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maior grau de complexidade (“Performance<br />
de desenho autônomo”, “Self stimulating<br />
closed loop”, “Eyewriter”), mas sem fugir<br />
do componente funcional e estético da baixa<br />
tecnologia.<br />
Mais do que mero elogio da precariedade, a<br />
Gambiologia promove uma confluência entre a<br />
valorização da sensibilidade do artesão - o<br />
manuseio, o conhecimento tácito, os materiais<br />
-, o reuso como caminho inclusive para a<br />
redução do impacto ambiental, o ativismo<br />
midiático e o experimentalismo criativo.<br />
Como pode ser efetivamente ouvido e sentido<br />
na mostra, a Gambiologia dialoga com os<br />
mundos do design e da arte, como um lembrete<br />
daquele impulso criador que opera no ruído,<br />
no improviso, na cacofonia e na exploração<br />
da indeterminação - eterna tentativa de<br />
dominar e superar o programa da máquina, como<br />
sugeria Flusser. Aquilo que no “mundo real”,<br />
longe das exposições de arte, é instintivo<br />
- a adaptação criativa às circunstâncias -<br />
vira aqui um caminho estético consciente,<br />
que incorpora uma reflexão ética e política,<br />
crítica do consumismo insustentável, do mundo<br />
superficial da pose e das aparências. Que<br />
não se confunda a gambiologia com o design<br />
vernacular. Enquanto este captura elementos<br />
do cotidiano, aquela traz a criatividade<br />
tácita das ruas para dentro do próprio<br />
processo de criação e desenvolvimento. Ela<br />
configura também uma ponte de ligação entre<br />
essa potência criativa de inspiração popular<br />
brasileira com tendências que têm emergido<br />
recentemente em todo o mundo - a cena maker,<br />
as plataformas de hardware aberto como o<br />
Arduino, os laboratórios de prototipagem e<br />
fabricação.<br />
O que pode surpreender no trabalho dos<br />
Gambiólogos é a familiaridade quase primitiva<br />
que ele emana - uma certa organicidade e<br />
a certeza do potencial de interconexão e<br />
recombinação entre os elementos constituintes<br />
de todas as obras expostas. Surge a sensação<br />
de que tudo ali pode ser reinterpretado,<br />
remanejado, remixado. As peças trabalham com<br />
uma diversidade de materiais: canos, papelão,<br />
computadores, hardware e software livre,<br />
latas de spray, câmeras, garrafas, motores<br />
de passo, sensores, liquidificadores, silver<br />
tape e por aí vai. Um hipotético exercício<br />
colaborativo de reconstrução - em que se<br />
desmontassem todas as obras e convocassem<br />
os artistas para criar outras com os mesmos<br />
materiais - seguramente resultaria em outros<br />
trabalhos interessantes e questionadores. O<br />
espírito gambiológico está mais na atitude<br />
de enxergar o mundo como repleto de recursos<br />
interpretáveis de múltiplas formas do que<br />
nas escolhas específicas de cada obra.<br />
A gambiarra está associada ao tipo de<br />
adaptabilidade que em última instância nos<br />
faz humanos - observar o entorno e, com<br />
o que temos à mão, solucionar problemas.<br />
É um conhecimento ancestral, que até há<br />
pouco aparecia espontaneamente nas culturas<br />
brasileiras como resultado da precariedade.<br />
Os eventuais bons mares do crescimento<br />
econômico, da redistribuição de renda e da<br />
maior oferta de produtos manufaturados não<br />
podem nos deixar esquecer dessa sabedoria<br />
cada vez mais necessária em um mundo de<br />
crises econômicas, colapso ambiental e<br />
demanda por criatividade. Iniciativas como<br />
a mostra Gambiólogos estão aí para nos<br />
recordar disso.<br />
FeliPe FonseCa é integrante da rede<br />
Metareciclagem (http://rede.metareciclagem.<br />
org) e do coletivo editorial Mutirão da<br />
Gambiarra (http://mutgamb.org). Vive em<br />
ubatuba/sP e às vezes escreve em um blogue<br />
(http://efeefe.no-ip.org).