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Pietro Maria Bardi Arquitetura Racional e Regime Fascista ... - USP

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<strong>Pietro</strong> <strong>Maria</strong> <strong>Bardi</strong><br />

<strong>Arquitetura</strong> <strong>Racional</strong> e <strong>Regime</strong> <strong>Fascista</strong><br />

P. M. BARDI, “L'Ambrosiano” 14 de fevereiro de 1931; “La Casa Bella”, IV (1931), n. 4, pp. 77-81;<br />

Rapporto sull'architettura, Roma, 1931.<br />

Se o Fascismo terá, como está fora de qualquer dúvida, uma sua própria arquitetura, que pode se<br />

prever serena e colorida, arejada e linear, sóbria e até militar, pode se intuir muito bem que esta<br />

será a obra dos jovens da nossa geração 1 . Já começaram a berrar contra o escândalo dos jovens,<br />

com uma denûncia de esterofilia 2 : nesta petição queremos esclarecer que as acusações vem,<br />

mais uma vez, daqueles impotentes que denunciaram como francês um Carrá apaixonado por<br />

Giotto 3 , para resmungar depois salmos para os vários Bistolfi, Dall'Oca, Sartorio e Grosso. As<br />

1 Os jovens que em 1930 se reuniram no MIAR (Movimento Italiano per l'Architettura Razionale) e que em 1931<br />

montaram em Roma, na Galeria de P. M. <strong>Bardi</strong> na Via Veneto, sua segunda mostra comentada por <strong>Bardi</strong> neste<br />

escrito. Nele em relação à arquitetura fascista é dito: “Precisávamos revelar o inadequado serviço que é prestado ao<br />

fascismo através de certa ordinária consciência, e por meio de fatos que nos parecem traições a ser castigadas com<br />

rigoroso severidade. Queremos que o marco de Mussolini seja aquele que todos nos, da brigada intransigente,<br />

esperamos e queremos para ele. Para nos, o caminhar, daqui a quinze anos, talvez reduzes de outras façanhas<br />

vitoriosas, naquelas ruas sinuosas e remediadas de que se ouve falar (em relação ao novo plano de Piacentini), ou<br />

naquelas artérias de expediente ou malhas, para usar o termo técnico, será sempre uma moléstia que nos mortificará:<br />

pensamos na cidade fascista, uma cidade útil, ordenada, com pausas, retilíneos, despida de frioleiras e de enfeites. A<br />

estrada de Mussolini foi e se dirige ao mais distante amanhã que se possa imaginar, com absoluta, decisiva<br />

linearidade: é a estrada militar romana, marcado por coluna a cada mil passos ladeada por enredos de vegetação e<br />

por edifícios severos desafiando o tempo. É preciso cuidar de Roma, como de todas as nossas cidades, com esta<br />

generosidade e não com as preocupações bancárias (leia-se: de Piacentini): o coração deve ser enfaixado de uma<br />

esperança de domínio e de um desejo de sacrifício, que custe até a pobreza, e não estimulado por deduções de lucros<br />

e por baixos instintos provisórios, que preparem o bem-estar e a aposentadoria. Os edifícios que Diocleciano<br />

mandou erguer em Nicomédia, sua residência em Milão, em Cartago e finalmente em Solona utilizaram<br />

continuamente, durante seu reino, multidões de arquitetos, escultores e pintores; mas tais atividades incontroladas,<br />

movidas apenas pelo desejo de lucro, não conseguiram devolver àqueles artífices degenerados as inspirações de<br />

tempos melhores. Fazem oito anos que são colocados os feixes litórios, às vezes com a vertical das vergas inchada<br />

para se adaptar às curvas de algum fundo, bem encaixados nas redundantes cartelas barrocas, nos edifícios<br />

construídos depois da chegada de Mussolini ao poder. Todos podem ver alguns pendurados em diversos prédios,<br />

com um simples cravozinho mal fincado, como se a marca do domínio de Mussolini fosse um brasão que, uma vez<br />

terminado o ducado, poderá ser removido para deixar o lugar àquele do sucessor. A nossa história menos nacional<br />

nos avisa que, em alguns tempos em algumas províncias, os Italianos foram um tanto submissos e obedientes aos<br />

donos que percorriam a península: o fascismo não quer herdar nada deles e não quer confundir com aqueles suas<br />

feições. As fachadas e os pátios dos palácios com os brasões apagados e novamente esculpidos às dezenas, que<br />

lembram príncipezinhos e condestáveis que nos humilham... o Litório não é um brasão: mas um emblema que<br />

