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lembrar que ele chegou aonde chegou,<br />

atingiu o que atingiu, construiu a obra<br />

que construiu e tudo mais, sem jamais:<br />

1. jogar o jogo do capiau e se<br />

bandear de mala, cuia, ideologia, temática<br />

e modelos pro centro que o pudesse<br />

atrair.<br />

2. jogar o jogo do capiau mala e<br />

celebrar alguma pretensa diferença ideológica,<br />

temática ou cuial que pudesse<br />

haver cá na quinta comarca.<br />

O ufanismo e o deslumbre foram<br />

duas aves que jamais se empoleiraram<br />

no muro coberto de lascas de vidro<br />

(“cacos” são coisas aleatórias; nosso hematófago<br />

não faz nada que não de caso<br />

pensado) da casa do nosso escritor.<br />

O homem cantou o rio da aldeia<br />

dele, o nosso rio (literalmente, né?), lembrando<br />

que ele era mais sujo e mais seu<br />

que qualquer outro e, assim, mais universal.<br />

Ele, que como todo homem de juízo<br />

é fã da frase de Terêncio que diz que<br />

a nós, humanos, nada do humano pode<br />

(deve) ser jamais estranho, olhou em volta,<br />

viu o caos, a decadência, viu o amor<br />

pequenininho e adoentado, viu tesão tão<br />

mirradinho ou mais parrudo, viu a dor, a<br />

violência, o pasmo, o encanto e mesquinhez<br />

de sermos eu, você e ele nós.<br />

O maior escritor do Brasil solta<br />

um livro por ano. O maior escritor do<br />

Brasil tem uma obra de uma consistência<br />

e de um nível de qualidade que só se<br />

renovam e se só refinam.<br />

Se Truman Capote tinha direito<br />

de cutucar Norman Mailer e Gore Vidal<br />

dizendo que eles podiam ser grandes,<br />

mas jamais haviam inventado um<br />

gênero, o que dizer de um escritor que<br />

inventou uma literatura? Que esperou<br />

décadas até que todos (todos?) entendessem<br />

que ele não estava escrevendo<br />

contos, não estava escrevendo livros?<br />

Mas que ele estava escrevendo a obra<br />

de Dalton Trevisan, seu maior personagem,<br />

seu maior livro.<br />

Cada conto pode até ser peça<br />

de um livro. Mas, como ele, cada livro<br />

é peça da obra, que continua, cada vez<br />

mais ativa. É necessário lê-lo todo. E<br />

isso é novo. E isso é imenso. E, camaradas,<br />

ele mora aqui do lado.<br />

Mas, espera aí. Essa edição toda<br />

é em tributo ao seu Vampiro. Isso tudo<br />

será dito em todos os tons, por resenhistas<br />

muito mais sutis e finos que eu<br />

(e enquanto eu escrevia essa frase, soube<br />

que ele ganhou o prêmio Camões!).<br />

E o que tinham me pedido era um texto<br />

sobre essa “vizinhança”, sobre conviver<br />

nas pertitudes de Dalton Trevisan.<br />

E cá vou eu na dele mais uma vez,<br />

insistindo que o conto há de ser maior, e<br />

mais interessante, que o contista?<br />

Eu aqui de confábulos com o fabulante<br />

com que nunca nem fabulei direito,<br />

pra conspirar a favor da mania de<br />

escondidismo do autor?<br />

Pois sabe que é mais ou menos<br />

bem isso?<br />

Que, A, eu, se possível, não quero<br />

que uma pessoa a mais fique imaginando<br />

onde mora o Trevisan? (Ok,<br />

todo mundo meio que já sabe, mas mais<br />

abaixo fica meio claro porque eu acho<br />

importante esse teatro.)<br />

Que, B, eu não tenho:<br />

a. Cacife pra posar de “chegado”<br />

(Troquei meia dúzia de palavras com<br />

o homem, nas esquinas da vida, sempre,<br />

eu, trêmulo e bobo, feito um... feito<br />

um... vá lá: feito um fã de Dalton Trevisan<br />

falando com Dalton Trevisan!)<br />

b. Interesse em posar de “chegado”<br />

(Eu sei que não foi isso que me pediram.<br />

Sei muito bem. Isso aqui sou eu brigando<br />

com as minhas neuras, noias minhas).<br />

Que, três, eu acho a invisibilidade<br />

e a recolhidez de Trevisan uma<br />

coisa lindamente refrescante e refrescantemente<br />

linda.<br />

Na minha mo<strong>desta</strong> opinião, o<br />

maior escritor americano vivo é Thomas<br />

Pynchon. Um “recluso” que vive no<br />

meio de Manhattan.<br />

Na minha imo<strong>desta</strong> opinião, o<br />

maior escritor brasileiro mora a poucas<br />

quadras da minha casa. No meio<br />

de uma cidade grandota (Nesta cidade<br />

do Rio [Belém], / De dois milhões de habitantes,<br />

/ Estou sozinho no quarto, /Estou<br />

sozinho na América,). E eles, os dois,<br />

conseguem isso. Obtêm.<br />

Porque a alta literatura, a literatura<br />

grande, ainda não é a televisão das<br />

celebridades. Porque a gente (eu, você<br />

e ele, que somos nós todos) ainda vive<br />

num mundo que SABE que o contista<br />

vale mais. Que respeita o desejo de<br />

um sujeito normal (certo, bisonhamente<br />

mais talentoso do que todo mundo,<br />

mas ainda assim, né?) ser ainda tratado<br />

e viver como um sujeito normal.<br />

Eu tenho uma misturinha de<br />

vergonha e de orgulho dessas duas vezes<br />

em que parei o cavalheiro na rua e<br />

tremulei feito bandeira murcha pra dizer<br />

que era fã e pra perguntar uma coisa.<br />

Eu devia ter, sempre, deixado Trevisan<br />

ser Trevisan; devia ter, sempre, deixado<br />

Trevisan ser o Vampiro. É o que ele<br />

quer. E o meu trabalho é respeitar. Mas<br />

e o orgulho? Ai ai ai, coisa feia.<br />

Mas tem orgulho. De saber, inclusive<br />

(por que te ufanas de teu contista,<br />

ó asno digitante!), que o maior<br />

escritor desse brasilzinho varonil mora<br />

aqui, a poucas quadras da minha casa,<br />

sobe a rua com saquinho de pão, e vez<br />

por outra almoça no mesmo restaurante,<br />

a poucas mesas distante de mim,<br />

me dando uma ligeira sensação de não<br />

morar nesta cidade, ou de morar numa<br />

cidade que subitamente deixou de ser<br />

a mesma; passou a ser o mundo. g<br />

JORNAL DA BIBLIOTECA PÚBLICA DO PARANÁ | CÂNDIDO<br />

11<br />

Caetano Galindo nasceu em 1973 em<br />

Curitiba. Desde 1998 é professor da<br />

Universidade Federal do Paraná (UFPR). Como<br />

tradutor, já verteu para o português obras de<br />

autores como Thomas Pynchon, Tom Stoppard<br />

e David Foster Wallace. Acaba de lançar nova<br />

tradução de Ulysses, de James Joyce.<br />

Vive em Curitiba (PR)

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