia, sendo que as que o autor
nomeou como “crianças mais fracas” eram
atendidas por apenas 4 horas. Essas horas
eram divididas em apresentações que
duravam vinte e cinco minutos com intervalos
de cinco a dez minutos, formando uma rotina
que se repetia todos os dias da semana.
82
Imagem 59: Waldschule em Charlottensburg, Alemanha
83
É notável, como é expresso por Winsted,
que ao final dos primeiros três meses de
funcionamento da escola (em 1904), quarenta
e oito crianças, a grande maioria dos alunos,
tiveram sua condição inicial melhorada,
enquanto vinte e cinco se curaram totalmente
de suas doenças. Do total inicial de alunos,
cerca de trinta e duas crianças se mantiveram
e apenas duas crianças pioraram sua
condição. Esse resultado expressivo e em
pouco tempo impressionou diversos
profissionais da área na Alemanha, que
passaram a apoiar e difundir esse novo
método de ensino. Em sua maioria, utilizavam
o modelo de escola que o Dr. Neufert e Dr.
Bendix inicialmente criaram, parte dessas
instituições eram mantidas por
patrocinadores e organizações, enquanto
outra parte era financiada pelo Estado
alemão, mas de forma igual todas elas eram
instaladas próximo a regiões florestadas.
Winsted traz o exemplo da “The Forest
School”, localizada em Munchen-Gladbach,
que era uma instituição que recebia crianças
fracas e anêmicas e, assim como a
Waldschule, contava com auxílios da
comunidade e cedia alimentação aos seus
alunos. Além disso, de forma semelhante à
instituição de Charlottenburg, intercalava os
períodos de aula com momentos envolvendo
exercício físico ou com a permanência em
meio à natureza.
84
imagem 60: A imagem
mostra um recorte feito
no artigo de Huldah
Winsted
85
7
Imagem 61: Outdoor Scool, Bostal Woods, Inglaterra
inglaterra
O modelo de ensino ao ar livre alemão se
expandiu para diversas regiões da Europa, a
exemplo da Inglaterra que, por volta do ano
1907, instalou a primeira escola ao ar livre em
Bostall Wood. Assim como muitas outras, a
partir do modelo pedagógico já discutido, a
escola britânica buscava mesclar o ensino, as
atividades externas e a alimentação dos
alunos, ainda que essa última não fosse tão
frequente quanto as das escolas alemãs. O
ensino se diferenciava do modelo alemão de
modo que o tempo de duração das aulas era
maior e a escola funcionava principalmente
nos dias úteis e nos sábados. Outro exemplo
britânico que Winsted traz ao leitor é da
Manchester County School, como no exemplo
da Waldschule, onde uma região fora do
perímetro urbano foi doada para criar um
espaço para as crianças. O espaço não era
considerado uma escola, pois os modelos
britânicos de ensino não aceitavam esse novo
modelo pedagógico, no entanto o local era
tratado como momento de “mudança de
ares”. A instituição possuía o auxílio da
Comissão de Educação e posteriormente foi
apossada pela cidade e passou a fazer parte do
sistema regular de ensino.
“I. "Delicate" children, usually thin and pale.
2. " Nervous" and excitable children who ramble
and start in their sleep.
3. Children suffering from the " dregs" of chorea.
4. Anaemic children, especially such as are found in
some of the poorer schools, and whose condition is
largely due to insufficient and improper food and
lack of fresh air. 5. Children suspected of
tuberculosis or with incipient phthisis.
6. Children suffering from diseases of the lungs--as,
for example, bronchitis--or from heart disease.
7. Debilitated children suffering from blepharitis or
any form of external eye disease or from otorrhoea.
8. Young children suffering from rickets.”
Crowley, The Open Air Movement, P.189.
87
estados unidos
Por fim, analisando os reflexos nos EUA, no
ano de 1908 em Rhode Island foi estabelecida a
primeira escola ao ar livre. Segundo o autor, um
grande número de escolas surgiu em pouco
tempo em consequência das associações
anti-tuberculose e de doações públicas e
privadas. Essas organizações normalmente
custeavam a comida, roupas e atendimento
médicos das crianças. Em função dos altos
custos e da escassez de terras, as escolas nos
EUA eram instaladas em locais diversos como:
navios e terraços. Em outros casos, eram
utilizadas salas de aulas comuns mas com
reformas ou com todas as janelas abertas.
