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Apostila de Teodicéia II - CIRCAPE

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INSTITUTO INSTITUTO DE DE FILOSOFIA FILOSOFIA E E TEOLOGIA<br />

TEOLOGIA<br />

DA DA ARQUIDIOCESE ARQUIDIOCESE DE DE DE OLINDA OLINDA E E RECIFE<br />

RECIFE<br />

Apostilhas Apostilhas Apostilhas <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong><br />

TEODICÉIA<br />

TEODICÉIA<br />

(Textus receptus a Monsenhor Edvaldo Bezerra da Silva,<br />

ampliado e complementado pelo atual professor da disciplina)<br />

1


Introdução:<br />

Para uso exclusivo dos alunos<br />

Professor Professor Pe. Pe. José José Jo Josivan Jo sivan Bezerra <strong>de</strong> Sales<br />

Recife, Recife, Recife, 2006<br />

2006<br />

O Problema <strong>de</strong> Deus<br />

TEODICÉIA<br />

Fundamentalmente o problema <strong>de</strong> Deus é a questão <strong>de</strong> saber se Deus existe ou não,<br />

isto é, se o ente finito é ou não concebível e possível sem Deus. Por certo, resolvido o<br />

problema, a <strong>Teodicéia</strong> <strong>de</strong>ve afrontar-se também ao estudo da natureza <strong>de</strong> Deus e tentar<br />

estabelecer a relação entre Deus e o ente finito.<br />

O problema que se põe inevitavelmente<br />

O problema se Deus existe ou não é um problema que inevitavelmente cada um <strong>de</strong>ve<br />

pôr-se, e que <strong>de</strong> fato se põe. Nós não nascemos na lua ou em uma ilha solitária, mas no meio<br />

dos homens. Deus, já entrou em todas as línguas, artes e literaturas, na língua diária, além <strong>de</strong><br />

ser, bem entendido, a pedra angular <strong>de</strong> qualquer religião e <strong>de</strong> todo problema moral.<br />

Ainda sem influência alheia, por nós mesmos nos poríamos o problema <strong>de</strong> Deus, pois<br />

em todo homem vive, ou pelo menos cochila um filósofo. Em nós, e em tudo que nos ro<strong>de</strong>ia,<br />

são claros os sinais <strong>de</strong> relativida<strong>de</strong>, surge espontaneamente a pergunta sobre aon<strong>de</strong>, o como,<br />

e o porquê <strong>de</strong> nós mesmos e das coisas que nos ro<strong>de</strong>iam. E a dúvida sobre se tudo é relativo<br />

ou não postula algo <strong>de</strong> absoluto, essencialmente diverso <strong>de</strong> tudo.<br />

Inevitabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma solução<br />

Não só se põe o problema <strong>de</strong> Deus, más é inevitável resolvê-lo <strong>de</strong> algum modo.<br />

É verda<strong>de</strong> que a tumultuosa vida mo<strong>de</strong>rna parece organizada <strong>de</strong> propósito para<br />

impedir o homem <strong>de</strong> pensar na solução do problema <strong>de</strong> Deus. É verda<strong>de</strong> também que uma<br />

corrente inteira se esforça em persuadir o homem mo<strong>de</strong>rno a tudo fazer para não pensar em<br />

semelhantes assuntos.<br />

Não pensar nisto! É fácil dizer, mas o problema está cravado no coração do homem<br />

como um aguilhão; como dizia Santo Agostinho, o nosso coração foi criado para Deus e<br />

inquieto está enquanto não o encontrar. Até agora a humanida<strong>de</strong> não encontrou um jeito <strong>de</strong><br />

não pensar nele, e ninguém soube indicar esse jeito.<br />

Para qualquer problema que se ponha, é incisivo no homem o <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> resolvê-lo; o<br />

homem é naturalmente indagador, e fica uma certa angústia intelectual, enquanto ele não<br />

acha a solução.<br />

O problema <strong>de</strong> Deus é todo especial, pois afeta intimamente o homem. O problema<br />

<strong>de</strong> Deus é inseparável do problema do homem, <strong>de</strong> sua vida prática, da sua atitu<strong>de</strong> moral, pois<br />

2


3<br />

como disse Pascal: quem não se preocupa em saber se Deus existe ou não, vive como se ele<br />

não existisse, por isso, <strong>de</strong> fato já <strong>de</strong>cidiu em sua escolha.<br />

Preliminares<br />

A Natureza da <strong>Teodicéia</strong><br />

Origem e conceito da <strong>Teodicéia</strong><br />

Leibniz foi o primeiro que usou a<br />

palavra teodicéia para <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r a justiça<br />

divina (1646-1716), no livro Ensaio <strong>de</strong><br />

<strong>Teodicéia</strong> sobre a bonda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Deus, a<br />

liberda<strong>de</strong> do homem e a origem do mal<br />

(Essais <strong>de</strong> Théodicée sur la<br />

bonté <strong>de</strong> Dieu, la liberté <strong>de</strong><br />

l'homme et l'origine du mal),<br />

editado em1710, tratando <strong>de</strong> justificar a<br />

existência e bonda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Deus frente à<br />

realida<strong>de</strong> do mal.<br />

O termo <strong>Teodicéia</strong> surgiu <strong>de</strong> duas palavras gregas: o theós o θεός (Deus) e dixé δίκη<br />

(razão, justiça). Pouco a pouco a palavra foi empregada para <strong>de</strong>signar o conjunto das<br />

questões filosóficas relativas à existência e à natureza <strong>de</strong> Deus. É isto o que Aristóteles<br />

entendia sob o nome <strong>de</strong> Teologia (natural) e os Escolásticos sob o nome <strong>de</strong> Teologia Natural,<br />

isto é, ciência <strong>de</strong> Deus, obtida somente pelos recursos da razão natural. Definiremos então a<br />

<strong>Teodicéia</strong> como a ciência filosófica sobre Deus.<br />

<strong>Teodicéia</strong> como Ciência<br />

Definição objetiva do termo: A <strong>Teodicéia</strong> é uma ciência (cognitio certa per causas)<br />

sobre a existência e a natureza <strong>de</strong> Deus, baseada em fatos sensíveis e perceptíveis, explicados<br />

à luz dos fundamentos e princípios racionais.<br />

Ela é ciência, ainda que não exista concordância entre os cientistas acerca do que se<br />

enten<strong>de</strong> por ciência. Para os a<strong>de</strong>ptos do positivismo a ciência limita-se às disciplinas naturais<br />

e experimentais. Segundo eles, a metafísica não preenche os requisitos <strong>de</strong> uma ciência. Mas,<br />

se consi<strong>de</strong>rarmos a ciência como um sistema <strong>de</strong> conhecimentos adquiridos segundo um<br />

método e um objeto próprios, apresentado <strong>de</strong> forma sistemática, verificável por via racional<br />

ou experimental e possui um grau <strong>de</strong> evidência, po<strong>de</strong>mos chamar a teodicéia <strong>de</strong> ciência.


O Objeto <strong>de</strong> estudo da <strong>Teodicéia</strong><br />

Definição <strong>de</strong> objeto formal e material<br />

Objeto material é aquilo que é estudado, o ente que se busca conhecer.<br />

Objeto formal (quod) é aquele aspecto sob o qual algo é conhecido<br />

Objeto formal (quo) é o modo, a maneira com a qual é estudo o objeto material.<br />

Objeto material e formal da <strong>Teodicéia</strong><br />

Objeto material: o Ser Infinito, Absoluto, Deus.<br />

Objeto formal quod: Deus como Causa do ser e existir <strong>de</strong> todos os entes, como Primeiro<br />

princípio e fim último.<br />

Objeto formal quo: o modo como a razão tem acesso ao ser divino.<br />

Na <strong>Teodicéia</strong> Deus é objeto material <strong>de</strong> estudo, a criatura é objeto indireto, pois o<br />

ente finito é estudado na sua última razão <strong>de</strong> ser, que é Deus. A filosofia, portanto, estuda o<br />

ser em causa, o ente finito em relação a Deus, como uma explicação e razão do seu ser, ao<br />

passo que a Teologia revelada, estuda a Deus diretamente (revelação). Disto conclui-se que a<br />

Teologia e a <strong>Teodicéia</strong> possuem ao inverso os respectivos objetos formal e material:<br />

<strong>Teodicéia</strong>-OF: a criatura, por cuja relativida<strong>de</strong> se chega a Deus (OM).<br />

Teologia-OF: Deus que se revela à criatura.<br />

A primeira, parte da criatura para chegar a Deus; a segunda proce<strong>de</strong> <strong>de</strong> Deus para a<br />

criatura.<br />

A Natureza do Método<br />

O método da <strong>Teodicéia</strong> é simultaneamente experimental e racional, como o da<br />

metafísica.<br />

Método experimental: Nosso ponto <strong>de</strong> partida é o ser em geral, tal como a Ontologia<br />

no-lo apresenta em sua noção, suas proprieda<strong>de</strong>s, categorias e leis universais. Nosso método,<br />

por isso, tem suas raízes na plena experiência, pois é no próprio nível sensível que a<br />

inteligência compreen<strong>de</strong> o ser e suas raízes mais gerais. Estamos instalados <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o começo<br />

em plena realida<strong>de</strong>, no mais estrito sentido da palavra.<br />

Método racional: Devemos argumentar, a fim <strong>de</strong> que se chegue a explicar e precisar<br />

com a inteligência todas as riquezas implicadas no conhecimento <strong>de</strong> Deus como causa e<br />

princípio universal.<br />

A <strong>Teodicéia</strong> visa a certeza absoluta e se distingue da opinião, ela parte do sensível e<br />

por indução e argumentação abstrai as conclusões mais seguras segundo o movimento natural<br />

da inteligência, atingindo assim um grau satisfatório <strong>de</strong> evidência.<br />

Divisão da <strong>Teodicéia</strong>: Divi<strong>de</strong>-se em duas partes principais. A primeira se refere à<br />

<strong>de</strong>monstração da existência <strong>de</strong> Deus. A segunda se subdivi<strong>de</strong> em duas relativas à natureza<br />

divina e a ação ou operação divina.<br />

4


PRIMEIRA PARTE: A EXISTÊNCIA DE DEUS<br />

CAPÍTULO PRIMEIRO<br />

Demonstrabilida<strong>de</strong> da existência <strong>de</strong> Deus - Possibilida<strong>de</strong> e Necessida<strong>de</strong><br />

Não po<strong>de</strong>mos abordar o duplo problema da possibilida<strong>de</strong> e da necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma<br />

prova ou <strong>de</strong> uma <strong>de</strong>monstração da existência <strong>de</strong> Deus, antes <strong>de</strong> termos <strong>de</strong>finido aquilo <strong>de</strong> que<br />

se fala quando se usa a palavra Deus. Pesquisar se Deus existe, sem indagar previamente que<br />

este termo já esteja no espírito do homem como uma certa noção <strong>de</strong> Deus, seria uma pesquisa<br />

vã; pois não fazemos a nós mesmas perguntas sobre o que ignoramos absolutamente.<br />

Noção <strong>de</strong> Deus<br />

Definição da palavra Deus: Etimologicamente, a origem da palavra Deus (theós), é<br />

bastante incerta. Sua raiz parece ser thes que indicaria o ato <strong>de</strong> rezar, ou fundar, fundamentar.<br />

Porém, diversos filólogos <strong>de</strong>rivam a palavra theos <strong>de</strong> dhwesis (espírito, num ato <strong>de</strong> referência<br />

a um âmbito superior, até mesmo materialmente falando), já este termo viria <strong>de</strong> dhwes<br />

(respirar ou expirar).<br />

Por outro lado o radical El nas línguas semíticas evoca a idéia <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r e <strong>de</strong> força,<br />

referência à superiorida<strong>de</strong> (Elohim entre os hebreus, e Allah entre os árabes).<br />

A noção comum <strong>de</strong> Deus: Por incertas que sejam as etimologias da palavra Deus nas<br />

diferentes línguas, elas evocam sempre um ou outro dos atributos que compõe a noção<br />

comum <strong>de</strong> Deus: Ser supremo, distinto do mundo, que governa por seus po<strong>de</strong>res, e que<br />

merece o respeito e as homenagens dos homens. Esta noção bem mais comum no espaço e no<br />

tempo, como também ligada às diferentes formas religiosas que divi<strong>de</strong>m a humanida<strong>de</strong>,<br />

muitas vezes contidas nos relatos mitológicos que a obscurecem, <strong>de</strong>ixam transparecer os<br />

elementos essenciais.<br />

A noção filosófica <strong>de</strong> Deus: esta noção faz precisar os termos, para expressá-la, e<br />

todos os filósofos se esforçam para enquadrar nela as <strong>de</strong>finições <strong>de</strong> um Deus que é Ser<br />

Infinito, Perfeito, que existe por si, Causa suprema <strong>de</strong> tudo que é, Existência necessária,<br />

Perfeição infinita, Causalida<strong>de</strong> universal, Transcendência absoluta. Tais são os elementos<br />

essenciais da noção filosófica <strong>de</strong> Deus.<br />

Origem da idéia <strong>de</strong> Deus<br />

Muitos sociólogos contemporâneos, influenciados pelo postulado positivista, se<br />

esforçaram para explicar a origem da idéia <strong>de</strong> Deus por uma transformação progressiva <strong>de</strong><br />

noções essencialmente diferentes das que hoje se evoca para fazer referência a Deus.<br />

5


6<br />

É inegável que o fenômeno <strong>de</strong> crença na existência da divinda<strong>de</strong> é universal tanto no<br />

tempo como no espaço. Des<strong>de</strong> as origens do homem, às quais a ciência arqueológica po<strong>de</strong><br />

ter acesso se nota que os enterramentos dos homens nunca foram feitos como um <strong>de</strong>sfazer-se<br />

<strong>de</strong> matéria orgânica em estado <strong>de</strong> <strong>de</strong>composição, mas sempre foi realizada com respeito e na<br />

realização <strong>de</strong> rituais que marcavam aquele acontecimento. Este são traços <strong>de</strong> crença em algo<br />

que vai mais além do visível.<br />

Alguns autores consi<strong>de</strong>ram que as crenças na divinda<strong>de</strong> provêm da crença nos<br />

espíritos, na existência no homem <strong>de</strong> um principio que subsiste à morte. Essa parte não<br />

material do homem continuaria com subsistência própria e para honrá-la ou buscar sua<br />

proteção se daria certo culto a esses espíritos, <strong>de</strong> tal modo que o culto aos antepassados ou<br />

aos heróis mortos daria origem a semi<strong>de</strong>uses e <strong>de</strong>uses.<br />

Outros autores consi<strong>de</strong>ram que o conceito <strong>de</strong> divinda<strong>de</strong> surge da reflexão acerca das<br />

forças naturais incontroláveis, que vão pouco a pouco sendo espiritualizadas, divinizadas e<br />

personificadas.<br />

Na mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> apareceu a teoria <strong>de</strong> que a divinda<strong>de</strong>, e mais ainda os <strong>de</strong>uses<br />

concretos das religiões são projeção das energias e anseios do próprio homem. Nessa linha<br />

estão o sociólogo Durckheim e o filósofo Feuerbach.<br />

Essas teorias, do ponto <strong>de</strong> vista fático são inconsistentes e arbitrárias, se fundam<br />

numa visão baseada no I<strong>de</strong>alismo e reduzem a or<strong>de</strong>m lógica à histórica. Explicam<br />

verda<strong>de</strong>iramente apenas as formas, muitas vezes imperfeitas, que reveste a noção <strong>de</strong><br />

divinda<strong>de</strong>, segundo os lugares e as épocas. A causa propriamente dita da idéia <strong>de</strong> Deus<br />

proce<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma or<strong>de</strong>m diferente, porque aparece constantemente unida a um conjunto <strong>de</strong><br />

profundas intuições, para dar uma explicação do mundo, um sentido à vida humana. A idéia<br />

<strong>de</strong> Deus não é resultado <strong>de</strong> transformações históricas, más o principio <strong>de</strong>ssas transformações.<br />

Universalida<strong>de</strong> da idéia <strong>de</strong> Deus<br />

A idéia <strong>de</strong> Deus é universal. Atualmente é muito difícil constatar se na história da<br />

Humanida<strong>de</strong> existiu um estágio pre-religioso. Sempre o ateísmo surgiu como opção<br />

individual e geralmente como reação à religiosida<strong>de</strong> dominante. Um exemplo claro é o <strong>de</strong><br />

Sócrates acusado <strong>de</strong> ateu porque não cultuava os <strong>de</strong>uses cívicos.O ateísmo <strong>de</strong> gran<strong>de</strong>s grupos<br />

é um fenômeno mo<strong>de</strong>rno como o que se <strong>de</strong>u na ex-URSS e nos países do leste europeu<br />

subjugados pelos comunistas.<br />

Somente se tem noticia <strong>de</strong> um grupo <strong>de</strong> uma escola filosófica da Índia, fundada pelo<br />

filósofo Kapila, que possuía tendência ateístas, pois rejeitavam a doutrina da existência <strong>de</strong><br />

um <strong>de</strong>us criador. Também o Budismo puro não afirma e existência <strong>de</strong> uma divinda<strong>de</strong><br />

pessoal, o caminho budista levaria a um estado <strong>de</strong> paz (Nirvana).<br />

No século XIX, quase a totalida<strong>de</strong> dos etnólogos acreditava que o homem primitivo,<br />

cujas crenças conservaram-se nas práticas religiosas, passou do fetichismo (culto <strong>de</strong> objetos<br />

materiais como encarnação <strong>de</strong> um espírito ou possuidor <strong>de</strong> forças mágicas) e totemismo<br />

(sistema <strong>de</strong> crenças religiosas e sociais, <strong>de</strong>terminadas pelo totem -animal, vegetal ou<br />

qualquer objeto- consi<strong>de</strong>rado como ancestral e origem, e tratado como protetor) ao<br />

animismo. E explicavam como uma evolução conceitual até crenças mais <strong>de</strong>senvolvidas<br />

como seria o monoteísmo, <strong>de</strong> tal modo que para a qualificação do estado evolutivo <strong>de</strong> um<br />

povo o seu tipo <strong>de</strong> credo religioso seria <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> importância, mas esta consi<strong>de</strong>ração trata a<br />

toda religião como mero produto humano e social.<br />

Animismo: crença em que todas as forças da natureza estão impregnada <strong>de</strong> espíritos, ou são a<br />

manifestação <strong>de</strong> esses espíritos.


