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Apostila de Filosofia da Linguagem - CIRCAPE

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Apostilhas <strong>de</strong><br />

FILOSOFIA DA LINGUAGEM<br />

Professor Pe. José Josivan Bezerra <strong>de</strong> Sales<br />

Recife, 2005.


1 – INTRODUÇÃO<br />

Po<strong>de</strong>mos dizer simplesmente que a filosofia <strong>da</strong> linguagem é a parte <strong>da</strong> filosofia que se ocupa com<br />

as questões <strong>da</strong> linguagem. No entanto, <strong>de</strong> várias maneiras, isto <strong>de</strong>ixa o domínio <strong>da</strong> investigação<br />

seriamente mal <strong>de</strong>terminado. Todos pensam a respeito <strong>da</strong> linguagem e tem sobre ela uma concepção<br />

comum, cotidiana <strong>de</strong> sua reali<strong>da</strong><strong>de</strong>; a utilizam sem preocupações teóricas. Mas além <strong>de</strong>ssas pessoas<br />

existem outras -lingüistas, por exemplo - que se comprometem com o estudo científico <strong>da</strong> linguagem e<br />

possuem uma concepção mais técnica <strong>da</strong> linguagem e <strong>de</strong> seu uso.<br />

Da<strong>da</strong> esta distinção entre a concepção cotidiana <strong>da</strong> linguagem e a concepção científica, po<strong>de</strong>mos<br />

dizer que a filosofia <strong>da</strong> linguagem li<strong>da</strong> com problemas que surgem <strong>de</strong> nossa concepção comum, mas que,<br />

vista a problemática profun<strong>da</strong> – que muitas vezes não é percebi<strong>da</strong>, mas somente nota<strong>da</strong> em alguns<br />

momentos – requer um estudo que <strong>de</strong>ixe à vista sua reali<strong>da</strong><strong>de</strong> intrínseca e a riqueza que possui em to<strong>da</strong><br />

sua amplitu<strong>de</strong>.<br />

Wittgenstein afirmou (1953 § 119): “Os resultados <strong>da</strong> filosofia são a <strong>de</strong>scoberta <strong>da</strong> simples falta <strong>de</strong><br />

sentido e <strong>da</strong>s contusões que o entendimento recebeu ao correr <strong>de</strong> encontro ás fronteiras <strong>da</strong> linguagem”.<br />

Des<strong>de</strong> este ponto <strong>de</strong> vista parece que to<strong>da</strong> a filosofia concerne a questões sobre a linguagem, mas isso<br />

não é bem assim, ain<strong>da</strong> que inegavelmente to<strong>da</strong> a filosofia passa pela linguagem, por varias razões, como<br />

são o pensamento e sua estruturação, e também a comunicação do mesmo conhecimento, como ain<strong>da</strong><br />

pela realização do homem, que essencialmente, é um ser lingüístico.<br />

To<strong>da</strong> a riqueza e amplitu<strong>de</strong> <strong>da</strong> linguagem são, pois, objeto <strong>de</strong> nosso estudo.<br />

Antes <strong>de</strong> a<strong>de</strong>ntrar-nos na nossa disciplina se faz mister apontar que a <strong>Filosofia</strong> <strong>da</strong> <strong>Linguagem</strong><br />

como disciplina filosófica não é tão antiga como várias que compõe os tratados clássicos, mas bem é uma<br />

disciplina recente, por isso mesmo escasseia a quanti<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> material que po<strong>de</strong> ser usado como livro <strong>de</strong><br />

texto, ain<strong>da</strong> que abun<strong>de</strong>m os artigos e monografias sobre tal assunto. No ano <strong>de</strong> 1979, em que é publica<strong>da</strong><br />

a Constituição Apostólica Sapientia Christiana, se enumera nossa disciplina entre aquelas que com caráter<br />

opcional po<strong>de</strong> ser incluí<strong>da</strong> no currículo do biênio ou triênio filosófico que se dá nos institutos e facul<strong>da</strong><strong>de</strong>s<br />

eclesiásticas <strong>de</strong> filosofia.<br />

1.1. A LINGUAGEM COMO ATO HUMANO<br />

2


Na abertura <strong>da</strong> sua obra Política, Aristóteles afirma que somente o homem é um animal político, isto é,<br />

social e cívico, porque somente ele é dotado <strong>de</strong> linguagem. Os outros animais, escreve, possuem voz<br />

(phone) e com ela exprimem dor e prazer, mas o homem possui a palavra (logos) e, com ela, exprime o<br />

bom e o mau, o justo e o injusto. Exprimir e possuir em comum esses valores torna possível a vi<strong>da</strong> social e<br />

política, e, <strong>de</strong>la, somente os homens são capazes.<br />

A clássica <strong>de</strong>finição que <strong>da</strong> Aristóteles ao homem como animal rationalis (ζών λόγος έχών), é<br />

interpreta<strong>da</strong> normalmente tomando o significado <strong>de</strong> racional, como o conceitual,o racional, mas <strong>de</strong>vemos<br />

ver que o termo que usa Aristóteles, λόγος não faz referência somente ao racional, mas também, e no<br />

mesmo nível ao lingüístico, logos é razão, conceito, mas também palavra, expressão. O λόγος <strong>de</strong>fine o<br />

homem e o diferencia dos animais irracionais, mas não po<strong>de</strong>mos esquecer que o aspecto <strong>de</strong> linguagem<br />

está bastante frisado, ain<strong>da</strong> que esquecido, na nossa compreensão.<br />

Uma distinção <strong>da</strong> filosofia clássica (São Justino a usa com freqüência) se <strong>da</strong> entre o logos endiathetós<br />

e o logos prophoricós, o primeiro é o conceito interior, ou o que Santo Agostinho chamava <strong>de</strong> verbum<br />

interior, esse se refere àquele pensamento que se <strong>da</strong> sem expressão externa, ou seja, o pensamento, o<br />

conceito, aqui realmente se toca a concepção <strong>de</strong> logos como pensamento, conceito, conhecimento. Já o<br />

logos prophoricós é o verbum exterior, o pensamento expressado externamente, nesse caso claramente<br />

com o uso <strong>da</strong> linguagem <strong>de</strong> tal modo que aqui nos referimos propriamente à expressão, aos sinais.<br />

Na mesma linha é o raciocínio <strong>de</strong> Rousseau no 1º capítulo do Ensaio sobre a origem <strong>da</strong>s línguas:<br />

A palavra distingue os homens e os animais; a linguagem distingue as nações entre si. Não se sabe<br />

<strong>de</strong> on<strong>de</strong> é um homem antes que ele tenha falado.<br />

A linguagem está sempre à nossa volta, sempre pronta a envolver nosso sentimento e pensamentos,<br />

acompanhando-nos to<strong>da</strong> a nossa vi<strong>da</strong>. Ela não é um simples acompanhamento do pensamento, mas sim<br />

um fio profun<strong>da</strong>mente tecido na trama do pensamento.<br />

A linguagem é assim, a forma propriamente humana <strong>de</strong> comunicação, <strong>da</strong> relação consigo mesmo e<br />

com os outros, <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> social e política, do pensamento e <strong>da</strong>s artes.<br />

<strong>Linguagem</strong> humana e “linguagem animal”<br />

Existe uma profun<strong>da</strong> diferença entre a comunicação que se dá entre os seres humanos e a que se<br />

dá entre os animais irracionais, tudo isto porque há algo que está na base <strong>da</strong> comunicação humana. O<br />

homem por ser animal racional, busca com comunicação expressar sua racionali<strong>da</strong><strong>de</strong>, ou seja, expressar<br />

um pensamento, um conceito, o animal, ao contrário, com sua comunicação instintiva- esta é a primeira<br />

diferença em relação á humana- busca causar um reflexo no outro ou no grupo. O estímulo-resposta é a<br />

marca registra<strong>da</strong> <strong>de</strong>sse tipo <strong>de</strong> comunicação. Não negamos que isto também se <strong>da</strong> na comunicação<br />

humana, pois o homem também é um animal, mas justamente por ser racional nos níveis superiores <strong>de</strong><br />

comunicação, ou seja, aqueles que estão impregnados <strong>de</strong> racionali<strong>da</strong><strong>de</strong>, isto se eleva a um uso voluntário<br />

e racional <strong>da</strong> mesma.<br />

Po<strong>de</strong>mos enumerar algumas diferenças:<br />

Na linguagem humana não há uma base instintiva consi<strong>de</strong>rável, enquanto na comunicação<br />

animal to<strong>da</strong> ela é instintiva:<br />

No animal irracional a comunicação é biológica e fisiologicamente direciona<strong>da</strong>, na humana, se<br />

torna algo cultural:<br />

A comunicação animal não é veículo <strong>de</strong> transmissão <strong>de</strong> pensamento, mas somente estímulo para<br />

uma reação instintiva:<br />

3


4<br />

A linguagem humana goza <strong>de</strong> universali<strong>da</strong><strong>de</strong> semântica, ou seja, po<strong>de</strong> referir-se a tudo, é<br />

infinitamente produtiva, sujeita à mu<strong>da</strong>nças:<br />

O homem tem capaci<strong>da</strong><strong>de</strong> metalingüística, ou seja, reflexibili<strong>da</strong><strong>de</strong>, <strong>de</strong> tal modo que po<strong>de</strong> usar <strong>da</strong><br />

linguagem para falar <strong>da</strong> mesma linguagem.<br />

Por tudo isto po<strong>de</strong>mos concluir que a linguagem compete própria e unicamente ao homem. Quando se<br />

fala <strong>de</strong> linguagem animal, somente se usa tal termo num sentido analógico, pois o que realmente existe no<br />

mundo dos irracionais é comunicação, não linguagem.<br />

Capaci<strong>da</strong><strong>de</strong> simbólica humana<br />

Designa-se o ser humano como homo sapiens sapiens. Justamente o fun<strong>da</strong>mento <strong>da</strong> possibili<strong>da</strong><strong>de</strong><br />

<strong>da</strong> linguagem resi<strong>de</strong> no caráter racional dos seres humanos. O homem não fala porque tem língua, mas<br />

sim inteligência. O homem se manifesta como um ser que fala precisamente por que tem inteligência e<br />

conhece. Mas não basta com a racionali<strong>da</strong><strong>de</strong> para expressar o específico do homem. Com o termo razão<br />

não basta para abarcar to<strong>da</strong> a riqueza <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> cultural do homem. O que distingue também o homem dos<br />

animais irracionais é sua capaci<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> converter em signo tudo o que toca, sua capaci<strong>da</strong><strong>de</strong> simbólica: o<br />

homem é um animal symbolicum. O homem a diferença dos animais não está obrigado instintivamente a<br />

respon<strong>de</strong>r ao mundo <strong>da</strong> natureza. Seu mundo é muito mais amplo e rico que o mundo animal. Graças à<br />

linguagem, a religião e ciência, os seres humanos construíram um universo simbólico que lhes permite<br />

enten<strong>de</strong>r e interpretar, articular e organizar, sintetizar e universalizar sua experiência. Na linguagem o<br />

homem <strong>de</strong>scobre seu po<strong>de</strong>r inusitado, a capaci<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> construíram mundo simbólico.<br />

É notável a importância <strong>de</strong>ssas reflexões, pelas quais se recupera o mundo propriamente humano<br />

diante <strong>da</strong> tirania do saber que se constitui pelas ciências experimentais. A filosofia clássica expressava<br />

algo parecido ao que afirmava Cassirer quando explica que a linguagem é continuatio naturae. O ser<br />

humano é mais que natureza por isso está chamado a continuar-la e realizar-la por meio <strong>da</strong> linguagem, a<br />

arte, o direito, ou seja, o mundo <strong>da</strong>s construções humanas. Ao transcen<strong>de</strong>r pelo espírito o mundo natural, o<br />

homem se abre mais além do natural ao mundo ao mundo simbólico. O homem é mais que natureza e por<br />

continua construindo um mundo não natural, o mundo dos símbolos. O ser humano está no mundo<br />

cultivando-o e ao fazê-lo continua o mundo.<br />

<strong>Linguagem</strong> e cultura<br />

A linguagem é um fenômeno cultural. Entre uma e outra se <strong>da</strong> uma relação <strong>de</strong> intercâmbio<br />

recíproco. Por uma parte a linguagem é um produto cultural, mas por outro, a linguagem é condição <strong>da</strong><br />

cultura e contribui a criar-la. A cultura é condição <strong>da</strong> linguagem, mas a linguagem também o é em relação à<br />

cultura.<br />

A linguagem, como ativi<strong>da</strong><strong>de</strong> livre do homem, e também como produto <strong>de</strong>ssa ativi<strong>da</strong><strong>de</strong>, constitui um<br />

fenômeno cultural. A linguagem também é manifestação <strong>da</strong> cultura, pois ca<strong>da</strong> língua contém os saberes,<br />

idéias e crenças acerca <strong>da</strong> reali<strong>da</strong><strong>de</strong> que é comparti<strong>da</strong> por uma comuni<strong>da</strong><strong>de</strong>. Também, enquanto é um<br />

saber transmissível, a linguagem é um fato cultural. A<strong>de</strong>mais <strong>de</strong> ser cultura, é condição <strong>de</strong> sua existência,<br />

pois a linguagem fun<strong>da</strong>menta a comuni<strong>da</strong><strong>de</strong>, na qual se baseia to<strong>da</strong> cultura. To<strong>da</strong> pessoa, to<strong>da</strong> vi<strong>da</strong><br />

intelectual e social se estancam e ficam num estado embrionário quando a linguagem está ausente. Dizia<br />

Hannah Arendt que “a linguagem é o que faz do homem um animal político”.<br />

A linguagem aparece ao final como:<br />

Instrumento <strong>de</strong> interação: pois com ela os homens se relacionam entre si;


5<br />

De constituição <strong>da</strong> i<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong>: o homem também se autoconhece na objetivação leva<strong>da</strong> a cabo<br />

no uso <strong>da</strong> linguagem;<br />

De representação <strong>de</strong> papéis: por ela o ser humano assume e exerce o seu lugar no enramado<br />

social;<br />

De negociação <strong>de</strong> sentidos: com o uso <strong>da</strong> linguagem o homem dota <strong>de</strong> sentido a reali<strong>da</strong><strong>de</strong>, e<br />

também dota <strong>de</strong> um sentido particular o mundo, faz <strong>de</strong>le um mundo para si.<br />

1.2. A FILOSOFIA E OUTRAS CIÊNCIAS DA LINGUAGEM<br />

Relação <strong>da</strong> <strong>Filosofia</strong> <strong>da</strong> <strong>Linguagem</strong> com a <strong>Filosofia</strong> e outras ciências<br />

Platão na sua obra Fedro põe na boca <strong>de</strong> Sócrates tal sentença “buscamos enten<strong>de</strong>r a linguagem<br />

como espelho <strong>da</strong> reali<strong>da</strong><strong>de</strong> para que a mesma reali<strong>da</strong><strong>de</strong> não ofusque nossos olhos com sua luz e brilho”.<br />

Vemos que no <strong>de</strong>correr <strong>da</strong> história aparecem três tradições <strong>de</strong> estudo <strong>da</strong> linguagem:<br />

Tradição teológica: ju<strong>da</strong>ica e cristã que busca interpretar seus textos sagrados, para isso se faz<br />

mister um conhecimento mais aprofun<strong>da</strong>do <strong>da</strong> reali<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong> linguagem;<br />

Tradição filosófica: que na interpretação do pensamento começa a in<strong>da</strong>gar se a linguagem é<br />

certeira para expressá-lo, ou se há convenções arbitrárias que impe<strong>de</strong>m uma objetivi<strong>da</strong><strong>de</strong>, o<br />

relativismo dos sofistas e a busca do objetivismo dos três gran<strong>de</strong>s filósofos gregos ilustram esse<br />

caminho;<br />

Tradição científica que se situando no século XIX com ciências como a Lingüística, começa a<br />

duvi<strong>da</strong>r <strong>da</strong> univoci<strong>da</strong><strong>de</strong> na correlação linguagem-reali<strong>da</strong><strong>de</strong> e pela lingüística compara<strong>da</strong> a<br />

distanciar-se <strong>de</strong> uma compreensão simples <strong>da</strong> linguagem.<br />

