consequencias psicologicas em longo prazo da violencia ... - Unama
consequencias psicologicas em longo prazo da violencia ... - Unama
consequencias psicologicas em longo prazo da violencia ... - Unama
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
JOSYENNE MARIA DE SOUSA SILVA<br />
REGIENNE MARIA PAIVA ABREU OLIVEIRA<br />
CONSEQÜÊNCIAS PSICOLÓGICAS EM LONGO PRAZO DA VIOLÊNCIA SEXUAL<br />
NA INFÂNCIA<br />
BELÉM - PARÁ<br />
2002
JOSYENNE MARIA DE SOUSA SILVA<br />
REGIENNE MARIA PAIVA ABREU OLIVEIRA<br />
CONSEQÜÊNCIAS PSICOLÓGICAS EM LONGO PRAZO DA VIOLÊNCIA SEXUAL<br />
NA INFÂNCIA<br />
Trabalho de Graduação apresentado ao Curso<br />
de Psicologia do Centro de Ciências<br />
Biológicas e <strong>da</strong> Saúde <strong>da</strong> UNAMA, como<br />
requisito para obtenção do grau de Bacharel<br />
<strong>em</strong> Psicologia, orientado pela professora Lúcia<br />
Cristina Cavalcante <strong>da</strong> Silva.<br />
BELÉM - PARÁ<br />
2002
JOSYENNE MARIA DE SOUSA SILVA<br />
REGIENNE MARIA PAIVA ABREU OLIVEIRA<br />
CONSEQÜÊNCIAS PSICOLÓGICAS EM LONGO PRAZO DA VIOLÊNCIA SEXUAL<br />
NA INFÂNCIA<br />
Belém – Pará<br />
2002<br />
Avaliado por:<br />
_____________________________________<br />
Profa. Maria Lúcia Araújo de Medeiros<br />
(UNAMA)<br />
_____________________________________<br />
Profa. Sandra Brandão de Lima<br />
(UNAMA)<br />
_____________________________________<br />
Profa. Lúcia Cristina Cavalcante <strong>da</strong> Silva<br />
(UNAMA)<br />
Data: ______ / ______ / ______
DEDICATÓRIA<br />
AOS NOSSOS PAIS, NOSSOS MAIORES E<br />
MAIS DEDICADOS INCENTIVADORES.<br />
AOS NOSSOS AMIGOS E COLEGAS DE<br />
CURSO PELA COMPANHIA E TROCA DE<br />
EXPERIÊNCIAS CONSTANTES.<br />
A TODOS AQUELES QUE<br />
CONTRIBUÍRAM, DIRETA OU INDIRETAMENTE,<br />
PARA QUE CHEGÁSSEMOS ATÉ AQUI.
AGRADECIMENTOS<br />
A NOSSA ORIENTADORA PELA<br />
PACIÊNCIA E DEDICAÇÃO COM QUE ASSUMIU<br />
A ORIENTAÇÃO DESTE TRABALHO.<br />
ÀS PSICÓLOGAS ENTREVISTADAS POR<br />
VIABILIZAREM A REALIZAÇÃO DESTE<br />
TRABALHO.<br />
AOS NOSSOS PROFESSORES POR<br />
TODO CONHECIMENTO E EXPERIÊNCIA<br />
TRANSMITIDOS.<br />
ÀS PROFESSORAS MARIA LÚCIA<br />
ARAÚJO DE MEDEIROS E SANDRA<br />
BRANDÃO DE LIMA PELAS IMPORTANTES<br />
CONTRIBUIÇÕES A ESTE TRABALHO.