7<br />

Politeísmo: nasce da personificação das forças da natureza cultuadas no animismo. Acreditase<br />

em vários <strong>de</strong>uses e se da culto a todos eles.<br />

Monarquiteísmo: a pluralida<strong>de</strong> dos <strong>de</strong>uses do politeísmo é hierarquizada numa só figura ou<br />

um grupo, normalmente dois (um casal) ou três.<br />

Monolatrismo ou henoteísmo: não se nega a existência <strong>de</strong> outros <strong>de</strong>uses, mas se da culto tão<br />

somente a uma das divinda<strong>de</strong>s.<br />

Monoteísmo: crença num Deus único, que governa e dirige tudo.<br />

Outros conceitos:<br />

Panteísmo: doutrina segundo a qual tudo é Deus, Deus e o mundo são apenas um;<br />

Teísmo: admite a existência <strong>de</strong> um Deus pessoal, causa do mundo;<br />

Ateísmo: doutrina que consiste em negar a existência <strong>de</strong> Deus.<br />

Possibilida<strong>de</strong> e Necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Demonstração<br />

O objeto <strong>de</strong> nosso estudo, <strong>de</strong> modo diverso que o das <strong>de</strong>mais ciências, recebe um<br />

aparato crítico quanto a sua existência; isto por duas razões, porque Deus não é evi<strong>de</strong>nte para<br />

o homem, pois como sabemos nihil est in intellectu quod prius non fuerit in sensibus. A outra<br />

razão é que historicamente ha existido a negação tanto da existência <strong>de</strong> Deus, como da<br />

capacida<strong>de</strong> ou possibilida<strong>de</strong> do conhecimento humano ter acesso a ele.<br />

Ontologismo<br />

Os ontologistas sustentam que não é necessário <strong>de</strong>monstrar a existência <strong>de</strong> Deus por<br />

ser ela imediatamente evi<strong>de</strong>nte, e não se <strong>de</strong>monstra a evidência, ela vale por si só.<br />

Por ontologismo enten<strong>de</strong>mos todas as doutrinas que professam que Deus é o objeto<br />

<strong>de</strong> um conhecimento intuitivo. Essa tese foi <strong>de</strong>fendida <strong>de</strong> formas diversas, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a visão <strong>de</strong><br />

Deus até a teoria da revelação <strong>de</strong> Deus na própria experiência religiosa.<br />

A idéia do Infinito ou do Perfeito: Este argumento é proposto por Descartes e foi<br />

utilizado por Malebranche. Descartes baseava na presença em nós <strong>de</strong>sta idéia uma<br />

<strong>de</strong>monstração <strong>de</strong> existência <strong>de</strong> Deus: nada há, dizia, em nós ou fora <strong>de</strong> nós, que possa<br />

explicar esta idéia, porque somos finitos e imperfeitos e tudo o que conhecemos é finito. A<br />

idéia <strong>de</strong> perfeito e infinito, somente po<strong>de</strong> ser explicada pela existência <strong>de</strong> um Ser perfeito,<br />

que a colocou em nós quando nos criou.<br />

Nicolas Malebranche<br />

Malebranche retoma este argumento,<br />

dando-lhe uma forma estritamente<br />

ontologista. A presença em nós da idéia <strong>de</strong><br />

infinito, diz, revela a união imediata <strong>de</strong><br />

nosso espírito com Deus, porque não po<strong>de</strong><br />

ser algo <strong>de</strong> criado, visto como tudo o que é<br />

criado é infinito. Se temos então a idéia <strong>de</strong><br />

infinito é porque vemos a Deus: a idéia <strong>de</strong><br />

infinito é a forma mesma <strong>de</strong> nossa visão<br />

<strong>de</strong> Deus e <strong>de</strong> nossa visão <strong>de</strong> todas as<br />

coisas em Deus. Para Malebranche "vemos


todas as coisas em Deus". Todavia,<br />

acrescenta que não é a própria essência<br />

divina que vemos, ou pelo menos, não a<br />

8<br />

vemos em sua simplicida<strong>de</strong> e seu ser<br />

absoluto, mas somente enquanto relativa<br />

às criaturas.<br />

Essa teoria <strong>de</strong>senvolveu-se até a afirmação <strong>de</strong> que o primum cogitum, o primeiro<br />

conhecido é o ser, entendido como o ser abstrato e universal, comum, antes que o modo <strong>de</strong><br />

ser; teríamos uma intuição do ser que se i<strong>de</strong>ntificaria com o Ser divino, sendo que a mesma<br />

condição sine qua non do conhecimento é esta intuição primordial do ser divino. O ser divino<br />

seria a primeira idéia captada, a luz na qual vemos todas as coisas. Antes mesmo <strong>de</strong> conhecer<br />

cada coisa e no mesmo ato <strong>de</strong> conhecer-las conhecemos atematicamente o ser divino, que é<br />

original e originário, fonte <strong>de</strong> todos os <strong>de</strong>mais conhecimentos, dos que é base e sustentáculo,<br />

sendo assim totalmente inecessário qualquer prova da existência divina posto que é evi<strong>de</strong>nte.<br />

Mais recentemente esta doutrina foi <strong>de</strong>fendida por Gioberti e Rosmini.<br />

Tradicionalismo<br />

O tradicionalismo nasceu na França no século XIX, tese <strong>de</strong>fendida por Lamennais,<br />

que ressalta que só existe uma regra <strong>de</strong> verda<strong>de</strong>, que é o consentimento universal ou senso<br />

comum, o qual se baseia na tradição: o que recebemos e apren<strong>de</strong>mos é a verda<strong>de</strong>, verda<strong>de</strong><br />

que está em todos aqueles conhecimentos que são compartilhados por todos os homens.O<br />

conhecimento <strong>de</strong> Deus é um <strong>de</strong>sses, ainda mais, é um dos conhecimentos mais seguros, pois<br />

não há povo que o negue. Somente po<strong>de</strong>ríamos negar sua existência negando o valor da<br />

razão, ou seja, do sentido comum.<br />

Esta tese nega a capacida<strong>de</strong> da razão <strong>de</strong> ter um fazer verda<strong>de</strong>ira ciência, ou seja,<br />

conhecer as causas últimas. O consentimento universal não tem valor por si, mas unicamente<br />

pelas razões que o fundamentam.<br />

Fi<strong>de</strong>ísmo<br />

Defen<strong>de</strong> que Deus não po<strong>de</strong> ser conhecido pela razão, mas somente pela fé. A razão<br />

nada nos ensina sobre a natureza das coisas, ela apenas po<strong>de</strong> classificar e formular as<br />

aparências. A verda<strong>de</strong> absoluta obtém-se através <strong>de</strong> uma faculda<strong>de</strong> superior especial, que só<br />

entra em ação tomando por base a revelação sobrenatural.<br />

A posição fi<strong>de</strong>ísta injuria a razão que encontra a sua mais perfeita expressão na arte<br />

da <strong>de</strong>monstração, que dos efeitos se eleva às causas. Santo Tomás, criticando o pensamento<br />

fi<strong>de</strong>ísta diz que a <strong>de</strong>monstração tirada dos efeitos sensíveis não é perfeita, mas suficiente para<br />

conhecer a Deus como causa dos efeitos.<br />

Agnosticismo<br />

Agnosticismo é a doutrina que consi<strong>de</strong>ra toda a metafísica com fútil, afirmando que o<br />

conhecimento humano é limitado a poucos aspectos fenomênicos da realida<strong>de</strong>. O<br />

agnosticismo não é uma doutrina homogênea, mas toma diversos matizes tendo sempre a<br />

<strong>de</strong>sconfiança na razão como característica principal.<br />

Protágoras: "Sobre os <strong>de</strong>uses, ignoro se existem ou não, que figura têm, e ainda que se<br />

conhece não po<strong>de</strong>ria falar <strong>de</strong>les". Propriamente não realiza uma negação, mas ignora o<br />

problema.


9<br />

Hume: Para Hume todo conhecimento é sensível e fenomênico e "os únicos objetos das<br />

ciências abstratas ou <strong>de</strong> <strong>de</strong>monstrações são números e figuras". Seu critério empírico <strong>de</strong><br />

sentido impe<strong>de</strong> que se conheça qualquer coisa que esteja além da manifestação sensível, pois<br />

tudo que vai além do empírico é um sem sentido já que não temos como conhecer uma<br />

realida<strong>de</strong> assim. Ele afirma "Examinemos nossas bibliotecas. Que estragos teríamos que<br />

fazer! Peguemos qualquer livro, por exemplo, sobre Deus ou sobre metafísica. Teríamos que<br />

perguntar-nos: Reflete sobre números ou tamanhos? Não. Reflete sobre algo <strong>de</strong> experiência<br />

ou fato <strong>de</strong> existência? Não. Então, joguemo-lo no fogo! Um livro assim não tem mais que<br />

fogos <strong>de</strong> artifício e mentiras".<br />

Kant: A crítica kantiana a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma <strong>de</strong>monstração da existência <strong>de</strong> Deus por via<br />

teórica se fundamenta na sua teoria da existência e em sua epistemologia. Um conhecimento<br />

somente é tal se tem realida<strong>de</strong> objetiva ao que se correspon<strong>de</strong>, isto é, se foi captado sob as<br />

formas a priori <strong>de</strong> tempo e espaço sendo constituído em fenômeno o qual é categorizado<br />

como conceito pela unida<strong>de</strong> transcen<strong>de</strong>ntal.<br />

Comte: her<strong>de</strong>iro do empirismo <strong>de</strong> Hume afirma que "toda proposição que não é estritamente<br />

reduzível à simples enunciado <strong>de</strong> um fato, particular ou geral, não po<strong>de</strong> ter nenhum sentido<br />

real ou inteligível". A evolução <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o estado teológico e metafísico ao estado positivo<br />

propugna a negação da possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> chegar a noções absolutas e as causas, limitando-se<br />

somente a explicar os fatos e fenômenos.<br />

Wittgenstein, na herança do positivismo que se renova no século XX no neopositivismo,<br />

segue o principio <strong>de</strong> verificabilida<strong>de</strong> do Circulo <strong>de</strong> Viena. Afirma que o mundo está<br />

constituído pelo conjunto dos fatos fenomênicos, o conjunto das proposições constitui a<br />

linguajem. Assim somente tem sentido aquelas proposições que se referem a fenômenos,<br />

estes são os que fundamentam a ciência. Qualquer proposição metafísica não é verda<strong>de</strong>ira<br />

nem falsa, simplesmente não tem nenhum sentido. No seu segundo período Wittgenstein<br />

chega a admitir que se po<strong>de</strong> falar <strong>de</strong>ssas realida<strong>de</strong>s supra-sensíveis, pois é inegável que são<br />

fonte <strong>de</strong> conhecimento, mas não <strong>de</strong> ciência. De Deus se po<strong>de</strong> falar como <strong>de</strong> uma experiência<br />

inefável, ou seja, que as palavras não conseguem <strong>de</strong>screver, a linguajem mística. Afirma que<br />

"não existe um saber acerca <strong>de</strong> Deus, mas existe uma certeza sobre Deus”.<br />

Ateísmo<br />

É a doutrina que consiste em negar a existência <strong>de</strong> Deus. O ateísmo po<strong>de</strong> ser prático<br />

ou teórico. O prático é o daquela pessoa que se comporta como se Deus não existisse (Etsi<br />

Deus non daretur), sem se importar com a questão <strong>de</strong> sua existência. O ateísmo prático se<br />

confun<strong>de</strong> muitas vezes com o indiferentismo.<br />

Já o ateísmo teórico é aquele no qual se nega a existência <strong>de</strong> Deus. Si é resultado <strong>de</strong><br />

um processo discursivo, negando a existência <strong>de</strong> Deus como conclusão <strong>de</strong> um processo<br />

intelectual, estamos diante do ateísmo teórico positivo. Se simplesmente se nega a Deus sem<br />

nenhuma argumentação se dá o ateísmo teórico negativo.<br />

A diferença dos ateus <strong>de</strong> épocas passadas (versão sofística, materialista, racionalista,<br />

iluminista) o ateísmo contemporâneo é um ateísmo postulatório, isto é, a superfluida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

Deus seria o pressuposto para a possibilida<strong>de</strong> da plena realização do homem. Assim surge a<br />

negação <strong>de</strong> Deus como o ponto <strong>de</strong> partida para a afirmação do homem.


Nietzsche<br />

leva o homem sobre si mesmo pregando o<br />

reino do super-homem, que é somente<br />

humano. A base para que o homem possa<br />

livrar-se da escravidão das barreiras,<br />

inclusive do bem e do mal, é a morte <strong>de</strong><br />

Deus, tão pregoada pelo mesmo<br />

E<br />

Nietzsche. Sua afirmação "se existisse<br />

Deus, eu seria Deus, logo Deus não<br />

existe", ou em outro momento, "Eu revelo<br />

todo meu coração, meus amigos. Se<br />

existisse Deus, como eu suportaria não sêlo?".<br />

A morte <strong>de</strong> Deus, assassinado pelos<br />

homens, <strong>de</strong>ixa o trono da divinda<strong>de</strong> se<strong>de</strong><br />

vacante para que o homem possa ocupálo.<br />

A não existência <strong>de</strong> Deus é preenchida pelo homem que com sua vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r<br />

<strong>de</strong>ve elevar-se até a total auto-afirmação, num in<strong>de</strong>finido acrescentamento <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r. O<br />

orgulho, a hybris, o "sereis como <strong>de</strong>uses" constituem a vida do homem que nessa inquietu<strong>de</strong><br />

progressiva e incurável <strong>de</strong>ve viver e morrer.<br />

Sartre<br />

Dostoyevisk já tinha escrito que "se Deus não existisse, tudo estaria permitido". Essa<br />

liberda<strong>de</strong> pura é o que quer Sartre ao afirmar que o homem "está con<strong>de</strong>nado a ser livre".<br />

Declara: "ainda que Deus existisse, isso não mudaria nada... Não é que acreditemos que Deus<br />

existe, mas pensamos que o problema não é sobre sua existência, mas que é necessário que o<br />

homem se encontre e se convença <strong>de</strong> que nada po<strong>de</strong>r salvar-lhe". Para Sartre Deus seria<br />

incompatível com o homem, pois o homem é pura liberda<strong>de</strong> e Deus seria a negação <strong>de</strong>ssa<br />

liberda<strong>de</strong> pura, pois nos limitaria, nos <strong>de</strong>terminaria, e sus vigilância constante nos impediria<br />

<strong>de</strong> sermos nós mesmo. Disto po<strong>de</strong>ria argumentar que o homem existe, logo Deus não existe.<br />

Para Sartre o homem é uma existência que prece<strong>de</strong> a essência, não existe a natureza humana.<br />

O homem é fundamentalmente <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> ser Deus.<br />

CAPÍTULO SEGUNDO<br />

AS PROVAS DA EXISTÊNCIA DE DEUS<br />

Foram propostas múltiplas provas da existência <strong>de</strong> Deus. Mas, sem contar que muitas<br />

<strong>de</strong>las não parecem ter um valor absolutamente <strong>de</strong>cisivo e por isto <strong>de</strong>vem ser afastadas. Aliás,<br />

po<strong>de</strong>ríamos pensar que, no fundo, há apenas uma prova da existência <strong>de</strong> Deus, a qual obtêm<br />

da contingência radical do ser e visa estabelecer que este não se po<strong>de</strong> explicar <strong>de</strong> uma<br />

maneira a<strong>de</strong>quada, na sua realida<strong>de</strong> e nas suas manifestações diversas, senão por um ser que<br />

10


11<br />

existe por si mesmo. As provas <strong>de</strong> Deus não são, pois, más que aspectos do mesmo<br />

argumento fundamental.<br />

Po<strong>de</strong>-se distinguir dois grupos <strong>de</strong> provas da existência <strong>de</strong> Deus: o das Provas<br />

Metafísicas e o da Provas Morais, conforme essas provas partam da realida<strong>de</strong> objetiva do<br />

universo, ou da realida<strong>de</strong> moral. Na realida<strong>de</strong>, toda prova <strong>de</strong> Deus é metafísica, uma vez que<br />

a existência <strong>de</strong> Deus não é, propriamente, objeto <strong>de</strong> apreensão intuitiva e não po<strong>de</strong> ser<br />

<strong>de</strong>monstrada, a não ser com a ajuda dos princípios metafísicos.<br />

Para ter acesso às coisas po<strong>de</strong>mos, em base do nosso conhecimento, seguir três<br />

formas <strong>de</strong> argumentação.<br />

A priori: quando da essência conhecida <strong>de</strong>duzo os atributos (entre eles a existência), ou da<br />

causa os efeitos;<br />

A simultâneo: quando se conhece simultaneamente, pela mesma essência seus atributos:<br />

A posteriori: quando se conhece a essência por mediação dos atributos, ou a causa, por seus efeitos.<br />

O ARGUMENTO ONTOLÓGICO<br />

Santo Anselmo expõe suas provas<br />

no Monologium e no Proslogion.<br />

O argumento exposto no<br />

Proslogion era conhecido pelos<br />

Escolásticos como a ratio Anselmi. Por<br />

causa <strong>de</strong> Kant começou a ser chamado<br />

argumento ontológico.<br />

Argumento:<br />

(Deus est) id quo maius cogitari non<br />

potest<br />

est quo maius cogitari potest<br />

id quo maius cogitari nequit<br />

Pela fé ou pelo ouvido possuímos a idéia <strong>de</strong> Deus como um ser sem comparação ao qual<br />

não se po<strong>de</strong> conceber outro maior. Mas o ser sobre o qual não se po<strong>de</strong> conceber outro maior não<br />

po<strong>de</strong> estar apenas no entendimento <strong>de</strong> quem o concebe, pois, se estivesse apenas no<br />

entendimento, po<strong>de</strong>r-se-ia pensá-lo como existindo também na realida<strong>de</strong>, e existir na realida<strong>de</strong> é<br />

mais do que existir apenas no entendimento. Logo, se o ser em comparação ao qual não se po<strong>de</strong><br />

conceber outro maior só existisse no entendimento, ele seria excedido pelo que existe também na<br />

realida<strong>de</strong> e, por conseguinte, não seria o máximo pensável. Está fora <strong>de</strong> dúvida, pois, que um ser<br />

que não se po<strong>de</strong> pensar outro maior, não só no entendimento, mas também na realida<strong>de</strong>, existe.


Esquema<br />

1 - A idéia que temos <strong>de</strong> Deus é a <strong>de</strong> um ser maior que o qual não é possível pensar outro. Seria<br />

contraditório dizer que po<strong>de</strong> existir um ser maior que Deus infinito, pois não é possível algo<br />

maior que o infinito.O máximo pensável é omniperfeito.<br />

2 - Certamente, existir na mente não significa existir na realida<strong>de</strong>. Mas no caso da idéia <strong>de</strong> Deus<br />

as coisas são <strong>de</strong> outro modo, pois aquilo maior que o qual não po<strong>de</strong> ser pensado outro não po<strong>de</strong><br />

estar somente na inteligência. Se o máximo pensável não existisse na realida<strong>de</strong> não seria o<br />

máximo pensável, já que se po<strong>de</strong>ria pensar um ser maior, ou seja, um que a<strong>de</strong>mais <strong>de</strong> existir na<br />

inteligência existisse também na realida<strong>de</strong>. O máximo pensável não po<strong>de</strong> ser somente uma idéia,<br />

ou estar somente na inteligência, pois se está só na inteligência po<strong>de</strong> pensar-se que existe na<br />

realida<strong>de</strong>, o que seria maior.<br />

3 -O máximo pensável é Deus.<br />

a) Se Deus não existisse na realida<strong>de</strong> se estaria pensando um absurdo, pois o maior que se<br />

po<strong>de</strong> pensar não seria o maior que se po<strong>de</strong> pensar.<br />

b) A existência é uma perfeição que compete ao ser mais perfeito sobre o qual não po<strong>de</strong> ser<br />

pensado outro mais perfeito.<br />

c) Não é necessário que nosso pensamento pense o mais perfeito, pois nosso pensamento não<br />

po<strong>de</strong> pensá-lo, mas justamente nesse ato <strong>de</strong> buscar pensá-lo se revela sua realida<strong>de</strong>.<br />

Refutação ao argumento:<br />

Problemática<br />

Limite mental: não po<strong>de</strong>mos dizer que chegamos apensar o ser mais perfeito. Se fosse assim<br />

nossa inteligência o abarcaria. Há uma ilimitação na mente humana que permite ao homem ir<br />

sempre mais além. E a realida<strong>de</strong> do ser que se busca é sempre maior.<br />

Salto mental: essa idéia <strong>de</strong> ser mais perfeito não po<strong>de</strong> ficar circunscrita na mente humana, acaba<br />

saltando para o âmbito real, mas este salto é válido? Essa existência é real ou somente lógica?<br />

Argumento-Pensamento: Ao negar a capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> pensar o ser maior, se coloca um limite na<br />

mente, limite que não existe, ao aceitar a existência extramental se produz um salto a uma<br />

existência imprópria do ser divino e, <strong>de</strong> algum modo, subordinada à mente.<br />

Alguns filósofos a favor do argumento:<br />

São Boaventura: “Se Deus é Deus, Deus existe”. “Se Deus existe, (e Deus existe), logo Deus<br />

existe”.<br />

Duns Scoto: Se não é contraditório Deus existe. É omniperfeito, tem a existência, existe.<br />

12


Descartes: “Clara e distintamente vemos que a existência é perfeição própria <strong>de</strong> Deus, (logo)<br />

Deus existe”<br />

Leibniz: “Se Deus é possível, Deus existe”. Não somente é possível, mas reúne em si toda<br />

possibilida<strong>de</strong>, perfeição.<br />

Alguns em contra:<br />

Santo Tomás<br />

Critica em três pontos:<br />

Faz a passagem in<strong>de</strong>vida da or<strong>de</strong>m lógica à ontológica, real;<br />

Nem todos têm a idéia <strong>de</strong> Deus como <strong>de</strong> um ser perfeito, pois os antigos consi<strong>de</strong>ravam como<br />

Deus as criaturas;<br />

A existência não acrescenta nada ao conceito <strong>de</strong> ser perfeito. Transporta somente da esfera<br />

subjetiva à objetiva.<br />

Kant<br />

A existência é uma das formas <strong>de</strong> categorização a priori, que somente po<strong>de</strong> referir-se aos<br />

conceitos proce<strong>de</strong>ntes das formas a priori <strong>de</strong> espaço e tempo. Não po<strong>de</strong>mos tirar <strong>de</strong> um<br />

pseudoconceito o que ele não po<strong>de</strong> dar <strong>de</strong> si.<br />

AS CINCO VIAS DE SANTO TOMÁS DE AQUINO<br />

13<br />

Começaremos nosso estudo e a<br />

or<strong>de</strong>m <strong>de</strong>stes argumentos a posteriori <strong>de</strong><br />

Santo Tomás <strong>de</strong> Aquino, na Summa<br />

Theologiae (I parte, questão 2ª, artigo 3).<br />

Estas cinco vias fundamentadas,<br />

respectivamente sobre o movimento, a<br />

causalida<strong>de</strong>, a contingência, os graus <strong>de</strong><br />

perfeição e a finalida<strong>de</strong> compõem o mais<br />

clássico na argumentação sobre a<br />

existência divina.