Mussolini ressuscitou, à maneira de um dos nossos memoráveis capitães, para dar novamente à Itália a consciencia<br />

da sua missão... Mussolini sabe que o litório festeiro, formado por lamparinhas elétricas ou por canetas<br />

estilográficas, ou por outras bugigangas é um litório bastardo, e é mentiroso quando é ostentado, em moldes de<br />

pouco valor, nos prédios estilo Renascença ou neo-clássico ou nas outras tolices da arquitetura em geral”. “Nada de<br />

intoar, nada de harmonizar, nada de submeter, pelo prazer mercenário de quatro ou cinco professores, os quais<br />

fingem de preservar, fazendo o papel do bicho-papão nos grupos finalizados a reorganizar e a desenvolver as cidades<br />

italianas. Com estes caras no meio, muito bem equipados de leis e decretos, assim como faltam de sensibilidade,<br />

será muito difícil realizar cidades fascistas. Trocar a guarda: salvação também nestas repartições” (BARDI,<br />

Rapporto sull'architettura, cit., pp. 115 ss., 126 sg.)<br />

2 BARDI, Rapporto sull'architettura, cit. p. 101, sg. 106 sg.: “Alinhavar estes três nomes (Sant'Elia, Gropius, Perret)<br />

e tantos outros podem ser escritos, significa anunciar, acima dos condenáveis provincianismos, que na Europa a<br />

polêmica para a arquitetura moderna desabrochou, porque estava no ar como determinada por um clima pesado e<br />

nublado, que estala de repente numa tempestade. A tempestade, passados os raios e o granizo, fez brotar o<br />

movimento racionalista. Uma vez aceita a ideia principal, correto o princípio de partida, eis uma corrida desenfreada<br />

mas consciente, um amor apaixonado pela novidade e a necessidade de se renovar”; “Ao sempre presente sovina da<br />

esterofilia lembraremos, utilizando a propósito um missal da Real Academia da Itália, que é preciso “conhecer o<br />

mundo, absorver o melhor e o mais adequado para nos e, depois, elevar o tom da nossa cultura, potencializa-la, darlhe<br />

aquele caráter de universalidade que é condição da sua expansão” (Gioacchino Volpe, Relazione sulle cose della<br />

Farnesina) Poderia-se melhorar o clima convidando: Bontempelli, Brasini, Tito, Mascagni? Ou Marinetti,<br />

Piacentini, Sartorio, Perosi?”<br />

3 Ibidem, p. 131 sg. : “Como um francês um Carrá apaixonado por Giotto, ou como alemão aquele Sironi, que parece


cartas na mesa, relativamente à arte, foram sempre tão rapidamente trucadas, que os honestos<br />

fizeram cada vez o papel de Renzo.<br />

Prontos a trapacear, os paladinos do statu quo, sufocada a rebelião de Sant'Elia 4 , manuseam suas<br />

astuciosas armas contra os arquitetos modernos, tagarelando sobre a importação do racionalismo<br />

do exterior. É preciso dizer que o racionalismo possui raízes nossas, ou melhor, romanas: o<br />

Coliseu e a Torre das Milícias são edifícios racionais. É mais próxima da arquitetura romana o<br />

prédio de escritório de Turim, de Pagano e Levi 5 , do que qualquer outro erguido na Itália desde um<br />

século atrás até hoje. A falta de hábito ainda perturba o julgamento estético, mas uma pessoa que<br />

enxergue longe não pode se não louvar o empenho daqueles arquitetos, em satisfazer as<br />

exigências atuais junto com a aspiração artística 6 . Acostumados com as janelinhas das casas dos<br />

vovós, a amplidão das novas parece logo exagerada; como os aparelhos para manovrar os vidros<br />

e não as impostas, ou as comportas e não as persianas, parecem ainda novidades demasiado<br />

mecânicas. Chamamos em ajuda Leopardi, com seu Zibaldone na mão, para convencer o próximo<br />

que se trata de acostumar o olho e a mão, para desfrutar logo de uma vantagem segura.<br />

o único comentador gráfico da revolução e, portanto, um artista italiano por excelência. Eis até onde chega a<br />

ignorância dos fatos: a revolta exprime o interprete, que sabe representar o signo da comoção pública, preanunciando<br />