CONHECER E PREVENIR A VIOLÊNCIA SEXUAL E<br />
SEUS EFEITOS É, ACIMA DE TUDO, UMA<br />
RESPONSABILIDADE SOCIAL.<br />
(JOSYENNE SILVA E REGIENNE OLIVEIRA)
LISTA DE QUADROS<br />
QUADRO 1 – Experiência profissional <strong>da</strong>s Psicólogas...............................................19<br />
QUADRO 2 – Fonte de procura por atendimento psicoterápico................................. 20<br />
QUADRO 3 – Faixa etária <strong>em</strong> que ocorreu o estupro ................................................ 21<br />
QUADRO 4 – Características comportamentais comuns às vítimas .......................... 22<br />
QUADRO 5 – Queixas mais freqüentes leva<strong>da</strong>s à psicoterapia ................................ 23<br />
QUADRO 6 – Distúrbios psicológicos de diagnóstico mais freqüente ...................... 24
RESUMO<br />
Sabe-se que a violência sexual – abor<strong>da</strong><strong>da</strong> neste trabalho como estupro - é um<br />
probl<strong>em</strong>a de caráter e responsabili<strong>da</strong>de social e o número de casos, apesar de vasto,<br />
poucas vezes chega ao conhecimento público, <strong>da</strong>í a relevância deste estudo. O objetivo<br />
desta pesquisa foi verificar as queixas mais freqüentes que mulheres, com história de<br />
violência sexual na infância, apresentam no processo psicoterápico, relacionando-as<br />
com o diagnóstico recebido. Foi realiza<strong>da</strong> uma pesquisa qualitativa-descritiva com<br />
<strong>da</strong>dos coletados a partir de entrevistas s<strong>em</strong>i-estrutura<strong>da</strong>s, realiza<strong>da</strong>s com duas<br />
psicólogas <strong>da</strong> abor<strong>da</strong>g<strong>em</strong> analítico-comportamental, com dez anos de experiência<br />
ca<strong>da</strong>. Os <strong>da</strong>dos foram apresentados <strong>em</strong> quadros–síntese acompanhados <strong>da</strong>s<br />
respectivas discussões. Concluiu-se que as queixas mais freqüentes que essas<br />
mulheres apresentam são: depressão, medo, vergonha, culpa, isolamento, desamparo<br />
e Transtorno Obsessivo Compulsivo (TOC). To<strong>da</strong>s as mulheres apresentaram algum<br />
tipo de disfunção sexual e um déficit ou dificul<strong>da</strong>de quanto a relacionamentos sociais,<br />
entre outros diagnósticos menos freqüentes, o que reforça a idéia de uma relação entre<br />
a violência sexual na infância e o desenvolvimento de um distúrbio psicológico na i<strong>da</strong>de<br />
adulta.<br />
PALAVRAS-CHAVE: violência sexual, estupro, mulher.
SUMÁRIO<br />
INTRODUÇÃO ............................................................................................................<br />
METODOLOGIA ..........................................................................................................<br />
RESULTADOS E DISCUSSÃO ..................................................................................<br />
CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................................<br />
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ............................................................................<br />
ANEXOS<br />
9<br />
18<br />
19<br />
25<br />
28
Introdução<br />
A violência e o surgimento <strong>da</strong> criminali<strong>da</strong>de, de uma forma geral, são fenômenos<br />
que nos r<strong>em</strong>et<strong>em</strong> à história <strong>da</strong> humani<strong>da</strong>de. Desde a pré-história, pelos mais diversos<br />
motivos, os homens mostraram-se agressivos. Entretanto, a violência v<strong>em</strong> aumentando<br />
com o decorrer do t<strong>em</strong>po. Rodrigues, Assmar e Jablonski (2000. p. 204) afirmam que:<br />
O mundo moderno e globalizado nos permite afirmar que se trata,<br />
lamentavelmente, de uma tendência quase universal, as exceções ficando por<br />
conta de comuni<strong>da</strong>des restritas e isola<strong>da</strong>s do alcance <strong>da</strong> tecnologia e do<br />
progresso.<br />
A violência sexual – leia-se neste como estupro - particularmente contra<br />
mulheres, v<strong>em</strong> aumentando ao <strong>longo</strong> dos anos. Uma pesquisa realiza<strong>da</strong> no estado do<br />
Pará por Silva et al (1999), entre os anos de 1992 e 1994, levantou 94 casos de estupro<br />
noticiados pelo jornal O LIBERAL. Inúmeros casos, entretanto, não chegam ao<br />
conhecimento público, o que nos leva a inferir que o número é consideravelmente<br />
maior. Para Padilha (2002, p. 123), “...se levarmos <strong>em</strong> conta que a maioria dos casos<br />
não é revela<strong>da</strong> e, portanto, não é denuncia<strong>da</strong>, ter<strong>em</strong>os idéia de como o abuso sexual é<br />
um fenômeno comum, porém silencioso.”<br />
Silva et al (1999) mostram que um outro agravante no quadro <strong>da</strong> violência sexual<br />
contra a mulher é que grande parte dos estupros é pratica<strong>da</strong> contra crianças e<br />
adolescentes. Os agressores são, geralmente, m<strong>em</strong>bros <strong>da</strong> própria família ou<br />
completos desconhecidos. Para as crianças, o fato de ter sido vítima de um ato de<br />
violência sexual pode gerar inúmeras conseqüências tanto imediatas como a <strong>longo</strong><br />
<strong>prazo</strong>. A este respeito, Miller (2000, p. 71) refere que:<br />
O trauma do abuso sexual, com intrusão violenta no corpo e na mente <strong>da</strong><br />
criança, pode ser ligado imediatamente à ruptura do desenvolvimento cognitivo<br />
e <strong>em</strong>ocional, <strong>da</strong>ndo lugar a distúrbio grave e, <strong>em</strong> casos mais extr<strong>em</strong>os, a<br />
estados psicóticos.