Essas três correntes ou tradições se separaram, mas ten<strong>de</strong>m a unir-se e iluminar-se mutuamente, pois<br />

o mesmo caráter multidisciplinar <strong>da</strong>s ciências leva a uma complexi<strong>da</strong><strong>de</strong> em ca<strong>da</strong> âmbito que começa a<br />

<strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> fora os outros. Hoje se compreen<strong>de</strong> o valor <strong>da</strong> interdisciplinari<strong>da</strong><strong>de</strong> e o valor <strong>de</strong> ver<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong> ca<strong>da</strong><br />

âmbito.<br />

A <strong>Filosofia</strong> <strong>da</strong> <strong>Linguagem</strong> se relaciona <strong>de</strong> modo especial com a Epistemologia ou Teoria do<br />

Conhecimento, pois tantos enunciados lingüísticos que <strong>de</strong>vem ter um sentido na Epistemologia <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>m<br />

<strong>da</strong> <strong>Linguagem</strong>, como também os processos cognoscitivos que são objetos <strong>da</strong> Epistemologia são sob outro<br />

aspecto objetos <strong>da</strong> <strong>Filosofia</strong> <strong>da</strong> <strong>Linguagem</strong>, vemos o exemplo claro do conceito.<br />

A Lógica, pelas mesmas razões <strong>da</strong> Epistemologia, tem uma gran<strong>de</strong> conaturali<strong>da</strong><strong>de</strong> com a <strong>Filosofia</strong> <strong>da</strong><br />

<strong>Linguagem</strong>. Em alguns estudos as duas vêm juntas. O critério <strong>de</strong> ver<strong>da</strong><strong>de</strong> lógica e ver<strong>da</strong><strong>de</strong> significativa<br />

que são próprios <strong>da</strong> Lógica estão muito presente na <strong>Linguagem</strong>.<br />

A Metafísica como ciência central <strong>da</strong> <strong>Filosofia</strong> é <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> interesse para a <strong>Filosofia</strong> <strong>da</strong> <strong>Linguagem</strong>,<br />

pois <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ndo <strong>da</strong> metafísica em que se baseia, os enunciados correspon<strong>de</strong>rão a uma ver<strong>da</strong><strong>de</strong> ulterior<br />

ou não, se a linguagem é veículo <strong>de</strong> pensamento para expressar o ser, <strong>de</strong>vemos saber o que é o ser <strong>de</strong><br />

que se fala.<br />

A Antropologia mostra o homem, que é o sujeito <strong>da</strong> linguagem, <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ndo <strong>da</strong> concepção que se<br />

tenha do homem, veremos o que é a linguagem.<br />

Outras ciências como a Lingüística, a Filologia, a Psicologia têm profun<strong>da</strong> afini<strong>da</strong><strong>de</strong> com a <strong>Filosofia</strong> <strong>da</strong><br />

<strong>Linguagem</strong> pelas mesmas causas expostas anteriormente.<br />

Sendo a filosofia <strong>da</strong> linguagem um campo <strong>de</strong> meditação tão abrangente, também se relaciona com<br />

outras ciências como são a Neurofisiologia, a Psicologia, a História, etc.<br />

Breve panorama histórico <strong>da</strong> filosofia <strong>da</strong> <strong>Linguagem</strong> na contemporanei<strong>da</strong><strong>de</strong>


Os filósofos pré-socráticos buscam o arqué, o mais essencial <strong>de</strong> que to<strong>da</strong>s as coisas são<br />

constituí<strong>da</strong>s, <strong>de</strong> uma forma ou outra busca o ser, que tem que ser conhecido, ou seja, feita ver<strong>da</strong><strong>de</strong><br />

conheci<strong>da</strong> pelo intelecto humano.<br />

Na I<strong>da</strong><strong>de</strong> Antiga a filosofia clássica busca a ver<strong>da</strong><strong>de</strong> sobre as coisas, a filosofia platônica por um<br />

lado, e aristotélica por outro se referem a essa mesma busca, que <strong>de</strong> algum modo se lança até a<br />

objetivi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong>s coisas.<br />

Na I<strong>da</strong><strong>de</strong> medieval, principalmente com a Escolástica a busca <strong>da</strong> ver<strong>da</strong><strong>de</strong> sobre o ser alcança um<br />

ponto álgido com Santo Tomás <strong>da</strong> Aquino. Sua filosofia do ser penetra, com uma profun<strong>da</strong> base<br />

aristotélica, até as entranhas <strong>da</strong>s essências do seres, apoiando-se numa metafísica realista. As palavras<br />

são instrumentos pelos quais nos referimos a conceitos (mundo noético) que implicam uma reali<strong>da</strong><strong>de</strong><br />

(mundo ontológico).<br />

Na filosofia mo<strong>de</strong>rna começa a per<strong>de</strong>r-se essa reali<strong>da</strong><strong>de</strong> óntica para fun<strong>da</strong>mentar-se tudo na<br />

subjetivi<strong>da</strong><strong>de</strong>. Descartes, em efeito, baseia sua filosofia no claro e evi<strong>de</strong>nte à consciência.To<strong>da</strong> existência<br />

extramental se fun<strong>da</strong>menta nesse duplo critério. Per<strong>de</strong>-se relação com a reali<strong>da</strong><strong>de</strong> e se fica com o<br />

conceito. Isso se vê tendo inicio em Descartes, mas a partir <strong>de</strong>le to<strong>da</strong> a filosofia mo<strong>de</strong>rna vai<br />

encaminhando-se pelo racionalismo e empirismo a uma certeza que não se baseia mais no real conhecido<br />

pela abstração até o intelecto, mas no primeiro caso pela intuição racional, e no segundo nos <strong>da</strong>dos<br />

sensíveis imediatos. Kant é exemplo do que ser chega nesse caminho.Também os i<strong>de</strong>alistas que lhe<br />

seguem como Fichte, Schelling e principalmente Hegel para quem todo racional é real e todo real é<br />

racional.<br />

Para a fun<strong>da</strong>mentação “objetiva” se usa a linguagem, não porque se espere em sua objetivi<strong>da</strong><strong>de</strong>,<br />

mas por uma simples razão: quando se fun<strong>da</strong>menta na subjetivi<strong>da</strong><strong>de</strong>, se acaba per<strong>de</strong>ndo contato com a<br />

reali<strong>da</strong><strong>de</strong>, que é afirma<strong>da</strong> como um mundo <strong>de</strong>sconhecido (numênico, na terminologia kantiana); ao per<strong>de</strong>r<br />

esse contato com a reali<strong>da</strong><strong>de</strong>, os conceitos internos per<strong>de</strong>m o laço <strong>de</strong> intercomunicabili<strong>da</strong><strong>de</strong>, se não<br />

encontra algo que seja comum a todos, e esse algo que resta é a linguagem. Na linguagem se encontrou o<br />

espaço comum <strong>de</strong> <strong>de</strong>bate, para universalizar o que se relegava ao âmbito interior e intelectual.<br />

Acaba a linguagem restando como a única base científica porque é o único que goza <strong>de</strong> certa<br />

objetivi<strong>da</strong><strong>de</strong> no sentido <strong>de</strong> aceitação<br />

Chega a afirmar-se que o único comum é a linguagem, mas para livra-la <strong>de</strong> inexatidões se busca<br />

purificar-la. A linguagem ordinária é por <strong>de</strong>mais acientífica, inexata, e obscura. Para fazer uma ver<strong>da</strong><strong>de</strong>ira<br />

ciência basea<strong>da</strong> na linguagem seria necessário purificar a linguagem.<br />

Gottlob Frege<br />

palavra<br />

conceito<br />

reali<strong>da</strong><strong>de</strong><br />

Um dos primeiros que tenta essa purificação <strong>da</strong> linguagem é Frege. Matemático alemão que<br />

buscava uma linguagem conceitual que se expressasse com o rigor <strong>da</strong>s matemáticas.Ele que,<br />

analogamente às matemáticas, reduzir a linguagem a uma forma lógica para que esteja livre <strong>de</strong><br />

6


7<br />

imperfeições. O atomismo lógico-científico permitiria tratar a linguagem como a lógica e manter um<br />

controle tão estrito <strong>da</strong> mesma, como se fosse um tipo <strong>de</strong> matemática. Ele se encontra com vários<br />

problemas, pois existe mais reali<strong>da</strong><strong>de</strong> na comunicação do que o mero sentido lógico <strong>de</strong>notativo expressa a<br />

primeira vista, vemos isto claramente na poesia.<br />

Moore<br />

Os óbices encontrados por Frege são vistos por Moore como algo muito natural, por isso ele<br />

busca constituir a linguagem <strong>de</strong> forma lógica, mas baseia-se no sentido comum. O sentido comum seria o<br />

âmbito on<strong>de</strong> a lógica e o atomismo se expressariam em to<strong>da</strong>s sua plenitu<strong>de</strong>. Inegavelmente essa solução<br />

não é totalmente satisfatória, pois o sentido comum não constitui uma ciência exata.<br />

Schlick (Círculo <strong>de</strong> Viena)<br />

Retoma-se a ânsia do cientificismo no Círculo <strong>de</strong> Viena, seu representante Schlick pensa encontrar<br />

a realização <strong>da</strong> filosofia <strong>da</strong> linguagem usando uma lógica <strong>da</strong> linguagem que se compagine com a reali<strong>da</strong><strong>de</strong><br />

empírica por meio do principio <strong>de</strong> verificação e não do sentido comum buscado por Moore. O critério<br />

empírico permitiria essa fun<strong>da</strong>mentação do uso <strong>da</strong> linguagem <strong>de</strong> tal modo que o que caísse fora <strong>de</strong>sse<br />

critério seria <strong>de</strong>squalificado. Somente seriam ver<strong>da</strong><strong>de</strong>iras as proposições que tem um referencial concreto<br />

e sensível, que possa ser captado pelo critério empírico <strong>da</strong> verificação. Somente o perceptível pelos<br />

sentidos entra no âmbito <strong>da</strong> filosofia e logo <strong>da</strong> significação, ou seja, <strong>da</strong> linguagem.<br />

Ludwig Wittgenstein<br />

O cientificismo do Círculo <strong>de</strong> Viena <strong>de</strong>ixa vários âmbitos <strong>da</strong> linguagem essenciais muitas vezes à<br />

vi<strong>da</strong>, <strong>de</strong>scobertos. Wittgenstein, íntimo colaborador do Círculo, mas nem por isso subjugado ao mesmo,<br />

aponta que esses âmbitos não po<strong>de</strong>m ser ignorados para fazer ver<strong>da</strong><strong>de</strong>ira ciência. Usando uma analogia<br />

com o jogo <strong>de</strong> futebol diz que a linguagem é um jogo, e como tal tem suas regras. Para jogar é necessário<br />

conhecer o jogo e suas regras, a<strong>de</strong>mais em ca<strong>da</strong> jogo se <strong>de</strong>ve jogar com as regras <strong>da</strong>quele jogo e não <strong>de</strong><br />

outro, pois assim as coisas não funcionariam. A forma então que as regras <strong>de</strong> sentido comum não estão na<br />

lógica, nem na estrita verificação, mas nas entrelinhas <strong>da</strong> linguagem, ou seja, na compreensão <strong>da</strong>s regras<br />

do jogo.<br />

Ga<strong>da</strong>mer<br />

jogo X<br />

jogo científico<br />

jogo<br />

artístico<br />

jogo<br />

religioso


8<br />

Ga<strong>da</strong>mer compreen<strong>de</strong> que aqueles jogos dos quais falava Wittgenstein são âmbitos <strong>de</strong><br />

significação. E realmente sua mistura propiciaria uma confusão <strong>de</strong> compreensão, mas mesmo assim entre<br />

os diversos jogos <strong>de</strong> significação não po<strong>de</strong> <strong>da</strong>r-se uma total heteronomia, e sim uma circulari<strong>da</strong><strong>de</strong><br />

hermenêutica, não se <strong>de</strong>ve misturar, mas interagir os conhecimentos para que tudo se enriqueça <strong>de</strong><br />

sentido. Não existe somente circulari<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong>ntro dos jogos <strong>de</strong> linguagem, ou seja, entre os significados <strong>de</strong><br />

um mesmo jogo, mas entre todos os jogos.<br />

Hei<strong>de</strong>gger<br />

A interação do homem com a linguagem é mostra<strong>da</strong> por Hei<strong>de</strong>gger em sua obra, ele leva ao cume<br />

a consi<strong>de</strong>ração <strong>da</strong> linguagem, pois a toma como a casa do ser. O homem faz a linguagem, mas a reali<strong>da</strong><strong>de</strong><br />

profun<strong>da</strong> é que a linguagem realiza e faz o homem, a linguagem manifesta não somente o que o homem é,<br />

mas o mesmo ser é revelado e re-velado na linguagem.<br />

Delimitação <strong>da</strong> <strong>Filosofia</strong> <strong>da</strong> <strong>Linguagem</strong><br />

Enten<strong>de</strong>mos a linguagem como um sistema <strong>de</strong> signos que tem como função principal o comunicar.<br />

Por isso a <strong>de</strong>finição, ou melhor, a <strong>de</strong>limitação <strong>de</strong> nossa disciplina <strong>de</strong>ve abarcar os aspectos principais <strong>da</strong><br />

linguagem: a reali<strong>da</strong><strong>de</strong> dos signos (semiótica), o significado (semântica), a finali<strong>da</strong><strong>de</strong> do seu uso e <strong>de</strong> sua<br />

comunicação (pragmática) e sua correta compreensão (hermenêutica).<br />

Po<strong>de</strong>ríamos arriscar <strong>de</strong>limitar nossa disciplina <strong>da</strong> forma seguinte: a <strong>Filosofia</strong> <strong>da</strong> <strong>Linguagem</strong> é a<br />

ciência filosófica que estu<strong>da</strong> o sistema <strong>de</strong> signos e sua relação <strong>de</strong> significação nas funções <strong>da</strong><br />

comunicação e interpretação do pensamento humano<br />

2 – NATUREZA DA LINGUAGEM<br />

A linguagem é um sistema <strong>de</strong> signos ou sinais usados para indicar coisas, para a comunicação<br />

entre pessoas e para a expressão <strong>de</strong> idéias, valores e sentimentos. Embora tão simples, essa <strong>de</strong>finição <strong>da</strong><br />

linguagem escon<strong>de</strong> problemas complicados com os quais os filósofos têm se ocupado <strong>de</strong>s<strong>de</strong> há muito<br />

tempo. Essa <strong>de</strong>finição afirma que:<br />

1. A linguagem é um sistema, isto é, uma totali<strong>da</strong><strong>de</strong> estrutura<strong>da</strong>, com princípios e leis próprios,<br />

sistema esse que po<strong>de</strong> ser conhecido;<br />

2. A linguagem é um sistema <strong>de</strong> sinais ou <strong>de</strong> signos, isto é, os elementos que formam a totali<strong>da</strong><strong>de</strong><br />

lingüística são um tipo especial <strong>de</strong> objetos, os signos, ou objetos que indicam outros, <strong>de</strong>signam<br />

outros ou representam outros. Por exemplo, a fumaça é um sinal ou signo <strong>de</strong> fogo, a cicatriz é um<br />

sinal <strong>de</strong> uma feri<strong>da</strong>, etc. No caso <strong>da</strong> linguagem, os signos são palavras ou outros.<br />

3. A linguagem indica coisas, isto é, os signos lingüísticos possuem uma função indicativa, pois como<br />

que apontam para as coisas que significam;


9<br />

4. A linguagem tem uma função comunicativa, pois por meio <strong>de</strong> palavras entramos em relação com<br />

os outros, dialogamos, argumentamos, amamos ou odiamos, ensinamos ou apren<strong>de</strong>mos, etc.<br />