14<br />

As cinco vias se encontram estruturadas nas Summa Theologiae e fazem parte da<br />

doutrina sacra. Elas têm um só ponto <strong>de</strong> partida e <strong>de</strong> chegada; as coisas finitas e contingentes<br />

conduzem Àquele que em pleno sentido da palavra é aquele que é.<br />

Santo Tomás aceitou e aperfeiçoou a metafísica <strong>de</strong> Aristóteles. Os conceitos<br />

<strong>de</strong>correntes das cinco vias- idéia <strong>de</strong> ente atual e potencial, movimento mudança, seres<br />

or<strong>de</strong>nados, causa e efeito, ser necessário e possível, atributos transcen<strong>de</strong>ntais (verda<strong>de</strong>,<br />

bonda<strong>de</strong>), or<strong>de</strong>m finalística das coisas, são estritamente ligados à metafísica <strong>de</strong> Aristóteles.<br />

Em todas as cinco vias o ponto <strong>de</strong> partida é o mundo sensível, on<strong>de</strong> encontramos<br />

alguma limitação existencial. Recorre ao princípio <strong>de</strong> não-contradição e <strong>de</strong> razão suficiente.<br />

Portanto, quem não aceita a metafísica aristotélico-tomista, dificilmente encontrará nelas<br />

uma força <strong>de</strong> persuasão, limitando-se a apenas um valor histórico.<br />

As provas possuem uma moldura física. Têm conceitos próprios como a idéia <strong>de</strong><br />

movimento, não no sentido físico, más metafísico, passagem da potência para o ato.<br />

As provas <strong>de</strong> Santo Tomás não são fáceis. Ele mesmo é consciente disto, quando<br />

confessa na obra Contra Gentiles, que sem a revelação divina, poucos teriam acesso ao<br />

conhecimento <strong>de</strong> Deus e mesmo assim levariam muito tempo para conhecê-lo.<br />

Todas as cinco vias diferenciam-se pelo ponto <strong>de</strong> partida más todas ten<strong>de</strong>m ao mesmo<br />

fim, quer dizer, preten<strong>de</strong>r <strong>de</strong>monstrar que Deus existe. Em cada uma <strong>de</strong>las Ele recebe nomes<br />

diferentes: Primeiro Motor, Causa Primeira, Ente Necessário, Ente Perfeitíssimo, Or<strong>de</strong>nador<br />

Inteligente. Entre elas há gran<strong>de</strong>s semelhanças, <strong>de</strong> forma que po<strong>de</strong>ria falar <strong>de</strong> uma única<br />

prova pela qual do ente finito passamos à afirmação <strong>de</strong> que existe um Ser ilimitado.<br />

Princípios Fundamentais<br />

Princípio <strong>de</strong> não-contradição – uma coisa não po<strong>de</strong> ser e não ser ao mesmo tempo sob o<br />

mesmo aspecto.<br />

Principio <strong>de</strong> razão suficiente – nenhum ser contingente po<strong>de</strong> ter a causa (intrínseca) <strong>de</strong> ser<br />

em si mesmo, mas tem a causa em outro (extrínseca).<br />

Esquema das Provas <strong>de</strong> Santo Tomás<br />

Santo Tomás <strong>de</strong>monstra a existência <strong>de</strong> Deus, analisando atentamente cinco<br />

fenômenos que apresentam sinais claros <strong>de</strong> contingência, isto é, <strong>de</strong> insuficiência ontológica:<br />

movimento (vir-a-ser), causalida<strong>de</strong> ou <strong>de</strong>pendência causal, os seres possíveis, os graus <strong>de</strong><br />

perfeição e a or<strong>de</strong>m das coisas.<br />

A estrutura das cinco vias é uniforme e é <strong>de</strong> uma simplicida<strong>de</strong> exemplar, consta <strong>de</strong><br />

quatro momentos:<br />

1. Fenômeno: percebe-se um <strong>de</strong>terminado fenômeno (movimento, <strong>de</strong>pendência causal,<br />

contingência, graus <strong>de</strong> perfeição, or<strong>de</strong>m ou finalismo).<br />

2. Caractere Relativo: evi<strong>de</strong>ncia-se a contingência do fenômeno e sua <strong>de</strong>pendência: o<br />

que é movido por outro é movido, as causas são, por sua vez, causadas, o contingente<br />

recebe ser do outro, os graus <strong>de</strong> perfeição recebem a perfeição do perfeitíssimo, a<br />

or<strong>de</strong>m postula sempre uma inteligência.<br />

3. Série infinita: <strong>de</strong>monstra-se que a realida<strong>de</strong> como se apresenta na sua contingência<br />

não se explica recorrendo a uma série infinita dos fenômenos relativos.<br />

4. Conclusão: conclui-se dizendo que a única explicação válida do contingente é Deus.<br />

PRIMEIRA VIA: PELO MOVIMENTO


Movimento – vir-a-ser, passagem da potência ao ato, é movimento metafísico, não é uma<br />

mudança espacial, física, biológica ou psíquica.<br />

O Argumento:<br />

É certo e verificado pelos sentido, que alguns seres são movidos neste mundo.<br />

Ora, todo movimento, por outro o é. Porque nada é movido senão enquanto ser<br />

potencial, relativamente àquilo que é movido, e um ser move enquanto ato. Pois mover não é<br />

senão levar alguma coisa <strong>de</strong> potência a ato, assim, por exemplo: o cálido atual, como o fogo,<br />

torna a ma<strong>de</strong>ira cálida potencial em cálida atual, e <strong>de</strong> essa maneira a move e a altera. Ora,<br />

não é possível uma coisa estar em ato e potência, no mesmo ponto <strong>de</strong> vista, más só em<br />

pontos <strong>de</strong> vista diversos. Pois o cálido atual não po<strong>de</strong> simultaneamente ser cálido potencial,<br />

más é frio em potência. Logo é impossível uma coisa ser motora e movida ou mover-se a si<br />

própria, no mesmo ponto <strong>de</strong> vista e do mesmo modo, pois tudo que é movido há <strong>de</strong> se-lo por<br />

outro. Se, portanto, o motor se move, é necessário que seja movido por outro, e este por<br />

outro.<br />

Ora, não se po<strong>de</strong> proce<strong>de</strong>r até o infinito, porque não haveria nenhum primeiro motor<br />

e, por conseqüência, outro qualquer, pois os motores segundos não movem, senão movidos<br />

pelo primeiro, como não move o báculo sem ser movido pela mão.<br />

Logo, é necessário chegar a um primeiro motor, que por nenhum outro é movido, ao<br />

qual todos dão o nome <strong>de</strong> Deus.<br />

Formulação abreviada<br />

1- No mundo e em nós percebemos muitas mudanças.<br />

2- Tudo que é sujeito a qualquer mudança passa <strong>de</strong> potência ao ato. Ora, uma coisa não<br />

po<strong>de</strong> estar em potência e em ato ao mesmo tempo e, quando muda não o faz por si<br />

mesmo, <strong>de</strong>ve <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>r do outro, e este <strong>de</strong> outro.<br />

3- Na série dos entes que mudam não se po<strong>de</strong> ir ao infinito.<br />

4- É necessário aceitar a existência do Primeiro Motor.<br />

Explicação do argumento<br />

O ponto <strong>de</strong> partida da prova é o fato <strong>de</strong> vir-a-ser, tornar-se. Quando uma característica<br />

ou um ente ainda não existe, porém está em mudança o chamamos <strong>de</strong> potencial. O ente que<br />

age está em ato. Entre o ente em ato e a coisa que <strong>de</strong>verá aparecer há a ação e a passagem <strong>de</strong><br />

estado potencial ao estado atual. Surge assim um novo ente.<br />

O ente que é sujeito ao movimento é em estado potencia, existe apenas na or<strong>de</strong>m do<br />

pensamento, na possibilida<strong>de</strong> e não na realida<strong>de</strong>. O ente que realiza o movimento, mudança,<br />

está em ato. É absurdo pensar que o ente em potência e o ente em ato sejam a mesma coisa.<br />

Omne quod movetur ab alio movetur. Cada ente que se move é movido por outro. O<br />

ente que ainda não existe e <strong>de</strong>pois começa a existir não po<strong>de</strong> aparecer por si mesmo. Isto<br />

seria contrário ao principio <strong>de</strong> razão suficiente. Nada passa do seu não ser ao ser por si<br />

mesmo, nem negativamente por espontaneida<strong>de</strong> casual, nem positivamente agindo sobre si<br />

mesmo.Como po<strong>de</strong> agir sobre si mesmo algo que ainda não existe?<br />

A conclusão é, portanto a seguinte: é impossível que a coisa ao mesmo tempo seja<br />

movida e movedora. O ente que se move é movido por outro.<br />

Os princípios consi<strong>de</strong>rados têm como base os princípios da razão suficiente e <strong>de</strong> não<br />

contradição.<br />

15


16<br />

A série infinita dos motores subordinados po<strong>de</strong> ser entendida em duplo sentido:<br />

temporal e atual, infinita no tempo e infinita atualmente. Série infinita no tempo significa que<br />

nunca encontraríamos o primeiro Motor se formos retroce<strong>de</strong>ndo infinitamente ao passado.<br />

Série infinita atualmente quer dizer que atualmente há uma série <strong>de</strong> motores subordinados,<br />

<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes uns dos outros no presente momento da ação <strong>de</strong> uns sobre os outros. Na prova<br />

Santo Tomás usa o conceito da série infinita <strong>de</strong> motores atualmente. Não <strong>de</strong>scarta a idéia <strong>de</strong><br />

eternida<strong>de</strong> do mundo. Mesmo se o mundo fosse eterno, seu movimento exigiria eternamente<br />

um primeiro motor.<br />

A atual e infinita série dos motores subordinados não tem em si a razão <strong>de</strong> existir e<br />

por isso é consi<strong>de</strong>rada irracional, é absurdo. Na hipótese da série dos entes subordinados sem<br />

um primeiro, totalmente in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte, todos seriam <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes, pois sempre receberiam<br />

algo.Todos seriam subordinados, porque sem o primeiro não teria em si a razão suficiente<br />

para existir. Desta maneira na serie infinita como um todo <strong>de</strong>veria existir sua razão, ou pelo<br />

menos <strong>de</strong> um elo. Todos os entes sempre receberiam sem ter um do qual receber. Tal série é<br />

então impossível.<br />

Assumindo os argumentos anteriores como verda<strong>de</strong>iros, é lógico compreen<strong>de</strong>r a<br />

existência do Primeiro Motor.<br />

Corolário<br />

Por corolário enten<strong>de</strong>mos aquilo que se <strong>de</strong>duz <strong>de</strong> uma <strong>de</strong>monstração prece<strong>de</strong>nte,<br />

como uma espécie <strong>de</strong> superávit ou ganho extraordinário.<br />

O que se po<strong>de</strong> dizer sobre o ser que aqui <strong>de</strong>nominamos Primeiro Motor?<br />

1- Ele é imóvel: Não há nele passagem da potência ao ato, nem <strong>de</strong> uma perfeição para<br />

outra maior.<br />

2- É infinitamente perfeito: Tem em si, por sua essência a razão <strong>de</strong> ser e contém todas as<br />

perfeições: bonda<strong>de</strong>, verda<strong>de</strong>, beleza, po<strong>de</strong>r, justiça, ser. Sob cada ponto <strong>de</strong> vista <strong>de</strong>ve<br />

ser totalmente in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte.<br />

3- É ato puro: Possui a plenitu<strong>de</strong> <strong>de</strong> ser sem nenhuma composição.<br />

4- É um ser espiritual: A matéria é essencialmente corruptível, composta, imperfeita e<br />

limitada no espaço.<br />

5- É inteligente e livre: A inteligência e a liberda<strong>de</strong> são atributos dos seres espirituais.<br />

6- É eterno: uma vez que é absolutamente imóvel.<br />

7- É onipotente: Como princípio do vir-a-ser universal, <strong>de</strong>ve estar presente por seu<br />

po<strong>de</strong>r a tudo aquilo que se move, a todo o universo.<br />

A SEGUNDA VIA: CAUSALIDADE<br />

Causa eficiente: é aquela que por sua real e física ação, provoca o surgimento <strong>de</strong> um novo<br />

ente.<br />

O Argumento<br />

A segunda via proce<strong>de</strong> da natureza da causa eficiente. Descobrimos que há certa<br />

or<strong>de</strong>m das causas eficiente nos seres sensíveis.<br />

Porém, não concebemos, nem é possível que uma coisa seja causa eficiente <strong>de</strong> si<br />

própria, pois seria anterior a si mesma, o que não po<strong>de</strong> ser.<br />

Mas, é impossível, nas causas eficientes proce<strong>de</strong>r-se ao infinito, pois todas as causas<br />

eficientes or<strong>de</strong>nadas, a primeira é causa da média e esta da última, seja a média muitas ou


17<br />

uma só, e como removida a causa, removido fica o efeito, se nas causas eficientes não houver<br />

causa primeira, não haverá média nem última. Proce<strong>de</strong>ndo-se ao infinito, não haverá primeira<br />

causa eficiente, nem efeito último, nem causas eficiente medias, o que evi<strong>de</strong>ntemente é falso.<br />

Logo, é necessário admitir uma causa eficiente primeira, à qual todos dão o nome <strong>de</strong><br />

Deus.<br />

Explicação do argumento<br />

1- No mundo observamos e experimentamos o fato do surgimento <strong>de</strong> novos entes,<br />

sendo estes o efeito <strong>de</strong> causas or<strong>de</strong>nadas que o causaram.<br />

É preciso distinguir a causa da ocasião ou condição. Causa eficiente é unida à idéia do<br />

efeito e da sua recíproca <strong>de</strong>pendência.<br />

2- O termo causa eficiente está também ligado ao princípio <strong>de</strong> razão suficiente, pois<br />

nada se explica por si mesmo. O que ainda não é, não po<strong>de</strong> ser causa <strong>de</strong> seu ser. Nenhum<br />

ente po<strong>de</strong> ser causa e feito <strong>de</strong> seu ser ao mesmo tempo, o que feriria o principio <strong>de</strong> não<br />

contradição.<br />

3 – É impossível prolongar ao infinito a série <strong>de</strong> causas eficientes. Como na primeira<br />

via, aqui também é consi<strong>de</strong>rada a causalida<strong>de</strong> no sentido atual e não tanto temporal. Santo<br />

Tomás não exclui a possibilida<strong>de</strong> da eternida<strong>de</strong> do mundo. Mesmo se o mundo fosse eterno,<br />

eternamente exigiria uma causa. O mundo todo, composto <strong>de</strong> causas exclusivamente<br />

subordinadas umas às outras não tem em si a razão suficiente <strong>de</strong> seu ser. Como o todo<br />

exigiria uma causa.<br />

4 – Admitindo as conclusões acima é imprescindível aceitar a existência <strong>de</strong> uma<br />

Causa Primeira.<br />

Características da Causa Primeira<br />

1- A Causa primeira é transcen<strong>de</strong>nte a todas as séries causais. Ela não po<strong>de</strong> ser um<br />

elemento na série causal. Se ela fosse apenas o primeiro elemento, seria necessário<br />

explicar como este primeiro elemento teria começado a ser causa.<br />

2- É necessário que a Causa Primeira domine todas as outras.<br />

3- Que seja incausada e incriada, para ser Primeira.<br />

Objeção ao argumento<br />

Tem-se pretendido muitas vezes opor a este argumento a hipótese <strong>de</strong> uma causalida<strong>de</strong><br />

circular, que dizer, <strong>de</strong> uma causalida<strong>de</strong> recíproca dos elementos do universo, em que a<br />

matéria se transformasse em energias diversas, para voltar em seguida ao seu estado original<br />

e assim por diante, in<strong>de</strong>finidamente (hipótese <strong>de</strong> certos filósofos gregos, que não tinham<br />

noção da criação, e mo<strong>de</strong>rnamente por Nietzche).<br />

Ora, mesmo que encontrasse um fundamento para esta hipótese, ela não alteraria o<br />

alcance da prova pela causalida<strong>de</strong>: que a evolução seja circular ou linear, isto não se refere<br />

senão a transmissão, e não à fonte da causalida<strong>de</strong>. Ficaria por explicar a existência do<br />

universo, concebido como um todo.<br />

TERCEIRA VIA: EXISTÊNCIA DOS SERES CONTINGENTES<br />

Ser contingente (ser possível). Ente que não tem razão suficiente para ser, ou seja, não tem<br />

em si a causa <strong>de</strong> sua existência (intrínseca).


18<br />

Ser necessário. Ente que tem em si a razão suficiente para ser, ou seja, sua existência não<br />

tem causa no outro (extrínseca), mas tem causa em si mesmo (intrínseca).<br />

O Argumento<br />

1- A terceira via proce<strong>de</strong> do possível e do necessário. Vemos que certas coisas<br />

po<strong>de</strong>m ser e não ser, po<strong>de</strong>ndo ser geradas e corrompidas.<br />

2- Impossível é existirem sempre todos os seres <strong>de</strong> tal natureza, pois o que po<strong>de</strong> não<br />

ser, algum tempo não foi. Se, portanto todas as coisas po<strong>de</strong>m não ser, algum<br />

tempo nenhuma existia. Mas, se tal fosse verda<strong>de</strong>, ainda agora nada existiria,<br />

pois, o que não é só po<strong>de</strong> começar a existir por uma coisa existente. Nenhum ente<br />

existindo, é impossível que algum comece a existir, e, portanto, nada existiria, o<br />

que evi<strong>de</strong>ntemente é falso. Logo, nem todos os seres são possíveis, mas é forçoso<br />

que algum <strong>de</strong>ntre eles seja necessário. Tudo o que é necessário ou tem <strong>de</strong> fora a<br />

causa da sua necessida<strong>de</strong> ou não tem.<br />

3- Mas não é possível proce<strong>de</strong>r ao infinito, nos seres contingentes, que tem a causa<br />

da própria necessida<strong>de</strong>, como também o não é nas causas eficientes, como já se<br />

<strong>de</strong>monstrou.<br />

4- Por on<strong>de</strong> é forçoso admitir um ser necessário, não tendo fora a causa da sua<br />

necessida<strong>de</strong>, antes, sendo a causa da necessida<strong>de</strong> dos outros, e tal se, todos o<br />

chamam <strong>de</strong> Deus.<br />

Explicação do argumento<br />

1. A contingência das coisas:<br />

O contingente é tudo o que é provisório, relativo, corruptível. E tudo o que é, mas<br />

po<strong>de</strong>ria não ser. Vemos as coisas nascerem e acabarem. A ciência nos diz que outras também<br />

começaram. Há coisas compostas, que exigem, para explica-las uma causa da unida<strong>de</strong>.<br />

2. Dependência do contingente ao Necessário: as coisas contingentes não têm em si a<br />

razão da sua existência. Ba luz do princípio da razão suficiente é preciso buscar a explicação<br />

no outro ser. O outro, que também é contingente, <strong>de</strong>ve ter num outro a sua razão <strong>de</strong> ser.<br />

3. Não é possível prosseguir ao infinito. Devemos chegar a um ente que tenha em si<br />

mesmo a razão da sua existência, quer dizer, um ser necessário que exista por si, e pelo qual<br />

todos os outros existam.<br />

4. A este ser necessário, todos o chamam Deus.<br />

Características do Ser Necessário<br />

1. Não po<strong>de</strong> não existir, e existe por si mesmo.<br />

2. Existe por sua própria natureza. Existindo por outro, seria sujeito à contingência, não seria<br />

o primeiro.<br />

3. Não tem nenhuma imperfeição ontológica.<br />

4. Deve ter a plenitu<strong>de</strong> do ser sem nenhuma mistura <strong>de</strong> potencialida<strong>de</strong>.<br />