No caso de um estupro cometido pelo pai ou por qualquer outro m<strong>em</strong>bro <strong>da</strong><br />
família, o vínculo familiar fica seriamente comprometido. “Por ser praticado por pessoas<br />
liga<strong>da</strong>s afetivamente à criança, [o abuso incestuoso] pode ter conseqüências mais<br />
sérias do que o abuso extra-familiar...” (PADILHA, 2002, p. 122). O ambiente primitivo<br />
<strong>da</strong> criança é a família, e é nesse contexto que a criança iniciará sua aprendizag<strong>em</strong><br />
comportamental e adquirirá um repertório de respostas próprias, incluindo-se aí os<br />
comportamentos que se refer<strong>em</strong> à sexuali<strong>da</strong>de. Uma vez inseri<strong>da</strong> uma variável<br />
estranha nesse processo de aprendizag<strong>em</strong> – a violência sexual -, aumentará a<br />
probabili<strong>da</strong>de do surgimento de efeitos prejudiciais à saúde <strong>da</strong> criança. A probabili<strong>da</strong>de<br />
de o comportamento futuro ser influenciado por esta variável é muito alta. Del Prette e<br />
Del Prette (1996, p. 234) afirmam que:<br />
As dificul<strong>da</strong>des cotidianas de relacionamento entre as pessoas, muitas vezes<br />
expressas por queixas interpessoais (...) indicam des<strong>em</strong>penhos sociais<br />
inadequados que pod<strong>em</strong> comprometer a quali<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s interações sociais e<br />
produzir seqüelas negativas.<br />
Dependendo do nível de dificul<strong>da</strong>des que ca<strong>da</strong> individuo apresente, se<br />
estabelece um quadro de Déficit de Habili<strong>da</strong>des Sociais que se caracteriza pela<br />
incapaci<strong>da</strong>de <strong>em</strong> estabelecer, de acordo com Del Prette e Del Prette (1996), um<br />
conjunto de comportamentos <strong>em</strong>itidos por este individuo <strong>em</strong> seu contexto interpessoal<br />
expressando assim sentimentos, atitudes, desejos, opiniões ou direitos adequados às<br />
situações.<br />
Em decorrência deste comprometimento, o relacionamento entre pais agressores<br />
e filhos violentados torna-se deficiente, pois a criança, por medo do pai, muitas vezes<br />
se cala, omite o fato de outras pessoas, permitindo que a agressão se repita outras
vezes. Segundo Padilha (2002, p. 123) “Os sentimentos de culpa e vergonha <strong>da</strong> vítima<br />
muitas vezes imped<strong>em</strong> que revele o acontecido, fazendo-o somente na vi<strong>da</strong> adulta...”.<br />
De acordo com Kaplan et al (1997, p. 738):<br />
Na maioria de casos de incesto persistente, as crianças vítimas de abuso são<br />
ameaça<strong>da</strong>s com mais maus tratos ou abandono se revelar os segredos<br />
familiares, o que as deixa na posição impossível de suportar <strong>em</strong> silêncio o<br />
abuso contínuo ou arriscar<strong>em</strong> a per<strong>da</strong> total de suas famílias.<br />
A família t<strong>em</strong> influência no silêncio <strong>da</strong> criança por ser uma agência controladora<br />
do seu comportamento, na medi<strong>da</strong> <strong>em</strong> que é responsável pela sua educação<br />
(SKINNER, 1998). Além dos probl<strong>em</strong>as com a família, distúrbios psicológicos e de<br />
comportamento estão entre os efeitos que crianças e adolescentes vítimas de violência<br />
sexual freqüent<strong>em</strong>ente apresentam.<br />
Para a vítima, o ato sexual abusivo pode trazer diversas conseqüências. Quando<br />
a vítima é uma criança, o ato é considerado ain<strong>da</strong> mais grave pelo fato de ela estar <strong>em</strong><br />
uma fase importante do seu desenvolvimento. De acordo com Papalia e Olds (2000), o<br />