5. A linguagem exprime pensamentos, sentimentos e valores, isto é, possui uma função <strong>de</strong><br />

conhecimento e <strong>de</strong> expressão.<br />

2.1. ORIGEM DA LINGUAGEM<br />

Durante muito tempo a filosofia se preocupou em <strong>de</strong>finir a origem e as causas <strong>da</strong> linguagem.<br />

Uma primeira divergência sobre o assunto surgiu na Grécia: a linguagem é natural aos homens ou<br />

é uma convenção social? Se a linguagem for natural, as palavras possuem um sentido próprio e<br />

necessário; se for convencional, são <strong>de</strong>cisões consensuais <strong>da</strong> socie<strong>da</strong><strong>de</strong> e, nesse caso, são arbitrárias,<br />

isto é, a socie<strong>da</strong><strong>de</strong> po<strong>de</strong>ria ter escolhido outras palavras para <strong>de</strong>signar as coisas. Essa discussão levou,<br />

séculos mais tar<strong>de</strong>, á seguinte conclusão: a linguagem como capaci<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> expressão dos seres humanos<br />

é natural, isto é, os humanos nascem com uma aparelhagem física, anatômica, nervosa e cerebral que<br />

lhes permite expressarem-se pela palavra; mas as línguas são convencionais, isto é, surgem <strong>de</strong> condições<br />

históricas, geográficas, econômicas e políticas <strong>de</strong>termina<strong>da</strong>s, ou, em outros termos, são fatos culturais.<br />

Uma vez constituí<strong>da</strong> uma língua, ela se torna uma estrutura ou um sistema dotado <strong>de</strong> necessi<strong>da</strong><strong>de</strong> interna,<br />

passando a funcionar como se fosse algo natural, ou seja, como algo que possui suas leis e princípios<br />

próprios, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte dos sujeitos falantes que a empregam.<br />

Perguntar pela origem <strong>da</strong> linguagem levou a quatro tipos <strong>de</strong> respostas;<br />

1. A linguagem nasce por imitação, isto é, os homens imitam, pela voz, os sons <strong>da</strong><br />

natureza (dos animais, dos rios, do trovão, etc.). A origem <strong>da</strong> linguagem seria, portanto,<br />

a onomatopéia ou imitação dos sons animais e naturais;<br />

2. A linguagem nasce por imitação dos gestos, como uma espécie <strong>de</strong> pantomima ou<br />

encenação, na qual o gesto indica um sentido. Pouco a pouco o gesto passou a ser<br />

acompanhado <strong>de</strong> sons e estes se tornaram gradualmente palavras, abandonando os<br />

gestos;<br />

3. A linguagem nasce <strong>da</strong> necessi<strong>da</strong><strong>de</strong>: a fome, a se<strong>de</strong>, a necessi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> abrigar-se e<br />

proteger-se, <strong>de</strong> reunir-se para <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r-se levaram à criação <strong>da</strong>s palavras, formando<br />

um vocabulário elementar e rudimentar, que pouco a pouco, tornou-se mais complexo e<br />

transformou-se numa língua;<br />

4. A linguagem nasce <strong>da</strong>s emoções, particularmente do grito (medo, surpresa ou alegria),<br />

do choro (dor, medo, compaixão) e do riso (prazer, bem-estar, felici<strong>da</strong><strong>de</strong>).<br />

Essas teorias não são exclu<strong>de</strong>ntes. É muito possível que a linguagem tenha nascido <strong>de</strong> to<strong>da</strong>s<br />

essas fontes ou modos <strong>de</strong> expressão, e os estudos <strong>da</strong> Psicologia Genética mostram que uma criança se<br />

vale <strong>de</strong> todos esses meios para começar a exprimir-se. Uma linguagem se constitui quando passa dos<br />

meios <strong>de</strong> expressão aos atos <strong>de</strong> significação, ou quando passa do expressivo ao significativo.<br />

Essas teorias se agrupam na história <strong>da</strong> filosofia em varias correntes:<br />

Convencionalismo puro<br />

Segundo Parmêni<strong>de</strong>s, o ser é necessário e único, essencialmente diverso do modo como as<br />

coisas aparecem ao homem. As palavras seriam “etiquetas <strong>de</strong> coisas ilusórias”. O atomista Demócrito<br />

<strong>de</strong>fendia a mesma posição por razões diversas. Analisando o modo como a linguagem é usa<strong>da</strong> pelos<br />

homens, aponta alguns argumentos para mostrar que a linguagem não passa <strong>de</strong> mera convenção, muito<br />

sujeita a inconstância. A sinonímia ou polissemia, o fato <strong>da</strong> mesma coisa receber nomes diferentes; a<br />

homonímia ou mutabili<strong>da</strong><strong>de</strong> dos nomes; a metonímia, o fato <strong>de</strong> certos nomes <strong>de</strong>rivarem <strong>de</strong> outros nomes<br />

sem que haja uma semelhança entre as coisas a que se referem. Os sofistas também afirmavam isto


10<br />

fazendo <strong>de</strong>rivar suas concepções até o âmbito <strong>da</strong> metafísica, <strong>da</strong> gnosiologia e <strong>da</strong> antropologia. A<br />

ver<strong>da</strong><strong>de</strong> universal não existe, simplesmente está sujeita à mu<strong>da</strong>nça constante, o mesmo que a linguagem.<br />

O homem é a medi<strong>da</strong> <strong>de</strong> to<strong>da</strong>s as coisas, e a linguagem é um meio <strong>de</strong> referir a essa reali<strong>da</strong><strong>de</strong> mutável e<br />

goza <strong>de</strong> sua mesma firmeza. Górgias firma “não existe o ser, mesmo que ele existisse, não po<strong>de</strong>ria ser<br />

conhecido; se pu<strong>de</strong>sse ser conhecido não po<strong>de</strong>ria ser comunicado, pois há uma diferença entre o que se<br />

pensa e se diz sobre as coisas e entre o que elas <strong>de</strong> fato são”. Assim sendo, a linguagem não passa <strong>de</strong> um<br />

jogo ou <strong>de</strong> um exercício, criado e estimulado pelos mais po<strong>de</strong>rosos, por meio dos quais os hábeis no uso<br />

<strong>da</strong> retórica tiram proveito em causa própria.<br />

Convencionalismo mo<strong>de</strong>rado<br />

A teoria convencionalista pura sobre a origem <strong>da</strong> linguagem per<strong>de</strong>u vigor, principalmente a partir<br />

<strong>da</strong> filosofia <strong>de</strong> Aristóteles. Ele substituiu o convencionalismo puro por um convencionalismo mo<strong>de</strong>rado.<br />

Entre os nomes e as coisas existe certa afeição <strong>da</strong> alma, <strong>da</strong>ndo-se esta sob a forma <strong>de</strong> uma representação<br />

ou <strong>de</strong> um conceito mental, que estabelece as condições <strong>de</strong> semelhança entre o nome e a coisa nomea<strong>da</strong>.<br />

Assim os nomes são criados não por pura arbitrarie<strong>da</strong><strong>de</strong>, mas com a interferência <strong>de</strong> tais afeições <strong>da</strong> alma,<br />

tornando-se símbolos comuns <strong>da</strong>s coisas a que se referem. Os nomes não nascem naturalmente, mas por<br />

convenção; no entanto, há um padrão comum a todos os homens, o que os torna, mesmo fazendo uso <strong>de</strong><br />

nomes diferentes, capazes <strong>de</strong> se referirem às mesmas coisas. Esta tese resume-se na seguinte tría<strong>de</strong>:<br />

a) as coisas são iguais para todos os homens;<br />

b) as afeições ou conceitos <strong>da</strong> alma são iguais para todos os homens;<br />

c) os nomes <strong>da</strong>s coisas não são iguais para todos os homens.<br />

Portanto, os símbolos são convencionais, mas existem certos substratos que fun<strong>da</strong>mentam a<br />

linguagem e este são <strong>de</strong> caráter universal.E, sobretudo, através <strong>da</strong> linguagem é possível expressar a<br />

reali<strong>da</strong><strong>de</strong> essencial dos seres, <strong>de</strong>finindo-os.<br />

Naturalismo (positivistas)<br />

Contradizendo o convencionalismo, as teorias naturalistas sobre a linguagem <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>m a tese <strong>de</strong><br />

que esta surge <strong>de</strong> uma ação causal dos objetos sobre a mesma. De um certo modo, os nomes <strong>da</strong>s coisas<br />

estão preliminarmente ligados às próprias coisas, do mesmo modo como seu caráter semântico. Enquanto<br />

a teoria convencionalista afirma que o sentido dos sinais é sempre exato porque resulta <strong>de</strong> uma convenção<br />

humana que estabelece suas regras, os naturalistas sugerem a mesmas coisas, mas fun<strong>da</strong>mentam tal tese<br />

na impossibili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong> linguagem estar sujeita ao arbítrio, por estar fun<strong>da</strong>menta<strong>da</strong> em seu nexo causal com<br />

os objetos.<br />

As palavras surgiriam do mesmo meio em que o homem vive. E por a interação e influência sofri<strong>da</strong><br />

<strong>de</strong>sse meio, o homem iria <strong>de</strong>senvolvendo a linguagem <strong>de</strong>termina<strong>da</strong> pelo contexto e habitat.<br />

Teoria <strong>da</strong> interjeição: as palavras surgem pelo fato dos homens diante <strong>de</strong> <strong>de</strong>termina<strong>da</strong>s situações, levados<br />

pela emoção emitirem certos sons; estes sons foram pouco a pouco sendo associados às situações<br />

vivi<strong>da</strong>s, e sendo melhorados para evi<strong>de</strong>nciar a que se estavam referindo se <strong>de</strong>senvolveu até tornar-se<br />

meio <strong>de</strong> comunicação.<br />

Lucrécio afirma “quanto aos diversos sons <strong>da</strong> linguagem, foi a natureza que nos obrigou a emiti-los<br />

e foi a utili<strong>da</strong><strong>de</strong> que levou a <strong>da</strong>r nomes às coisas; é do mesmo modo que vemos os meninos recorrerem ao<br />

gesto por não saberem pronunciar as palavras, apontando com o <strong>de</strong>do os objetos que estão presentes”.<br />

Teoria <strong>da</strong> onomatopéia: os sons naturais serviriam <strong>de</strong> ponto <strong>de</strong> parti<strong>da</strong> para o reconhecimento dos objetos<br />

em questão. No entanto não se trata <strong>de</strong> uma mera imitação dos sons natural emitido pelo animal ou objeto,<br />

o homem possuía capaci<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> reflexão e assim po<strong>de</strong> fixar <strong>de</strong> outro modos mais simples esses sons.


11<br />

Teoria <strong>da</strong> metáfora: como a linguagem não é mera imitação, mas criação, produção, e a<strong>de</strong>mais a<br />

produção lingüística não se referem em sua origem a conceitos abstratos, mas a imagens, a criação<br />

lingüística tomaria <strong>de</strong>ssas imagens que seriam dota<strong>da</strong>s <strong>de</strong> sentido, mas além <strong>de</strong> sua mesma reali<strong>da</strong><strong>de</strong>.<br />

Assim a força do vento po<strong>de</strong>ria ser signo <strong>da</strong> força em abstrato ou mesmo <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r.<br />

Teoria <strong>da</strong> imagem lógica: Essa subteoria assenta-se basicamente na idéia <strong>de</strong> que a linguagem é a<br />

expressão ou a imagem <strong>da</strong> essência ou do modo <strong>de</strong> ser <strong>da</strong>s coisas. A linguagem manifesta então o que as<br />

coisas são, pois se refere imediatamente àquela imagem lógica ou mental, que se aperfeiçoa no conceito.<br />

2.2. TIPOS DE LINGUAGEM<br />

A - <strong>Linguagem</strong> histórica e artificial (racional): a do dia-a-dia, português, inglês, etc.<br />

Essa classificação já po<strong>de</strong> ser encontra<strong>da</strong> entre os antigos filósofos gregos.Segundo ela, são<br />

naturais (históricas) as linguagens emprega<strong>da</strong>s por uma <strong>de</strong>termina<strong>da</strong> comuni<strong>da</strong><strong>de</strong> histórica, distingue<br />

também como artificiais as que são cria<strong>da</strong>s para uma situação particular, como a língua dos cientistas,<br />

código Morse, etc.<br />

B - <strong>Linguagem</strong> expressiva (volitiva): serve para exteriorizar sentimentos, emoções ou percepções<br />

pessoais. Não po<strong>de</strong> resumir-se à gramática<br />

Expressiva - busca manifestar a interiori<strong>da</strong><strong>de</strong>.<br />

Apelativa - busca causar uma reação, suscitar, <strong>de</strong>spertar, provocar.<br />

C - <strong>Linguagem</strong> existencial (vital): busca manifestar o homem, sua ver<strong>da</strong><strong>de</strong> e seu ser, como diria<br />

Hei<strong>de</strong>gger, se a linguagem é a casa do ser; aí o homem se encontra e se constrói.<br />

2.3. FUNÇÕES DA LINGUAGEM<br />

Denotativa ou conotativa: por este uso <strong>da</strong> linguagem se refere a reali<strong>da</strong><strong>de</strong>s que se pensam<br />

objetiva ou objetiva<strong>da</strong>, ou seja, exteriores ao homem, e se busca falar sobre elas. No âmbito <strong>da</strong><br />

linguagem <strong>de</strong>notativa há ver<strong>da</strong><strong>de</strong>, nessa linguagem <strong>de</strong>notativa se significa a <strong>de</strong>scrição <strong>de</strong> um<br />

<strong>de</strong>terminado objeto com as palavras que usualmente e até mesmo no dicionário se enten<strong>de</strong>m, se<br />

verifica assim <strong>de</strong> modo unívoco a comunicação. Já na linguagem conotativa, ain<strong>da</strong> que se fale <strong>de</strong><br />

reali<strong>da</strong><strong>de</strong>s também objetivas se usa a linguagem com uma maior liber<strong>da</strong><strong>de</strong> dotando as palavras<br />

<strong>de</strong> um sentido que inicialmente elas não têm, mas que no seu contexto significativo se<br />

compreen<strong>de</strong>. Nesses dois modos <strong>de</strong> usar a linguagem o caráter cognoscitivo está presente <strong>de</strong><br />

modo forte, pois se fala sobre algo.<br />

Comunicativa: nesse caso não se visa a comunicação <strong>de</strong> uma ver<strong>da</strong><strong>de</strong> objetiva, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte<br />

<strong>de</strong> mim, mas se quer comunicar a interiori<strong>da</strong><strong>de</strong>, por meio <strong>de</strong>ste tipo <strong>de</strong> linguagem o indivíduo<br />

conhece a si mesmo e ao mesmo tempo se abre para que o outro entre em seu interior;<br />

Afirmação do eu: segundo Martin Hei<strong>de</strong>gger o homem ao inserir-se no mundo, estabelece uma<br />

relação em que, inicialmente, os objetos <strong>de</strong>sse mundo estão simplesmente diante <strong>de</strong> si, o homem<br />

passa a dotar-lhes <strong>de</strong> sentido, dá significado ao mundo, mas ao fazer isso o homem toma<br />

consciência <strong>de</strong> si mesmo como diferente <strong>da</strong>s coisas que lhe cercam.O acesso ao mundo<br />

significativo <strong>da</strong> linguagem é o primeiro passo para a toma<strong>da</strong> <strong>de</strong> consciência <strong>de</strong> si, não só diante<br />

<strong>da</strong>s coisas, mas também diante dos outros.<br />

Catártica: a linguagem po<strong>de</strong> ser, também, simplesmente um meio para a expressão dos<br />

sentimentos, aí não existe propriamente uma ver<strong>da</strong><strong>de</strong>. Há situações em que a linguagem na<strong>da</strong><br />

mais é do que um instrumento <strong>de</strong> catarse ou <strong>de</strong> exteriorização <strong>de</strong> estados emocionais, nesse