Apesar de não seguirem o modelo clássico das
demais escolas citadas, as escolas americanas
se voltavam para soluções arquitetônicas
variadas para criar espaços com ventilação e
insolação adequados para os alunos.
88
93
Imagem 62: Outdoor School, Rhode Island, EUA
89
A OBRA
open air SCHOOL AMSTERDAM
UM ARQUITETO, UMA CIDADE
A Open Air School de
Amsterdam por Jan Duiker
foi a primeira escola ao ar
livre para crianças
saudáveis, tendo sido
projetada em 1926 e
finalizada em 1928. A
quadra onde a construção
foi implantada em um
ângulo de 45º em relação
às ruas – objetivando um
maior aproveitamento solar
– está localizada em
Amsterdam-Sur. A obra é
composta por dois edifícios,
sendo o bloco principal
localizado em um lote
cercado por blocos de
habitação que fazem parte
do plano urbano de
Berlage de 1915 e o bloco
secundário disposto ao
longo da rua Clio Straat
ligando o portão de
Imagem 64: Open Ari School de Jan Duiker e seu entorno
entrada.
OPEN AIR SCHOOL AMSTERDAM
93
Imagem 65: planta tipo da Open Air School de Jan Duiker
A planta da escola consiste em um bloco
quadrado principal subdividido em quatro
quadrantes em torno de uma escada central também
implantada no ângulo de 45º, os quadrantes leste e
oeste possuem uma sala de aula cada e outra
compartilhada ao ar livre no lado sul, já o quadrante
norte existe apenas no térreo e abriga uma sala de
professores. Além dessa sala, o térreo é composto
também por uma sala de aula no quadrante oeste, a
entrada principal nos demais quadrantes e um
ginásio.
Imagem 66: planta do térreo da Open Air School de Jan
Duiker
Imagem 67: implantação da Open Air School de Jan
Duiker
95
Para a estrutura da obra foi utilizado o concreto
armado, que era uma tecnologia construtiva avançada
para a época, que possibilitava, por exemplo, que os
pilares de concreto fossem dispostos no ponto médio
dos lados dos quadrantes, mantendo os cantos livres de
colunas e reforçando o aspecto aberto e flutuante da
escola. Ainda, as lajes em balanço se apoiam sobre as
vigas principais e as colunas são acopladas
diagonalmente por vigas secundárias.
96
Imagem 68: maquete da Open Air School de Jan Duiker
Imagem 69: Open Ari School de Jan Duiker
97
Com relação aos fechamentos e à caixilharia, as
fachadas – com exceção de um parapeito baixo de
concreto – são totalmente envidraçadas e equipadas
com janelas pivotantes com estrutura em aço, de forma a
permitir que as salas de aula sejam totalmente abertas.
Outro ponto fundamental da obra é a importância do
papel das cores, visto que o uso da cor branca visava
expressar a higiene que o edifício queria fornecer
enquanto contrastava com o preto e o chamado azul
Duiker, presentes nos detalhes e nas molduras das
janelas.
Imagem 70: fechamentos da Open Ari School de Jan Duiker
98
Imagem 71: fechamentos da Open Ari School de Jan Duiker
99
Imagem 72: Open Air School de Jan Duiker
A obra revela também a vontade de Duiker de
brincar com os cheios e vazios por meio da
desmaterialização do volume cúbico e também
revela o uso da transparência e do gabarito como
uma forma de permitir uma permeabilidade visual. O
prédio do portal – que consiste em um bloco de
habitação e uma sala de aula infantil acima do
bicicletário e da entrada –, por meio de sua altura
modesta e de suas fachadas envidraçadas, permite a
visão da escola desde a rua, gerando essa
permeabilidade objetivada pelo arquiteto e
auxiliando na integração da edificação com a
paisagem envoltória.
Ainda, a integração da escola aos edifícios
vizinhos ocorre também pela sua volumetria
retangular que se assemelha às construções
próximas, de maneira que mesmo sendo possível
notar pela linguagem da obra que ela pertence a
outro período, a escola não se apresenta
volumetricamente descontextualizada do conjunto.
Além disso, a abertura para rua proporcionada pela
planta livre gera uma interessante relação
interior-exterior e um diálogo visual entre o espaço
livre do núcleo da escola e a paisagem urbana.