5. Deve ser imutável, espiritual.


Objeções ao argumento<br />

Os panteístas admitem, este raciocínio, mas não a sua conclusão. Para eles, o ser<br />

necessário não seria um Deus pessoal, mas o próprio mundo, tomado em seu conjunto, e<br />

concebido por eles como um ser único e infinito.<br />

Mas esta doutrina vai, evi<strong>de</strong>ntemente, contra a razão. Com efeito, o todo, que é a<br />

soma das partes, não po<strong>de</strong> ser <strong>de</strong> uma natureza diferente das partes. O mundo é composto <strong>de</strong><br />

seres contingentes. Logo, ele é também contingente e, assim como cada uma das suas partes,<br />

não existe por si mesmo. Portanto, sua existência, para ser inteligível, postula a existência <strong>de</strong><br />

um ser que existe por si e que é Deus.<br />

QUARTA VIA: GRAUS DE PEFEIÇÃO DOS SERES<br />

O Argumento<br />

A quarta via proce<strong>de</strong> dos graus que se encontram nas coisas. Assim, nelas se<br />

encontram em proporção maior e menor o bem, a verda<strong>de</strong>, a nobreza e outros atributos<br />

semelhantes.<br />

O mais e o menos se dizem <strong>de</strong> diversos atributos enquanto se aproximam <strong>de</strong> um<br />

máximo, diversamente. Assim, o mais cálido é o que mais se aproxima do maximamente<br />

cálido. Há, portanto, algo verda<strong>de</strong>iríssimo, ótimo, nobilíssimo e, por conseguinte,<br />

maximamente ser, pois as coisas maximamente verda<strong>de</strong>iras são maximamente seres, como<br />

diz o Filósofo.<br />

O que é maximamente tal, em um gênero, é causa <strong>de</strong> tudo o que esse gênero<br />

compreen<strong>de</strong>, assim o fogo, maximamente cálido, é causa <strong>de</strong> todos os cálidos, como no<br />

mesmo lugar se diz. Logo, há um ser, causa do ser, e <strong>de</strong> bonda<strong>de</strong>, e <strong>de</strong> qualquer perfeição em<br />

tudo que existe, e chama-se Deus.<br />

Explicação do argumento<br />

Na prova são consi<strong>de</strong>radas as perfeições transcen<strong>de</strong>ntais: ser, verda<strong>de</strong>, unida<strong>de</strong>,<br />

beleza, e não as perfeições mistas ou aci<strong>de</strong>ntais: vista, audição, movimento.<br />

Como se apresentam os graus <strong>de</strong> perfeição nos diversos seres?<br />

Exemplo: A Unida<strong>de</strong>: O uno é a indivisão do ente em si mesmo, é o ente enquanto<br />

indiviso e distinto dos outros seres. A unida<strong>de</strong> comporta graus no sentido <strong>de</strong> que, quanto<br />

mais simples e menos composto é um ente, mais perfeita, compacta e sólida é a sua unida<strong>de</strong>,<br />

quanto mais composto o ente, menos perfeita e estável é a sua unida<strong>de</strong>. O grau supremo <strong>de</strong><br />

unida<strong>de</strong> é o do ente em que não há nenhuma composição e distinção real. Tal ente só po<strong>de</strong><br />

ser Deus.<br />

QUINTA VIA: PELA ORDEM DO MUNDO<br />

O Argumento<br />

1. A quinta via proce<strong>de</strong> do governo das coisas. Pois, vemos que algumas, como os corpos<br />

naturais carecem <strong>de</strong> conhecimento, operam em vista <strong>de</strong> um fim, o que se conclui <strong>de</strong> operarem<br />

sempre ou freqüentemente do mesmo modo, para conseguirem o que é ótimo, don<strong>de</strong><br />

resultam, que chegam ao fim, não pelo acaso, mas pela intenção.<br />

2. Mas os seres sem conhecimento não ten<strong>de</strong>m ao fim sem ser dirigidos por um ente<br />

conhecedor e inteligente, como a flecha, pelo arqueiro.<br />

19


20<br />

3. Logo, há um ser inteligente, pelo qual todas as coisas naturais se or<strong>de</strong>nam ao fim, e que<br />

chamamos Deus.<br />

Explicação do argumento<br />

1- Em toda natureza, especialmente no mundo dos seres vivos, observamos o finalismo<br />

interno e organizado segundo leis fixas.<br />

2- Este finalismo não po<strong>de</strong> ser explicado somente pelas forças internas (imanentes), mas<br />

indica uma real inteligência superior.<br />

3- Este inteligência ou é a Plenitu<strong>de</strong> do Ser, ou é <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte e, então, exige a existência<br />

<strong>de</strong> um Ser Perfeito, quer dizer, Deus. Logo, o finalismo nos conduz ao<br />

reconhecimento <strong>de</strong> Deus que <strong>de</strong>u à natureza uma or<strong>de</strong>m racional, inteligente.<br />

Característica do Argumento<br />

A prova tem o nome <strong>de</strong> teleológica, do grego telos–fim, ou pela or<strong>de</strong>m do mundo, ou<br />

do governo das coisas.<br />

O ponto <strong>de</strong> partida difere um pouco das outras, porque Deus é concebido pela<br />

inteligência or<strong>de</strong>nadora da or<strong>de</strong>m do mundo.<br />

O material tirado da natureza é aqui mais abundante. Quanto mais conhecermos as<br />

leis da natureza, tanto mais forte base terá a argumentação, não a ignorância das causas<br />

eficientes e sim a sua existência comprovada nos levam ao conhecimento do finalismo na<br />

natureza.<br />

Como outras provas o aspecto do caráter metafísico é baseado no principio <strong>de</strong> razão<br />

suficiente.<br />

A dificulda<strong>de</strong> principal é que nem todos reconhecem a objetivida<strong>de</strong> do principio do<br />

finalismo.<br />

Representantes das Ciências Naturais<br />

Entre os representantes da ciência positiva encontramos personagens eminentes<br />

fascinados pela harmonia das coisas.<br />

Newton afirma a existência <strong>de</strong> Deus na base do finalismo reinante da natureza: “Tudo<br />

é tão bem organizado, como claramente aparece nos fenômenos da natureza, que <strong>de</strong>ve existir<br />

um ente incorporal, vivo, inteligente e onipresente”. E continua: “O que é que preenche os<br />

espaços livres da matéria, e <strong>de</strong> on<strong>de</strong> vem o sol, os planetas se atraem reciprocamente,... O<br />

que proíbe que as estrelas não caiam sobre si? De que modo os corpos dos animais foram<br />

construídos e pensados e para que servem suas partes e componentes? Será que o olho foi<br />

feito sem conhecer a ótica e o ouvido sem conhecer a acústica? Como acontece que o<br />

movimento dos corpos obe<strong>de</strong>ce á vonta<strong>de</strong> e <strong>de</strong> on<strong>de</strong> o instinto dos animais”.<br />

A Newton se juntam Volt, Ampere, Planc, Fleming e outros.<br />

Adversários do finalismo<br />

Embora a maioria dos cientistas mo<strong>de</strong>rnos reconhece Deus como autor do universo, o<br />

principal adversário do finalismo é o <strong>de</strong>terminismo mecânico que encontra suas expressões<br />

nas teorias do panteísmo, materialismo, agnosticismo evolucionismo.<br />

Mesmo Spinoza nega a existência <strong>de</strong> Deus, nega a or<strong>de</strong>m final do mundo: “tudo é<br />

<strong>de</strong>terminado pela natureza <strong>de</strong> Deus e foi feito para ser e existir <strong>de</strong> modo <strong>de</strong>terminado”.<br />

O positivismo exclui o finalismo como algo que escapa ao conhecimento sensível.


21<br />

Os evolucionistas, longe <strong>de</strong> admitir uma or<strong>de</strong>m, ou um plano anterior, consi<strong>de</strong>ram o<br />

processo do mundo como ação progressiva das forças e dos elementos entre si.<br />

Os físicos mo<strong>de</strong>rnos, porém, cada vez mais <strong>de</strong>sconfiam do cego mecanismo na<br />

organização do mundo (H. Driesch, A Carrel).<br />

A Razão Suficiente do Finalismo das Leis Naturais<br />

Constatado o fato do finalismo na estrutura das coisas e na ação que nos permite<br />

afirma que este finalismo é imanente, mas não <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> das coisas em si, pois estas não são<br />

dotadas <strong>de</strong> inteligência, resta investigar <strong>de</strong> on<strong>de</strong> provém este estado <strong>de</strong> coisas. Há finalismo<br />

nas coisas, mas não <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> das coisas, é extrínseco é dotada <strong>de</strong> estas leis, mas ela não as<br />

formula nem impõe a si mesma.<br />

Como resposta aparecem três hipóteses: o acaso, as causas eficientes, reconhecimento<br />

<strong>de</strong> um inteligência suprema.<br />

Hipótese do Acaso<br />

O acaso tem como característica e inconstância e a irregularida<strong>de</strong>.<br />

Po<strong>de</strong>ria explicar até uma formação, tal como se apresenta, no longuíssimo processo<br />

evolutivo, mas não explica a sua constância. O que caracteriza a harmonia vigente é a<br />

universalida<strong>de</strong> e constância. Po<strong>de</strong> explicar uma or<strong>de</strong>m aci<strong>de</strong>ntal e parcial, mas não uma<br />

or<strong>de</strong>m que governa inumeráveis casos, e quer perpetua, seja no interior dos seres, seja em<br />

suas relações mútuas, com uma constância invariável.<br />

Exclusão da suficiência das causas últimas<br />

Os simpatizantes com esta hipótese retém que tudo é possível explicar pelo influxo<br />

das causas eficientes necessárias. Até a vida apareceria como o resultado dos processos<br />

químicos. As substâncias químicas, impulsionadas por uma força cega, sem nenhuma<br />

previsão do resultado, produzem centenas <strong>de</strong> seres e grupos <strong>de</strong> plantas e animais. Nem o<br />

olho, nem o ouvido surgiram para servirem à vida psicológica, mas simplesmente as forças<br />

cegas causaram que um certo grupo <strong>de</strong> coisas <strong>de</strong>vem ver e ouvir.<br />

Os mesmos, porém, afirmam que na natureza há um fenômeno pseudo-finalístico<br />

quando dizem que a seleção (motor da evolução) trabalha para o maior bem <strong>de</strong> cada espécie.<br />

Com isto formulam a conclusão que no fundo a matéria age segundo um “plano escondido”.<br />

Reconhecimento da inteligência suprema em relação à natureza<br />

A teoria das forças cegas é cada vez mais abandonada e os mesmos cientistas se<br />

inclinam a reconhecer uma or<strong>de</strong>m não casual.<br />

A ciência se ocupa com a codificação dos fenômenos, catalogação das leis, explicar o<br />

“como” das coisas. Permanece sempre a pergunta “porque” e assim, qual a origem.<br />

Quem é ela? Um Ser pessoal? Absoluto? Infinito?<br />

Demonstrada a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma Inteligência or<strong>de</strong>nadora não é difícil constatar que<br />

esta <strong>de</strong>ve ser real e não i<strong>de</strong>al, uma idéia abstrata. Deve ter caráter objetivo, <strong>de</strong>ve existir. Não<br />

dá para explicar o funcionamento or<strong>de</strong>nado do mundo por meio <strong>de</strong> uma idéia abstrata.<br />

Recorremos aqui ao principio <strong>de</strong> razão suficiente. Perguntamos se esta Inteligência é<br />

ainda <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte ou já possui em si a razão suficiente <strong>de</strong> ser. Chegamos assim à Primeira<br />

Causa. Esta <strong>de</strong>ve ser absoluta, em si, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte. Esta inteligência or<strong>de</strong>nadora e<br />

in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte é Deus.


ARGUMENTOS MORAIS<br />

Ao longo da história foram formuladas outras provas ou <strong>de</strong>monstrações da existência<br />

<strong>de</strong> Deus. Examinaremos algumas <strong>de</strong>las, que enquadramos sob o título <strong>de</strong> argumentos morais,<br />

pois não seguem o caminha rígido <strong>de</strong> uma <strong>de</strong>monstração que vai do efeito á causa numa<br />

tentativa <strong>de</strong> <strong>de</strong>dução; no nosso caso, mais que atingir a razão, se busca atingir o coração, sem<br />

excluir a razão, mostrando por postulados ou por necessida<strong>de</strong> vital a existência d´Aquele que<br />

é nossa felicida<strong>de</strong>, que fundamenta a justiça, a verda<strong>de</strong> <strong>de</strong> nosso conhecimento, Aquele que<br />

sempre <strong>de</strong>ixa sua marca entre nós e que a alguns dá testemunho especial <strong>de</strong> Si mesmo.<br />

ARGUMENTO EUDEMONOLÓGICO<br />

Esta é a prova pelo <strong>de</strong>sejo natural <strong>de</strong> felicida<strong>de</strong> que tem todo homem. Aquelas<br />

famosas palavras <strong>de</strong> Santo Agostinho ao inicio das Confissões, “fizeste-nos para ti, e<br />

inquieto está o nosso coração, enquanto não repousa em ti”. A aspiração, o <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong><br />

felicida<strong>de</strong>, natural em todo homem, supõe a existência do que se aspira, é assim que o<br />

homem sente por natureza o <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> <strong>de</strong>us, porque Ele é sua felicida<strong>de</strong>. Po<strong>de</strong>ríamos<br />

formular o argumento do seguinte modo: Todo homem quer ser feliz, mas nada no mundo<br />

realiza totalmente o homem, logo ou <strong>de</strong>ve haver algo que o realize, ou ele seria um ser<br />

absurdo, <strong>de</strong>stinado à frustração. Como os <strong>de</strong>sejos mais intrínsecos correspon<strong>de</strong>m à natureza<br />

do homem e tem uma resposta, esta resposta <strong>de</strong>ve existir, e essa resposta é Deus.<br />

Como argumento in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte não tem valor <strong>de</strong>monstrativo da existência <strong>de</strong> Deus. A<br />

frase <strong>de</strong> Santo Agostinho é verda<strong>de</strong>ira, mas supõe já <strong>de</strong>monstrada a existência <strong>de</strong> <strong>de</strong>us,<br />

também é verda<strong>de</strong> que Deus é a felicida<strong>de</strong> do homem e que ele naturalmente <strong>de</strong>seja a Deus,<br />

mas isso não é propriamente uma argumentação, mas somente uma certa probabilida<strong>de</strong>.<br />

ARGUMENTO DEONTOLÓGICO<br />

Também chamado prova pela consciência moral. Apresenta-se sob dois aspectos<br />

diferentes. O primeiro diz respeito ao fato da obrigação moral e do <strong>de</strong>ver.O segundo invoca a<br />

necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma sanção <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m moral e baseia-se sobre o princípio <strong>de</strong> finalida<strong>de</strong>.<br />

Obrigação Moral<br />

O argumento baseado sobre o fato da obrigação moral consiste em mostrar que o<br />

<strong>de</strong>ver, isto é, a obrigação absoluta que se impõe ao homem, <strong>de</strong> realizar o bem honesto ou o<br />

bem racional, só se po<strong>de</strong> explicar como uma participação em nós, da Lei eterna, isto é, <strong>de</strong><br />

Deus, como primeiro bem em si, fundamento <strong>de</strong> toda obrigação e Legislador Supremo.<br />

De fato, não é possível explicar a obrigação moral nem pelo indivíduo, que está<br />

dominado pela lei do <strong>de</strong>ver e que não po<strong>de</strong>, <strong>de</strong> maneira nenhuma, <strong>de</strong>la libertar-se, nem pela<br />

socieda<strong>de</strong>, que não tem po<strong>de</strong>r, a não ser sobre o exterior e não sobre a consciência, e que não<br />

tem autorida<strong>de</strong> senão pela lei moral, nem pela própria lei, que é apenas um efeito da<br />

obrigação moral, por conseguinte, o pressupõe longe <strong>de</strong> fundamenta-la (ao menos, na or<strong>de</strong>m<br />

natural), em outros termos, é o bem ou a obrigação moral que explica o <strong>de</strong>ver e que explica o<br />

bem. É preciso, pois, para explicar o fato da obrigação moral, recorrer à Vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> um<br />

Legislador Supremo, que seja princípio ao mesmo tempo <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m física e moral, enquanto<br />

22


23<br />

que a or<strong>de</strong>m <strong>de</strong> direito resulta da or<strong>de</strong>m essencialmente das coisas. O Legislador supremo é,<br />

pois, necessariamente, Criador e Soberano, Senhor <strong>de</strong> todas as coisas.<br />

Refutação do Argumento<br />

1. Vem da escola sociológica e consiste em explicar a obrigação moral pelo hábito ou<br />

pela hereditarieda<strong>de</strong>, resultando ela própria <strong>de</strong> uma longa pressão da socieda<strong>de</strong> sobre<br />

os indivíduos. Será suficiente notar aqui que o essencial da tese durkheiminiana<br />

resume-se nesta argumentação <strong>de</strong> uma lógica discutível: a moral é para a socieda<strong>de</strong>,<br />

portanto, ela é pela socieda<strong>de</strong>. Há aí um paralogismo duplo: por um lado, com efeito,<br />

a socieda<strong>de</strong> não é o fim total e <strong>de</strong>rra<strong>de</strong>iro da moral, por outro, pelo fato <strong>de</strong> ser ela fim<br />

(parcial), não po<strong>de</strong>mos concluir que ela seja causa eficiente.<br />

2. A outra objeção incrimina o argumento <strong>de</strong> petição <strong>de</strong> princípio. Por isso mesmo, dizseque<br />

se <strong>de</strong>fine a consciência moral, como consciência <strong>de</strong> obrigação, dá-se a noção <strong>de</strong><br />

Legislador que o argumento simula <strong>de</strong>duzir logicamente. Na realida<strong>de</strong>, a idéia <strong>de</strong><br />

obrigação moral já supõe, pelo menos confusamente, a existência <strong>de</strong> um ser supremo,<br />

fim ultimo do homem e primeiro da or<strong>de</strong>m moral. Esta objeção invoca, com justa<br />

razão, um conhecimento virtual, confuso, da existência do Legislador, como<br />

implicada no sentido da obrigação moral. Mas este conhecimento confuso explica-se<br />

pelas próprias razões que o argumento apenas precisa discursivamente. Não há, pois,<br />

petição <strong>de</strong> princípio, mas interpretação metafísica do fato que <strong>de</strong>fine sua essência a<br />

consciência moral e também explicitação do raciocínio pelo qual esta consciência<br />

orienta-se, espontaneamente, para o bem transcen<strong>de</strong>nte, vivo e pessoal, que é o único<br />

que po<strong>de</strong> explicar o que ela é.<br />

A sanção moral<br />

O argumento baseado na necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma sanção moral está entre os mais<br />

célebres. Platão foi o primeiro a dar-lhe forma sistemática da seguinte maneira: a or<strong>de</strong>m<br />

moral exige que haja uma sanção equivalente ao bem e ao mal, mas é evi<strong>de</strong>nte que as<br />

sanções <strong>de</strong>sta terra não são suficientes, é preciso, portanto, que haja um outro Ser capaz <strong>de</strong><br />

realizar, noutra vida, a harmonia da virtu<strong>de</strong> e da felicida<strong>de</strong>. Kant retomou este argumento<br />

como sendo o mais capaz <strong>de</strong> gerara fé racional na existência <strong>de</strong> Deus (cf. Crítica da razão<br />

Prática, I, <strong>II</strong>, cap. V). Ele observa, entretanto que, se a crença em Deus que <strong>de</strong>le resulta é<br />

subjetivamente suficiente, ela permanece objetivamente insuficiente por não termos a<br />

evidência do princípio, que faz o nervo do argumento, e segundo o qual “o justo <strong>de</strong>ve ser<br />

perfeitamente feliz”.<br />

A observação <strong>de</strong> Kant, não é sem valor. O argumento postula que a virtu<strong>de</strong> <strong>de</strong>ve ser<br />

recompensada. Mas acaso é preciso, para assegurar-se do valor <strong>de</strong>ste princípio, conhecer <strong>de</strong><br />

antemão a existência <strong>de</strong> Deus? Não cremos, porque esta reclamação da justiça e da or<strong>de</strong>m é<br />

ela própria um caso <strong>de</strong> consciência do qual é legítimo partir. Somente para lhe dar sua força e<br />

sue alcance, é preciso apelar para o principio <strong>de</strong> finalida<strong>de</strong> e mostrar que, se as reclamações<br />

da consciência moral <strong>de</strong>viam ser frustradas, o universo inteiro seria apenas um puro absurdo.<br />

ARGUMENTO IDEOLÓGICO OU PROVA PELAS VERDADES ETERNAS


24<br />

O argumento das verda<strong>de</strong>s eternas foi particularmente <strong>de</strong>senvolvido por Santo<br />

Agostinho, e, <strong>de</strong>pois, no século XV<strong>II</strong>, pelos cartesianos. Kant, por seu lado, na sua<br />

Dissertação <strong>de</strong> 1763, sobre O único fundamento possível da existência <strong>de</strong> Deus, <strong>de</strong>clarava<br />

que, a seu ver, o argumento das verda<strong>de</strong>s eternas era a única prova válida <strong>de</strong> Deus.<br />