12<br />

caso não é que é mentira ou irreali<strong>da</strong><strong>de</strong>, mas somente um uso que tem seu significado<br />

peculiar, essa forma escapa geralmente <strong>da</strong>s conceituações <strong>da</strong> ciência;<br />

Estética: ain<strong>da</strong> que a linguagem verbal seja a sua forma principal, há outros modos <strong>de</strong><br />

comunicar que estão para além <strong>da</strong> palavra. Isso se po<strong>de</strong> notar no modo como as palavras são<br />

pronuncia<strong>da</strong>s: a acentuação, a veloci<strong>da</strong><strong>de</strong>, a ênfase, ou mesmo nos gestos e no olhar. A poesia<br />

se enquadra também aqui, pois usa vários <strong>de</strong>sses recursos.<br />

3 – ÂMBITOS DA LINGUAGEM<br />

hermenêutica<br />

pragmática<br />

referente<br />

3.1. O SIGNO LINGÜÍSTICO: SEMIÓTICA<br />

semiótica<br />

semântica<br />

hermenêutica<br />

representamen<br />

referencial<br />

semântica<br />

O primeiro aspecto ou âmbito <strong>da</strong> linguagem é o dos signos. É a base para a comunicação humana,<br />

pois ela sempre se dá por signos, os mais variados. Em efeito, signo é aquilo que uma vez conhecido leva<br />

ao conhecimento <strong>de</strong> outro. O signo é o princípio <strong>da</strong> comunicação humana, pois esta é comunicação ou<br />

transmissão <strong>de</strong> pensamento (seja ele estritamente racional ou volitivo), isto se <strong>de</strong>ve a que o homem não é<br />

um espírito puro que possa se comunicar por transmissão <strong>de</strong> formas puras do pensamento, mas como<br />

animal, ou seja, possuidor do corpo, <strong>de</strong> uma materiali<strong>da</strong><strong>de</strong>, necessita <strong>de</strong> um medium para transmitir seu<br />

interior, os conceitos que tem em sua alma aos <strong>de</strong>mais, e não somente para transmiti-los, mas também<br />

para interagir com a totali<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> seu corpo. O signo é, pois, a aveni<strong>da</strong> pela qual transita o pensamento <strong>de</strong><br />

uma mente para outra.<br />

A semiótica é a ciência dos signos. Vai estu<strong>da</strong>r justamente a função integradora <strong>de</strong> todos os<br />

diversos sistemas simbólicos. Não somente no marco do mesmo sistema simbólico, mas também no<br />

contexto <strong>de</strong> seu uso, é o que diz Ferdinand <strong>de</strong> Saussure quando <strong>de</strong>fine a semiótica como “ciência que<br />

estu<strong>da</strong> a vi<strong>da</strong> dos signos no seio <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> social”.<br />

Consi<strong>de</strong>ra-se a Charles Peirce (1839-1914), filósofo estaduni<strong>de</strong>nse como o fun<strong>da</strong>dor <strong>da</strong> semiótica.<br />

Ain<strong>da</strong> que sempre se tenha prestado atenção aos signos ele estrutura tal estudo como uma ciência a se.<br />

Compreen<strong>de</strong>-se que os comportamentos humanos tais como o falar, não se explicam simplesmente como


13<br />

um estímulo-reflexo, mas vai mais além pelo uso que se po<strong>de</strong> <strong>da</strong>r aos signos, como eles se relacionam<br />

com as coisas (res), dotando-lhes <strong>de</strong> sentido.<br />

Na linguagem humana não acontece somente o estímulo versus resposta, sempre instintivo que se<br />

dá na comunicação animal, mas há uma capaci<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> interpretar os sons que se configuram assim como<br />

signos.<br />

A semiótica se orientou para uma estrutura ternária <strong>da</strong> compreensão <strong>da</strong> comunicação. Charles<br />

Morris apresenta o signo como um som, gesto, <strong>de</strong>senho ou outra coisa que faz referência a uma reali<strong>da</strong><strong>de</strong><br />

ulterior. Essa reali<strong>da</strong><strong>de</strong> vai ser chama<strong>da</strong> <strong>de</strong> referente, este po<strong>de</strong> ser real ou imaginário. A<strong>de</strong>mais há um<br />

sujeito que os une. Como tudo isto não ocorre infalivelmente, a primeira tarefa <strong>da</strong> filosofia é estabelecer<br />

uma teoria geral sobre os signos, ou seja, sobre estes primeiros aspectos formais e procedimentais <strong>da</strong><br />

ativi<strong>da</strong><strong>de</strong> comunicativa <strong>de</strong> transmissão <strong>da</strong> ver<strong>da</strong><strong>de</strong>.<br />

Os signos não se constituem como uma reali<strong>da</strong><strong>de</strong> isola<strong>da</strong>, pois nenhuma oração acaba como<br />

sendo reconheci<strong>da</strong> como ver<strong>da</strong><strong>de</strong>ira se não po<strong>de</strong> ser conheci<strong>da</strong> como ver<strong>da</strong><strong>de</strong>ira. A semiótica procura <strong>da</strong>r<br />

conta do significado como o resultado <strong>de</strong> um complexo processo social. O significado se compreen<strong>de</strong><br />

como uma uni<strong>da</strong><strong>de</strong> cultural cuja representação só po<strong>de</strong> ser entendi<strong>da</strong> através <strong>de</strong> outras uni<strong>da</strong><strong>de</strong>s culturais<br />

anteriores, assim somente no âmbito significativo, o que Wittgenstein chamaria <strong>de</strong> jogo <strong>de</strong> linguagem os<br />

signos lingüísticos gozam <strong>de</strong> significação.<br />

Semiosis é a ação <strong>da</strong> razão pela qual um objeto po<strong>de</strong> ser usado como signo, e isto acontece<br />

constantemente, pois o homem dota <strong>de</strong> significado a to<strong>da</strong>s as coisas que tem ao seu redor. Enten<strong>de</strong>-se<br />

que não po<strong>de</strong> haver significado, nem linguagem nem cultura fora e in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte <strong>da</strong> comuni<strong>da</strong><strong>de</strong>. Mas uma<br />

vez constituído o signo este tem uma reali<strong>da</strong><strong>de</strong> intrínseca que não se inclina a qualquer interpretação, isto<br />

é base e fun<strong>da</strong>mento para a tarefa <strong>da</strong> filosofia e <strong>da</strong> mesma comunicação humana.<br />

Relação bilateral do signo<br />

O pensamento <strong>de</strong> Ferdinand <strong>de</strong> Saussure trata <strong>de</strong> uma relação bilateral:<br />

significante significado<br />

Do significante (som, <strong>de</strong>senho, palavra, cor, etc.) ao significado (conteúdo que se quer significar,<br />

seja real ou imaginário), se <strong>da</strong> uma relação homogênea, que se sustenta na socie<strong>da</strong><strong>de</strong> ou comuni<strong>da</strong><strong>de</strong><br />

comunicativa. “O signo está em nosso discurso no lugar <strong>da</strong>s coisas” é o que diz Saussure, assim se<br />

cumpre aquilo <strong>de</strong> que o signo é o que uma vez conhecido leva ao conhecimento <strong>de</strong> outro.<br />

De todos modos o signo não permanece incólume ou imutável. Saussure aponta dois princípios<br />

que fun<strong>da</strong>mentam a riqueza vital do signo:<br />

*Princípio <strong>de</strong> arbitrarie<strong>da</strong><strong>de</strong> (espacial): não há relação unívoca do signo com o significado, é a socie<strong>da</strong><strong>de</strong><br />

ou comuni<strong>da</strong><strong>de</strong> significativa que dá reali<strong>da</strong><strong>de</strong> ao signo, assim em ca<strong>da</strong> comuni<strong>da</strong><strong>de</strong> no seu contexto real o<br />

signo tem significado e reali<strong>da</strong><strong>de</strong>;<br />

* Princípio <strong>de</strong> lineali<strong>da</strong><strong>de</strong> (temporal): os signos não permanecem imutáveis, mas estão em constante<br />

evolução, sempre no âmbito <strong>de</strong> uma comuni<strong>da</strong><strong>de</strong>.<br />

Tudo isto é reali<strong>da</strong><strong>de</strong> e o pensamento <strong>de</strong> Saussure sobre a importância <strong>da</strong> comuni<strong>da</strong><strong>de</strong><br />

comunicativa no âmbito <strong>da</strong> linguagem é <strong>de</strong> suma importância, mas o que nos ilumina ain<strong>da</strong> mais a<br />

reali<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong> linguagem é a estrutura triádica <strong>de</strong> Charles S. Peirce.<br />

Concepção triádica do signo


14<br />

Peirce apresenta a estrutura triádica <strong>da</strong> linguagem que nos revela ain<strong>da</strong> mais sua reali<strong>da</strong><strong>de</strong><br />

intrinsecamente humana, o seu caráter <strong>de</strong> veículo do pensamento.<br />

A função representativa do signo não está em sua conexão material com o objeto, nem que seja<br />

imagem <strong>de</strong>le, que é o que parecia <strong>de</strong>spren<strong>de</strong>r-se <strong>da</strong> teoria <strong>de</strong> Saussure, mas que seja consi<strong>de</strong>rado com tal<br />

signo por um pensamento ou interpretante.<br />

O signo ou representamen, que para Peirce se i<strong>de</strong>ntificam, é um signo que está representando<br />

algo, mas não na totali<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> seus aspectos, é como um conceito já contextualizado. O interpretante é o<br />

conceito realmente no sujeito que o interpreta, é aquilo que já causou seu efeito <strong>de</strong> transmitir o<br />

conhecimento, como po<strong>de</strong>mos ver essa distinção é muito sutil. O objeto é a reali<strong>da</strong><strong>de</strong> a que se refere tanto<br />

um como outro, ain<strong>da</strong> que nenhum dos dois seja propriamente cópia <strong>de</strong>ssa reali<strong>da</strong><strong>de</strong> senão uma<br />

representação. Para Peirce todo signo é um representamen. Essa representação <strong>da</strong> reali<strong>da</strong><strong>de</strong> na mente<br />

causa<strong>da</strong> pelo signo é “como um embaixador que representa o seu país no estrangeiro”. A interpretação é,<br />

pois, uma inferência, hipotética certamente, pois to<strong>da</strong> nossa interpretação é falível.<br />

Pela sutileza <strong>da</strong> distinção entre representamen e interpretante se <strong>da</strong> um <strong>de</strong>slocamento <strong>de</strong>sta<br />

terminologia que vai servir para aclarar esse processo comunicativo como uma veiculação do pensamento<br />

humano, a transmissão, em última instância, <strong>da</strong> ver<strong>da</strong><strong>de</strong> conheci<strong>da</strong>.<br />

O que <strong>de</strong> ver<strong>da</strong><strong>de</strong> vai ser importante na compreensão <strong>de</strong>ste processo é saber que pelas palavras,<br />

gestos, cores, ou qualquer signo lingüístico, se faz referência a uma reali<strong>da</strong><strong>de</strong>, que é a res, seja esta real<br />

ou imaginaria, e o objeto <strong>da</strong> referência, mas tudo isto não acontece <strong>de</strong> modo material pois o que se busca<br />

realmente transmitir é aquele conhecimento, conceito, pensamento que é o término do processo<br />

cognoscitivo, e que agora será base para o processo comunicativo.<br />

Representamen<br />

ou<br />

signo<br />

representamen ou<br />

signo<br />

interpretante<br />

objeto<br />

interpretante<br />

objeto<br />

representame<br />

n<br />

referente referencial<br />

A reinterpretação <strong>da</strong> teoria <strong>de</strong> Peirce <strong>da</strong> cabi<strong>da</strong> a uma consi<strong>de</strong>ração <strong>da</strong> linguagem como aquele<br />

veículo pelo qual se aponta a um referencial (a reali<strong>da</strong><strong>de</strong> referi<strong>da</strong>) que é o que se buscou conhecer e ao<br />

final do processo cognoscitivo foi possuído <strong>de</strong> modo imaterial no intelecto, na forma <strong>de</strong> conceito<br />

(representamen será a terminologia usa<strong>da</strong>, empresta<strong>da</strong> do mesmo Peirce), esse conceito sofrerá<br />

variações, permanece conceito <strong>de</strong> tal coisa, mas na passagem <strong>de</strong> comunicação e na mesma<br />

reintepretação se enriquecerá <strong>de</strong> matizes e significados que inicialmente não tinha.


Classificação dos signos<br />

Em relação ao sujeito:<br />

Voluntário: são signos que pela intencionali<strong>da</strong><strong>de</strong> do emissor levam ao conhecimento buscado;<br />

Involuntário: signos naturais que levam a uma comunicação in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte <strong>da</strong> vonta<strong>de</strong> do sujeito.<br />

Em relação à forma <strong>de</strong> significar significado:<br />

Naturais: que por sua mesma natureza significam;<br />

Artificiais: seu significado vem pelo consenso dos homens.<br />

Esta classificação foi estrutura<strong>da</strong> por Santo Agostinho no que ele chamava <strong>de</strong> signa naturalia (aqueles<br />

cuja relação com a coisa significa<strong>da</strong> resulta apenas <strong>da</strong>s leis <strong>da</strong> natureza) e signa <strong>da</strong>ta (aqueles artificiais,<br />

nos quais sua relação com a coisa significa<strong>da</strong> repousa em uma <strong>de</strong>cisão voluntária e a maior parte <strong>da</strong>s<br />

vezes coletiva).<br />

Em relação ao mesmo signo ou sua instrumentali<strong>da</strong><strong>de</strong>:<br />

Instrumental: aquele signo que uma vez conhecido leva ao conhecimento <strong>de</strong> outra coisa ou <strong>de</strong><br />

outro signo:<br />

Formal: o signo formal é o signo puro, são os conceitos <strong>da</strong> mente, os quais nos levam ao<br />

conhecimento imediato <strong>da</strong> reali<strong>da</strong><strong>de</strong> conheci<strong>da</strong>.<br />

A<strong>de</strong>mais <strong>de</strong>stas classificações, temos uma divisão <strong>de</strong> Peirce em:<br />

Índice: aqueles signos que apontam fisicamente seu objeto (uma seta que indica a direção);<br />

Ícone: sua relação com o objeto se baseia na semelhança figurativa e exterior ou igual<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

distribuição <strong>da</strong>s partes (por ex. o <strong>de</strong>senho <strong>de</strong> um homem para indicar que o banheiro é<br />

masculino);<br />

Símbolo: resulta <strong>da</strong> convenção, não tem semelhança nem conexão física.<br />

Signos, conceitos e coisas.<br />

sujeito<br />

linguage mundo<br />

Vemos que há uma relação entre a linguagem e o sujeito, pois sua palavra é expressão e veículo<br />

do conceito que busca transmitir. Também ocorre uma relação <strong>da</strong> linguagem com o mundo. Esta relação é<br />

estu<strong>da</strong><strong>da</strong> na semântica: referência e ver<strong>da</strong><strong>de</strong>. A relação entre sujeito e mundo é objeto <strong>da</strong> teoria do<br />

conhecimento ou epistemologia.<br />

O que realmente nos interessa na semiótica é essa relação <strong>da</strong>s palavras e <strong>de</strong> todos os signos com<br />

o que se busca comunicar, sempre uma reali<strong>da</strong><strong>de</strong>, ain<strong>da</strong> que seja imaginaria.<br />

Um aspecto <strong>de</strong>veras importante é a intencionali<strong>da</strong><strong>de</strong> do signo lingüístico. Justamente o signo <strong>de</strong>ve<br />

servir <strong>de</strong> caminho para levar ao conhecimento <strong>da</strong> reali<strong>da</strong><strong>de</strong>. Como vimos há signos que levam ao<br />