Imagem 73: prédio do portal da Open Air School de Duiker
Imagem 74: Open Air School de Duiker
101
Imagem 75: Open Air School de Jan Duiker e volumetrias envoltórias
7
Imagem 76: sala de aula da Open Air School de Jan Duiker
REFORMAS DA OPEN AIR SCHOOL AMSTERDAM
Desde 1937, a Open Air School de Duiker passou
por diversas reformas para a recuperação do local e
para a adequação para as novas exigências
holandesas. Ao analisar o projeto original da escola é
interessante perceber relações entre a construção
da edificação e o conforto térmico. Logo que foram
construídas, as salas de aulas do ambiente eram
rodeadas por vidros simples, o que acarretava uma
sensação de extremo calor no verão devido à
grande insolação e a uma sensação de intenso frio
no inverno em razão do baixo poder de isolamento
térmico dos vidros. Assim, Duiker havia proposto um
sistema de aquecimento que consistia na instalação
de tubos de aço nos pisos de concreto,
possibilitando o aquecimento do local por meio da
circulação da água quente, porém infelizmente o
sistema respondia muito lentamente às demandas
de temperatura do local, além de que não podia ser
ajustado rapidamente para as mudanças climáticas.
Durante o período da Segunda Guerra Mundial esse
sistema de aquecimento foi desativado, por conta
da falta de combustível.
Devido a situações como essa descrita acima, a
Open Air School passou por diversas mudanças. Em
1937, o escritório de arquitetura J. & P. Cuypers
coordenou a reforma de ampliação do térreo do local,
tendo o acréscimo de uma sala de artesanato, e um
anexo no mezanino que leva até a sala do diretor. Já
em 1955, houve a renovação do bloco principal,
comandada pelo arquiteto Auke Komter. Nesta
reforma, houve um estudo aprofundado desde 1951,
em que Komter observou delicadamente as janelas
pivotantes que estavam danificadas devido ao tempo,
e teve um grande cuidado na restauração,
substituindo todas elas por janelas com um design
semelhante ao proposto por Duiker.
Posteriormente, em 1985, o arquiteto J. M. Peters
conduziu a reforma do portal da escola, além da
alteração da antiga sala do diretor, que passará a ser
um local para bebês. No período de 1993 a 1994, houve
a restauração das cores originais da edificação,
utilizando preto, branco e o azul de Duiker.
105
Uma das reformas mais
recentes foi a realizada no
período de 2009 a 2010 pelo
arquiteto Sander Nelissen e pelo
pesquisador Mariel Polman. No
contexto da reforma, a escola
não possuía os requisitos atuais
de clima interno, ventilação e
conforto para o seu
funcionamento. A estrutura
interior do edifício também
estava desgastada, com fissuras
na construção de concreto,
problemas nos ralos de água e
janelas de aço fortemente
corroídas. Assim, houve a
realocação de algumas
funcionalidades dentro do
edifício, para incluir
necessidades modernas como
salas multimídia e áreas de
estudos individuais. Ademais,
houve a construção de um
volume de vidro praticamente
invisível, para abrigar o
programa necessário da escola.
Nesta reforma, ainda houve
reparos no concreto,
remodelação total dos
banheiros e substituição dos
acabamentos internos.
Em 2009, o projeto “Frisse
Scholen” (traduz-se “novas
escolas”) propôs um menor uso
de energia e maior
sustentabilidade para a
melhoria do ambiente interno
das escolas holandesas,
atingindo assim, um melhor
desempenho educacional,
através do bem-estar. Assim, a
Open Air de Amsterdam
recebeu alterações como a
substituição dos vidros das
janelas por vidros duplos, além
da adição de um sistema de
ventilação mecânica e de
recuperação de calor. O sistema
funciona a partir das unidades
de recuperação de calor nas
coberturas, o ar condicionado é
conduzido para as salas de aula
por dutos nos armários
existentes. Um duto de ar na
“parede de trabalho” acima da
lousa digital distribui o ar,
causando sobrepressão nas
salas. Simultaneamente, a
sobrepressão é criada na escada
central, assim, o ar flui das salas
de aula por um espaço aberto
acima dos roupeiros e as grelhas
de ventilação, insonorizadas
fluem para a escada e a partir
daí para os recuperadores de
calor.
Com essas alterações, a
Open Air School vai se
adaptando às novas demandas
necessárias. Sempre que
possível, esse novo sistema de ar
é desligado, e as janelas são
abertas para o ar fresco, como
originalmente, Jan Duiker
projetou.