o amanhã e o eterno burguês duvida daquela arte. O povo, porém, o entende, e reforça o consenso das<br />

ideias revolucionárias por meio daquele estilo figurativo realizado sem lançar mão da retórica e sem referências<br />

saborosas às revoluções do século XIX. A atmosfera das obras de Sironi é aquela da hora da sublevação, uma<br />

expressão de arte vivente, um símbolo atual. O nome de Mario Sironi não foi incluido por acaso nestas referências:<br />

o iluminador dos artigos assinados “M” publicados no “Il Popolo d'Italia” realizou com Giovanni Muzio os<br />

pavilhões da imprensa na exposição de Colônia e de Barcelona, por encomenda de Giulio Barella, de que, como<br />

chefe das exposições internacionais de Monza e do Concurso Milão-Monza-Umanitaria esperamos que cumpra seu<br />

papel na polêmica para uma arquitetura absolutamente contemporânea”.<br />

4 Ibidem, p. 100 sg.: “Voltamos ao início deste entendimento criativo: a Sant'Elia, que com ousadia toda italiana,<br />

quebrou o trem de uma arquitetura viajando em direção do cemitério. O lombardo foi um precursor que não fez<br />

escola na Itália e, como precursor, superou, parcialmente, o futurismo: ele aparece, de fato, como um isolado e o<br />

único arquiteto do movimento futurista. Ainda não é um racionalista no sentido salutarmente moderno: é um Jules<br />

Verne das invenções, um profeta que joga uma pedra, que desperta uma revolta. O seu projetar -sendo precisos por<br />

amor à verdade- é contemporâneo às primeiras tentativas de Gropius na Alemanha e dos irmãos A. e G. Perret na<br />

França: em comparação com eles, Sant'Elia possui uma visão mais espacial, mais genial, dá vontade de dizer mais<br />

latina”.<br />

5 “O prédio dos escritórios Gualino em Turim, projetado em 1928 com Levi Montalcini, é a primeira aparição, depois<br />

da FIAT Lingotto, de uma formula construtiva européia na Itália: e os dignitosos burgueses durante muitos meses<br />

desviaram o passeio do domingo no Valentino para ir se escandalizar por aquela arquitetura fora das convenções,<br />

despida de repente de todo hábito ornamental, desconcertante como um homem das florestas entrando dentro de<br />

uma sala elegante. Uma fachada sem ornamentações, apenas movimentada por um ressalte central, que dá àquele<br />

plano um peso e uma solidez de volume, uma repartição clara de cornijas horizontais entre as fileiras das janelas<br />

quadradas, alternando com ritmo repetido e constante o vazio e o cheio; um indício de movimento da estrutura do<br />

lado que, coligando-se ao ressalte central da frente, resolve aquele encontro de superfícies em uma massa apenas<br />

articulada pelo interior, quase crescida sobre seus eixos. É a polêmica de Loos e dos proto-racionalistas que se abre<br />

o caminho, é a primeira ligação estreitada na arquitetura entre a Europa e a Itália” (M. MAZZUCCHELLI, Pagano<br />

architetto em G: PAGANO POGATSCHNIG, Architetture e scritti, Milano, 1947, p. 30)<br />

6 <strong>Bardi</strong> procura com habilidade destacar as aspirações artísticas dos racionalistas, para contrabalanças seu suposto<br />

mecanicismo. Veja-se também BARDI, Rapporto sull'architettura, cit., pp. 97 sg.: “É preciso esclarecer ainda e<br />

francamente o valor deste vocábulo (racionalista), que se presta ao jogo de astuciosos sofismos e pode também<br />

permitir um pressupposto mecânico e exageradamente utilitarista. A palavra racional possui um valor de simples<br />

diferenciação e, a rigor, os racionalistas italianos não são se não arquitetos decidida e sinceramente modernos. Seu<br />

ideal não é ligado nem à máquina em si, nem a uma lógica absoluta e abstrata que ninguém sonha de identificar na<br />

arte. Não é apenas um problema construtivo, o que informa o movimento racionalista. Pelo contrário, um dos seus<br />

principais postulados é justamente o de que as novas formas da arquitetura, nas suas relações de vazio e de cheio, de<br />

massas pesadas e estruturas leves, devam doar ao espectador uma emoção artística, que pode ser obtida através o<br />

equilíbrio dos volumes e a proporção rítmica, que o cálculo sozinho não pode resolver, mas que apenas a intuição<br />

artística pode alcançar. Em outras palavras pode-se dizer que tecnicismo, utilidade, raciocínio não são para o<br />

arquiteto, se não a matéria de que ele se utiliza como da pedra. Pois os arquitetos ainda imperantes (leia-se<br />