15


16<br />

conhecimento <strong>de</strong> outro signo, o que chamávamos <strong>de</strong> signo instrumental, por exemplo, o signo escrito,<br />

ca<strong>de</strong>ira, nos leva ao conhecimento <strong>de</strong> um signo mais perfeito, o conceito que temos em nossa mente<br />

(signo formal) e esse nos leva imediatamente à reali<strong>da</strong><strong>de</strong> ca<strong>de</strong>ira. Não é que todo signo se refira sempre a<br />

outro signo, assim nunca explicaríamos na<strong>da</strong> e aconteceria o que J. Derridá chamou <strong>de</strong> circulari<strong>da</strong><strong>de</strong><br />

semiológica, nunca se explica na<strong>da</strong> somente se busca explicar os signos. Mas sabemos que o homem<br />

conhece a reali<strong>da</strong><strong>de</strong>, e busca transmitir esse conhecimento, o signo mais perfeito é o que se refere<br />

imediatamente à reali<strong>da</strong><strong>de</strong>: o signo formal. Este cumpre perfeitamente a função <strong>de</strong>signo, pois enquanto os<br />

outros nos levam ao conhecimento <strong>de</strong> outra coisa, mas antes eles têm que ser conhecidos em sua<br />

substanciali<strong>da</strong><strong>de</strong>, o signo formal leva imediatamente ao referencial, pois o signo formal não tem reali<strong>da</strong><strong>de</strong><br />

em si, senão a única reali<strong>da</strong><strong>de</strong> que tem é a referência à reali<strong>da</strong><strong>de</strong>. Sem conhecimento explícito <strong>de</strong> sua<br />

reali<strong>da</strong><strong>de</strong> nos leva ao conhecimento <strong>da</strong> reali<strong>da</strong><strong>de</strong>. To<strong>da</strong> sua reali<strong>da</strong><strong>de</strong> está em levar o sujeito a ter<br />

consciência do objeto. Cumpre assim o papel <strong>de</strong> signo <strong>de</strong> modo sumamente perfeito. O perigo é esquecer<br />

a intencionali<strong>da</strong><strong>de</strong> do signo formal e conceber-lo como um signo instrumental no sentido <strong>de</strong> ter reali<strong>da</strong><strong>de</strong><br />

em si, <strong>de</strong> tal modo que po<strong>de</strong>ria conhecer-se esse signo in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte <strong>da</strong> reali<strong>da</strong><strong>de</strong>. Cairíamos assim na<br />

filosofia subjetivista em que se conhece tão somente o fruto <strong>de</strong> nosso pensamento, mas este não tem<br />

referencia real a reali<strong>da</strong><strong>de</strong> externa, ao ente, ao ôntico. O conhecimento <strong>de</strong>ixaria <strong>de</strong> ser conhecimento <strong>da</strong><br />

reali<strong>da</strong><strong>de</strong> para ser conhecimento <strong>da</strong> consciência.<br />

Isso se <strong>de</strong>u na filosofia mo<strong>de</strong>rna, se per<strong>de</strong>u essa referência imediata à reali<strong>da</strong><strong>de</strong>, e o signo formal<br />

se tornou um intermediário com substanciali<strong>da</strong><strong>de</strong> no caminho até a reali<strong>da</strong><strong>de</strong>. É preclaro o exemplo <strong>da</strong><br />

filosofia kantiana, para a qual o númeno é <strong>de</strong>sconhecido, somente se conhece o que se configura pelas<br />

formas puras do conhecimento e <strong>de</strong>pois é categorizado pelas categorias a priori do mesmo conhecimento,<br />

afinal o que se conhece é o produto mental e não a reali<strong>da</strong><strong>de</strong> que se busca conhecer.<br />

O conceito é um signo que remite intencionalmente á reali<strong>da</strong><strong>de</strong>, sua reali<strong>da</strong><strong>de</strong> intrínseca se esgota<br />

em reportar-se à reali<strong>da</strong><strong>de</strong>. Isto já o afirma Santo Tomás <strong>de</strong> Aquino, diz ele que “o conceito é aquilo por<br />

meio do qual (id quo) conhecemos e não aquilo que (id quod) conhecemos”. O conhecido é o que as<br />

palavras <strong>de</strong>signam.Os conceitos são aquilo por meio do qual as palavras significam os objetos, mas nunca<br />

são eles mesmos os objetos significados.<br />

As palavras são signos dos conceitos, e os conceitos são semelhanças <strong>da</strong>s coisas; as palavras se<br />

referem às coisas mediante os conceitos do intelecto; são via ad res.<br />

A natureza <strong>da</strong>s palavras é distinta <strong>da</strong> dos conceitos, elas se referem às coisas intencionalmente,<br />

artificialmente; os conceitos, naturalmente, pois são as abstrações (término do processo cognoscitivo) <strong>da</strong><br />

reali<strong>da</strong><strong>de</strong>.<br />

Há que distinguir, pois, o conceito <strong>da</strong> reali<strong>da</strong><strong>de</strong>, uma coisa é o ser nas coisas outro o ser mental<br />

próprio do conceito. A coisa significa<strong>da</strong> e o modo <strong>de</strong> significar-la são âmbitos distintos: o <strong>da</strong> ontologia e o<br />

<strong>da</strong> lógica.<br />

Pensamento e linguagem<br />

A relação entre pensamento e linguagem foi objeto <strong>de</strong> polêmicas durante o século XX. Até que<br />

ponto estamos influenciados pela linguagem? É possível um pensamento sem linguagem?As teses que se<br />

<strong>de</strong>fen<strong>de</strong>ram sobre estes temas foram principalmente estas três.<br />

A linguagem como tradução do pensamento


17<br />

Afirma que a linguagem não é mais que signo do pensamento. Ou seja, seria um código para<br />

traduzir o pensamento e exteriorizar-lo, mas o pensamento se produziria in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte <strong>da</strong> linguagem, na<br />

intimi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong> pessoa, e somente num segundo momento seria traduzido para categorias lingüísticas. Pois<br />

como não é possível a comunicação direta <strong>de</strong> pensamentos, o homem necessita esse meio.<br />

Essa posição, típica <strong>da</strong> filosofia <strong>da</strong> consciência, tem graves problemas. Se o pensamento fosse<br />

in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte <strong>da</strong> linguagem que po<strong>de</strong>ria garantir que a tradução é correta, pois (não falamos nesse caso<br />

<strong>de</strong> línguas, mas <strong>de</strong> linguagem), o pensamento in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte <strong>da</strong> linguagem seria um pensamento a se,<br />

in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte e único, totalmente pessoal, traduzir-lo com uma linguagem seria forçar-lo e a pessoa que<br />

enten<strong>de</strong>sse aquela linguagem nunca po<strong>de</strong>ria estar certa <strong>de</strong> enten<strong>de</strong>r o pensamento, pois esse seria único<br />

em ca<strong>da</strong> mente.<br />

O conhecimento é um trabalho social, que não está isento <strong>de</strong> regras universais e uma linguagem<br />

universal, não certamente uma língua universal, mas umas estruturas básicas <strong>de</strong> exposição e estruturação<br />

do pensamento, que por isso mesmo se configura como pensamento humano, <strong>de</strong> um animal racional.<br />

Ao separar tanto linguagem e pensamento essa tese estabelece um dualismo entre os o dois. O<br />

pensamento seria totalmente extrínseco à linguagem. O pensamento se torna uma sucessão <strong>de</strong> imagens<br />

mentais, mas seria <strong>de</strong> todos modos uma forma articula<strong>da</strong> <strong>de</strong> pensar, mas que em vez <strong>de</strong> palavras, usaria<br />

uns misteriosos componentes <strong>de</strong> relacionamento entre os conceitos. O pensamento seria um pensar-se a<br />

si mesmo, ou seja, um falar interiorizado.<br />

A linguagem como <strong>de</strong>terminante do pensamento<br />

Uma segun<strong>da</strong> posição é a que mantém a total <strong>de</strong>pendência do pensamento respeito à linguagem.<br />

A linguagem configuraria totalmente o pensamento. Essa hipótese é conheci<strong>da</strong> com o nome <strong>de</strong> “relativismo<br />

lingüístico”. De isto se concluiria que a mentali<strong>da</strong><strong>de</strong> e conduta <strong>de</strong> uma comuni<strong>da</strong><strong>de</strong> estão <strong>de</strong>termina<strong>da</strong>s<br />

pela língua que fala. E as formas <strong>de</strong> conhecimento <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>riam intrinsecamente dos modos como se fala.<br />

Não se po<strong>de</strong>ria conhecer objetivamente, pois as estruturas <strong>de</strong> linguagem <strong>de</strong>terminariam e limitariam o<br />

nosso conhecimento. A ver<strong>da</strong><strong>de</strong> não <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ria mais <strong>da</strong> reali<strong>da</strong><strong>de</strong> objetiva, mas do modo como usamos<br />

nossa linguagem para referir-nos à reali<strong>da</strong><strong>de</strong>. Em ca<strong>da</strong> língua existiria um âmbito <strong>de</strong> ver<strong>da</strong><strong>de</strong><br />

incomunicável.<br />

A<strong>de</strong>mais, no caso <strong>de</strong> alguma língua que fosse mais <strong>de</strong>senvolvi<strong>da</strong>, a mente seria mais <strong>de</strong>senvolvi<strong>da</strong><br />

se mais humana, colocaríamos assim graus <strong>de</strong> humani<strong>da</strong><strong>de</strong> ou perfeição nas diversas línguas. E a<strong>de</strong>mais<br />

uma tradução nunca po<strong>de</strong>ria ser bem realiza<strong>da</strong>, pois os pensamentos estariam fora <strong>de</strong> relação, como<br />

diriam os italianos traduttóre, traditóre. Não é do todo falso que algumas línguas são mais <strong>de</strong>senvolvi<strong>da</strong>s<br />

que outras, mas tudo isso ocorre em algum aspecto; talvez uma língua seja mais <strong>de</strong>senvolvi<strong>da</strong><br />

filosoficamente, mas talvez esta mesma língua em comparação com outra “menos <strong>de</strong>senvolvi<strong>da</strong>” seja<br />

inferior pois esta tem mais valores, tribais, <strong>de</strong> responsabili<strong>da</strong><strong>de</strong> comunitária e respeito pelo clã e costumes.<br />

Também nas questões <strong>da</strong>s traduções se diz que a tradução nunca consegue expressar tudo o que a língua<br />

original expressa, mas inegavelmente com o conhecimento <strong>de</strong>sses matizes <strong>de</strong> uma língua se po<strong>de</strong> passar<br />

a outra, a questão é que não somente é necessário o conhecimento do vocabulário e <strong>da</strong> gramática, mas <strong>de</strong><br />

algo mais.<br />

Por último, a capaci<strong>da</strong><strong>de</strong> metalingüística do homem <strong>de</strong>rruba a tese do <strong>de</strong>terminismo, se realmente<br />

fosse assim como po<strong>de</strong>ria o homem, em qualquer língua referir-se a linguagem como se fosse algo<br />

extralingüístico?<br />

A linguagem como veículo do pensamento


18<br />

Virtus in medio, aqui as palavras do Estagirita tomam bom lugar. Nem o <strong>de</strong>terminismo nem a<br />

total in<strong>de</strong>pendência. A linguagem é instrumento <strong>de</strong> comunicação, mas antes que isso é expressão e<br />

veículo do pensamento. A linguagem não é somente um código nem um catálogo <strong>da</strong> reali<strong>da</strong><strong>de</strong>, nem um<br />

mero meio <strong>de</strong> comunicação. A linguagem é veículo do pensamento porque o contêm e o expressa <strong>de</strong> tal<br />

modo que não há distância entre pensamento e linguagem. A linguagem é veículo <strong>de</strong> pensamento porque<br />

contêm o pensado.Todo pensamento <strong>de</strong> qualquer espécie é signo e participa essencialmente <strong>da</strong> natureza<br />

<strong>da</strong> linguagem.<br />

Diz Wittgenstein “os símbolos são o caminho e trama <strong>de</strong> to<strong>da</strong> investigação e <strong>de</strong> todo pensamento,<br />

e a vi<strong>da</strong> do pensamento e <strong>da</strong> ciência é a vi<strong>da</strong> dos símbolos”.<br />

O pensamento não é mera ativi<strong>da</strong><strong>de</strong> paralela ao falar. O pensamento está incorporado á<br />

linguagem, por isso a linguagem não é mero instrumento. Não existe linguagem sem pensamento. Isso<br />

seria mero ruído. E não existe pensamento sem linguagem, isso seria mero <strong>de</strong>svario, um pensar na<strong>da</strong>,<br />

vazio por tudo isso não se po<strong>de</strong> eliminar a noção <strong>de</strong> pensamento na filosofia <strong>da</strong> linguagem, por isso ela<br />

está uni<strong>da</strong> tão intrinsecamente a gnosiologia e é uma disciplina especificamente filosófica.<br />

As linguagens contem o pensamento, mas não é a linguagem que <strong>de</strong>termina o pensamento, mas<br />

ao contrário, este tem um caráter fun<strong>da</strong>nte em relação àquele, que é certamente, a estrutura e caminho<br />

pelo qual os conceitos se relacionam, o pensamento pensa.<br />

Como diz Nubiola “como a linguagem é sempre intrinsecamente inteligível, usando <strong>da</strong> filosofia<br />

aristotélica po<strong>de</strong>mos dizer que po<strong>de</strong>r ser entendido o pensamento como forma <strong>da</strong> linguagem. Assim como<br />

po<strong>de</strong> <strong>da</strong>r-se forma sem matéria, talvez pu<strong>de</strong>sse existir pensamento sem linguagem, mas o que não po<strong>de</strong><br />

haver é linguagem humana sem pensamento”, e como o pensamento do homem é pensamento não <strong>de</strong> um<br />

espírito puro, mas do animal rationalis, a materiali<strong>da</strong><strong>de</strong> (matéria) que sempre acompanha naturalmente<br />

este pensamento é a linguagem.<br />

3.2. O SIGNIFICADO: SEMÂNTICA<br />

Semântica é o estudo do significado na linguagem; ocupa-se do vocabulário e <strong>da</strong> significação <strong>da</strong>s<br />

palavras.<br />

É a teoria <strong>da</strong>s significações, análise dos diferentes elementos que constituem o sentido <strong>de</strong> uma<br />

palavra. Estu<strong>da</strong> qual é a relação <strong>da</strong> linguagem com o mundo, como nossas palavras se referem à<br />

reali<strong>da</strong><strong>de</strong>.<br />

Recife é a capital do Brasil<br />

O que está <strong>de</strong>ntro do quadro po<strong>de</strong>r ser interpretado como:<br />

a) manchas <strong>de</strong> tinta que tem um significado<br />

b) nunca antes vimos esta frase, mas enten<strong>de</strong>mos, tem um significado<br />

c) po<strong>de</strong> ser ver<strong>da</strong><strong>de</strong>iro ou falso<br />

Teoria semântica: relaciona o nível ontológico e o nível lingüístico<br />

Referência: o objeto <strong>de</strong> que falamos:<br />

Sentido: o modo como se diz o objeto<br />

Ver<strong>da</strong><strong>de</strong>: a<strong>de</strong>quação do dito com o conhecido.