106
Duiker, 1930
Imagem 77
imagem 77: A imagem
mostra a fachada
originalmente proposta
por Jan Duiker em 1930.
imagem 78: A imagem
2 mostra a fachada
proposta por Komter
em 1955.
Komter, 1955
A diferença entre a
imagem 1 e a imagem 2
está nos detalhes das
novas esquadrias. Por
ser fruto de um estudo
aprofundado de Komter
sobre a obra de Jan
Duiker, é uma mudança
sutil.
Imagem 78
107
O ALCANCE
open air SCHOOL BRASIL
Imagem 79: Anísio Teixeira
O Congresso Internacional de Escolas ao Ar Livre de 1922, em Paris, foi de grande
importância na influência do Movimento Open Air School no Brasil. Nele foram
estabelecidos consensos teóricos, definindo a escola ao ar livre como uma instituição que
deveria conciliar as necessidades das crianças em estado de saúde mais frágil com a
necessidade de instrução, separando quatro categorias: aulas ao ar livre, escolas ao ar
livre tipo externatos, tipo internatos e preventórios.
Entretanto, a organização de um movimento internacional como esse não pode ser
considerada uniforme, já que iniciativas diversas foram colocadas em prática ao redor do
mundo, sendo inclusive criticada a simples transferência dos modelos iniciais para
diferentes territórios. No Brasil, os congressos no início do século XX promoveram a
circulação de conhecimentos sobre as terapias naturais, o que acompanhou o interesse
da classe médica brasileira pelas instituições médico-educativas ao ar livre.
Também nesse contexto, a partir da década de 20, um estudioso muito importante foi
UM ARQUITETO, UMA CIDADE
Anísio Teixeira que idealizou muitas mudanças na educação brasileira, defendendo que a
escola fosse integral, pública, laica, obrigatória e um bem assegurado a todos. Ademais,
para ele, a edificação era parte fundamental para a realização dos planos de ensino, o
que levou ao desenvolvimento de uma proposta pedagógica inovadora com
preocupações com os aspectos de saúde, alimentação e higiene. Isso seria realizado por
meio das Escolas Classe, voltadas para as funções mais tradicionais da escola, e Escolas
Parque, com espaços para desenvolvimento de atividades complementares voltadas
para o social, o esporte, a cultura e a educação ambiental. Esse conjunto formaria um
Centro de Educação Popular e a arquitetura desses centros teria características
modernas, com base nos princípios da racionalidade e funcionalidade atendendo às
exigências das novas conquistas pedagógicas e dos novos hábitos de higiene.
OPEN AIR SCHOOL BRASIL
111
Imagem 80: EAAL no Parque Água Branca
SÃO PAULO
Entrando no caso mais específico de São
Paulo, em algumas interpretações, as escolas ao
ar livre ultrapassavam a simples prevenção da
tuberculose, sendo concebidas também como
dispositivos de normalização, se aproximando
de um pensamento que era muito similar ao do
movimento eugênico paulista.
Algumas iniciativas na cidade, que foram
entendidas como as primeiras a incorporar a
educação ao ar livre (como lições feitas fora das
salas de aula, instituições médico-preventivas
ou playgrounds), demonstravam como o
conceito “ao ar livre” era dinâmico, mas tinha
um mesmo princípio geral: o de educar a
criança prezando pelo fortalecimento físico e
contato com os recursos naturais.
Nesse contexto, uma figura importante foi o
médico Edmundo de Carvalho que trabalhou
aliando-se à medicina natural e, na década de 30,
atuou a favor de instituições médico educativas
ao ar livre, sobretudo destinadas a crianças
carentes, sendo o criador da Escola da Vida,
próxima ao Jardim da Luz, para crianças de
famílias pobres e portadoras de deficiências
físicas.
Entretanto, é só quando ele assume a direção
do Departamento de Educação Física que o seu
projeto de Escola de Aplicação ao Ar Livre é posto
em prática e, em 1939, a escola é inaugurada com
preceitos escolanovistas e foco na educação
física.
113
Os fundamentos pedagógicos da escola
foram baseados na permanência ao ar livre:
“[...] permanência ao ar livre, em contato
com a natureza, com a luz solar e o ar puro,
ao invés dos lugares fechados e pouco
higiênicos existentes nos centros urbanos.”
(DALBEN, 2019, p. 14).
Ela foi pensada para a educação integral e
buscava dar maiores oportunidades para o
desenvolvimento físico e favorecer, por meio do
ambiente menos tradicional, as atividades
educativas.