caráter, a autonomia, a confiança <strong>em</strong> si e no outro estão <strong>em</strong> pleno desenvolvimento.<br />
Esta é uma fase onde muitas transformações acontec<strong>em</strong> num período de t<strong>em</strong>po<br />
relativamente curto. Um evento tão violento como o estupro pode interferir direta e<br />
prejudicialmente no desenvolvimento do indivíduo.<br />
Azevedo (2000, p. 152) afirma que os crimes sexuais violentos “... pod<strong>em</strong><br />
resultar <strong>em</strong> lesões graves e morte.”. Sabe-se, entretanto, que exist<strong>em</strong> conseqüências<br />
de caráter psicológico para as vítimas que são tão, ou algumas vezes, mais importantes<br />
que as seqüelas físicas. Muito se t<strong>em</strong> enfatizado sobre a gravidez pós-estupro, por<br />
ex<strong>em</strong>plo. Entretanto, Lerner (2000, p. 15) relata que:
A despeito <strong>da</strong> evidente importância do enfoque a este ponto específico, a<br />
esmagadora maioria <strong>da</strong>s situações de abuso sexual não resulta <strong>em</strong> gestação,<br />
levando à necessi<strong>da</strong>de de uma discussão mais ampla sobre as formas de<br />
tratamento aplicáveis a esta população.<br />
Um indivíduo saudável, precisa estar funcionando de uma forma integral, ou<br />
seja, precisa estar psicológica, social e fisicamente estável. Cabe ao psicólogo,<br />
enquanto profissional <strong>da</strong> saúde, investigar os fenômenos psicológicos gerados pelo<br />
sofrimento <strong>da</strong> violência sexual a fim de que se possam gerar estratégias de<br />
intervenção, proporcionando às vítimas o retorno ao estado saudável.<br />
Consideramos, portanto, de grande relevância científica e social um estudo que<br />
possibilite a compreensão <strong>da</strong>s conseqüências do abuso sexual para as mulheres para<br />
que, a partir disto, se possam estu<strong>da</strong>r novas formas de intervenção junto a elas b<strong>em</strong><br />
como a realização de trabalhos preventivos nessa área.<br />
ABUSO SEXUAL E JUSTIÇA<br />
Segundo Michaelis (1998, p. 609), crime é a “violação dolosa ou culposa <strong>da</strong> lei<br />
penal..., violação <strong>da</strong>s regras que a socie<strong>da</strong>de considera indispensáveis à sua<br />
existência”. Dentre os crimes mais freqüentes na atuali<strong>da</strong>de, encontram-se os crimes<br />
sexuais.<br />
Estes crimes vêm sendo estu<strong>da</strong>dos pela doutrina jurídica ao <strong>longo</strong> dos t<strong>em</strong>pos.<br />
Como resultado desse estudo, foram surgindo novas formas de punição para eles.<br />
Novas penali<strong>da</strong>des vêm sendo aplica<strong>da</strong>s <strong>em</strong> diferentes épocas e <strong>em</strong> diferentes países.<br />
No Brasil, tais crimes são considerados hediondos. Esta atribuição de penas <strong>em</strong> nosso<br />
país é recente, pois de acordo com o Código Penal do Brasil de 1940, o atentado
violento ao pudor, por razões ideológicas, era considerado um delito de menor<br />
gravi<strong>da</strong>de que o estupro. Esta situação foi corrigi<strong>da</strong> com a Lei dos Crimes Hediondos.<br />
É imprescindível, agora, definirmos alguns dos termos aqui abor<strong>da</strong>dos. Define-se<br />
como comportamento agressivo aquele que t<strong>em</strong> por fim impor prejuízos físicos e/ou<br />
psicológicos a outr<strong>em</strong>. Segundo Rodrigues, Assmar e Jablonski (2000, p. 206) “... a<br />
intencionali<strong>da</strong>de <strong>da</strong> ação por parte do agente <strong>da</strong> agressão...” é o que define um ato<br />
agressivo, ou seja, um ato só pode ser considerado violento se houver a intenção de<br />
causar <strong>da</strong>nos a uma outra pessoa ou objeto.<br />
Violência é defini<strong>da</strong> por Ferreira (s/d) como “...constrangimento físico ou moral;<br />