19<br />

Na teoria realista o significado <strong>de</strong> uma expressão é a reali<strong>da</strong><strong>de</strong> a que a palavra se refere. Temse<br />

assim uma concepção especular <strong>da</strong> linguagem, pois atua com um espelho que reflete a reali<strong>da</strong><strong>de</strong>.<br />

Mas encontramos alguns problemas nessa teoria:<br />

A) Duas expressões po<strong>de</strong>m referir-se à mesma reali<strong>da</strong><strong>de</strong> e ter significados diferentes:<br />

José <strong>de</strong> Alencar & O autor <strong>de</strong> “O Guarani”<br />

B) Outras palavras têm o mesmo significado e distinto referente, <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ndo <strong>de</strong> quem as pronuncie:<br />

Eu & tu<br />

C) Palavras que não tem referência:<br />

Até & contudo<br />

Diferença entre sentido e referência<br />

Gottlob FREGE distingue sentido (Sinn) <strong>de</strong> referência (Be<strong>de</strong>utung). Estu<strong>da</strong>ndo os enunciados <strong>de</strong><br />

i<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong> (a=a → analíticos a priori & a=b → analíticos a posteriori) propõe o exemplo <strong>de</strong> a=a →<br />

a estrela <strong>da</strong> manhã é a estrela <strong>da</strong> manhã & a=b → a estrela <strong>da</strong> manhã é a estrela vespertina, afirmando<br />

que a distinção <strong>de</strong>ssas duas asserções não se refere aos objetos (referencial), que nesse caso não se<br />

po<strong>de</strong>ria diferenciar. Tampouco à relação entre signos (referentes), pois assim o enunciado a=b não<br />

implicaria aumento <strong>de</strong> conhecimento, quando na ver<strong>da</strong><strong>de</strong> sim que o implica. A solução que dá para este<br />

problema é distinguir no signo a referência e o sentido.<br />

A referência é o objeto nomeado pelo referente.<br />

O sentido é o modo <strong>de</strong> <strong>da</strong>r-se este objeto.<br />

A=a → mesma referência (referencial)<br />

A=b → sentido diferente<br />

Nos fala a<strong>de</strong>mais do caráter objetivo do sentido, pois ele não vem somente pela vonta<strong>de</strong> humana,<br />

<strong>de</strong>pen<strong>de</strong> primariamente do referencial. O sentido não é arbitrário, respon<strong>de</strong> a uma forma <strong>de</strong> <strong>da</strong>r-se o<br />

objeto. To<strong>da</strong> expressão que tem uma referência tem um sentido, mas nem sempre acontece o contrário.<br />

Para os nomes isto acontece naturalmente, pois sempre tem um referente, ain<strong>da</strong> que seja<br />

imaginário. Já para o que Frege chamava <strong>de</strong> funções, que são aqueles termos que ocupam lugar na<br />

oração, mas não tem um referencial concreto, a não ser posicionar os nomes que estão na oração, para<br />

este há um referente que é o mesmo posicionamento dos termos na oração, mas não tem propriamente<br />

um sentido.<br />

O referente final <strong>de</strong> uma oração é seu valor <strong>de</strong> ver<strong>da</strong><strong>de</strong>. Frege i<strong>de</strong>ntifica o valor <strong>de</strong> uma oração<br />

com o sentido que ela expressa (sentido é a forma <strong>de</strong> <strong>da</strong>r-se a reali<strong>da</strong><strong>de</strong> expressa<strong>da</strong> na linguagem). Por<br />

esta expressão as orações po<strong>de</strong>m ser ver<strong>da</strong><strong>de</strong>iras ou falsas. Ver<strong>da</strong><strong>de</strong>iras se condizem com o sentido que<br />

buscam explicitar, falsas se não chegam a conseguir este objetivo.<br />

B. RUSSEL com seu atomismo lógico formula uma teoria radicalmente referencialista. Postula uma<br />

correspondência total entre linguagem e reali<strong>da</strong><strong>de</strong>. Ca<strong>da</strong> uma <strong>da</strong>s palavras se refere a um átomo <strong>da</strong><br />

reali<strong>da</strong><strong>de</strong>, não no sentido físico, mas ôntico.


20<br />

Os nomes servem para nomear, os enunciados servem para representar, ou seja, para colocarse<br />

em lugar do mundo como uma representação do mesmo, um re-apresentar a reali<strong>da</strong><strong>de</strong> ôntica numa<br />

reali<strong>da</strong><strong>de</strong> lógico-lingüística.<br />

Nas proposições ain<strong>da</strong> distingue as atômicas (estas são in<strong>de</strong>componíveis) e as moleculares (estas<br />

são compostas <strong>de</strong> proposições atômicas). Enquanto os nomes se referem às coisas; as orações<br />

representam, <strong>de</strong> tal modo que se existe algum nome ou mesmo alguma oração que não se refira ou não<br />

represente a reali<strong>da</strong><strong>de</strong>, este enunciado simplesmente vai carecer <strong>de</strong> sentido.<br />

nomes próprios têm uma enti<strong>da</strong><strong>de</strong> a que se referem<br />

expressões predicativas (aquelas que somente expressam uma proprie<strong>da</strong><strong>de</strong> ou relação<br />

tem sentido no conjunto <strong>da</strong> oração)<br />

orações fatos representados<br />

Sentido, referência e ver<strong>da</strong><strong>de</strong><br />

É insuficiente uma teoria puramente referencialista. Que uma palavra tenha significado não quer<br />

dizer <strong>de</strong> imediato que se refira a algo. As palavras não são rótulos que tenham que vir pega<strong>da</strong>s a recipiente<br />

on<strong>de</strong> está a reali<strong>da</strong><strong>de</strong> cataloga<strong>da</strong> e protegi<strong>da</strong>.<br />

As ligações <strong>da</strong>s palavras com o mundo não se realizam <strong>de</strong> modo imediato, mas sim através do uso<br />

significativo <strong>da</strong>s palavras. Este uso significativo implica que o pensamento, o conceito que está por <strong>de</strong>trás<br />

e dá uma profun<strong>da</strong> área <strong>de</strong> significação e realização a todo o âmbito <strong>da</strong> linguagem.<br />

Os significados não são seres abstratos, são sempre significados <strong>da</strong>s palavras, não <strong>da</strong>s coisas,<br />

mas sim <strong>da</strong>s palavras. Não são o real, mas sim uma forma <strong>de</strong> chegar ao real, a forma lingüística. O modo<br />

como captamos o significa está ligado ao uso que fazemos <strong>da</strong>s palavras. Conhecemos o significado<br />

quando somos capazes <strong>de</strong> usar corretamente as palavras.<br />

Como diz Wittgenstein, existe uma íntima conexão entre o significado e o suo. Por isto há infinitas<br />

variações no significado <strong>de</strong> uma palavra segundo o uso que lhe <strong>da</strong>mos num contexto <strong>de</strong>terminado.<br />

Sabemos o que significa porque sabemos utiliza-la.<br />

coisas.<br />

As palavras significam as coisas mediante os conceitos, as palavras significam principalmente as<br />

Dimensão sintática – relação <strong>de</strong> uns signos com outros<br />

Dimensão semântica- relação do signo com a coisa significa<strong>da</strong><br />

Conteúdo mental ou conceitual expressado numa frase ou fórmula lingüística –significado ou sentido-.<br />

Relação <strong>da</strong> linguagem com as coisas – referência ou aspecto semântico.<br />

Um balbucio:<br />

Que se está dizendo? Que significa estes sons? Significado= o que se pensa<br />

A que se refere? Pergunta-se pela reali<strong>da</strong><strong>de</strong> do que se preten<strong>de</strong> falar. Normalmente a referência é a<br />

reali<strong>da</strong><strong>de</strong> extramental, mas po<strong>de</strong> ser também o mesmo conceito ou palavra enquanto se faz referência a<br />

ele ou ela como algo existente. Por exemplo, quando se diz que “palavra” tem sete letras.<br />

Preten<strong>de</strong>-se falar ver<strong>da</strong><strong>de</strong>s – alcance metafísico <strong>da</strong> linguagem<br />

O sentido profun<strong>da</strong>mente metafísico <strong>da</strong> linguagem, sua direta referência ao ser <strong>da</strong>s coisas. O<br />

homem impõe <strong>de</strong>nominações às coisas, pois po<strong>de</strong> conhece-las e as po<strong>de</strong> conhecer porque elas são: os


21<br />

nomes refletem o ser <strong>da</strong>s coisas (referencial), mas também o modo <strong>de</strong> conhece-las. Neste sentido<br />

Santo Tomás <strong>de</strong> Aquino distingue o significado <strong>da</strong> palavra id quod significatur e seu modo <strong>de</strong> significar<br />

modus significandi, que é nossa maneira <strong>de</strong> apreen<strong>de</strong>r a coisa entendi<strong>da</strong> e nomear-la.<br />

Tudo o que é, como é inteligível, po<strong>de</strong> ser nomeado. Mas há reali<strong>da</strong><strong>de</strong>s tão altas que superam<br />

nossa capaci<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> compreen<strong>de</strong>r e nossas palavras: são inefáveis, pois não po<strong>de</strong>m ser expressas<br />

perfeitamente. Assim ocorre com o nome <strong>de</strong> Deus e com todos os modos humanos <strong>de</strong> expressar as coisas<br />

divinas: seu modus significandi é <strong>de</strong>feituoso, ain<strong>da</strong> que legítimo e ver<strong>da</strong><strong>de</strong>iro.<br />

Uma proprie<strong>da</strong><strong>de</strong> dos termos muito estu<strong>da</strong><strong>da</strong> pelos escolásticos é a suppositio que po<strong>de</strong>ríamos<br />

traduzir por suplência. Ela não é a significação geral <strong>de</strong> um termo sem mais, é tal significação, mas referi<strong>da</strong><br />

pelo pensamento a um tipo concreto <strong>de</strong> reali<strong>da</strong><strong>de</strong>. Quando falamos, em vez <strong>de</strong> trazer diante <strong>de</strong> nós as<br />

coisas mesmas, se traz uma série <strong>de</strong> termos que estão em suplência no lugar <strong>de</strong>les. Por exemplo, se<br />

dizemos que o presi<strong>de</strong>nte do Brasil viajou, tal frase será ver<strong>da</strong><strong>de</strong>ira ou falsa se nos referimos a um<br />

presi<strong>de</strong>nte <strong>de</strong>terminado que viajou e falso no caso contrário. Sem adotar o vocabulário técnico antigo<br />

diremos brevemente que a suposição po<strong>de</strong> se verbal quando a palavra se usa somente como palavra,<br />

lógica se <strong>de</strong>signa a idéia mesma, imaginária no caso <strong>de</strong> que não exista um sujeito correspon<strong>de</strong>nte,<br />

metafórica ou real. A suposição real admite diversos modos segundo se refira a todos ou ca<strong>da</strong> um<br />

distributivamente, ou coletivamente, ou <strong>de</strong> modo <strong>de</strong>terminado ou in<strong>de</strong>terminado<br />

3.3. O ATO SIGNIFICANTE: PRAGMÁTICA<br />

O ato significante: pragmática é o estudo ou uso que os falantes fazem <strong>da</strong> linguagem no contexto.<br />

Estudo <strong>da</strong> função <strong>da</strong> linguagem na comunicação<br />

“Uma gran<strong>de</strong> parte do que queremos manifestar e comunicar –escrevia Ortega- fica sem ser<br />

expresso em duas dimensões, uma por cima e outra por baixo <strong>da</strong> linguagem. Por cima, tudo que é inefável.<br />

Por baixo, tudo o que ‘por sabido se cala’. Este silêncio atua constantemente sobre a linguagem e é causa<br />

<strong>de</strong> muitas <strong>de</strong> suas formas” De este modo Ortega sublinhava a distância que existe entre o que dizemos e o<br />

que queremos dizer e se encontra implícito no que dizemos. Esta é a base para distinguir a semântica <strong>da</strong><br />

pragmática. O que dizemos tem um significado que po<strong>de</strong> ser estu<strong>da</strong>do <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a semântica, e o que<br />

queremos dizer tem uma força pragmática e é a pragmática que estu<strong>da</strong> quais são os princípios que nos<br />

permitem interpretar essa força”.<br />

Po<strong>de</strong>mos anotar os seguintes pontos <strong>de</strong> inflexão <strong>da</strong> pragmática. Ela sempre <strong>de</strong>ve levar em<br />

consi<strong>de</strong>ração:<br />

1. o contexto lingüístico: o sentido <strong>da</strong>s mesmas palavras tal como são conheci<strong>da</strong>s ordinariamente:<br />

2. o contexto extralingüístico: todos aqueles aspectos que acompanham o ato lingüístico, como é a<br />

gestuali<strong>da</strong><strong>de</strong>, a expressão, a tonali<strong>da</strong><strong>de</strong>, etc.<br />

3. a intenção do falante; o que o interlocutor busca com o que fala:<br />

4. o efeito que produz: o efeito buscado e o produzido e as reações que po<strong>de</strong> produzir.<br />

Temos os seguintes elementos do ato comunicativo<br />

enunciado<br />

emissor → <strong>de</strong>stinatário<br />

^^^^^^^^^^^^^^^^^^^^<br />

contexto/entorno


22<br />

O contexto é o conjunto <strong>de</strong> conhecimentos que resultam relevantes para compreen<strong>de</strong>r o<br />

significado dos enunciados<br />

A)contexto lingüístico: o âmbito <strong>da</strong>s mesmas reali<strong>da</strong><strong>de</strong>s lingüísticas;<br />

B)contexto situacional: o âmbito on<strong>de</strong> está inserido naquele momento e naquele lugar o ato comunicativo:<br />

C)contexto sócio-cultural: to<strong>da</strong> a gama <strong>de</strong> reali<strong>da</strong><strong>de</strong> que se pressupõe e que estão por trás sustentando<br />

to<strong>da</strong> comunicação com é a reali<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> que se parte.<br />

Comunicação como processo dialógico<br />

a) mo<strong>de</strong>lo están<strong>da</strong>r: processo <strong>de</strong> codificação/<strong>de</strong>codificação<br />

b) mo<strong>de</strong>lo interativo: como num jogo <strong>de</strong> ping-pong há uma inter-relação em que um passa <strong>de</strong> emissor<br />

para receptor e vice-versa<br />

c) mo<strong>de</strong>lo circular dialógico: dá-se a mesma inter-relação do mo<strong>de</strong>lo interativo, mas com to<strong>da</strong> a<br />

riqueza do envolvimento <strong>de</strong> ambas partes no processo dialógico.<br />

Atos <strong>da</strong> fala segundo Austin<br />

Nosso autor distingue a linguagem como:<br />

<strong>Linguagem</strong> <strong>de</strong>scritiva: que <strong>de</strong>screve sem mais a reali<strong>da</strong><strong>de</strong><br />

<strong>Linguagem</strong> realizativa: com ela se busca realizar algo, se faz. Não são ver<strong>da</strong><strong>de</strong>iros ou falsos, mas<br />

sim a<strong>de</strong>quados ou ina<strong>de</strong>quados.<br />

O ato realizativo faz o que diz sempre e quando se diz o que se <strong>de</strong>ve, como <strong>de</strong>ve, on<strong>de</strong> <strong>de</strong>ve,<br />

quando <strong>de</strong>ve, e com quem <strong>de</strong>ve.<br />

Os elementos do ato lingüístico são:<br />

1. ato locutivo: dizer algo;<br />

2. ato ilocutivo: que se realiza ao dizer algo;<br />

3. ao perlocutivo: que se realiza por dizer algo<br />

Quando dizemos algo, o dizemos num <strong>de</strong>terminado sentido e produzimos tal efeito<br />

John Searle <strong>de</strong>staca no ato ilocutivo a:<br />

a) intencionali<strong>da</strong><strong>de</strong>, que compete primariamente ao autor, o que ele busca primordialmente com seu<br />

discurso;<br />

b) correspondência <strong>da</strong> linguagem com o mundo ( se há condições <strong>de</strong> a<strong>de</strong>quação, <strong>de</strong> correspondência<br />

do que se diz com a reali<strong>da</strong><strong>de</strong>);<br />

c) condições <strong>de</strong> sinceri<strong>da</strong><strong>de</strong> (se há correspondência entre o que se diz e o que se pensa, ver<strong>da</strong><strong>de</strong> e<br />

veraci<strong>da</strong><strong>de</strong>.<br />

Significado e intenção<br />

Para comunicar-se não é suficiente transmitir um conteúdo semântico. É preciso que o interlocutor<br />

reconheça nossa intenção.<br />

Significado oracional: é o âmbito <strong>de</strong> significado que é <strong>da</strong>do pelo mesmo sentido <strong>da</strong> frase.<br />

