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ela gostasse de saber mais sobre ele. Hoje, porém, o<br />
velho rabino se detém na sala, ao deixar o quarto de<br />
Dona Romana, e entrega a Alícia um folha de papel<br />
com seu próprio nome, N. Kafka, um endereço e um<br />
número de telefone, para quando for necessário, diz<br />
ele. Alícia acompanha-o até a porta, com o coração<br />
apertado, sabendo que esta é a maneira de Kafka<br />
dizer-lhe o que ela teimava em não admitir: Dona<br />
Romana está chegando ao fim. Fica ali paralisada,<br />
no meio da sala, tentando responder alegremente à<br />
velhinha que a chama do quarto e segurar as lágrimas<br />
de tristeza que a invadem e, ô horror!, trazem<br />
consigo um cheiro de papel velho e um inominável<br />
sentimento meio parecido com alegria.<br />
Dona Romana acaba de fechar serenamente os<br />
olhinhos, e Alícia teve a impressão de que eles lhe<br />
endereçaram um último olhar meio maroto enquanto<br />
o rabino recitava o fim de suas orações em hebraico.<br />
Foram serenos os últimos dias de Dona Romana,<br />
um apagar-se manso e sem dor, o oposto da<br />
agonia que tem vivido Alícia, torturada, dividida<br />
entre uma sincera tristeza pela partida de sua amiga<br />
e a atração maligna daquele livro inédito na gaveta<br />
secreta. Agora, sem Dona Romana, Alícia não<br />
tem mais ajuda para defender-se do sortilégio que<br />
emana daquele armário, é sob tortura que assiste ao<br />
enterro da amiga, em estado de extrema agitação<br />
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