força; coação.” Violência sexual, segundo Hazeu (1998, p. 31) é uma “... violência<br />
física contra a liber<strong>da</strong>de sexual.”. Ela é todo investimento sexual feito contra a vontade<br />
do sujeito paciente, a vítima. É um ato de coação sexual que não se restringe ao coito<br />
vaginal, mas também envolve o coito anal, sexo oral e práticas masturbatórias. Hazeu<br />
(1998) divide a violência sexual <strong>em</strong> três níveis de gravi<strong>da</strong>de: sensorial, por estímulo e<br />
por realização de atos sexuais.<br />
No primeiro caso, ocorr<strong>em</strong> representações de ações sexuais que ofend<strong>em</strong> a<br />
vítima. A violência por estímulo é executa<strong>da</strong> pela prática de carícias nas partes íntimas<br />
do corpo <strong>da</strong> vítima. Por fim, na violência por realização de atos sexuais, acontece a<br />
consumação <strong>da</strong> violência física.<br />
Uma outra definição de violência sexual faz a distinção entre crimes sexuais<br />
bárbaros e crimes sexuais violentos. Os primeiros são aqueles que resultam <strong>em</strong><br />
homicídios. Os crimes sexuais violentos são aqueles que, segundo Azevedo (2000,<br />
p.150), “... recorr<strong>em</strong> à violência para obter a submissão <strong>da</strong> vítima a práticas sexuais<br />
deseja<strong>da</strong>s pelo agressor.” Estes crimes são divididos <strong>em</strong> duas categorias: o estupro e
o atentado violento ao pudor. O estupro é a utilização <strong>da</strong> violência para a realização o<br />
coito vaginal com a vítima. O atentado violento ao pudor, de acordo com Azevedo<br />
(2000, p. 151), consiste na “... prática de ato libidinoso – diverso <strong>da</strong> conjunção carnal e<br />
não visando a procriação portanto – praticado mediante coação ...”. Ele envolve todos<br />
os atos sexuais diferentes do coito vaginal como “...apalpadelas e beliscões ... coito<br />
oral, anal, cunnilingus, conjunção interf<strong>em</strong>ora (sic) e intermamas etc.” (AZEVEDO,<br />
2000, p. 151).<br />
Silva (1999) refere que a violência sexual é caracteriza<strong>da</strong> pelo processo onde um<br />
ou mais adultos homo ou heterossexuais são responsáveis por envolver crianças ou<br />
adolescentes <strong>em</strong> práticas eróticas com a intenção de estimulá-las sexualmente ou<br />
utilizá-las na obtenção de satisfação sexual. Estes adultos pod<strong>em</strong> ser o pai, padrasto,<br />
irmão, amigo ou desconhecido.<br />
É importante ressaltar, entretanto, que neste trabalho estar<strong>em</strong>os nos referindo<br />
aos termos violência sexual e abuso sexual como estupro.<br />
Mesmo sendo estu<strong>da</strong>dos há t<strong>em</strong>pos, os crimes sexuais ain<strong>da</strong> são considerados<br />
fatos isolados <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> cotidiana <strong>da</strong>s pessoas, portanto, pouco se sabe a respeito <strong>da</strong>s<br />
inúmeras e, às vezes, incorrigíveis conseqüências que estes atos pod<strong>em</strong> trazer à vítima<br />
de abuso sexual. A maior ênfase no estudo científico <strong>da</strong> violência sexual é <strong>da</strong><strong>da</strong> aos<br />
aspectos físicos gerados pela agressão sofri<strong>da</strong>. Muito se t<strong>em</strong> falado e escrito sobre as<br />
conseqüências orgânicas e biológicas nas vítimas desse tipo de violência e sobre os<br />
mecanismos de repressão e controle <strong>da</strong> agressão. A socie<strong>da</strong>de parece mais<br />
preocupa<strong>da</strong> <strong>em</strong> conter o avanço <strong>da</strong> criminali<strong>da</strong>de e <strong>da</strong> violência do que <strong>em</strong> prestar uma<br />
assistência real e eficaz às vítimas.