Significado enunciativo: é o sentido <strong>da</strong>quela frase enuncia<strong>da</strong> na reali<strong>da</strong><strong>de</strong>, somente se capta nessa<br />

enunciação ou numa compreensão <strong>de</strong>la;


23<br />

Significado do falante: é aquele que <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> <strong>da</strong>s intenções do falante e <strong>de</strong> sua habili<strong>da</strong><strong>de</strong> para<br />

em um contexto <strong>de</strong>terminado mu<strong>da</strong>r o significado do conhecido ou enriquecer esse mesmo significado<br />

3.4. A TEORIA DA INTERPRETAÇÃO: HERMENÊUTICA<br />

O termo hermenêutica proce<strong>de</strong> do grego hermeneuein, que significa “expressar o pensamento por<br />

meio <strong>da</strong> palavra” e também “interpretar” e “traduzir”; relaciona-se com o nome <strong>de</strong> Hermes, mensageiro dos<br />

<strong>de</strong>uses e intérprete <strong>da</strong>s or<strong>de</strong>ns <strong>de</strong> Zeus.<br />

Nas línguas oci<strong>de</strong>ntais esse termo passou a ser usado no século XVIII para <strong>de</strong>signar a técnica e<br />

arte <strong>de</strong> interpretar corretamente os textos escritos, especialmente os antigos. Como conseqüência <strong>da</strong>s<br />

controvérsias teológicas em torno à Reforma Protestante <strong>de</strong>senvolveu-se uma série <strong>de</strong> problemas técnicos<br />

no terreno teológico e na ativi<strong>da</strong><strong>de</strong> dos filósofos, historiadores e juristas, que <strong>de</strong>vem afrontar<br />

continuamente questões <strong>de</strong> interpretação: que significa este texto sagrado? Qual era a autêntica intenção<br />

do autor sagrado? Que quer dizer esta ou aquela inscrição? Está correta ou equivoca<strong>da</strong> a interpretação<br />

habitual <strong>de</strong>ste ou <strong>da</strong>quele texto? Como po<strong>de</strong>mos estar seguros <strong>de</strong> uma interpretação? Estas eram<br />

algumas <strong>da</strong>s interrogações técnicas que a teoria hermenêutica buscava respon<strong>de</strong>r. Pelas <strong>de</strong>cisivas<br />

apartações <strong>de</strong> autores como Schleiermacher, Dilthey, Hei<strong>de</strong>gger e Ga<strong>da</strong>mer o conceito <strong>de</strong> hermenêutica<br />

se esten<strong>de</strong>u chegando a <strong>de</strong>signar uma teoria generaliza<strong>da</strong> <strong>da</strong> interpretação.<br />

A interpretação não é concebi<strong>da</strong> pela hermenêutica como tarefa meramente abstrativa, mas<br />

realiza-se pela linguagem. Para a hermenêutica to<strong>da</strong> interpretação tem uma estrutura essencialmente<br />

lingüística. Por isto se consi<strong>de</strong>ra que a hermenêutica é uma filosofia <strong>da</strong> linguagem, ain<strong>da</strong> que tem há raízes<br />

e tradição diferentes <strong>da</strong>s que vimos estu<strong>da</strong>ndo até agora.<br />

A filosofia hermenêutica e a linguagem<br />

No <strong>de</strong>senvolvimento <strong>da</strong> hermenêutica po<strong>de</strong> distinguir-se em três fases.<br />

1. A hermenêutica antiga como técnica <strong>de</strong> interpretação <strong>de</strong> textos:<br />

Abrange <strong>de</strong>s<strong>de</strong> os juristas e retóricos gregos e latinos até Schleiermacher. Nesta época a<br />

hermenêutica se i<strong>de</strong>ntificava com a arte <strong>da</strong> interpretação <strong>de</strong> um texto.Os antigos gregos chamavam <strong>de</strong><br />

hermenêutica uma “série <strong>de</strong> regras <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento do trabalho <strong>de</strong> interpretação” Essas regras eram<br />

formula<strong>da</strong>s <strong>de</strong> modo metódico e serviam para alcançar a compreensão <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminados textos,<br />

especialmente dos mitos e poemas homéricos.<br />

No mundo latino essas regras se aplicavam, sobretudo a interpretação <strong>de</strong> textos jurídicos. As<br />

técnicas <strong>de</strong> interpretação, que foram sendo <strong>de</strong>senvolvi<strong>da</strong>s <strong>de</strong>s<strong>de</strong> os inícios do Direito Romano, permitiram<br />

a formação <strong>de</strong> um conjunto claro <strong>de</strong> leis.<br />

A hermenêutica estava liga<strong>da</strong> também á retórica. Muitos dos princípios hermenêuticos não foram<br />

mais que aplicação dos recursos <strong>de</strong> estilo <strong>da</strong> oratória.<br />

A tarefa foi enriqueci<strong>da</strong> com o Cristianismo, que <strong>de</strong>senvolveu especialmente a exegese bíblica.<br />

Ain<strong>da</strong> que já havia algo <strong>de</strong>sse estilo entre os ju<strong>de</strong>us, o influxo que se <strong>da</strong> em Oci<strong>de</strong>nte e as novas formas<br />

<strong>de</strong> interpretar trazi<strong>da</strong>s pelo Cristianismo fazem que se aprofun<strong>de</strong> muito neste tema. Já a partir dos<br />

primeiros séculos surgiram diversas formas <strong>de</strong> interpretar os textos <strong>da</strong> Sagra<strong>da</strong> Escritura. Neste sentido é<br />

importante mencionar as escolas teológicas <strong>de</strong> finais do século II em Antioquia e Alexandria. A escola<br />

antioquena, que se inspirava no realismo aristotélico e no seu naturalismo, seguia uma exegese <strong>de</strong> tipo<br />

literal. Os alexandrinos, inspirando-se no platonismo, buscaram uma interpretação <strong>de</strong> tipo espiritual, aberta<br />

à alegoria. No Oci<strong>de</strong>nte se po<strong>de</strong> notar uma diferença semelhante entre a serie<strong>da</strong><strong>de</strong> literal <strong>de</strong> São Jerônimo<br />

e a liber<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> interpretação <strong>de</strong> Santo Agostinho.<br />

No final do período patrístico se recebe influencia dos textos dos Padres e dos Concílios. A Escolástica<br />

conce<strong>de</strong>rá mais espaço à dialética, ou seja, colocar em xeque um texto difícil para ver as potenciali<strong>da</strong><strong>de</strong>s<br />

que ele po<strong>de</strong> conter.


24<br />

A reforma protestante trouxe o princípio <strong>da</strong> Sola Scriptura, que terá um profundo sentido<br />

hermenêutico para a teologia. Este princípio luterano significava uma rejeição <strong>de</strong> todo critério externo à<br />

Escritura para sua interpretação e a auto-suficiência interpretativa <strong>da</strong> mesma Scriptura sui ipsius<br />

interpretes. A isto o Concílio <strong>de</strong> Trento opôs outro princípio que terá gran<strong>de</strong> vigência nos séculos<br />

sucessivos: ninguém <strong>de</strong>ve atrever-se a “acomo<strong>da</strong>r a escritura a seu sentimento pessoal, em contra do<br />

sentido que lhe foi <strong>da</strong>do e lhe dá a Santa madre Igreja”.<br />

A hermenêutica pré-mo<strong>de</strong>rna concebia a ativi<strong>da</strong><strong>de</strong> interpretativa aten<strong>de</strong>ndo a dois pontos <strong>de</strong><br />

referência. Por um lado a intentio auctoris, que sempre é um ponto <strong>de</strong> referência fun<strong>da</strong>mental,<br />

especialmente no caso <strong>da</strong> Sagra<strong>da</strong> Escritura, on<strong>de</strong> se trata <strong>da</strong> Palavra <strong>de</strong> Deus. Por outro lado estava a<br />

intentio lectoris, que pouco a pouco irá se convertendo no fun<strong>da</strong>mental.<br />

2. A hermenêutica romântica<br />

Com o romanticismo e Schleiermacher há uma mu<strong>da</strong>nça radical, pois se passa <strong>de</strong> uma concepção<br />

técnica a uma concepção filosófica <strong>da</strong> hermenêutica.<br />

Já sabemos que com a filosofia mo<strong>de</strong>rna e a reforma protestante se entra na era <strong>da</strong> subjetivi<strong>da</strong><strong>de</strong>,<br />

na qual o próprio homem se <strong>de</strong>scobre necessitado <strong>de</strong> interpretação. Para os clássicos a linguagem era<br />

clara, as idéias transparentes, mas este convencimento caiu e a hermenêutica teve que abarcar também o<br />

intérprete.<br />

O conceito e a questão mo<strong>de</strong>rna surgem com F. Schleiermacher que toma a palavra do<br />

uso teológico, mas situa o problema mais amplo na interpretação histórica e literária, que ele tenta<br />

investigar filosoficamente. Sua intuição é oferecer uma explicação (Auslegung) <strong>de</strong> um produto <strong>da</strong> ativi<strong>da</strong><strong>de</strong><br />

criativa do espírito humano sem fazer referência a uma compreensão (Vertändnis) do processo criativo que<br />

o gerou. Ele não limita o estudo aos textos escritos, mas abarca também o falar em geral. Todo discurso<br />

<strong>de</strong>ve ser objeto <strong>de</strong> interpretação. Exata interpretação não está isenta do mal entendido, por isto essa arte<br />

do compreen<strong>de</strong>r é também arte <strong>de</strong> evitar o mau entendimento. O mal entendido não é somente ponto <strong>de</strong><br />

parti<strong>da</strong> para to<strong>da</strong> interpretação, mas atua como uma espécie <strong>de</strong> motor interno que impele o intérprete a<br />

aprofun<strong>da</strong>r. Por isto nunca se po<strong>de</strong> chegar a resultados <strong>de</strong>finitivos e a certeza que se consegue é sempre<br />

provisional.<br />

É <strong>de</strong> suma importância na sua teoria o que ele chama <strong>de</strong> processo “adivinatório”, que é<br />

necessário para chegar a compreen<strong>de</strong>r e fazer o compreendido próprio. Deve-se saltar do particular para o<br />

universal e vice-versa completando assim o que será chamado <strong>de</strong> círculo hermenêutico.<br />

Dilthey valorizou o compreen<strong>de</strong>r hermenêutico, entendido como um modo específico do saber. A<br />

compreensão do significado, pelo qual se alcança o conhecimento <strong>da</strong>s produções do espírito, <strong>de</strong>ve ser<br />

alcança<strong>da</strong> através <strong>da</strong> interpretação dos <strong>da</strong>dos como produtos do espírito humano.<br />

3. Da hermenêutica à ontologia<br />

No século XX especialmente com os escritos <strong>de</strong> Hei<strong>de</strong>gger e Ga<strong>da</strong>mer acontecerá uma<br />

radicalização <strong>da</strong> hermenêutica que a transformará numa autêntica “filosofia do ser”.<br />

Na obra “Ser e tempo”, Hei<strong>de</strong>gger põe o compreen<strong>de</strong>r como a estrutura original do ser-no-mundo<br />

que é o homem. A compreensão é um existenciário, ou seja, um elemento constitutivo do ser <strong>da</strong> existência<br />

humana. O Dasein (ser-aí) humano, seu existir tem uma estrutura hermenêutica. Como Ga<strong>da</strong>mer explicará<br />

mais tar<strong>de</strong>, para Hei<strong>de</strong>gger “compreen<strong>de</strong>r não é um i<strong>de</strong>al resignado <strong>da</strong> experiência vital humana na velhice<br />

do espírito, como em Dilthey, também não é como em Husserl, um i<strong>de</strong>al metódico último <strong>da</strong> filosofia frente<br />

á ingenui<strong>da</strong><strong>de</strong> do ir vivendo, mas pelo contrário, é a forma originária <strong>da</strong> realização do estar-aí, do ser-nomundo”.<br />

Ao por em relação a compreensão com a mun<strong>da</strong>ni<strong>da</strong><strong>de</strong> do homem, o liberta <strong>da</strong> to<strong>da</strong> tentação<br />

psicologista, ou seja <strong>de</strong> resignar a hermenêutica a mera interpretação <strong>de</strong> textos, ou <strong>de</strong> pensamentos, a<br />

hermenêutica se configura então como interpretação e realização do mesmo ser do homem, subindo em<br />

altura até o cume <strong>da</strong> ontologia, servido ao ôntico em seu mesmo constituir-se.


25<br />

A hermenêutica não é para Hei<strong>de</strong>gger uma doutrina ou arte interpretativa, mas uma analítica <strong>da</strong><br />

existenciali<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong> existência.<br />

A existência humana está enraiza<strong>da</strong> numa historici<strong>da</strong><strong>de</strong>, tem um a raiz histórica, pois o homem é<br />

ser no tempo, esta reali<strong>da</strong><strong>de</strong> que já e <strong>da</strong><strong>da</strong> tem um profundo sentido, o home <strong>de</strong>ve então escutar, e se<br />

escuta pela linguagem. A “mu<strong>da</strong> voz do ser” convi<strong>da</strong> o homem a <strong>da</strong>r uma resposta. O compreen<strong>de</strong>r tem<br />

por objeto captar a existência objetiva<strong>da</strong> na expressão lingüística. É preciso então não um mero falar sobre<br />

a linguagem, mas sim <strong>de</strong>ixar que a linguagem nos fale.<br />

Compreen<strong>de</strong>r o caráter ôntico <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> humana é em ver<strong>da</strong><strong>de</strong> compreen<strong>de</strong>r e to<strong>da</strong> compreensão é<br />

um compreen<strong>de</strong>r-se. O objeto <strong>da</strong> hermenêutica acabará não sendo a interpretação <strong>de</strong> u texto, mas na<br />

mesma interpretação dos textos se interpreta to<strong>da</strong> a reali<strong>da</strong><strong>de</strong> como se to<strong>da</strong> a reali<strong>da</strong><strong>de</strong> fosse um texto.<br />

Um dos pontos <strong>de</strong> suma importância no pensamento <strong>de</strong> Ga<strong>da</strong>mer, que <strong>de</strong>senvolve e completa a<br />

Hei<strong>de</strong>gger, é o <strong>da</strong> tradição; “a tradição tem que prece<strong>de</strong>r a experiência” é essa tradição na qual estamos<br />

imersos que nos <strong>da</strong>rá capaci<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> fazer uma boa interpretação, <strong>de</strong>vemos ser conscientes <strong>da</strong> nossa<br />

<strong>de</strong>terminação histórica para assim po<strong>de</strong>rmos ir más além <strong>de</strong> seus limites. O influxo <strong>da</strong> tradição se mostra<br />

nos preconceitos ou pré-juízos com os quais nos aproximamos <strong>da</strong> reali<strong>da</strong><strong>de</strong>. Mas os pré-juízos <strong>de</strong> um<br />

indivíduo são, muito mais que seus juízos, são a reali<strong>da</strong><strong>de</strong> histórica <strong>de</strong> seu ser. Faz-se necessária uma<br />

compreensão <strong>de</strong> si mesmo para po<strong>de</strong>r compreen<strong>de</strong>r com maior clareza o ser do mundo, essa<br />

compreensão se po<strong>de</strong>ria chamar contextualização (Ga<strong>da</strong>mer chama <strong>de</strong> fusão <strong>de</strong> horizontes), do ir e voltar<br />

a nós mesmos e ao mundo acabamos <strong>da</strong>ndo-nos contas dos limites ou horizontes e fazemos o que ele<br />

chama <strong>de</strong> fusão <strong>de</strong> horizontes num único marco <strong>de</strong> compreensão.<br />