Prova Agostiniana<br />

O ponto <strong>de</strong> partida da prova é constituído pelas verda<strong>de</strong>s eternas. Que existem tais<br />

verda<strong>de</strong>s é o que <strong>de</strong>monstra a análise do conhecimento e <strong>de</strong> suas condições. Vemos, com<br />

efeito, que a verda<strong>de</strong> é in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte do espírito: não somente as essências das coisas são<br />

eterna e imutavelmente verda<strong>de</strong>iras, mas, ainda, cada vez que julgamos, em qualquer or<strong>de</strong>m<br />

que seja, nós nos referimos a normas que transcen<strong>de</strong>m nosso espírito e que se impõem, em<br />

comum, a todas as inteligências. Assim, julgamos o próprio espírito, segundo a verda<strong>de</strong> que<br />

o me<strong>de</strong> e recebemos a verda<strong>de</strong> como uma norma imutável, imperecível, eterna.<br />

Mas, on<strong>de</strong> resi<strong>de</strong>m, pois, estas verda<strong>de</strong>s e esta fonte <strong>de</strong> verda<strong>de</strong>? A verda<strong>de</strong> não está<br />

em nenhum lugar, porque não é corpórea. Não está nas coisas em <strong>de</strong>vir, porque ela não<br />

muda.Não está nas inteligências finitas, porque estas inteligências não fazem a verda<strong>de</strong> e esta<br />

subsiste ao seu <strong>de</strong>saparecimento, como precedia o seu nascimento. Ela não po<strong>de</strong>, portanto,<br />

residir senão numa Inteligência infinita, subtraída as condições <strong>de</strong> tempo e espaço, porque os<br />

caracteres da verda<strong>de</strong> não são inteligíveis, senão por uma Verda<strong>de</strong> subsistente, que é o<br />

próprio Deus. A verda<strong>de</strong>, em efeito, sendo propriamente o que é <strong>de</strong>ve i<strong>de</strong>ntificar-se com<br />

Aquele que é, e sendo o supremo bem, ela <strong>de</strong>ve i<strong>de</strong>ntificar-se com Aquele que é nosso<br />

supremo bem. (cf. Santo Agostinho, De Immortalitate animae, cap. C<strong>II</strong>, n. 19 e De Vera<br />

religione, cap. XXXVI, n. 66).<br />

ARGUMENTO HISTÓRICO OU CONSENSUAL<br />

O Argumento<br />

A idéia <strong>de</strong> Deus não é uma idéia reservada aos filósofos e aos sábios, em uma noção<br />

mo<strong>de</strong>rna, ou um elemento da civilização oci<strong>de</strong>ntal. É uma idéia universal, no tempo e no<br />

espaço. Em todas as latitu<strong>de</strong>s e em todas as culturas, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> as origens até nossos dias, os<br />

homens, sábios ou ignorantes, afirmaram sua crença na existência <strong>de</strong> um Chefe Soberano do<br />

Universo. Nem as mitologias, tantas vezes estranhas em exprimir a crença em Deus, nem o<br />

ateísmo, pretenso ou real, que se encontra na história, sobretudo contemporânea, po<strong>de</strong>m valer<br />

contra o fato <strong>de</strong> consentimento moralmente unânime do gênero humano.<br />

Refutação do argumento<br />

Não se po<strong>de</strong> dizer simplesmente que a universalida<strong>de</strong> da crença em Deus prova sua<br />

existência. Até Copérnico, os homens acreditavam unanimemente que o sol girava em torno<br />

da Terra: isto não prova <strong>de</strong> forma alguma a realida<strong>de</strong> <strong>de</strong> um tal movimento.Mas esta<br />

unanimida<strong>de</strong> prova suficientemente que razões sérias e graves existiam em favor <strong>de</strong> uma tal<br />

opinião.<br />

Assim também ocorre no caso da universalida<strong>de</strong> da crença em Deus. Essa<br />

universalida<strong>de</strong> significa que há razões po<strong>de</strong>rosas e acessíveis a todas as inteligências, em<br />

favor da crença em Deus. Mas não atesta a objetivida<strong>de</strong> da mesma existência por via<br />

racional.


ARGUMENTO PELA EXPERIÊNCIA MÍSTICA<br />

Bérgson, para quem, em razão <strong>de</strong> seu nominalismo, as provas metafísicas da<br />

existência <strong>de</strong> Deus partem <strong>de</strong> uma “ilusão fundamental”, baseia-se apenas na experiência<br />

para estabelecer, como certeza, a existência <strong>de</strong> Deus. Daí <strong>de</strong>corre seu apelo aos místicos, o<br />

que lhe permite apresentar o seguinte argumento.<br />

O Argumento<br />

Gran<strong>de</strong>s almas religiosas como São Paulo, São Francisco <strong>de</strong> Assis, Santa Teresa,<br />

etc... afirmam ter entrado em contato experimental com Deus, <strong>de</strong> uma maneira que<br />

certamente ultrapassa os meios humanos <strong>de</strong> expressão, mas on<strong>de</strong> elas gozaram da irresistível<br />

evi<strong>de</strong>ncia da presença <strong>de</strong> Deus. Po<strong>de</strong>mos tachar isto <strong>de</strong> ilusão; mas é preciso ver tudo o que<br />

esta explicação acumula <strong>de</strong> dificulda<strong>de</strong>s, quando se trata <strong>de</strong> espíritos lúcidos, sãos, <strong>de</strong><br />

caracteres <strong>de</strong> uma retidão e lealda<strong>de</strong> absolutas, <strong>de</strong> pessoas cuja vida foi para o bem <strong>de</strong> uma<br />

prodigiosa fecundida<strong>de</strong>. Na realida<strong>de</strong>, toda esta experiência do divino, culminando nos<br />

gran<strong>de</strong>s místicos cristãos, é absolutamente inexplicável, sem o recurso a Deus. Po<strong>de</strong>mos<br />

admitir, é verda<strong>de</strong>, que tal místico se tenha enganado, mas seria realmente impossível que<br />

todos se enganassem e nos enganassem, falando-nos com tanta força e convicção, sobre as<br />

mesmas realida<strong>de</strong>s sobrenaturais que eles conheceram por experiência absolutamente<br />

pessoais e incomunicáveis.<br />

Devemos, portanto, concluir que, na unanimida<strong>de</strong> dos gran<strong>de</strong>s místicos cristãos em<br />

<strong>de</strong>screver suas experiências, há “o signo <strong>de</strong> uma i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> <strong>de</strong> intuição” ou, mais<br />

exatamente, <strong>de</strong> uma i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> <strong>de</strong> experiência que não se explica bem, a não ser pela<br />

existência real do Ser, como o qual (os místicos) acreditavam estar em comunicação.<br />

Refutação do Argumento<br />

Este argumento, no conceito bergsoniano, não parece ter valor, porque seu alcance é<br />

discutido pelos próprios princípios <strong>de</strong> Bergson. Como se baseia sobre a experiência mística,<br />

embora unânime não po<strong>de</strong> dar certeza objetiva. “A experiência mística, <strong>de</strong>ixada a si mesma -<br />

escreve ele - não po<strong>de</strong> trazer ao filósofo a certeza <strong>de</strong>finitiva”.<br />

Doutrina da Igreja Católica sobre o conhecimento natural <strong>de</strong> Deus<br />

A doutrina da Igreja é apenas uma norma negativa para o estudo da <strong>Teodicéia</strong>, pois<br />

ela difere da Teologia, para qual a Revelação é interpretada pela Igreja, e é norma positiva.<br />

Vale lembrar, porém, o que a igreja diz a respeito, como testemunho, e que, <strong>de</strong> alguma<br />

forma, facilitando trabalho do filósofo.<br />

α – O Concilio Vaticano I, na Constituição Dogmática sobre a Fé Católica, sessão <strong>II</strong>I, ano<br />

1870: “A Igreja crê e ensina, que Deus, início e fim <strong>de</strong> todas as coisas, po<strong>de</strong> ser conhecido,<br />

com certeza, através das coisas criadas com recurso à luz natural da razão”.<br />

β – Na Encíclica Pascendi, <strong>de</strong> 1907, ensina São Pio X, diante do agnosticismo, contra a<br />

seguinte opinião dos mo<strong>de</strong>rnistas:<br />

“A razão humana limita-se exclusivamente, no sue po<strong>de</strong>r cognoscitivo, aos fenômenos, que<br />

dizer, às coisas perceptíveis sensivelmente e na sua forma fenomenológica, não tem direito<br />

25


26<br />

nem po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> ultrapassar este limite, e, portanto, não é capaz <strong>de</strong> elevar-se até Deus, nem<br />

conhecer sua existência nem que seja na base daquilo que se vê”.<br />

γ – No juramento antimo<strong>de</strong>rnista <strong>de</strong> 1910, posto por São Pio X, lemos que Deus não apenas<br />

po<strong>de</strong> ser conhecido, mas “como causa, pelos efeitos provados, com ajuda da luz natural da<br />

razão, a partir das cosias criadas”.<br />

δ – Encíclica Studiorum ducem <strong>de</strong> 1923 <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>ndo os argumentos <strong>de</strong> Santo Tomás.<br />

ε - Na Encíclica Humani generis (1950), <strong>de</strong> Pio X<strong>II</strong>,a Igreja confessa o quanto “aprecia a<br />

razão humana, capaz <strong>de</strong> provar, com certeza, a existência do único e pessoal Deus pessoal”.<br />

ζ – O Concílio Vaticano <strong>II</strong>, Constituição Dogmática De revelatione (Dei Verbum), do 18 <strong>de</strong><br />

novembro <strong>de</strong>1965, repete a <strong>de</strong>claração do Concílio Vaticano I sobre o conhecimento <strong>de</strong><br />

Deus.<br />

η – Na Carta Encíclica Fi<strong>de</strong>s et Ratio, do 14 <strong>de</strong> setembro <strong>de</strong> 1998, o papa João Paulo <strong>II</strong><br />

<strong>de</strong>fen<strong>de</strong> a capacida<strong>de</strong> da razão, para conhecer o transcen<strong>de</strong>nte e não somente isso, mas<br />

<strong>de</strong>fen<strong>de</strong> a mesma razão frente aos que negam sua capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> um conhecimento<br />

verda<strong>de</strong>iro. Argumenta a conexão e inter-relação entre os conhecimentos <strong>de</strong> fé e <strong>de</strong> razão,<br />

manifestando a profunda unida<strong>de</strong> também cognoscitiva do homem.<br />

Introdução:<br />

SEGUNDA PARTE: A ESSÊNCIA OU NATUREZA DIVINA<br />

Sabemos que não po<strong>de</strong>mos conhecer Deus em si mesmo.Tudo o que po<strong>de</strong>mos saber <strong>de</strong><br />

Deus pela razão natural proce<strong>de</strong>, por via do raciocínio, do conhecimento dos efeitos do po<strong>de</strong>r<br />

divino, e, por conseguinte, do que nos ensinaram os argumentos pelos quais estabelecemos a<br />

existência <strong>de</strong> Deus. Assim, todo o tratado dos nomes divino, isto é, da natureza <strong>de</strong> Deus,<br />

está implícito no tratado da existência <strong>de</strong> Deus.<br />

A or<strong>de</strong>m a seguir <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>, não diretamente do objeto <strong>de</strong> nosso estudo, já que não<br />

conhecemos a Deus em si mesmo, mas <strong>de</strong> nossa maneira <strong>de</strong> conhecer.Eis porque, embora<br />

saibamos que Deus não é passível <strong>de</strong> divisão em si mesmo, e que sua essência é<br />

absolutamente simples, partimos dos numerosos atributos que nos parecem exigidos pela<br />

Causa Universal <strong>de</strong> tudo que existe, e esforçamo-nos por <strong>de</strong>finir, ao mesmo tempo, a<br />

natureza e a or<strong>de</strong>m lógica <strong>de</strong> seus diferentes atributos e para isto em <strong>de</strong>terminar aquele que,<br />

<strong>de</strong>ntre eles, é a fonte <strong>de</strong> todos os outros e constitui, por esta razão, o que chamamos o<br />

constitutivo metafísico da essência divina.<br />

Preliminares:<br />

O Problema do Estudo da Natureza Divina


27<br />

O problema da natureza <strong>de</strong> Deus suscita a questão prévia <strong>de</strong> saber se nossa pretensão<br />

<strong>de</strong> conhecer a natureza divina é fundamentada, ou se, como afirmam as doutrinas agnósticas,<br />

tudo o que dizemos <strong>de</strong> Deus é <strong>de</strong>stituído <strong>de</strong> significação positiva, ou no máximo, reduz-se a<br />

um puro simbolismo.Também <strong>de</strong>vemos, antes <strong>de</strong> iniciar o estudo da natureza <strong>de</strong> Deus,<br />

começar por estabelecer, o que enten<strong>de</strong>mos por cognoscibilida<strong>de</strong> da natureza divina e<br />

justificar o método que vamos utilizar.<br />

Po<strong>de</strong>mos Conhecer a Natureza Divina<br />

Certos filósofos sustentaram que a natureza divina permaneceria absolutamente<br />

<strong>de</strong>sconhecida para nós, porque a nossa razão está limitada ao finito e ao relativo, e o infinito<br />

e o absoluto escapam-lhe totalmente. Respon<strong>de</strong>-se a esta objeção com as seguintes<br />

observações:<br />

1. Deus é incompreensível porque <strong>de</strong> qualquer maneira que o consi<strong>de</strong>remos, ele é o Ser<br />

Infinito. Ora, nossa inteligência, essencialmente limitada, não po<strong>de</strong> compreen<strong>de</strong>r, quer dizer,<br />

abarcar, o Infinito, assim como não po<strong>de</strong>mos, com os braços abertos, abarcar uma montanha<br />

por todos os lados, Deus ultrapassa infinitamente nossa inteligência, e tudo o que po<strong>de</strong>mos<br />

conhecer e dizer a seu respeito não é mais do que um esboço em relação ao que Ele é.<br />

2. Deus não é incognoscível porque o conhecimento que temos <strong>de</strong>le, se não é perfeito, é,<br />

contudo um conhecimento verda<strong>de</strong>iro. A ciência está longe <strong>de</strong> conhecer o mundo <strong>de</strong> uma<br />

maneira perfeita e a<strong>de</strong>quada; ela tem, no entanto, a pretensão legítima <strong>de</strong> <strong>de</strong>scobrir para nós,<br />

a natureza e suas leis.Da mesma forma, se não po<strong>de</strong>mos, com os braços, abarcar uma<br />

montanha, mas po<strong>de</strong>mos, ao menos, pela vista, ter <strong>de</strong>la um conhecimento parcial.<br />

3. Sabemos que nosso conhecimento <strong>de</strong> Deus é imperfeito, isto nos preserva <strong>de</strong> certos erros.<br />

Não concebemos, com efeito, nossa semelhança. Deus, dizemos nós, <strong>de</strong>ve ter todas as<br />

perfeições que se encontram nos efeitos <strong>de</strong> seu po<strong>de</strong>r (via afirmativa), porque não po<strong>de</strong><br />

existir menos na causa do que nos efeitos. Mas, estas perfeições das criaturas são perfeições<br />

relativas, misturadas com imperfeições. Devemos, então, atribuindo-as a Deus, negar tudo o<br />

que as limita (via negativa) e elevá-las ao infinito (via <strong>de</strong> eminência).<br />

Desta forma, atribuímos a Deus as perfeições das criaturas apenas por analogia, quer<br />

dizer, afirmando que as semelhanças <strong>de</strong>ixam subsistir as diferenças infinitas, e que, por<br />

exemplo, a inteligência, a liberda<strong>de</strong>, a bonda<strong>de</strong> não são em Deus apenas superiores ao que<br />

são no homem, mas ainda <strong>de</strong> uma outra or<strong>de</strong>m.<br />

4. Os atributos divinos não introduzem em Deus nenhuma composição – é realmente nossa<br />

maneira discursiva <strong>de</strong> pensar que nos faz conceber esses atributos como distintos entre si,<br />

mas corrigimos o que há <strong>de</strong> inexato nesta concepção dizendo que os atributos divinos a não<br />

são na realida<strong>de</strong> senão os diferentes aspectos da essência perfeitamente simples <strong>de</strong> Deus.<br />

Método <strong>de</strong> Estudo da Essência Divina<br />

Para <strong>de</strong>terminar como chegamos a conhecer a natureza <strong>de</strong> Deus a partir das criaturas,<br />

cumpre distinguir bem entre imperfeições, perfeições mistas e perfeições puras.<br />

Imperfeições – são aquelas características que, <strong>de</strong> qualquer ponto <strong>de</strong> vista, é melhor<br />

não ter do que ter. Inclui-se tudo que se possa imaginar inconivente e <strong>de</strong>gradante, na or<strong>de</strong>m<br />

física, na estética, na moral. A limitação, a mutabilida<strong>de</strong>, a <strong>de</strong>pendência, a dor, etc... são


28<br />

imperfeições. Estas <strong>de</strong>vem ser simplesmente negadas em Deus. Note-se que, negando uma<br />

imperfeição, afirma-se ipso facto a perfeição oposta.<br />

Perfeições mistas –são as características que, em <strong>de</strong>terminada linha, são melhores do<br />

que nada, mas não são melhores do que qualquer outra coisa. A razão é perfeição mista: é<br />

melhor po<strong>de</strong>r raciocinar do que ser totalmente privado <strong>de</strong> conhecimento intelectual, como<br />

acontece aos irracionais, todavia, existe algo melhor do que a faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> raciocinar: a<br />

intuição direta e simples.<br />

As perfeições mistas aplicam-se a Deus apenas no sentido metafórico, <strong>de</strong> modo virtual<br />

e eminente. Fala-se, por exemplo, <strong>de</strong> “mão” <strong>de</strong> Deus, ou “olhos” <strong>de</strong> <strong>de</strong>us. Deus não tem<br />

olhos nem braços, mas a sua Vonta<strong>de</strong> po<strong>de</strong> fazer não só aquilo que nós fazemos com os<br />

braços (logo, Deus tem virtualmente braços: é como se os tivesse), mas infinitamente mais<br />

(virtualmente <strong>de</strong> modo eminente). Tampouco tem os olhos, mas conhece também as coisas<br />

mais sensíveis e incomparavelmente melhor do que os possam conhecer os mais perfeitos<br />

olhos.<br />

Perfeições puras – são aquelas cuja noção não inclui nenhuma imperfeição, que não<br />

acarretam nenhuma <strong>de</strong>svantagem nem privam <strong>de</strong> outras perfeições. Tais são as noções que,<br />

presentes no mundo corpóreo e incorpóreo, po<strong>de</strong>m ser abstraídas <strong>de</strong>les <strong>de</strong> modo que se<br />

eliminam as suas limitações. São perfeições puras todas as noções transcen<strong>de</strong>ntais: ser,<br />

unida<strong>de</strong>, verda<strong>de</strong>, bonda<strong>de</strong>, beleza, também as perfeições dos seres superiores: vida,<br />

conhecimento, etc.<br />

Tais perfeições aplicam-se a Deus formalmente, embora sempre <strong>de</strong> modo análogo, em<br />

sentido próprio e em grau infinito. Deus é tudo que há <strong>de</strong> perfeição, no grau máximo e na<br />

mais absoluta unida<strong>de</strong>.<br />

Há, pois, uma tríplice via para predicar <strong>de</strong> Deus as perfeições:<br />

1. Via <strong>de</strong> Negação:<br />

O princípio que nos <strong>de</strong>ve guiar é que Deus, tal como as provas <strong>de</strong> sua existência no-lo<br />

fizeram conhecer, sendo Ato Puro, Ser por si mesmo e Perfeito, não lhe po<strong>de</strong> convir, tal e<br />

qual, nenhuma das perfeições criadas, cujo conceito implica imperfeição e limitação<br />

essencial. Assim, não po<strong>de</strong>mos atribuir a Deus nenhum organismo corporal, que supõe a<br />

matéria, nem a sensibilida<strong>de</strong> que significa passivida<strong>de</strong>, seria introduzir em Deus imperfeições<br />

incompatíveis com a sua natureza.<br />

Negaremos, pois, tudo o que supõe <strong>de</strong> essencialmente limitado e imperfeito e não<br />

atribuiremos a Deus senão o que elas contêm <strong>de</strong> realida<strong>de</strong> positiva.<br />

2. Via <strong>de</strong> Afirmação:<br />

Há perfeições que não comportam nenhuma limitação essencial. Tais são todas as<br />

perfeições simples que transcen<strong>de</strong>m todos os gêneros e as espécies e convêm universalmente<br />

a tudo o que existe (ser, unida<strong>de</strong>, verda<strong>de</strong>, bonda<strong>de</strong>) e aquelas que, sem se encontrarem em<br />

todos os gêneros do ser, estão em relação mediata ou imediata, com os outros dos<br />

transcen<strong>de</strong>ntais (causalida<strong>de</strong>, inteligência, vonta<strong>de</strong>, po<strong>de</strong>r, sabedoria, justiça, etc...) Estas<br />

perfeições po<strong>de</strong>m se atribuídas a Deus, segundo sua razão formal, já que por si mesmas<br />

apenas significam algo <strong>de</strong> absoluto e perfeito, mas não segundo o modo com que estão<br />

realizadas nas criaturas. É absolutamente certo dizer que Deus é uno, inteligente, sábio e