“Na escola primária o que importa, é o
método, para que o assunto se torne
interessante e a criança aprenda, sem
perceber, brincando, sem estar presa a uma
rotina que é contra a sua natureza”.
(DALBEN, 2019, p. 15).
114
Imagem 81: EAAL no Parque Água Branca
115
A proposta era de um ambiente educativo
inovador, com mobiliário portátil, onde as
crianças seriam orientadas e estimuladas para
obter os conhecimentos a partir de projetos
desenvolvidos de acordo com os seus próprios
interesses, da observação e da experiência,
adquirindo conhecimentos de ciência, história e
geografia no contato com as estruturas do
parque. Foram previstos também uma galeria
de arte para expor os trabalhos desenvolvidos,
espaço para o cultivo de uma horta e ensino
misto.
“Ensinar desde cedo, meninas e meninos a
colaborarem juntos, sem distinção de sexos,
é fazê-los subir pelo caminho que conduz
ao ideal da vida.” (DALBEN, 2019, p.15).
116
Imagem 82: EAAL no Parque Água Branca
117
Imagem 83: EAAL no Parque Água Branca
O Parque da Água Branca foi escolhido para
abrigar a escola por ser espaçoso para as
atividades ao ar livre e por possuir viveiros e
outros elementos úteis para a ação do
educador. Um dos seus edifícios foi adaptado
para receber o refeitório, almoxarifado e as aulas
nos dias de chuva. Ele era administrado pela
Secretaria da Agricultura, o que provocou
ameaças de fechamento da escola depois de a
Secretaria pretender ocupar o espaço. A escola
só se manteve aberta devido à articulação
política e aos protestos dos pais dos alunos de
classe média dos bairros vizinhos, mostrando
que, diferentemente das instituições
médico-educativas que Edmundo de Carvalho
ajudou a inaugurar anteriormente, a escola não
se destinou exclusivamente aos filhos de
famílias mais carentes.
Só em 1952 a escola passou a ocupar um
edifício construído especialmente para ela a
partir de um acordo entre a prefeitura e o
governo, (que foi chefiado pelo arquiteto Hélio
Duarte) no mesmo bairro, Água Branca, cujo
contexto é caracterizado no artigo de André
Dalben:
“não se tratava mais do período marcado pelo
modelo da escola-monumento, mas de um
momento em que acendia o modelo da
escola funcional. De modo geral, tratava-se de
construções que quebram com as
arquiteturas ecléticas da escola majestosa e
austera, cedendo lugar para uma escola
horizontal, em meio a jardins e gramados e
com grandes vidraças que possibilitavam a
entrada de luz solar. Era uma arquitetura
moderna, que refletia em concreto algumas
ideias de renovação pedagógica do período,
com traçados abertos, limpos e simples, e que
oferecia espaço propício para as aulas de
educação física e para os momentos de
recreio.” (DALBEN, 2019, p. 23).
119
Imagem 84: edifício construído em 1952 para a EAAL e Parque Água Branca respectivamente
A Escola Dr. Edmundo de Carvalho foi
projetada por Roberto Goulart Tibau, arquiteto
brasileiro de grande importância que trouxe,
nesse período, a linguagem da arquitetura
moderna para São Paulo desenvolvendo-a
intensamente em projetos de edifícios
educacionais e trabalhando em conjunto com
profissionais como Hélio Duarte.
No caso da Escola Dr. Edmundo de Carvalho,
as salas eram abertas para pátios onde seriam
dadas as aulas ao ar livre e as grandes janelas
permitiam a circulação de ar e a entrada de luz
natural.
Depois de algumas mudanças na Secretaria
de Educação, a Escola de Aplicação ao Ar Livre
passou a se denominar Grupo Escolar
Experimental e continuou sendo um modelo
por muito tempo, mas teve muitos de seus
espaços descaracterizados, comprometendo
seu ensino ao ar livre.
122
Imagem 85: Roberto Goulart Tibau
123
RIO DE JANEIRO
Entrando no caso do Rio de Janeiro, no início
do século XX, a cidade também sofreu com a
tuberculose e foi criado o Serviço de Inspeção
Médica Escolar do Rio de Janeiro, sendo o termo
“cidade febril” usado para se referir à cidade
devido às crises de saúde causadas pelas
epidemias que a assolavam como as de
tuberculose, varíola, peste bubônica e cólera.