Conhecer, compreen<strong>de</strong>r e interpretar.<br />

Quando estamos diante <strong>de</strong> expressões objetivas, pelas quais as outras pessoas se aproximam <strong>de</strong><br />

nós, se <strong>de</strong>sperta no nosso interiro o <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> captar o sentido que essas expressões tem, o que essa<br />

pessoas querem nos dizer. Um discurso, um monumento, uma sinfonia supõe uma chama<strong>da</strong> á nossa<br />

sensibili<strong>da</strong><strong>de</strong> e nossa inteligência para ser entendidos. Para isso não pé suficiente prestar atenção nos<br />

signos que formam o discurso ou notas que compõe uma sinfonia. É preciso realizar um esforço especial<br />

para alcançar seu sentido. Essa é a tarefa do compreen<strong>de</strong>r. Por isso, quando captamos o sentido <strong>de</strong> algo<br />

dizemos: entendo, compreendo o que dizes. Com isso indicamos que alcançamos o sentido <strong>da</strong>s palavras,<br />

do discurso e em geral, do objeto.<br />

O ato <strong>de</strong> compreensão <strong>de</strong> uma reali<strong>da</strong><strong>de</strong> faz com que o sujeito não permaneça passivo.<br />

Compreen<strong>de</strong>mos algo interpretando. Não é possível prescindir <strong>de</strong> nossa subjetivi<strong>da</strong><strong>de</strong> quando buscamos<br />

conhecer as coisas, ain<strong>da</strong> que seja possível controlar-nos para evitar arbitrarie<strong>da</strong><strong>de</strong>s. A interpretação esta<br />

uni<strong>da</strong> ao conhecer e compreen<strong>de</strong>r humanos.<br />

A estrutura <strong>da</strong> compreensão<br />

Tudo que é dito aqui aten<strong>de</strong>ndo principalmente a interpretação <strong>de</strong> texto, por analogia po<strong>de</strong> e <strong>de</strong>ve<br />

ser aplicado á interpretação <strong>de</strong> todo ato comunicativo.<br />

1. A interpretação se encontra situa<strong>da</strong> histórica e comunitariamente. Quando o leitor se enfrenta com um<br />

texto parte já <strong>de</strong> uma situação prévia para o ato interpretativo. Nunca se patê <strong>de</strong> um ponto zero, ou seja,<br />

neutral. O leitor chega ao texto com seus interesses, conhecimentos, etc. A esse conjunto <strong>de</strong> reali<strong>da</strong><strong>de</strong>s se<br />

chama precompreensão. Nos situamos numa tradição e a partir <strong>de</strong>ssa tradição nos aproximamos do texto.<br />

Essa precompreensão vai evoluindo à medi<strong>da</strong> que aprofun<strong>da</strong>mos nosso contato com o texto e que<br />

se <strong>de</strong>senvolve o processo <strong>de</strong> interpretação.<br />

2. A compreensão tem uma estrutura circular. Na reflexão hermenêutica é comum falar do círculo<br />

hermenêutico. Nos referimos ao movimento que se produz por ir do todo até a parte e <strong>da</strong> parte até o todo.


26<br />

A um nível elementar, se enten<strong>de</strong> por círculo o fato <strong>de</strong> que a leitura <strong>da</strong>s partes <strong>de</strong> um texto iluminam a<br />

compreensão do todo assim como a visão do todo contribui a que conheçamos melhor as partes.<br />

Mas como sublinhou Hei<strong>de</strong>gger, o conceito <strong>de</strong> círculo hermenêutico tem um caráter mais amplo.<br />

Indica também a dialética que se dá entre precompreensão e compreensão. Quando buscamos conhecer<br />

um texto o fazemos com uma precompreensão que não está fecha<strong>da</strong>, mas aberta a novos conteúdos. Ela<br />

se modifica ao longo do processo cognitivo. O leitor entra no texto com seu mundo, seu horizonte, o qual<br />

condiciona sua compreensão particular do texto. Assim no processo <strong>de</strong> compreensão os conceitos vão<br />

sendo pouco a pouco substituídos por outros mais a<strong>de</strong>quados.<br />

3. A compreensão tem um caráter dialógico. Não é possível a compreensão <strong>de</strong> uma pessoa a não ser pelo<br />

diálogo. Devemos abrir-nos ao ouro para enten<strong>de</strong>r o sentido <strong>de</strong> suas palavras. A mesma coisa vale, por<br />

analogia, para a compreensão dos textos. Somos chamados a dialogar com ele, a contribuir com nossas<br />

perguntas, respostas e reações para que ele nos comunique to<strong>da</strong> sua riqueza.<br />

4. A compreensão implica e inclui a explicação. Entre explicação e compreensão se dá uma<br />

complementari<strong>da</strong><strong>de</strong> e uma reciproci<strong>da</strong><strong>de</strong>. São dois estágios do único trabalho hermenêutico. O texto se<br />

apresenta ao leitor com necessi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> ser explicado. A explicação é mediação necessária para alcançar<br />

uma melhor compreensão. Como dizia Ricoeur “explicar mais é compreen<strong>de</strong>r melhor”, e ain<strong>da</strong> “explicar é<br />

<strong>de</strong>semaranhar a estrutura, ou seja, as relações internas <strong>de</strong> <strong>de</strong>pendência que constitui estático do texto;<br />

interpretar é tomar o caminho do pensamento aberto pelo texto, colocar-se em caminho até o horizonte do<br />

texto’.<br />

5. Na tarefa hermenêutica não se po<strong>de</strong> prescindir <strong>da</strong> ver<strong>da</strong><strong>de</strong>. Uma tentação grave <strong>da</strong> tarefa hermenêutica<br />

é o relativismo. Multiplicam-se as interpretações que conduzem a novas interpretações sem que se admita<br />

que exista uma ver<strong>da</strong><strong>de</strong> em si, não sujeita ao processo histórico.<br />

É preciso elaborar uma hermenêutica metafísica, que se preocupe do problema <strong>da</strong> ver<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong><br />

reali<strong>da</strong><strong>de</strong>. O fim buscado pela interpretação –como o fim <strong>de</strong> todo conhecimento humano- é alcançar a<br />

ver<strong>da</strong><strong>de</strong>. Em todo conhecer, falar e atuar humanos se tem lugar a antecipação <strong>de</strong> lago último,<br />

incondicionado e absoluto. To<strong>da</strong> busca <strong>da</strong> ver<strong>da</strong><strong>de</strong> pressupõe sempre a ver<strong>da</strong><strong>de</strong> e <strong>de</strong>termina<strong>da</strong>s ver<strong>da</strong><strong>de</strong>s<br />

fun<strong>da</strong>mentais. De tal modo que sempre nos ilumina a ver<strong>da</strong><strong>de</strong>, resplan<strong>de</strong>ce para nós como evidência<br />

objetiva em nossa razão e na reali<strong>da</strong><strong>de</strong> mesma.<br />

A questão <strong>da</strong> ver<strong>da</strong><strong>de</strong> na hermenêutica se situa em três níveis, relaciona dois entre si, mas<br />

distintos: em relação com o texto (correspondência entre a interpretação e o que o texto quer dizer: é a<br />

ver<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong> interpretação), em relação com a coisa mesma (correspondência entre o que o texto diz e a<br />

reali<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong> que fala: é a ver<strong>da</strong><strong>de</strong> do texto), e em relação com a evidência atual (correspondência entre o<br />

que o texto quer dizer e a manifestação atual verídica do significado e do sentido: é a ver<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong> coisa<br />

mesma).<br />

Ain<strong>da</strong> que as condições <strong>de</strong> conhecimento sejam contingentes, não passa isso com a ver<strong>da</strong><strong>de</strong> que<br />

se alcança. A ver<strong>da</strong><strong>de</strong>, por sua mesma essência, somente po<strong>de</strong> ser a ver<strong>da</strong><strong>de</strong> uma, e por isso, universal.<br />

Po<strong>de</strong> haver, por tanto, uma interpretação ver<strong>da</strong><strong>de</strong>ira e <strong>de</strong>finitiva, pois correspon<strong>de</strong> à ver<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong>s coisas.


4 – LINGUAGEM E VERDADE<br />

Uma <strong>da</strong>s mais importantes tarefas <strong>da</strong> filosofia <strong>da</strong> linguagem é fazer uma análise prévia dos fun<strong>da</strong>mentos ontológicos <strong>da</strong> linguagem, o que servirá <strong>de</strong><br />

base para to<strong>da</strong>s as suas outras análiese possíveis.<br />

A investigação ontológica <strong>da</strong> linguagem acaba por indicar muitos <strong>de</strong> seus aspectos, <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ndo <strong>da</strong> perspectiva do filósofo que <strong>de</strong>la trata. Dentre<br />

outras caracter´siticas ontológicas, a linguagem po<strong>de</strong> ser vista como:<br />

a) a força luminosa do ser (Santo Tomás <strong>de</strong> Aquino);<br />

b) uma manifestação do divino no homem (Vico);<br />

c) a mora<strong>da</strong> do ser (Hei<strong>de</strong>gger);<br />

d) o acontecimento <strong>da</strong> ver<strong>da</strong><strong>de</strong> (Husserl).<br />

Devemos tratar agora <strong>de</strong>sta última questão, ou seja, sobre as possibili<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>da</strong> linguagem ser lugar <strong>de</strong> acontecimento <strong>da</strong> ver<strong>da</strong><strong>de</strong>.<br />

4.1. RELAÇÃO VERBUM-VERITAS<br />

No diálogo Fedro, Platão dizia que a linguagem é um pharmakon.Esta palavra grega que em português se traduz por poção, possui três sentidos<br />

principais: remédio, veneno e cosmético.<br />

Ou seja, Platão consi<strong>de</strong>rava que a linguagem po<strong>de</strong> ser um medicamento ou um remédio para o conhecimento, pois, pelo diálogo e pela<br />

comunicação conseguimos <strong>de</strong>scobrir nossa ignorância a apren<strong>de</strong>r com os outros. Po<strong>de</strong>, porém, ser um veneno quando, pela sedução <strong>da</strong>s palavras, nos faz<br />

aceitar, fascinados, o que vimos ou o que lemos, sem que in<strong>da</strong>guemos se tais palavras são ver<strong>da</strong><strong>de</strong>iras ou falsas. Enfim, a linguagem po<strong>de</strong> ser cosmético,<br />

maquiagem ou máscara para encobrir e dissimular a ver<strong>da</strong><strong>de</strong> sob um manto <strong>de</strong> palavras.<br />

4.2. LINGUAGEM E SOCIEDADE<br />

Aristóteles em sua Ética a Nicômaco, diz que o objetivo principal <strong>da</strong> existe3ncia humana é a felici<strong>da</strong><strong>de</strong>. A felici<strong>da</strong><strong>de</strong>, por sua vez, só po<strong>de</strong> ser<br />

alcança<strong>da</strong> mediante o bom funcionamento <strong>de</strong> to<strong>da</strong>s as capaci<strong>da</strong><strong>de</strong>sa humanas. Assim, se o homem é um ser racional, ele <strong>de</strong>ve aprimorar sua racionali<strong>da</strong><strong>de</strong>; se<br />

possui emoções, <strong>de</strong>ve fazer bom uso <strong>de</strong>las, etc. No entanto, acrescenta ele, ain<strong>da</strong> que o projeto <strong>de</strong> felici<strong>da</strong><strong>de</strong> seja, no fundo, sempre pessoal, ninguém “é autosuficente<br />

o bastante para viver uma vi<strong>da</strong> solitária, ela inclui os pais, a mulher e os filhos, amigos e conci<strong>da</strong>dãos em geral. Pois o homem é um animal social”<br />

Nestas consi<strong>de</strong>rações do filósofo grego está evi<strong>de</strong>ncia<strong>da</strong> uma <strong>da</strong>s consi<strong>de</strong>ações mais importantes <strong>da</strong> pessoa humana: ela não po<strong>de</strong> viver sozinha.<br />

Precisa <strong>de</strong> seus semelhantes sob muitos pontos <strong>de</strong> vista: em sues primeiros momentos <strong>de</strong> vi<strong>da</strong>, precisa do outro para sobreviver; precissa também do outro para<br />

<strong>de</strong>senvolver suas capaci<strong>da</strong><strong>de</strong>s humanas, como muito bem ilustram os casos <strong>de</strong> pessoas que, cria<strong>da</strong>s fora do ambiente social, não <strong>de</strong>senvolveram certas<br />

aptidões humanas.<br />

Denomina-se humanização o processo pelo qual, o ser humano, no convívio com os outros seres humanos, aos poucos, vai <strong>de</strong>senvolvendo suas<br />

habili<strong>da</strong><strong>de</strong>s humanas: ele apren<strong>de</strong> a falar, a pensar, a rir, a chorar, a rezar, a sentir vergnha, a ser solidário, etc.: com isso, <strong>de</strong>senvcolve a intelectuali<strong>da</strong><strong>de</strong>, a<br />

morali<strong>da</strong><strong>de</strong>, a emotivi<strong>da</strong><strong>de</strong>, a religiosi<strong>da</strong><strong>de</strong>, a linguagem, a sociabili<strong>da</strong><strong>de</strong>, etc. Quem vive isolado dos outros, embora nasça co to<strong>da</strong>s as potenciali<strong>da</strong><strong>de</strong>s<br />

humanas, não as <strong>de</strong>senvolve a<strong>de</strong>qua<strong>da</strong>mente e, num certo sentido, não se torna humano.<br />

Max Scheler referindo-se à natureza <strong>da</strong> pessoa humana, afirma que esta se constitui primordialmente dos atos livres e intencionais que pratica. Os<br />

atos humanos, por sua vez, divi<strong>de</strong>m-se em dois grupos: alguns <strong>de</strong>les ao atos singulares, outros são atos sociais. Os atos singulares são aqueles que se voltam<br />

(intencionam) para o próprio sujeito que os pratica. Entre estes atos estão o amor ou a raiva <strong>de</strong> si mesmo, prometer a si mesmo, refletir, <strong>da</strong>nçar para relaxar, etc.<br />

Já os atos sociais são os que se dirigem (intencionam) ao outro, como por exemplo, dominar, prometer, consentir, amar ou odiar o seu semelhante, <strong>da</strong>nçar paa<br />

exibir-se, comunicar, etc.<br />

Mesmo quando se encontra sozinha, uma pessoa pratica certos atos em que o outro está pressuposto. Se a presença do outro não fosse<br />

pressuposta, muitos <strong>de</strong> nosso atos cairiam no vazio, per<strong>de</strong>riam sentido. Assim, po<strong>de</strong> afrimar-se que gran<strong>de</strong> parte <strong>da</strong>s coisas feitas pelo ser humano, que faz a si<br />

mesmo pelos atos livre que pratica, <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>m <strong>da</strong> presença real ou imaginário do outro.<br />

Referindo-se ain<strong>da</strong> a esta questão, Scheler afirma que em última instância, to<strong>da</strong> pessoa constitui-se <strong>de</strong> duas dimensões. A primeira é a que ele<br />

chama <strong>de</strong> pessoa singular, composta dos atos singulares, e a segun<strong>da</strong> pessoa é a pessoa coletiva, que reúne em si os atos sociais. Segundo ele, não se po<strong>de</strong><br />

pensar numa pessoa que não tenha estas duas dimensões. Nem mesmo na Pessoa divina isto ocorre.<br />

5 – A TEORIA DA LINGUAGEM RELIGIOSA<br />

5.1. SIGNIFICADO DA LINGUAGEM RELIGIOSA<br />

5.2. PRAGMÁTICA DA LINGUAGEM RELIGIOSA<br />

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BIBLIOGRAFIA<br />

ARTIGAS, Mariano, Introducción a la Filosofía. Pamplona. EUNSA. 1997 (5ª ed.).<br />

CONESA, F. e NUBIOLA, J. Filosofía <strong>de</strong>l Lenguaje. Barcelona. Her<strong>de</strong>r. 1999.<br />

CHAUI, M., <strong>Filosofia</strong> (Série Novo Ensino Médio). Editora Ática. São Paulo 2002.<br />

HRYNIEWICZ, S. <strong>Filosofia</strong> <strong>da</strong> <strong>Linguagem</strong>. Edição do autor. Rio <strong>de</strong> Janeiro, 1999.<br />

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