Piacentini) obsecados por uma obstinada e totalmente absurda noção do chamado monumental, insensíveis por<br />

pobreza de paixão ao grande significado que a nossa era esta marcando no mundo, preocupados apenas por uma<br />

superficial conciliação entre as velhas formas e as novas técnicas, vão impingindo como modernas suas obras neoclássicas<br />

e neo-barrocas, surgiu na crítica e nos mesmos inovadores, a necessidade de usar o vocábulo racional para<br />

definir este endereço artístico de vanguarda”.


Os chamados arquitetos racionais, acrescentamos, são tradicionalistas. Estudiosos do que<br />

excogitou e realizou o estrangeiro, durante a nossa vacância arquitetônica (que dura desde<br />

Piermarini ou pouco mais adiante) é lógico que insertem certas tentativas sobre o já conquistado:<br />

as partidas na arte, entre os povos, são sempre cordialmente abertas, e a Itália parece ter tais<br />

créditos, que pode se permitir cobrar algum vintenzinho. Isso não significa importar do exterior,<br />

além do que, Sant'Elia está sempre ali para ensinar algo a todos, incluindo os transalpinos: quer<br />

dizer manter-se em dia com a roda universal... 7 .<br />

É preciso vencer e ultrapassar o cerco dos lerdos e dos bombeiros nascidos 8 , devolvendo a<br />

liberdade artística para a arquitetura, mediante a revisão da função do edificador, e a<br />

modernização das leis que governam o urbanismo e a indústria da construção: unificar,<br />

coordenador, combater as ideias parasitárias e favorecer as tentativas, eliminar o trabalho das<br />

comissões e dos conselhos inferiores e superiores, que embaralham tudo, de forma a facilitar a<br />

competição e, portanto, o benefício de progredir. A partir de uma atenta consideração da fórmula<br />

proposta, “arquitetura, arte de estado”, que poderão brotar novos germes de vida e de<br />

prosperidade para a arte príncipe... 9 .<br />

7 L. PATETTA, L'architettura in Italia, 1919-1943, Roma, Clup, 1972, p. 37: “Fica evidente que a celebração de<br />

Sant'Elia naqueles anos de polêmicas sobre a arquitetura moderna toda italiana, a ser contraposta, orgulhosamente a<br />

toda acusação de bolscevismo e de imitação da arquitetura estrangeira: é a condição necessária (ao menos parece tal)<br />

para que Fascismo reconheça a arquitetura moderna como sua própria. Mais além, isso significa a possibilidade de<br />

representar (como única expressão autêntica) a <strong>Arquitetura</strong> de Estado. Nesta tentativa encontra-se envolvida toda a<br />

jovem arquitetura italiana, que com tal finalidade entra em uma polêmica confusa com a cultura oficial, os<br />

acadêmicos, o sindicato fascista dos arquitetos, a Câmara das Corporações, os orgãos oficiais do partido. Estreitar<br />

relações com o Fascismo parece o único caminho para transpor os obstáculos e o ostracismo da cultura burguesa”.<br />

8 BARDI, Rapporto sull'architettura, cit., pp. 81, 120 sg., 129 sg. : “Inevitavelmente se apresentará à cena um coro de<br />

coréutas para declamar uma canção escrita para a ocasião pelos funcionários das Belas Artes, que possui um refrão<br />

magnificando a tradição. Não era de se esperar mais nada: que os homens da conservação e seus amigos<br />

monopolistas das construções, specialmente as de encomenda estatal ou para-estatal, falassem em tradição. Não é<br />

mais tempo que com um hino a Virgílio premiado na academia uma pessoa se tornava poeta, ou que se transforme<br />

em pintor por causa de um cavalo recebido como presente de um rei ou de um príncipe, tampouco é tempo de deixar<br />

passar uma tentativa de se colocar em dia com a arte de Amedeo Modigliani. Também a tradição é um bom achado<br />

que se difunde para uso dos que reverenciam a história...” “Qual dos nossos arquitetos de hoje, que podemos<br />