Nesse contexto, o médico Moncorvo Filho foi
de grande importância. Em 1916, ele criou o
Serviço Especial de Helioterapia do Instituto de
Proteção e Assistência à Infância (IPAI) do Rio de
Janeiro. Também foi o responsável por propor a
criação de externatos ao ar livre e colônias de
férias diante do entendimento de que a escola
poderia agravar o quadro geral de saúde da
população por reunir crianças com diferentes
doenças contagiosas.
124
Imagem 86: Moncorvo Filho
125
Nesse período, circulava o pensamento de
que a natureza cura, regenera e educa, de que
todas as doenças surgem à sombra e se curam
ao sol, entendendo os raios solares como
purificadores do ambiente. Além disso, por ser
um país tropical, no Brasil, foi necessária forte
argumentação por parte dos defensores da
helioterapia a favor dessa exposição ao Sol.
“todas as doenças vêm à sombra, todas se
curam ao sol”
(André Dalben e Henrique Mendonça da
Silva)
“compreensão de que o astro rei e seus raios
luminosos são elementos purificadores do
ambiente, inclusive do escolar, e, assim,
central num ideário de vida ao ar livre”
(SOARES, 2016, p. 15)
126
Imagem 87: crianças em atendimento no heliotherapium
127
Assim, o pensamento no campo da higiene
uniu a medicina e a educação para produzir
projetos e instituições que foram propostos e
criadas por entidades civis e pelo poder público
no Rio nas décadas de 10 e 20.
Foram eles os solários preventórios, as
colônias de férias infantis e as aulas e escolas ao
ar livre. Inclusive, em 1910, o então prefeito,
Serzedelo Correa chegou a inaugurar uma
escola ao ar livre em Ipanema que acabou
sendo fechada pouco tempo depois devido à
troca de governo.
128
Imagem 88: aula de ginástica no preventório Ana Amélia
129
conclusão
Imagem 89: protesto no Rio de Janeiro em memória aos
500 mil mortos pela COVID-19
132
Por fim, buscando traçar paralelos entre
as epidemias de Tuberculose e de COVID-19,
podemos destacar de imediato o trabalho da
ciência como aliado fundamental para o
controle e a segurança dos indivíduos. Em
ambas as épocas é perceptível os avanços
científicos e as consequências sociais e
culturais que as doenças trouxeram. De modo
mais claro, podemos reparar que a Tuberculose
fez com que algumas marcas culturais se
alterassem com o passar do tempo, como o
costume de cuspir e a não presença do uso de
máscaras. Dessa forma, coloca-se em
questionamento quais marcas culturais serão
renovadas e integradas à rotina dos indivíduos
após mais uma pandemia, visto que o uso de
máscaras já era uma realidade, principalmente,
em países asiáticos como o Japão e a Coréia.
Quais novas preocupações coletivas vão ser
postas para o futuro ao longo prazo?
Nesse mesmo sentido, podemos pensar
nas questões arquitetônicas e retomar a ideia
das Open Air Schools, já que, na época um
novo
modo de pensar a educação foi criado para
manter as crianças saudáveis e melhorar a
forma de ensino. Podemos trazer esse
questionamento para o atual, de modo que
em um período de transição para a volta ao
ensino presencial, após um ano de ensino à
distância, como serão as novas formas de
ensinar e manter as medidas de segurança, a
fim de criar um ambiente seguro para os
alunos e educadores? É perceptível que as
escolas, de ensino básico e superior, de
diversas partes do mundo estão abraçando
novos modelos de ensino e mais uma vez
podemos ver as transformações decorrentes
da pandemia.
Para encerrar, fica a questão de como o
Covid vai alterar a sociedade, pensando nas
consequências que o isolamento social trouxe
para o bem estar físico e mental das pessoas.
Principalmente para os alunos e professores e
em como as extensas horas em frente ao
computador afetaram sua forma de pensar e
aproveitar os horários de aula. Além disso,
como os últimos anos afetaram a forma e a
capacidade de socialização das gerações
jovens, que se viram ainda mais imersas nos
meios e plataformas digitais para poder ter
interações sociais. Pode-se colocar em
questionamento também a postura das
escolas e das instituições de ensino e como
elas lidaram com a mudança brusca no modo
de educação, bem como elas lidaram com os
alunos nesse novo meio e com novos
problemas trazidos como: o luto, a falta de
alcance da internet e a falta de acesso aos
meios digitais. De modo geral, como os fatos
vividos afetarão a cultura e o comportamento
da sociedade e das escolas no futuro.
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