29<br />

po<strong>de</strong>roso: mas Ele é tudo isto, segundo um modo que ultrapassa infinitamente tudo o que<br />

chamamos com estes nomes na nossa experiência.<br />

3. Via <strong>de</strong> Eminência<br />

Cada perfeição em Deus <strong>de</strong>ve ser-lhe atribuída em todo seu esplendor, em toda sua<br />

pureza, no máximo grau possível, infinitamente perfeito.<br />

Neste sentido, é exato dizer que toda perfeição divina, positivamente supera todo o<br />

nosso conceito <strong>de</strong> Deus.<br />

A Analogia no Conhecimento <strong>de</strong> Deus<br />

Lembremo-nos aqui dos conceitos unívocos, equívocos e análogos.<br />

Unívoco: é o conceito que po<strong>de</strong> ser atribuído <strong>de</strong> maneira idêntica a diversos sujeitos. Assim<br />

“homem” aplica-se a Pedro, Paulo, João, etc... De Deus não se po<strong>de</strong> falar univocamente, pois<br />

significaria cair no antropomorfismo: Deus seria apenas imagem do homem.<br />

Equívoco: diz-se <strong>de</strong> um nome que não se aplica a diversos sujeitos senão num sentido<br />

totalmente diferente. Exemplo: “carneiro” significa a constelação celeste e o animal <strong>de</strong><br />

chifre. Equívoco não é conceito, mas apenas uma palavra que envolve conceitos diferentes.<br />

De Deus não se po<strong>de</strong> afirmar <strong>de</strong> maneira equívoca, pois significaria cair no agnosticismo.<br />

Nada se po<strong>de</strong>ria dizer <strong>de</strong> Deus cuja natureza seria totalmente diferente das coisas<br />

postas ao nosso conhecimento concreto.<br />

Análogo ou analógico: refere-se a realida<strong>de</strong>s essencialmente diversas, que tem, contudo,<br />

uma certa proporção. Análogo <strong>de</strong>signa uma noção que se aplica a vários sujeitos num<br />

sentido nem totalmente idêntico, nem totalmente diferente. Po<strong>de</strong>mos conhecer a natureza <strong>de</strong><br />

Deus e expressá-lo somente <strong>de</strong> modo análogo. A proporção que é base para a analogia ou<br />

atribuição que se faz, é possuída por um dos seres a titulo principal e perfeito e a outros <strong>de</strong><br />

modo secundário e limitado.<br />

O Constitutivo Formal da Essência Divina<br />

CAPÍTULO PRIMEIRO<br />

A ESSÊNCIA LÓGICA DE DEUS<br />

Em relação à essência divina, a primeira pergunta que se faz é esta: em que consiste<br />

esta essência? É bem evi<strong>de</strong>nte que se trata, aqui, apenas <strong>de</strong> uma <strong>de</strong>terminação lógica da<br />

essência <strong>de</strong> Deus, porque n’Ele qualquer qualida<strong>de</strong> é própria <strong>de</strong> sua essência. A pergunta<br />

equivale, pois, a esta: que <strong>de</strong>vemos conceber como constitutivo da divinda<strong>de</strong>, isto é, qual é a<br />

perfeição radical da qual <strong>de</strong>rivam, logicamente todas as outras?<br />

A Asseida<strong>de</strong>


Condições do constitutivo formal<br />

Para <strong>de</strong>terminar em que consiste a essência lógica da divinda<strong>de</strong>, <strong>de</strong>vemos <strong>de</strong>finir, em<br />

primeiro lugar a que condições <strong>de</strong>vem satisfazer a perfeição que <strong>de</strong>vemos consi<strong>de</strong>rar, como o<br />

constitutivo formal da natureza divina. Estas condições são as três seguintes:<br />

a. O constitutivo formal da divinda<strong>de</strong> será o que em Deus nos aparece, como<br />

absolutamente primeiro, logicamente anterior a qualquer outro atributo.<br />

b. Aquilo pelo qual distinguimos, principalmente, Deus <strong>de</strong> tudo o que não é Ele.<br />

c. O que é a razão <strong>de</strong> ser o porquê <strong>de</strong> todas as outras perfeições.<br />

O Ser subsistente por si próprio<br />

Dizemos que Deus é o Ser subsistente por si próprio, porque é a asseida<strong>de</strong> ou a<br />

existência por si (a se) que correspon<strong>de</strong>, mais a<strong>de</strong>quadamente, às condições requeridas pelo<br />

constitutivo formal. Deus é Ipsum Esse Subsistens.<br />

Teorias relativas à Essência <strong>de</strong> Deus<br />

Muitas teorias propuseram á essência lógica <strong>de</strong> <strong>de</strong>us, noções diferentes da prece<strong>de</strong>nte.<br />

Limitar-nos-emos a algumas indicações sobre as principais <strong>de</strong>ntre elas.<br />

1. Platão: Ele <strong>de</strong>fine Deus pela idéia <strong>de</strong> Bem que é, segundo ele, <strong>de</strong> que <strong>de</strong>rivam todas as<br />

outras perfeições <strong>de</strong> Deus.<br />

2. Ockham: Os nominalistas, seguindo Ockham, negam que algum atributo seja em Deusa<br />

fonte <strong>de</strong> outras perfeições. Para eles, a essência divina consiste no conjunto <strong>de</strong> todas as<br />

perfeições.<br />

3. Duns Scoto: A essência lógica da natureza divina consiste na infinitu<strong>de</strong> radical, isto é, na<br />

existência <strong>de</strong> todas as perfeições possíveis.<br />

4. João <strong>de</strong> Santo Tomás: O constitutivo formal da essência divina consiste na intelecção<br />

subsistente, porque, diz ele, a primeira <strong>de</strong> todas as perfeições, tanto em <strong>de</strong>us como no<br />

homem, aquela da qual <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>m todas as outras, é a inteligência.<br />

5. Secretan, Lequier: Sua doutrina repousa sobre a idéia <strong>de</strong> liberda<strong>de</strong>, consi<strong>de</strong>rada como a<br />

mais alta e mais perfeita manifestação do ser, acham que é apropria liberda<strong>de</strong> e apenas ela o<br />

que po<strong>de</strong> fornecer o caráter primeiro e absoluto da essência divina.<br />

CAPÍTULO SEGUNDO<br />

OS ATRIBUTOS DIVINOS<br />

30


31<br />

Dissemos que a nossa pesquisa não po<strong>de</strong> partir senão dos dados da experiência, a partir<br />

dos quais inferimos a existência necessária <strong>de</strong> Deus como causa primeira universal e<br />

<strong>de</strong>scobrimos diferentes aspectos da natureza <strong>de</strong> Deus, primeiro princípio <strong>de</strong> todas as<br />

perfeições que conhecemos no universo. É assim que nossa inteligência, conhecendo a<strong>de</strong>us<br />

pelas criaturas, forma, para pensar em Deus, certas noções relacionadas com as perfeições<br />

que proce<strong>de</strong>m <strong>de</strong> Deus nos seres finitos, negando como <strong>de</strong> Deus tudo o que nas perfeições<br />

criadas <strong>de</strong>fine propriamente o estado finito <strong>de</strong>las, <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte e mutável, e ao mesmo tempo,<br />

esten<strong>de</strong>ndo ao infinito tudo o que elas significam <strong>de</strong> perfeições positiva e simples.<br />

Tal é o processo que chamamos a <strong>de</strong>dução dos atributos divinos, entitativos e<br />

operativos. Esta <strong>de</strong>dução não é a priori, se assim o pu<strong>de</strong>rmos dizer, a não ser em segundo<br />

grau, porque não conhecemos a essência divina nela própria, não po<strong>de</strong>ndo haver, portanto,<br />

sob este ponto <strong>de</strong> vista, ciência <strong>de</strong> Deus. Mas, uma vez conhecidas, a posteriori, e pelo<br />

mesmo movimento, <strong>de</strong> uma só vez, a existência e a natureza <strong>de</strong> Deus, é possível tentar<br />

estabelecer, a priori, uma or<strong>de</strong>m lógica entre os atributos divinos e por isso <strong>de</strong>rivar-los<br />

todos daquele que parece ser a sua razão suprema.<br />

Os Atributos Divinos<br />

Os atributos divinos são simplesmente as perfeições <strong>de</strong> Deus, segundo nosso modo<br />

imperfeito <strong>de</strong> conhecer. Po<strong>de</strong>mos dividir em vários pontos <strong>de</strong> vista. O ponto <strong>de</strong> vista<br />

principal é o que distingue os atributos entitativos e operativos. Os primeiros são relativos ao<br />

ser mesmo <strong>de</strong> Deus e não comportam nenhuma relação com seres contingentes: unida<strong>de</strong>,<br />

simplicida<strong>de</strong>, bonda<strong>de</strong>, infinitu<strong>de</strong>, imensida<strong>de</strong>, eternida<strong>de</strong>. Os segundos, relativos às<br />

operações divinas imanentes: inteligência, sabedoria, presciência e providência; vonta<strong>de</strong>,<br />

amor, misericórdia e justiça.Outros, às operações <strong>de</strong> que resultam efeitos exteriores a Deus:<br />

criação e conservação.<br />

Os Atributos Entitativos<br />

Simplicida<strong>de</strong> Absoluta <strong>de</strong> Deus


32<br />

Deus é absolutamente uno em si mesmo, isto é, perfeitamente simples. Ele exclui, por<br />

isto, qualquer composição física, metafísica e lógica. Simples é aquilo que não é composto,<br />

on<strong>de</strong> não é possível distinguir elementos componentes. Em Deus se exclui qualquer<br />

composição.<br />

Composição Física: constituído por partes distintas. Exemplo: Alma e Corpo no<br />

homem.<br />

Composição Metafísica: constituído <strong>de</strong> graus entitativos. Exemplo: o homem é<br />

composto <strong>de</strong> ente corporal, vivo, sensível e racional. O homem constitui uma unida<strong>de</strong> e as<br />

partes mencionadas não são separadas e distintas, mas o homem age segundo estes<br />

componentes.<br />

Composição Lógica: o ser criado é fechado <strong>de</strong>ntro das categorias, que se <strong>de</strong>fine pelas<br />

características da espécie e tipo. Estas não têm aplicação em Deus.<br />

Falando da Simplicida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Deus lembramos como ela se caracteriza no conceito<br />

análogo:<br />

1. Via por Negação: eliminamos <strong>de</strong>le tudo que pu<strong>de</strong>sse indicar alguma imperfeição em<br />

sua simplicida<strong>de</strong>.<br />

2. Via por Afirmação: afirmamos que em Deus há todas as perfeições inerentes à idéia <strong>de</strong><br />

simplicida<strong>de</strong>. Unida<strong>de</strong> ontológica, ação, força e gran<strong>de</strong>za moral (Deus é norma moral<br />

simples).<br />

3. Via Eminente: afirmamos que as características inerentes á idéia <strong>de</strong> simplicida<strong>de</strong>, são<br />

em <strong>de</strong>us em grau infinitamente perfeito.<br />

4. Analogia <strong>de</strong> proporcionalida<strong>de</strong> – Simplicida<strong>de</strong> (relativa) = Simplicida<strong>de</strong> (absoluta)<br />

Seres espirituais Deus<br />

A simplicida<strong>de</strong> aqui consi<strong>de</strong>rada: * nome comum – simplicida<strong>de</strong><br />

*essências diferentes – Deus a título principal e perfeito.<br />

Criatura a título secundário e limitado.<br />

*alguns aspectos semelhantes-Deus: simples –imaterial<br />

Criatura espiritual: simples-imaterial<br />

Unicida<strong>de</strong> Divina<br />

A unicida<strong>de</strong> que está agora em questão não é a que resulta da indivisão do ser em si<br />

mesmo. Já sabemos que Deus, sendo infinitamente simples, é, por si mesmo, infinitamente<br />

uno. Trata-se agora <strong>de</strong> mostrar que Deus é único, quer dizer, que não po<strong>de</strong> existir mias do<br />

que um único Deus.<br />

Isto resulta do fato <strong>de</strong> que o conceito <strong>de</strong> dois seres infinitamente perfeito é<br />

contraditório. Com efeito, Deus é tudo o que é, por sua própria divinda<strong>de</strong>, quer dizer, por sua<br />

natureza. Ora, o que torna um ser tal é incomunicável e não po<strong>de</strong>rá, por conseguinte,<br />

multiplicar-se: se um homem fosse um tal homem pela própria natureza humana, e não como<br />

é o caso, pelas qualida<strong>de</strong>s individuais que o distinguem dos outros homens, ele não<br />

constituiria senão um único ser com a humanida<strong>de</strong>, seria a própria humanida<strong>de</strong>, e não<br />

po<strong>de</strong>ria existir outro homem além <strong>de</strong>le. Assim, <strong>de</strong>us, sendo a própria natureza divina, não<br />

po<strong>de</strong> existir mais que um só Deus.<br />

A unicida<strong>de</strong> divina po<strong>de</strong> ainda ser <strong>de</strong>monstrada pela absoluta perfeição da divinda<strong>de</strong>.<br />

Se existissem vários <strong>de</strong>uses, se diferenciariam necessariamente entre si. Ora, esta diferença<br />

exigiria que um possuísse o que faltasse a outro, que não seria então absolutamente perfeito<br />

e, por conseguinte, não po<strong>de</strong>ria ser Deus, ou então, que a ambos faltasse alguma perfeição<br />

possuída pelo outro, e, neste caso, nenhum possuiria a perfeição infinita, quer dizer, nenhum<br />

seria Deus.


Infinitu<strong>de</strong> Perfeita<br />

Chamamos infinito o que é não-finito, isto é, sem limite. Mas há varias maneiras <strong>de</strong> ser<br />

ilimitado:<br />

1. Infinitu<strong>de</strong> Privativa: por isso a matéria ou quantida<strong>de</strong> é infinita privativamente,<br />

enquanto não é suscetível <strong>de</strong> ser terminada por si mesma – o infinito, neste sentido, é o<br />

in<strong>de</strong>finido ou in<strong>de</strong>terminação fundamental, e, por isso mesmo, a imperfeição essencial.<br />

2. Infinitu<strong>de</strong> Perfeita; num sentido contrário, o infinito po<strong>de</strong> <strong>de</strong>signar o que é sem limite,<br />

em virtu<strong>de</strong> mesmo da sua perfeição. Sob este ponto <strong>de</strong> vista, distinguimos o infinito relativo<br />

que é o que não tem limites em todos os gêneros <strong>de</strong> perfeições possíveis. É esta infinitu<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

perfeição que atribuímos a Deus.<br />

Deus é infinito, quer dizer, sem limite no seu ser, uma vez que é Ser por si, que dizer, o<br />

que existe por sua própria essência. Com efeito, <strong>de</strong> on<strong>de</strong> lhe po<strong>de</strong>ria vir um limite qualquer?<br />

• Não po<strong>de</strong>ria vir <strong>de</strong> uma vonta<strong>de</strong> estranha, uma vez que nada existe acima <strong>de</strong> Deus, que<br />

<strong>de</strong> nada <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> e tudo d’Ele <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>.<br />

• Não po<strong>de</strong>ria vir, além disto, <strong>de</strong> sua própria vonta<strong>de</strong>, pois Deus não se fez a si mesmo.<br />

• Enfim, não po<strong>de</strong> vir <strong>de</strong> sua própria essência ou natureza, pois essa essência resume<br />

todas as perfeições e exclui toda imperfeição ou limite.<br />

Deus é, portanto, infinito por sua própria essência e em todos os sentidos. Mas com isto<br />

é preciso enten<strong>de</strong>r a in<strong>de</strong>terminação, porque qualquer in<strong>de</strong>terminação é imperfeição. A<br />

infinitu<strong>de</strong> divina, sendo a do Ato Puro é, por isso mesmo, a absoluta in<strong>de</strong>terminação, isto é,<br />

exclui qualquer potencialida<strong>de</strong> e implica atualida<strong>de</strong> total e plena <strong>de</strong> todas as perfeições.<br />

A Imutabilida<strong>de</strong><br />

1. O Ato Puro – Mudar consiste em passar <strong>de</strong> uma maneira <strong>de</strong> ser a outra, <strong>de</strong> um estado a<br />

outro estado. Por conseguinte, toda mudança supõe potencialida<strong>de</strong>, composição e<br />

imperfeição essencial. Ora, Istoé absolutamente incompatível com a natureza <strong>de</strong> Deus que é<br />

Ato Puro, infinitamente simples e perfeito.<br />

2. A Imutabilida<strong>de</strong> Absoluta – Quando afirmamos a imutabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>us não <strong>de</strong>vemos<br />

excluir <strong>de</strong>sta afirmação nem a inteligência e nem a vonta<strong>de</strong> divina. O pensamento Divino é<br />

todo atual e subsiste sem mudança: ele nada po<strong>de</strong> esquecer nem nada <strong>de</strong>scobrir do que antes<br />

ignorava. O mesmo acontece com a Vonta<strong>de</strong> Divina, que não po<strong>de</strong> conhecer nem as<br />

incertezas que nascem da hesitação e da <strong>de</strong>liberação, por falta <strong>de</strong> luz intelectual.<br />

A Eternida<strong>de</strong><br />

A Eternida<strong>de</strong> é um atributo que <strong>de</strong>corre da Imutabilida<strong>de</strong>.O Eterno é aquilo que não<br />

muda e não po<strong>de</strong> mudar <strong>de</strong> maneira alguma, por conseguinte, aquilo que não começa e não<br />

termina e que possui na atualida<strong>de</strong> pura, exclusiva <strong>de</strong> qualquer sucessão ou modificação, a<br />

plenitu<strong>de</strong> <strong>de</strong> seu ser. Daí a <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> Boecio (De Consolatione Philosophiae, V, prosa 6),<br />

retomada por Santo Tomás (Summa Theol. I, q. 10, art. 1): a eternida<strong>de</strong> é a posse, ao mesmo<br />

tempo, total e perfeita <strong>de</strong> uma vida sem limites (interminabilis vitae tota simul et perfecta<br />

possessio). Portanto, a eternida<strong>de</strong> é um presente imutável que existe em todos os tempos.<br />

A eternida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Deus resulta <strong>de</strong> sua imutabilida<strong>de</strong> absoluta. Deus existe sem sucessão e<br />

sem mudança alguma, não admite também perda nem aquisição. Possui em ato a plenitu<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

sue ser infinito, isto é, sua eternida<strong>de</strong> é ele mesmo, porque ela é sua própria existência.<br />

33


A Imensida<strong>de</strong> Divina<br />

Etimologicamente, é imenso o que não po<strong>de</strong> ser medido, e a imensida<strong>de</strong> é um atributo<br />

divino que exclui <strong>de</strong> Deus toda possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ser circunscrito ou limitado por quaisquer<br />

coisas que seja. Esse atributo <strong>de</strong>corre imediatamente da infinitu<strong>de</strong> Divina: o que é infinito<br />

não po<strong>de</strong> ser limitado por nada.<br />

O que é, ou parece infinito como o oceano, o céu e o espaço, todavia, a imensida<strong>de</strong> das<br />

coisas, se as supomos real, não é a imensida<strong>de</strong> divina, a perpetuida<strong>de</strong> do tempo não é a<br />

eternida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Deus.<br />

Por Imensida<strong>de</strong> Divina, <strong>de</strong>vemos enten<strong>de</strong>r o atributo pelo qual a presença <strong>de</strong> Deus é<br />

necessária em toda parte. Assim compreendida, a Imensida<strong>de</strong> Divina nem mesmo se<br />

confun<strong>de</strong> com a presença <strong>de</strong> <strong>de</strong>us em todo lugar, porque esta é apenas uma conseqüência da<br />

imensida<strong>de</strong>. Mesmo supondo que o universo não existisse, Deus seria imenso, pois que teria<br />

a virtu<strong>de</strong> inalienável <strong>de</strong> estar presente em todos os mundos possíveis.<br />

Por sua Imensida<strong>de</strong> essencial, <strong>de</strong>us está presente em todas as coisas, em todo lugar, está em<br />

toda parte, efetivamente, por sua essência, sua presença e seu po<strong>de</strong>r (per essentiam, per<br />

praesentiam et per potentiam).<br />

Atributos Operativos <strong>de</strong> Deus<br />

Agruparemos aqui os atributos operativos que são referentes às operações imanentes <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>us ou ao que po<strong>de</strong>mos chamar <strong>de</strong> vida divina, tal como a razão no-la po<strong>de</strong> fazer conhecer.<br />