declarar humano, filho do nosso tempo, orgulhoso e competindo com seus antecessores? Aos nossos conservadores<br />

do espírito cético parecem as ousadias mais desabusadas aquelas de Marcello Piacentini, homem muito preparado, e<br />

sem dúvida talentoso, que, no dia em que estamos falando, tem no seu escritório os desenhos de meia Itália a ser<br />

construída. Mas seus resultados arquitetônicos não são os da nossa paixão: são campos de aterrizagem improvisados<br />

em que o Fascismo pousa com manovras mal acertadas. O Piacentini poderia ter sido, talvez, o que Dinocrates foi<br />

para Alexandre, o construtor da nova Roma, mas seus projetos da juventude, que tanto nos confortaram e<br />

entusiasmaram quando moços, parecem fatalmente descartados, depois da repetida constatação da sua adaptação ap<br />

gosto exigente do seus clientes. Em Piacentini as vanguardas perderam o precursor do Cinema Corso e lamentam<br />

isso, porque o estimam”.<br />

9 Sobre a “arte de estado” veja-se Ibidem, pp. 16, 83 sg., 86 sg.: “Alguém iria querer, de repente, e percebe-se que<br />

logo apareceriam numerosos “comissários”, a decisão, por parte do Fascismo, para uma arte de estado, uma arte<br />

fascista, imposta e determinada, decidida na hora. A ideia apareceu, aliás, suportada com citações históricas, mais ou<br />

menos napoleônicas. Sem contar que Napoleão é uma história diferente do Fascismo e que Mussolini é outro tipo de<br />

gigante, diremos que a inteligente e honesta neutralidade do estado na área da arte, assim como hoje se apresenta a<br />

situação, deve ser considerada como benéfica e providencial”; “o estado tem todo interesse em controlar a delicada<br />

questão da arquitetura, conforme um critério ditadorial e unificador, para atribuir um caráter geral a todas as<br />

iniciativas na construção, mesmo com aquela neutralidade entre os artistas vivos já lembrada. Quem propugna esta<br />

ideia não pretende um estado arquiteto, mas ao menos um estado que dita determinadas e inderogáveis normas na<br />

área da arquitetura, normas que seriam facilmente expressas pela mais avisada moralidade do fascismo. Seria<br />

suficiente pensar no benéfico efeito que teria uma lei draconiana que prohibisse, sem exceções, as reconstruções de<br />

edifícios em estilos antigos. Turim seria imediatamente libertada da sua via Roma estilo Seiscentos ou Setecentos. E<br />

Roma, qual aspecto fascista , de hoje, de Mussolini, desfrutaria de repente. Debaixo das ciclópicas e tão nossas<br />

barragens de represas, não seriam vistas certamente as centrais decoradas em estilo rococó. Significaria, vamos<br />

repetir isso: os fascistas são fascistas e não barrocos, falsos romanos, cidadão da Roma de Sixto e de Leão, filhos de<br />

Solaro della Margherita e de Facta. Dada uma ordem contra a arquitetura e a arte retrospectiva, certos edifícios não<br />

seriam vistos...” “O estado liberal foi, em relação à arquitetura, benevolamente neutral: quem quisesse erguer seu<br />

castelo encantado com sabor de feira, quem tivesse projetos de pagodes e de cabanas: ficasse a vontade. O estado<br />

ficando indiferente deixou a mais ampla liberdade aos arquitetos de todos os gostos, sem controlar as muitas<br />

violações da fronteira do feio. Metade das cidades foram erguidas com “vilas e palacetes” e “cem projetos” à mão.


Em tempos de indisciplina, Roma foi afeada, mais do que algum terrível inimigo seu poderia<br />

imaginar 10 . Síncronas, existem lamentáveis histórias para Turim (ainda não terminadas) 11 , para<br />

Milão 12 , e assim adiante. Aqueles que possuiam interesses em jogo conseguiram sempre trocar as<br />

famosas cartas na mesa, portanto a culpa caiu sempre nos bem-pensantes 13 .<br />