Estes atributos são os que <strong>de</strong>rivam da inteligência (ciência e presciência <strong>de</strong> Deus) e da<br />

vonta<strong>de</strong> (amor, justiça e misericórdia, providência).<br />

Compreen<strong>de</strong>mos a idéia dos atributos operativos no sentido analógico, porque entre as<br />

operações das criaturas e as operações divinas ocorre apenas uma vaga semelhança, embora<br />

umas e outras são manifestações da vida.As operações das criaturas implicam carência<br />

ontológica, as <strong>de</strong> <strong>de</strong>us supõe a plenitu<strong>de</strong> do ser e constituem uma unida<strong>de</strong>.<br />

Antes <strong>de</strong> falarmos da inteligência e da vonta<strong>de</strong>, cumpre refletir sobre a vida <strong>de</strong> Deus.<br />

A Vida Divina<br />

A vida é a ativida<strong>de</strong> interna das plantas, dos animais e dos homens. Na esfera<br />

biológica a vida po<strong>de</strong> ser <strong>de</strong>finida como a somadas funções que se opõe à morte, é o<br />

constante construir na luta contra a constante <strong>de</strong>composição e <strong>de</strong>gradação. O grau superior<br />

da vida manifesta-se nos seres espirituais, na ativida<strong>de</strong> espiritual do homem.<br />

Mesmo <strong>de</strong>screvendo as manifestações da vida e os processos vitais, permanece sempre<br />

o mesmo mistério que envolve o fenômeno mesmo da vida. Se nas criaturas é tão difícil a<br />

vida em si, quanto mais difícil será falar da vida divina, e se falará sempre no sentido<br />

analógico. Por via da negação exclui-se a vida no sentido próprio das criaturas. Por via da<br />

eminência atribui-se a vida no sentido próprio a Deus, ou seja, Deus tem vida plena.<br />

Em Deus não há inicio, fim, aperfeiçoamento.Assemelha-se às operações intelectivas e<br />

volitivas dos seres espirituais, mas é a plenitu<strong>de</strong> das operações espirituais sem nenhuma<br />

distinção e mudança.A vida <strong>de</strong> Deus não é um atributo a mais, mas a sua própria natureza.<br />

A natureza <strong>de</strong> Deus é a sua existência e ativida<strong>de</strong> espiritual. Por isso Deus é a vida suprema.<br />

A Inteligência <strong>de</strong> Deus<br />

A inteligência é o próprio dos seres espirituais, é a faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> possuir, <strong>de</strong> modo espiritual,<br />

a realida<strong>de</strong> das coisas objetivas.Entre a ciência divina e a humana há semelhanças.Ambas<br />

34


35<br />

significam uma a<strong>de</strong>quação do intelecto com o objeto conhecido. Porém há gran<strong>de</strong>s<br />

diferenças:<br />

Ciência Humana<br />

• É adquirida lentamente, sujeita a contínuas mudanças e aperfeiçoamento;<br />

• É composta <strong>de</strong> termos, conceitos e raciocínio;<br />

• O homem conhece <strong>de</strong> modo discursivo passando <strong>de</strong> uma verda<strong>de</strong> para outra.<br />

Ciência Divina<br />

• É a atual posse da natureza do ser;<br />

• Deus conhece tudo com um único e ilimitado ato;<br />

• Deus conhece tudo diretamente e intuitivamente.<br />

A Inteligência <strong>de</strong> Deus é o principio da ciência divina, da qual estabeleceremos a<br />

existência, o objeto e o meio.<br />

1. A Existência da Ciência Divina.<br />

A ciência consiste no conhecimento da verda<strong>de</strong> consi<strong>de</strong>rada em seu próprio ato, a<br />

ciência é a possessão intuitiva e perfeita <strong>de</strong> todas as verda<strong>de</strong>s que são do seu domínio.Quanto<br />

maior a ciência, tanto maior a luz, e se a ciência é infinita, a luz é sem sombras. Tal é a<br />

ciência <strong>de</strong> Deus.<br />

Sabemos que Deus possui, absolutamente todas as perfeições. Entre estas, a ciência<br />

que é a perfeição da inteligência, é a primeira na or<strong>de</strong>m do agir, porque especifica a<br />

natureza divina, ou o principio <strong>de</strong> operação divina. Neste sentido, me<strong>de</strong>m, <strong>de</strong> um certo<br />

modo, todas as operações divinas. Só po<strong>de</strong>mos amar ou querer, na medida em que<br />

conhecemos. Nihil volitum nisi praecognitum.<br />

Sabemos que Deus é ato puro. Ora, o conhecimento é proporcional ao grau <strong>de</strong><br />

imaterialida<strong>de</strong>: quanto mais uma coisa se <strong>de</strong>sembaraça da matéria, tanto mais é capaz <strong>de</strong><br />

assimilar as formas dos seres exteriores. Por isto, o po<strong>de</strong>r cognitivo cresce imensamente,<br />

quando passamos do animal, que permanece encerrado no mundo sensível, ao homem, cuja<br />

inteligência, espiritual em seu principio, ultrapassa o tempo e o espaço, atinge os objetos<br />

imateriais e se abre, <strong>de</strong> um certo modo, a toda a amplidão do ser. Deus, que é Espírito puro,<br />

<strong>de</strong>ve, então, por isso mesmo, ser soberanamente inteligente e possui a ciência perfeita e<br />

absoluta.<br />

Devemos dizer também que em Deus a inteligência é o próprio ser e não uma<br />

faculda<strong>de</strong> distinta da essência e principio <strong>de</strong> atos múltiplos e diversos, como em nós.Em<br />

Deus, ato puro, nada há <strong>de</strong> potencial. A inteligência divina não po<strong>de</strong>, portanto, estar em<br />

potência, relativamente ao ato <strong>de</strong> conhecer: está por necessida<strong>de</strong> meato e em ato <strong>de</strong> verda<strong>de</strong><br />

infinita, quer dizer, é propriamente a Intelecção Subsistente.<br />

2.O Objeto da Ciência Divina<br />

O Pensamento do Pensamento, assim chamava Aristóteles a Deus, e nada mais elevado<br />

foi dito sobre Deus pela sabedoria natural. A intelecção divina, que não proce<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma<br />

faculda<strong>de</strong>, não po<strong>de</strong> distinguir-se da essência divina, que, ao mesmo tempo, é seu sujeito e<br />

objeto. A inteligência divina é, por si mesma, sua própria idéia e seu próprio objeto:


36<br />

conhece-se, diretamente, a si mesma, por si mesma. O Sujeito e o Objeto são, absolutamente,<br />

uma única e mesma coisa.<br />

3. O Meio da Ciência Divina<br />

O princípio pelo qual Deus conhece é a própria essência <strong>de</strong> Deus. O modo segundo o<br />

qual Deus conhece, consiste num ato único e infinitamente simples que não difere realmente<br />

do ser divino.<br />

O meio é aquilo em que Deus conhece as coisas distintas <strong>de</strong> si. Resta saber qual é o<br />

meio do conhecimento divino.<br />

1. É claro, em primeiro lugar, que ele as conhece em si mesmo;<br />

2. Po<strong>de</strong>mos, entretanto, procurar mais adiante e perguntar a nós mesmos;<br />

3. Deus conhece os seres na contemplação <strong>de</strong> sua essência, ou nos livres <strong>de</strong>cretos <strong>de</strong> sua<br />

vonta<strong>de</strong>?<br />

Se só se tratasse <strong>de</strong> seres não dotados <strong>de</strong> liberda<strong>de</strong>, a soluça seria sem dificulda<strong>de</strong>s:<br />

<strong>de</strong>us vê os puros possíveis em sua essência e os seres reais em seus livres <strong>de</strong>cretos.<br />

Porém, a coisas se complica quando se trata <strong>de</strong> seres livres como o homem.<br />

O Problema:<br />

*Se dizemos que Deus conhece os futuros livres por sua essência, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> qualquer<br />

<strong>de</strong>creto, a ciência <strong>de</strong> Deus é <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> fatos contingentes e, por conseguinte, potencial e<br />

imperfeita.<br />

*Se dizemos que Deus conhece os futuros livres por seus <strong>de</strong>cretos, a liberda<strong>de</strong> das criaturas<br />

parece comprometida, uma vez que seus atos estão pre<strong>de</strong>terminados.<br />

Trata-se do difícil problema <strong>de</strong> conciliar a ciência divina com a liberda<strong>de</strong> que aqui está<br />

em jogo. Há duas certezas que estão acima <strong>de</strong> qualquer discussão, ou seja, a presciência<br />

universal <strong>de</strong> Deus, mesmo no que diz respeito aos futuros livres e contingentes, como a<br />

liberda<strong>de</strong> humana.<br />

A presciência infalível <strong>de</strong> Deus que é eterno, cuja ciência é infinita como a existência e<br />

que <strong>de</strong>ixaria <strong>de</strong> ser causa primeira universal se lhe escapasse a previsão das livres<br />

<strong>de</strong>terminações.<br />

Quanto à liberda<strong>de</strong> humana, sabemos que é atestada <strong>de</strong> maneira mais segura pela<br />

consciência e <strong>de</strong>riva da razão, que move a vonta<strong>de</strong>.<br />

O problema é conciliar essas duas certezas, o da coexistência do finito e do infinito,<br />

estamos <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> um mistério.Os filósofos, e, sobretudo os teólogos, muitas vezes tentaram<br />

precisar como po<strong>de</strong>m coexistir a presciência e a liberda<strong>de</strong> humana.Suas opiniões a este<br />

respeito po<strong>de</strong>m ser reduzidas a duas principais: a dos tomistas, que <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>m a premoção<br />

física, a dos molinistas, que propõem a teoria da ciência média.<br />

Tentativa <strong>de</strong> solução:<br />

A Premoção Física:<br />

Para os tomistas Deus vê os futuros livres no <strong>de</strong>creto <strong>de</strong> sua vonta<strong>de</strong>.Deus não os vê<br />

em suas causas livres, nem nas proposições que os exprimem. Deus conhece os futuros livres<br />

em sua existência, que já está aqui atual e presente no pensamento divino, no concurso pelo


37<br />

qual ele <strong>de</strong>termina a existência, como um antece<strong>de</strong>nte <strong>de</strong>sta ativida<strong>de</strong> livre, isto é, como uma<br />

pré-<strong>de</strong>terminação (ou premoção física), infalivelmente eficaz.<br />

A Ciência Média:<br />

O teólogo espanhol Molina, achando que a proposição tomista conduz à negação da<br />

liberda<strong>de</strong> humana, propõe, na sua Concórdia (1588), um sistema baseado na existência em<br />

Deus <strong>de</strong> uma ciência média, distinta da ciência <strong>de</strong> pura inteligência e da ciência <strong>de</strong> visão.<br />

Ciência Média: para conciliar a presciência divina com a liberda<strong>de</strong> humana, teremos<br />

que admitir uma ciência intermediária, que tem por objeto os futuros condicionais, isto é,<br />

que prevê, antes <strong>de</strong> qualquer <strong>de</strong>creto, o que a vonta<strong>de</strong> do homem fará, se tal o qual condição<br />

se apresentar. O <strong>de</strong>creto divino ou a <strong>de</strong>terminação do ato, sendo <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte da existência da<br />

condição ou circunstancias do ato, que estão em po<strong>de</strong>r do homem, concebemos que o ato seja<br />

livre, apesar da <strong>de</strong>terminação divina, porque é produzido pelo concurso simultâneo do agente<br />

livre e <strong>de</strong> Deus.<br />

A Vonta<strong>de</strong> Divina<br />

A Natureza da Vonta<strong>de</strong> Divina<br />

Que haja em Deus uma vonta<strong>de</strong>, isto <strong>de</strong>corre, necessariamente, do fato que a vonta<strong>de</strong> é<br />

inseparável da natureza inteligente, porque é essencial a toda natureza agir e procurar sua<br />

perfeição.<br />

Conhecemos a vonta<strong>de</strong> divina pela nossa. Mas ela não é como a nossa: uma faculda<strong>de</strong><br />

ou ato transitório, porque seria imperfeita, ela é sempre e plenamente em ato. Ela é o mesmo<br />

ser <strong>de</strong> Deus, enquanto agindo e amando o bem <strong>de</strong> um amor essencialmente espiritual, como<br />

o conhecimento intelectual do qual ela proce<strong>de</strong>.<br />

O Objeto da Vonta<strong>de</strong> Divina<br />

A vonta<strong>de</strong> divina é absolutamente in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte, imutável e eficaz.<br />

In<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte: porque não po<strong>de</strong> proce<strong>de</strong>r <strong>de</strong> nenhuma causa. A vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> Deus se comporta<br />

como sua inteligência: não é porque as coisas existem que Deus as conhece, sim, porque ele<br />

as conhece,que elas po<strong>de</strong>m existir, se Deus não as conhecesse seriam impossíveis. Assim<br />

também, não é porque as coisas existem e são boas porque <strong>de</strong>us as quer, elas existem e<br />

possuem, seus diversos graus <strong>de</strong> perfeição.<br />

Imutável: Deus não muda <strong>de</strong> vonta<strong>de</strong>, o que quer, ele o quer, uma vez por todas e<br />

eternamente, porque sua natureza é perfeita e nada per<strong>de</strong> ou acrescenta.<br />

Eficaz: Deus é causa primeira <strong>de</strong> tudo o que existe, portanto nada po<strong>de</strong> contrariar nem limitar<br />

a soberana eficácia do querer divino.<br />

A Liberda<strong>de</strong> Divina<br />

Deus é soberanamente livre. Ele o é relativamente a todos os bens contingentes, por<br />

que a divinda<strong>de</strong> basta a si própria sendo o bem absoluto. Ele o é relativamente aos meios<br />

pelos quais realiza os fins <strong>de</strong> sua sabedoria infinita. Nenhum limite o restringe. Deus é não só<br />

infinitamente livre: ele é a própria liberda<strong>de</strong>.<br />

Conclusão sobre os Atributos Divinos


38<br />

Todo este estudo sobre os atributos divinos <strong>de</strong>ve <strong>de</strong>ixar-nos o sentimento muito<br />

acentuado <strong>de</strong> nossa insuficiência para pensar a <strong>de</strong>us em si mesmo. E eis o ponto mais alto <strong>de</strong><br />

nosso conhecimento natural <strong>de</strong> <strong>de</strong>us, que apenas po<strong>de</strong> ser, segundo a palavra <strong>de</strong> Santo<br />

Agostinho, uma douta ignorância, que consiste em afirmar, ao mesmo tempo em que a<br />

imanência <strong>de</strong> Deus em tudo o que é, a transcendência infinita do ser sem medida comum com<br />

os seres da criação.<br />

TERCEIRA PARTE: ATIVIDADE OU OBRAR DIVINO<br />

Nesta terceira parte estudaremos a ativida<strong>de</strong> divina ad extra, ou seja, em relação com as<br />

criaturas. Devemos levar em conta que por sua Inteligência Deus se conhece a si mesmo, por<br />

sua Vonta<strong>de</strong> ama a si mesmo; são, pois, ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Deus. A estudamos junto com a<br />

essência divina porque são ativida<strong>de</strong>s ad intra, que se referem a si mesmo.<br />

DEUS E O MUNDO<br />

Os diferentes problemas provenientes das relações <strong>de</strong> Deus e o Universo são:<br />

1. A Distinção <strong>de</strong> Deus e do Mundo;<br />

2. A Criação;<br />

3. A Provi<strong>de</strong>ncia Divina.<br />

O Panteísmo<br />

CAPÍTULO PRIMEIRO<br />

DISTINÇÃO DE DEUS E DO MUNDO<br />

O panteísmo é essencialmente um monismo, isto é, consiste em negar que Deus e o<br />

mundo sejam distintos.<br />

Etimologicamente: Deus é o todo e o todo é Deus.<br />

Po<strong>de</strong>-se distinguir três formas diferentes sob as quais o panteísmo foi proposto pelos<br />

filósofos: panteísmo emanatista, realista e evolucionista.<br />

Panteísmo Emanatista<br />

Esta concepção é a <strong>de</strong> Plotino, segundo a qual Deus, ou o Uno Primitivo, gera<br />

necessariamente, em virtu<strong>de</strong> <strong>de</strong> sua própria natureza, todos os seres do universo. Todo o<br />

universo emana <strong>de</strong> Deus e não é mais que uma espécie <strong>de</strong> explicitação <strong>de</strong> Deus. Esse<br />

panteísmo absorve Deus no mundo.<br />

Panteísmo Realista<br />

Spinoza repudia o sistema emanatista, que lhe parece não salvaguardar bastante a<br />

i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Deus e do mundo. Para Spinoza não existe uma única Substância, um único<br />

Ser, <strong>de</strong> que o universo e os seres singulares que o compõe são apenas a manifestação. Po<strong>de</strong>r-


39<br />

se-ia dizer que não são mais do que fenômenos <strong>de</strong> Deus. Spinoza absorve, então, o mundo<br />

em Deus.<br />

Panteísmo Evolucionista<br />

É a doutrina daqueles para quem Deus está no termo da transformação universal. Deus<br />

não é, mas se faz; ou, se ele é, não é mais do que a força imanente que move o mundo pelo<br />

interior e dirige a sua evolução. Esta doutrina foi, por sua vez, proposta sob formas diversas,<br />

sobretudo pelos filósofos franceses do século XIX (Taine, Rean e Vacherot).<br />

Refutação do Argumento Panteísta<br />

A.O Panteísmo é contraditório em si mesmo<br />

Com efeito, i<strong>de</strong>ntifica o perfeito e o imperfeito, o finito e o infinito, o contingente e o<br />

necessário.Um único e mesmo ser não po<strong>de</strong> estar submetido a uma lógica <strong>de</strong> ter atributos tão<br />

incompatíveis entre si.Um círculo quadrado seria mais fácil <strong>de</strong> conceber.<br />

B. O panteísmo vai contra a experiência<br />

A experiência nos impõe, com a mais expressa evidência, o sentimento <strong>de</strong> nossa<br />

personalida<strong>de</strong>, quer dizer, <strong>de</strong> nossa qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> sujeitos autônomos, livres e<br />

responsáveis.Ora, como seria esse sentimento possível se não fossemos realmente distintos<br />

<strong>de</strong> Deus, ou se Deus fosse real apenas em nós e para nós?<br />

C.O Panteísmo se choca com a realida<strong>de</strong> moral<br />

Ele termina fatalmente por justificar tudo o que é. Se tudo é Deus, ou Deus se fun<strong>de</strong><br />

com o mundo, tudo o que ocorre é a um tempo necessário e bom. A distinção do bem e do<br />

mal fica sem sentido e é inexplicável, e, ao mesmo tempo, se <strong>de</strong>svanece a idéia <strong>de</strong><br />

responsabilida<strong>de</strong> pessoal.<br />

D.O Panteísmo evolucionista faz surgir o ser do nada<br />

A idéia <strong>de</strong> um Deus que se faz pouco apouco, pela ação do vir-a-ser universal, consiste<br />

em colocar o menos como fonte do mais, o nada como principio do ser, sem falar do absurdo<br />

que existe em supor uma or<strong>de</strong>m que se faz sozinha, uma evolução que se <strong>de</strong>senrola por si<br />

mesma, sem ser governada nem dirigida. É muito pouco dizer que estas teorias são falsas.<br />

Elas são literalmente impensáveis.<br />

Imanência e Transcendência<br />

Devemos, então, restringir-nos às provas pelas quais Deus nos aparece como<br />

absolutamente distinto do universo e transcen<strong>de</strong>ndo esse universo. Mas, <strong>de</strong> uma parte,<br />

convém compreen<strong>de</strong>r bem que a transcendência <strong>de</strong> Deus não suprime a imanência (ou<br />

presença) <strong>de</strong> Deus no universo, e <strong>de</strong> outra parte, é necessário compreen<strong>de</strong>r exatamente o<br />

alcance <strong>de</strong>stas noções <strong>de</strong> transcendência e imanência.<br />

A Imanência Divina<br />

Deus, sendo necessariamente Primeiro Princípio, Causa Universal, <strong>de</strong>ve estar presente<br />

a tudo que é, e <strong>de</strong>ve estar mesmo mais presente nos seres do que eles em si mesmos, uma vez<br />

que eles não subsistem senão pelo efeito <strong>de</strong> um contínuo influxo do po<strong>de</strong>r criador.