Roma teve assim o bairro Dora, imaginação daquele cara engraçado que foi Coppedé (e vejam que ele dizia: -use o<br />

neo-clássico e eu o faço para eles). As comissões de urbanização foram as oficiantes destas iniciativas, permitindo<br />

que fosse instaurado, sorrateiramente, uma espécie de combinação afarista e monopolista, dotada apenas de muito<br />

talento na prática comercial. O estado, inclusive nas épocas em que a especulação humilhava a arquitetura com uma<br />

hegemonia preocupante, continuou não intervindo, quase estivesse convencido e pressagindo que um belo dia a pêra<br />

amadureceria, com o surgir das novas gerações. Hoje que a nova consciência artística italiana exprime artistas que<br />

parecem possuir todas as boas qualidades para se aventurar no desafio das iniciativas para uma arquitetura do<br />

fascismo, parece oportuno tentar a mais ressoante discussão do fato. Já experimentamos estes nossos pensamentos<br />

em anteriores mas limitadas polêmicas, e percebemos que o desejo de fazer brotar uma solução em favor da<br />

contemporaneidade está presente em todo lugar. Foi obtido um consenso ao redor da expressão “arquitetura, arte de<br />

estado”, expressão que quatro o cinco pessoas reivindicaram, encabeçados, é natural, pelos futuristas. Nós não<br />

fazemos questão de prioridade e vamos dar de presente a ideia que nos veio lendo a história dos faraós, ou<br />

observando a construção operosa de um pequeno formigueiro, para quem quiser se demonstrar tão passatista: melhor<br />

se será um futurista, assim não teremos a mancha de olhar para o passado”.<br />

10 pp. 57 ss. “Mais que uma Roma do fascismo, querem uma Roma “remediada” pelo fascismo, quer dizer uma obra<br />

de reconstrução que um dia será fatalmente confundida na confusão das várias cidades que se sobrepõem e se<br />

entrelaçam sobre suas renomadas colinas. Porque, nós pensamos, demolir uma parte de Roma, assim como de<br />

qualquer outra cidade, para ordenar uma nova avenida “levemente sinuosa, embora ampla (tipo Corso Vittorio<br />

Emanuele)”, embora toda entretecida de quadros arqueológicos maravilhosos, que se sucedem com incessante<br />

surpresa”, não quer dizer criar uma avenida fascista, fascista hoje e sempre, mas homenagear as épocas passadas,<br />

certas épocas às vezes nada adoráveis, embora fornecedoras de bom material para os museus... Onde está a cidade<br />

nova? Onde será possível construir modernamente? Onde será possível erguer edifícios altos? O plano regulador foi<br />

feito para executar o testamento de Leão X ou para resover as necessidades da Roma <strong>Fascista</strong>?... Ninguém<br />

certamente quer o fim de Roma velha; pelo contrário, se desejaria a sua vida assim como ela é, excluíndo as<br />

demolições higiénicas, no estado em que foi entregue à Marcha: um respeito, como se vê. Roma do Fascismo<br />

deveria se resumir numa ideia oposta àquela do culto incontrolado das memórias, quase com um cordial<br />

antagonismo ao que já foi edificado, de que se originaria uma expressão mussoliniana de cidade, partindo do<br />

pressupposto da celebração da vitória civil. Os romeiros vem a Roma para desfrutar os monumentos das nossas<br />

vitórias civis. Para o amanhã não vale remendar, restaurar, arranjar. Não uma Roma em pedaços e fracções em torno<br />

da periferia, infelizmente desarranjada por traçados pensáveis com as aspirações de 1880, e por casamentos que,<br />

pela honra da nossa arquitetura escolar, não se desejaria que durassem ainda muito tempo continuando amolar... Ao<br />

dizer Roma do Fascismo, aludi-se a uma parte da cidade construída do começo, nascendo numa área a latere das<br />

muralhas, iniciada conforme as exigências demográficas, com originalidade, sem a pressa dos empreteiros que, para<br />

fazer mais rápido e obter o consenso das comissões, mandam copiar determinados projetos padrões já consagrados<br />

(em Roma existem escritórios de produção de projetos). O desenho de uma Roma <strong>Fascista</strong>, por outro lado, deveria<br />

ser estudado, possivelmente sem o transtorno de arquitetos mediocres. O exemplo seria estupendo e serviria para<br />

toda a Itália. Em outras palavras, alguém espera que Mussolini imprima um selo todo seu na capital: com ruas,<br />

edifícios, estádios, jardins, campos de aviação, portos todos seus: a cidade de Mussolini que teria perfeita vida,<br />

integrante e vigilante daquela das “cinco cidades”.<br />

11 Ibidem, pp. 33 ss. : “Um caso melancôlico está por acontecer, enquanto escrevemos, em Turim; a reconstrução de<br />

Via Roma nos moldes setecentistas... Parece um sonho. Um sonho no meio da realidade do impulso dado por<br />

Mussolini a tudo o que significa caráter de expressão moderna, no campo das artes. A ideia que a rua principal de<br />

uma cidade deva nascer já velha e em antítese a todas as necessidades econômicas e morais da época, parece tão<br />

grotesca que, sem as documentações mais recentes apresentadas à prefeitura de Turim, se poderia supor de estar de<br />

frente de uma brincadeira de mau gosto. Infelizmente, ao em vez, a reconstrução está para se tornar um fato<br />

consumado, e mais uma vez certos arquitetos italianos, atuando no meio da vida fascista, darão o espetáculo de não<br />

ter compreendido a admonestação da arte nova a ser posta ao lado da antiga. Há alguém que ousa não obedecer a<br />

Mussolini? O caso da rua turinense é relevante, já que revela uma situação”.<br />

12 p. 58: “Em Milão, para sairmos das muralhas leoninas, demolirão, com a realização do novo plano regulador, a rua<br />

Paolo da Cannobio: nas este beco, por ter hospedado “Il Popolo d'Italia” das barricadas, é menos histórico do prédio<br />

onde morou Vincenzo Monti, que despertaria, tendo em vista a sua eliminação, os poucos milaneses da cidade sem<br />

Naviglio?”<br />

13 “A história das comissões edilícias é, às vezes, matéria para o mais cômico Daudet. Seria suficiente publicar os<br />

verbais das comissões de ornamentos: uma piada”; “as referidas comissões são formadas prevalentemente por<br />

professores arquitetos ou engenheiros, que terão tido o conforto de colossais encomendas, mas são incapazes de<br />

compreender a novidade, por algum artista inesperiente e por funcionários públicos, na maioria dos casos sem muita<br />

paixão para a arquitetura e o urbanismo. Encontra-se com dificuldade naquelas comissões alguèm entre aqueles


O Fascismo não permite mais certos negócios: se na cidade sabáuda se inaugura ainda um<br />

monumento ao artilheiro, se no Gianicolo se ergue o extravagante faro, enquanto alguma outra<br />

novidade grega ou rococo é incubada no centro e na periferia, se pode ter certeza que se trata de<br />

resíduos. Morrendo assassinado, o liberalismo deixou dívidas a serem pagas. Por outro lado<br />

Mussolini, como generoso revolucionário que é, confia na natureza. O período de transição<br />

encontra-se na parábola descendente e a arquitetura está por vivir o seu dia. É assim porque os<br />

jovens artistas querem que assim seja: também na arte luta-se contra a gerontocracia.<br />

A petição que é dirigida a Mussolini, com grande devoção, reflete justamente o desejo da estima<br />

que os novos arquitetos auspiciam receber dele. Formou-se uma família de jovens, unida por<br />

aspirações comuns, muito condizentes com o espírito do Chefe, e disciplinada por um<br />

intransigente conceito moral, que subordina as iniciativas individuais a um interesse geral. A ação<br />

do grupo, que prospera nas fileiras do sindicato, se concentra na necessidade fascista de uma<br />

arquitetura, sem fingimentos e disfarces, sem sugestões pséudo-arqueológicas e pséudopanorâmicas,<br />

visando expressar nos bairros, sinceramente datados com os anos da revolução, a<br />

bem-aventurada ascenção do povo. Os novos arquitetos visarão identificar na cidade de Mussolini<br />

as preferências atuais da vida nacional, definida por uma rigorosa educação militar, por um<br />

objetivo de primacia no mundo, por uma obediência absoluta ao Chefe. Ar, luz, campos, limpeza<br />

apresentam-se como tantos princípios para dar forma à moderna arquitetura 14 . Para colocar no<br />

meio mais uma última afirmação polêmica, perguntamos: na Roma “remediada” onde acabarão o<br />

ar, a luz, os campos, a limpeza? Dentro das antigas muralhas o Fascismo ficará sempre<br />

arquitetônicamente aprisionado, sempre empachado, agora será uma questão de interesses de<br />

fábricas, amanhã a falta do espaço, depois de amanhã o sultanato de uma meia coluna da época<br />

de Augusto. O menino do centro nunca desfrutará de um pátio, e já existem, no centro, pátios<br />

onde as nossas crianças não podem descer, pois servem de decoração. Todo este cuidado do<br />