40<br />

A imanência não <strong>de</strong>ve ser então imaginada como uma espécie <strong>de</strong> mistura do Ser divino<br />

com as coisas criadas. É necessário concebe-la como um modo <strong>de</strong> presença espiritual,<br />

irredutível às presenças corporais, e, por isso mesmo, infinitamente mais profunda e mais<br />

envolvente.<br />

A Transcendência Divina<br />

A Imanência divina não <strong>de</strong>ve fazer negligenciar a Transcendência, que dizer, a<br />

absoluta in<strong>de</strong>pendência <strong>de</strong> Deus em relação ao mundo, e o soberano domínio <strong>de</strong> Deus sobre<br />

todo o universo. É necessário preservar-se <strong>de</strong> representar a transcendência divina como uma<br />

exteriorida<strong>de</strong> espacial e material, como se a absoluta distinção <strong>de</strong> Deus e do mundo<br />

implicasse uma justaposição do mundo e <strong>de</strong> Deus. A noção <strong>de</strong> transcendência não significa<br />

nada disto, mas essencialmente a in<strong>de</strong>pendência absoluta, a perfeita asseida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Deus<br />

(proprieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> existir necessariamente por si, a se).<br />

Imanência e Transcendência são igualmente necessárias<br />

Imanência e Transcendência são dois aspectos igualmente inevitáveis <strong>de</strong> uma noção <strong>de</strong><br />

Deus conforme ao que exigem a experiência e a razão.<br />

Sem a imanência, Deus seria estranho ao universo, e ele não seria, por conseguinte,<br />

nem infinito, nem perfeito: a idéia <strong>de</strong> Deus se torna contraditória.<br />

Sem transcendência, Deus é idêntico ao universo, e <strong>de</strong> novo aparece como imperfeito,<br />

potencial e em transformação.<br />

A Personalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Deus<br />

Também <strong>de</strong>vemos reconhecer que Deus se é, só po<strong>de</strong> ser:<br />

• Ser infinito, radicalmente distinto do universo;<br />

• Que criou e conserva por um ato <strong>de</strong> vonta<strong>de</strong> livre;<br />

• Ser inteligente e perfeitamente livre<br />

Por conseguinte, que Deus é um ser que chamaremos, por analogia, “pessoal”, isto é, um Ser<br />

que subsiste, inteligente e livre.<br />

O Ser Pessoal<br />

Questão:<br />

Como compreen<strong>de</strong>ríamos que o Princípio, <strong>de</strong> on<strong>de</strong> proce<strong>de</strong> o universo, os sujeitos<br />

inteligentes e livre que somos, almas se<strong>de</strong>ntas <strong>de</strong> verda<strong>de</strong>, <strong>de</strong> justiça <strong>de</strong> beleza, que este<br />

Princípio seja alguma realida<strong>de</strong> impessoal, inconsciente e submetida a uma necessida<strong>de</strong><br />

interna? Haveria nisto uma incompreensível contradição.<br />

Porém, Deus, não é um ser pessoal como nós, não tem corpo, a inteligência e a vonta<strong>de</strong> não<br />

são nele, o que são em nós. Nele só existem distinções virtuais, baseadas na infinita riqueza<br />

<strong>de</strong> sua essência, transformadas, porém, para as necessida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> nosso pensamento.Deus nos<br />

ultrapassa infinitamente.<br />

O Espírito Puro<br />

A personalida<strong>de</strong> se <strong>de</strong>fine pelo espírito. Se <strong>de</strong>us é essencialmente Espírito, será<br />

essencialmente Pessoal, será necessariamente Espírito Puro e Subsistente.


CAPÍTULO SEGUNDO<br />

A CRIAÇÃO<br />

Do que prece<strong>de</strong>, resulta com evidência que Deus, sendo radicalmente distinto <strong>de</strong> um<br />

universo que não tem nem po<strong>de</strong> ter em si mesmo sua razão suficiente, <strong>de</strong>ve ser o criador<br />

<strong>de</strong>ste universo. O fato da criação não está mais em questão, mas unicamente o modo da<br />

criação.Temos apenas que precisar, então, a noção <strong>de</strong> criação, e a que lhe é conexa, <strong>de</strong><br />

conservação.<br />

O que é criar?<br />

Criar é fazer alguma coisa da nada (ex nihilo).Tal é o sentido próprio da palavra<br />

criação.<br />

A produção <strong>de</strong> uma nova forma numa matéria preexistente não se chama senão<br />

impropriamente criação.Na realida<strong>de</strong>, a forma não é tirada do nada, assim como a matéria.<br />

Existe simplesmente transformação. Criar é privilégio <strong>de</strong> Deus, pois a criação propriamente<br />

dita exige um po<strong>de</strong>r infinito.<br />

Criação e Princípio<br />

É importante compreen<strong>de</strong>r que a idéia <strong>de</strong> criação está necessariamente ligada à idéia <strong>de</strong><br />

um tempo inicial.Ao contrário, ela faz abstração completa da idéia <strong>de</strong> principio temporal.Não<br />

significa mais do que a absoluta <strong>de</strong>pendência do mundo, até do fundo do ser, em relação a<br />

Deus.<br />

Na realida<strong>de</strong>, o mundo, por ter sido criado, tendo tido ou não um primeiro instante<br />

temporal, não cessa <strong>de</strong> começar. Não existindo por si mesmo, mas apenas pela virtu<strong>de</strong><br />

criadora <strong>de</strong> <strong>de</strong>us, e isto em cada instante <strong>de</strong> sua duração, ao mesmo tempo em seu todo e em<br />

cada um <strong>de</strong> seus elementos, está na sua essência começar sempre.<br />

A hipótese da eternida<strong>de</strong> do mundo não suprime esta necessida<strong>de</strong>; se o mundo não<br />

tivesse princípio temporal, não cessaria por isto mesmo <strong>de</strong> ser a cada instante criado por<br />

Deus, e, por conseguinte, <strong>de</strong> receber <strong>de</strong> Deus o ser que tem (o que é propriamente começar).<br />

Modo <strong>de</strong> Criação<br />

Esta hipótese <strong>de</strong> eternida<strong>de</strong> do mundo não po<strong>de</strong>ria aplicar-se realmente ao mundo,<br />

porque, a eternida<strong>de</strong> exclui a transformação e a sucessão (qualquer espécie <strong>de</strong><br />

principio).Apenas Deus é Eterno. Eis porque, se o mundo não tivesse instante inicial, po<strong>de</strong>rse-ia<br />

falar <strong>de</strong> perpetuida<strong>de</strong>, mas não <strong>de</strong> eternida<strong>de</strong>.<br />

Só se po<strong>de</strong> conceber a origem do mundo, quando se parte da idéia <strong>de</strong> criação, <strong>de</strong> duas<br />

maneiras:<br />

1. Ou Deus tirou o mundo do nada absoluto;<br />

2. Ou fez o mundo <strong>de</strong> uma parte da sua substância.<br />

Esta segunda hipótese fica excluída pela refutação do argumento emanatista. É absurdo<br />

pensar que <strong>de</strong>us tenha podido fazer o mundo <strong>de</strong> uma parte <strong>de</strong> sua substância, pois Deus é um<br />

41


42<br />

ser espiritual e perfeitamente simples. Não po<strong>de</strong>, pois ter formado <strong>de</strong> sua substância um<br />

mundo material, composto e perecível.<br />

É, portanto, necessário admitir que Deus criou o muno, e que ele o criou do nada.<br />

Porque, se quiséssemos supor uma existência preexistente, da qual <strong>de</strong>us tenha formado o<br />

mundo, o problema apenas se apresentaria <strong>de</strong> novo: esta substância preexistente ao mundo,<br />

<strong>de</strong> on<strong>de</strong> vem? Ou Deus tirou-a do nada absoluto, ou a formou <strong>de</strong> sua própria<br />

substância.Como é absurda esta segunda hipótese, não resta mais do que a criação ex nihilo.<br />

Liberda<strong>de</strong> da Criação<br />

O ato criador é livre. Isto é uma conseqüência necessária da natureza <strong>de</strong> Deus. Se Deus<br />

é o Ser Perfeito e Infinito não po<strong>de</strong> submeter-se a uma necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> produzir o ser, porque<br />

isso suporia que estivesse dominado por uma força exteriora ele, quer por um <strong>de</strong>terminismo<br />

interno, o que é incompatível com a noção <strong>de</strong> Ser Perfeito e Infinito.<br />

Objeções contra a Criação<br />

A eternida<strong>de</strong> do mundo e a idéia <strong>de</strong> criação<br />

Se o mundo é eterno, a criação é inútil, no sentido <strong>de</strong> que a existência do mundo não<br />

tem necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ser explicada.<br />

Esta objeção, como se vê, proce<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma noção errônea <strong>de</strong> criação, que liga esta<br />

in<strong>de</strong>vidamente a um começo temporal. O que impõe admitir a criação do mundo não é o fato<br />

<strong>de</strong> haver começado após não ter existido (o que é verda<strong>de</strong> <strong>de</strong> fato, mas que nós ignoraríamos<br />

sem a Revelação), é antes <strong>de</strong> tudo o fato <strong>de</strong> que o mundo não tem em si mesmo a razão <strong>de</strong><br />

sua existência, ou seja, ele é contingente. Se, então, por hipótese, o mundo fosse eterno, não<br />

seria menos <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> Deus eternamente, quer dizer, criado por Deus, até o íntimo do<br />

seu ser, e isto em cada momento <strong>de</strong> sua duração, em cada um dos seres singulares que o<br />

compõe.<br />

A objeção <strong>de</strong> que, do nada, nada se tira (ex nihil nihilo fit)<br />

Esta objeção baseada neste axioma dirige-se simplesmente a o fato da inteligibilida<strong>de</strong><br />

da criação.<br />

Importante ressaltar contra este argumento, que a criação, no sentido próprio da<br />

palavra, não é ininteligível, mas é incompreensível. A criação não é uma idéia absurda,<br />

porém ultrapassa evi<strong>de</strong>ntemente o alcance do entendimento totalitário, porque é uma<br />

ativida<strong>de</strong> que é privilegio <strong>de</strong> Deus, enquanto exige um po<strong>de</strong> infinito.<br />

A idéia <strong>de</strong> criação é, antes que mais nada, inteligível por si mesma, uma vez que atribui<br />

a Deus a onipotência que pertence lógica e necessariamente ao Ser Perfeito e Infinito. Ela é,<br />

por outro lado, fonte <strong>de</strong> entendimento, uma vez que, por ela, o universo se explica ante a<br />

razão, a um tempo na sua existência e em suas proprieda<strong>de</strong>s. Inversamente, a negação da<br />

criação equivale a elevar o absurdo a lei universal.<br />

A expressão ex nihilo, quer dizer, que Deus não fez o mundo do nada, como uma<br />

matéria preexistente, mas o fez, absolutamente do nada, pelo seu po<strong>de</strong>r.<br />

A Conservação do Mundo<br />

A noção <strong>de</strong> Conservação


43<br />

Já vimos que a permanência dos seres contingentes na existência não se explica<br />

a<strong>de</strong>quadamente pelo fato <strong>de</strong> que a existência e a vida lhe foram transmitidas. A todo<br />

momento, estes seres e o universo inteiro <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>m da Causa Primeira: é esta <strong>de</strong>pendência,<br />

que não é mais do que a continuação do ato criador, que se chama conservação. A ativida<strong>de</strong><br />

criadora <strong>de</strong> Deus não cessa, pois, <strong>de</strong> penetrar até a raiz mesma <strong>de</strong> nosso ser, para mantê-lo na<br />

existência.<br />

Conservação e Duração<br />

A Conservação, do ponto <strong>de</strong> vista divino, não é um ato temporal: ela se confun<strong>de</strong> como<br />

ato criador, que não está no tempo.Mas, do nosso ponto <strong>de</strong> vista, ela é o aspecto temporal sob<br />

o qual se traduz para nós, que estamos no tempo, o ato único pelo qual Deus nos cria.<br />

Noção <strong>de</strong> Providência<br />

CAPÍTULO TERCEIRO<br />

A PROVIDÊNCIA DIVINA<br />

A Providência Divina resulta da inteligência e da vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> Deus e está estritamente<br />

relacionada com Deus como Primeira Causa. Deus abrange não apenas a criação, mas se<br />

esten<strong>de</strong> na sua manutenção, o que alguns chamam também <strong>de</strong> “criação constante”.<br />

A Providência constitui o plano eterno, segundo o qual todas as coisas criadas são<br />

or<strong>de</strong>nadas segundo um fim e recebem os meios para alcançá-lo. Santo Tomás <strong>de</strong>screve a<br />

providência como “or<strong>de</strong>nação para um fim”.É a ação que Deus exerce sobre a criatura para<br />

conservá-la e dirigi-la para seu Fim, com sabedoria e bonda<strong>de</strong>, segundo a or<strong>de</strong>m que<br />

estabelece na criação.<br />

Deus é infinitamente sábio, e a sabedoria exige que ele vele sobre o mundo que criou,<br />

para conduzi-lo ao fim que ele <strong>de</strong>terminou (plano eterno).<br />

Deus é infinitamente bom, e sua bonda<strong>de</strong> exige que ele estenda a proteção <strong>de</strong> seu amor<br />

sobre as criaturas que são o fruto do seu amor (manutenção).<br />

Deus é infinitamente po<strong>de</strong>roso, e seu po<strong>de</strong>r quer que ele governe soberanamente a obra<br />

saída <strong>de</strong> suas mãos (governo temporal).<br />

Modo da Providência<br />

A Providência e a natureza das coisas<br />

A Providência não po<strong>de</strong> ser concebida como uma ação caprichosa, que modificaria<br />

arbritariamente o curso das coisas.Deve ser interpretada como a ação <strong>de</strong> uma Vonta<strong>de</strong><br />

soberana e infinitamente sábia, conforme a natureza <strong>de</strong> cada criatura, e, por conseguinte, no<br />

homem, á liberda<strong>de</strong>: a ação cuja essência é orientar o curso das coisas em busca do bem <strong>de</strong><br />

todas as criaturas.<br />

A Providência e a ativida<strong>de</strong> das criaturas<br />

A ação provi<strong>de</strong>ncial está entendida (salvo o caso do milagre) na ativida<strong>de</strong> das criaturas<br />

e não se justapõe a essa ativida<strong>de</strong>. Ela utiliza e penetra, como a vida utiliza o mecanismo e<br />

penetra a matéria.<br />

O Problema do Mal


A existência do mal no mundo é freqüentemente invocada para negar a existência <strong>de</strong><br />

Deus ou a realida<strong>de</strong> da Providência Divina.<br />

Se existe Deus como bem infinito, por que o mal?<br />

Tentativa <strong>de</strong> respostas<br />

• O que é o mal? Como concebemos o mal? O mal existe positivamente?<br />

Não existe o mal absoluto. O mal é privação da entida<strong>de</strong> <strong>de</strong>vida, é <strong>de</strong>ficiência dobem.O ser<br />

<strong>de</strong> uma coisa, que é um bem, <strong>de</strong>riva formalmente <strong>de</strong> Deus.A <strong>de</strong>terminação <strong>de</strong>feituosa da<br />

coisa <strong>de</strong>corre da criatura, limitada.<br />

• O mal e a <strong>de</strong>sor<strong>de</strong>m não são sinais da inexistência <strong>de</strong> Deus e não são inconciliáveis<br />

com a sua existência.<br />

Repita-se que não existe o mal absoluto, a pura <strong>de</strong>sor<strong>de</strong>m, o mal só po<strong>de</strong> existir no<br />

bem, exemplo: o buraco na tábua, a <strong>de</strong>sor<strong>de</strong>m se nota se há or<strong>de</strong>m.O que cumpre pesquisar,<br />

em primeiro lugar, é a causa da or<strong>de</strong>m e não da <strong>de</strong>sor<strong>de</strong>m, a causa do bem, ou seja, do que é,<br />

e não do que não é. A <strong>de</strong>sor<strong>de</strong>m po<strong>de</strong> servir para negar a falta <strong>de</strong> habilida<strong>de</strong>, mas não a sua<br />

existência. Se a comida é péssima, significa que o cozinheiro é fraco, ou mal intencionado,<br />

jamais nega sua existência. Assim também, admitindo rasgões na trama do universo, subsiste<br />

intacta a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> um or<strong>de</strong>nador.<br />

A<strong>de</strong>mais se nota que no mundo prevalece a or<strong>de</strong>m e o bem, nunca a <strong>de</strong>sor<strong>de</strong>m e o mal.<br />

Resta indagar qual é o sentido que realmente existe no mal.Qual é sua origem? Jamais se<br />

po<strong>de</strong> culpar Deus pela sua existência, pois seria incompatível com a sua infinita bonda<strong>de</strong> e<br />

inteligência. Portanto, se percebemos o mal, por que ele o permite?<br />

O Dualismo maniqueísta<br />

A explicação do mal não po<strong>de</strong>rá ser procurada na hipótese <strong>de</strong> que existiria um princípio<br />

do mal ao lado ou em face <strong>de</strong> um Principio do bem, como supuséramos maniqueístas<br />

(discípulos <strong>de</strong> Manés, no século <strong>II</strong>I d.C.).A hipótese dualista é refutada, por um lado, pela<br />

unida<strong>de</strong> interna do universo, e por outro lado, pelo que encerra <strong>de</strong> ininteligível, supondo dois<br />

Princípios absolutamente primeiros, autônomos e infinitos que se limitariam reciprocamente.<br />

O Mal Físico e o Mal Moral<br />

Para resolver o problema do mal, é necessário, inicialmente, distinguir:<br />

O mal físico: que pertence à or<strong>de</strong>m corporal e se traduz pelo sofrimento.<br />

O mal moral: que é essencialmente a violação voluntária e livre da or<strong>de</strong>m <strong>de</strong>sejada por Deus<br />

e que se chama falta ou pecado.<br />

Um e outro são não apenas simples ausência <strong>de</strong> um bem superior à natureza, mas<br />

privação <strong>de</strong> um bem que convém à natureza. Desta distinção <strong>de</strong>rivam as seguintes<br />

observações.<br />

1. O mal, físico ou moral, não é natural, quer dizer, não po<strong>de</strong> estar na <strong>de</strong>finição da<br />

natureza.Deus, criador <strong>de</strong> todas as naturezas, não po<strong>de</strong> querer senão o bem. Nenhuma<br />

natureza po<strong>de</strong> então comportar, como tal, nem o mal moral, nem o mal físico (entendidos<br />

como privações <strong>de</strong> um bem moral ou físico <strong>de</strong>vidos à natureza).<br />

É verda<strong>de</strong> que a or<strong>de</strong>m corporal compreen<strong>de</strong>, como tal, penas e dificulda<strong>de</strong>s.Mas essas<br />

penas e dificulda<strong>de</strong>s estão naturalmente or<strong>de</strong>nadas ao bem e à felicida<strong>de</strong> do homem. Sob este<br />

aspecto, a palavra mal não lhe convém realmente.<br />

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2. A possibilida<strong>de</strong> radical do mal está na finitu<strong>de</strong> racional, que a torna capaz <strong>de</strong> cometer o<br />

pecado e, por isso, <strong>de</strong> introduzir no mundo os males que resultam do pecado. Mas esta<br />

capacida<strong>de</strong> não é uma necessida<strong>de</strong>.O homem é livre, e, Deus, que o criou, respeita e garante<br />

esta liberda<strong>de</strong>. Se, então, o homem pecou, isto ocorreu voluntária e livremente.<br />

3. A liberda<strong>de</strong>, mesmo falível é um bem. Não se po<strong>de</strong> recriminar a Deus por ter dado ao<br />

homem o bem perigoso <strong>de</strong> sua liberda<strong>de</strong>. É uma prerrogativa maravilhosa a <strong>de</strong> ser capaz <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>terminar-se por sua própria escolha, conformar-se, por um ato <strong>de</strong> vonta<strong>de</strong> livre, à or<strong>de</strong>m<br />

divina, colaborando, assim, <strong>de</strong> alguma forma, com a ativida<strong>de</strong> criadora <strong>de</strong> Deus. Esta<br />

perfeição não é absoluta, uma vez que comporta falibilida<strong>de</strong>. Mas a justiça exige apenas que<br />

o homem seja senhor <strong>de</strong> sua vonta<strong>de</strong>, <strong>de</strong> sua escolha, <strong>de</strong> ta forma que, pecando, assuma<br />

sozinho a responsabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> sua falta e dos males que <strong>de</strong>la <strong>de</strong>rivam.<br />

4. À pergunta por que Deus permite o mal, po<strong>de</strong>mos respon<strong>de</strong>r que, Deus faz com que o<br />

mal sirva ao bem. Deus faz com que o mal entre na or<strong>de</strong>m, não essencialmente, uma vez que<br />

não foi <strong>de</strong>sejado por Deus, mas aci<strong>de</strong>ntalmente, em virtu<strong>de</strong> das exigências da bonda<strong>de</strong>, da<br />

sabedoria e do po<strong>de</strong>r divino. Isto quer dizer que Deus faz com que o sofrimento seja útil.<br />

Apenas seria absurdo e seria um mal absoluto um sofrimento que não servisse para nada, que<br />

não fosse a expiação <strong>de</strong> uma falta ou a condição <strong>de</strong> um bem.

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