Fascismo para com o centro, como é percebido? Buscar (em vão) no novo grande edifício da via<br />

del Tritone n. 169, um feixo litório, um “ano IX”: a fachada está repleta apenas de tubarões (sic),<br />

de anjinhos com alaudes, de conchas, de leões, de duas águias e de um brasão de barão, a única<br />

inscrição avisa: “A. D. MCMXXX”. Eis um sinal de incompreensão.<br />

Dizia muito bem Interlandi no “Il Tevere”: somos filhos do nosso tempo, e o futuro nos faz cocegas<br />

no nosso nariz”. Mas chegou a hora que os filhos do nosso tempo assumam a iniciativa e decidam<br />

o amanhã arquitetônico de Mussolini: se não, com todos os professores que andam por ai dando<br />

palpites, a gente acabará com o nariz sem sensibilidade, e, portanto, inútil. Hoje, falando de<br />

arquitetura, e dizendo arquitetura queremos dizer todas as artes auxiliárias, não se trata de<br />

resolver posições pessoais, ou de granjear encomendas de obras, ou construir automóveis: agitase<br />

um vasto e magnífico ideal fascista, que pode ser definido como o ideal edificador.<br />

Edificar, para o fascismo, quer dizer permanecer. Uma bela tarefa espera a geração de hoje, em<br />

todas as áreas da atividade nacional: mas, com certeza é aos edificadores que se confia o<br />

trabalho mais delicado, firmar com a consistência da pedra, do concreto, do aço e dos mais<br />

jovens arquitetos que compreendem a sua arte como expressão de costume. Até que há nas comissões, como besta<br />

rara, algum racionalista: mas faz o papel do capeta, sem consequências benéficas: Terragni em Como, Pagano em<br />

Turim, pedem para que fique registrado seu dissenso, sempre pedem, sem resultado. Que língua falam estes<br />

racionalistas, que ousam construir uma casa sem chapéus, com janelas amplas o dobro do mínimo prescrito?<br />

Perguntem ao arquiteto Giuseppe Capponi, construtor do mais moderno prédio de habitação em Roma, a quais<br />

compromissos ele teve de se submeter para edificar algo próximo ao seu projeto vivo e como artista. Porque uma<br />

das doenças das comissões é a de não conhecer e não saber avaliar a obra inusual”.<br />

14 G. PAGANO, I benefici dell'architettura moderna, em “La Casa Bella”, III (1930), março, pp. 11 ss., e em<br />

Architetture e città durante il fascismo, a cura di C. DE SETA, Bari, Laterza, 1976, p. 143 sg.: “Deixando de ladopor<br />

um momento a polêmica de caráter artístico que divide os cidadãos de Como em Montecchi e Capuleti, em<br />

inovadores e tradicionalistas, vamos colocar apenas, com o devido cuidado, algum propósito, ditado pelo exame<br />

isento dos fatos. Este edifício (o Novocomum de Terragni) o primeiro e orgânico exemplo de arquitetura racionalista<br />

na Itália, que corajosamente o arquiteto Terragni quis erguer para consagrar também entre nos a nova técnica do<br />

concreto armado, se revela uma ótima machine à habiter, só para mobilizar uma frase nova. Nela, que também é um<br />

edifício de aluguel qualquer, se vive bem, se respira bem, se absorvem melhor os raios solares, se desfrutam<br />

panoramas inusualmente amplos, se experimenta a sensação inebriante e quase irreal de uma comunhão com a<br />

natureza a que as casas comuns nos desacostumaram há tempo. Estas possibilidades inusuais, estes recursos<br />

ambientais que seria loucura exigir das sabidas e velhas casas, que até hoje eram concedidas apenas aos bemaventurados<br />

proprietários de vilas, e com parcimônia, são devidas justamente às infinitas possibilidades que surgem<br />

desta desconcertante arquitetura nova, para certas pessoas tão hermética”.


nobres e duráveis elementos da natureza, com o sopro da arte, a marca gigantesca de Mussolini,<br />

para que os pósteros fiquem estupefatos.<br />

Tendo em vista este compromisso assumido pelos italianos, que os jovens deliberam dirigir uma<br />

petição a Mussolini, para que regre o destino da nossa arquitetura, hoje em mau estado. O que<br />

Mussolini responder, será ótimo, pois Mussolini está sempre certo.

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