Não quer<strong>em</strong>os dizer com isto que a Justiça não deva cumprir seu papel<br />
controlador e mantenedor <strong>da</strong> ord<strong>em</strong> social, mas sim que exist<strong>em</strong> outros aspectos de<br />
fun<strong>da</strong>mental importância que dev<strong>em</strong> ser abor<strong>da</strong>dos. A Justiça age “terapeuticamente”<br />
<strong>em</strong> relação à socie<strong>da</strong>de, curando-a dos males que a criminali<strong>da</strong>de provoca. O<br />
profissional de saúde, mais especificamente o psicólogo, deve, <strong>em</strong> primeiro lugar, atuar<br />
de forma preventiva, evitando que conseqüências psicológicas possam ser desastrosas<br />
para o futuro <strong>da</strong> pessoa que sofreu a violência. Ele pode atuar, na seqüência, de forma<br />
terapêutica, porém seu enfoque será diferente do jurídico, uma vez que ao psicólogo<br />
interessa a saúde psicossocial e, também, física do indivíduo. A Justiça opera no nível<br />
<strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de e o psicólogo opera no nível do indivíduo.<br />
CONSEQÜÊNCIAS DA VIOLÊNCIA SEXUAL<br />
O fator físico é apenas um entre outros envolvidos pelas conseqüências <strong>da</strong><br />
violência sexual. Além <strong>da</strong> agressão física, os crimes sexuais constitu<strong>em</strong> uma agressão<br />
psicológica para a vítima. Quando ela é uma criança, os prejuízos pod<strong>em</strong> ser<br />
duplicados. Isto porque o desenvolvimento infantil é mais acelerado que <strong>em</strong> outras<br />
fases, por isso, muitas mu<strong>da</strong>nças acontec<strong>em</strong> <strong>em</strong> pouco t<strong>em</strong>po. Os efeitos do choque<br />
que representa a violência sexual pod<strong>em</strong> repercutir <strong>em</strong> diversos aspectos do<br />
desenvolvimento <strong>da</strong> criança até a fase adulta. Tratar<strong>em</strong>os neste trabalho,<br />
particularmente, dos efeitos do abuso sexual para a estrutura psicológica do indivíduo.<br />
Azevedo, Guerra e Vaiciunas (2000) listam como conseqüências psicológicas <strong>da</strong><br />
violência sexual <strong>em</strong> curto <strong>prazo</strong> as dificul<strong>da</strong>des de a<strong>da</strong>ptação sexual, interpessoal e<br />
afetiva. Em <strong>longo</strong> <strong>prazo</strong>, as vítimas geralmente apresentam dificul<strong>da</strong>des de
elacionamento com figuras masculinas, pelo fato de os agressores ser<strong>em</strong>, <strong>em</strong> sua<br />
grande maioria, homens. A intimi<strong>da</strong>de representa uma ameaça, pois é difícil para a<br />
vítima estabelecer vínculos de confiança. As idéias de morte e os suicídios também são<br />
conseqüências marcantes segundo as autoras.<br />
Estas crianças pod<strong>em</strong> apresentar baixa auto-estima, hostili<strong>da</strong>de, agressivi<strong>da</strong>de,<br />
<strong>em</strong>pobrecimento <strong>da</strong>s habili<strong>da</strong>des sociais e depressão segundo Padilha (2002).<br />
Distúrbios relacionados à sexuali<strong>da</strong>de também são freqüentes tanto na infância quanto<br />
na i<strong>da</strong>de adulta dessas vítimas. Ain<strong>da</strong> de acordo com a autora, são freqüentes<br />
pensamentos e recor<strong>da</strong>ções recorrentes sobre o abuso, medo, ansie<strong>da</strong>de e uma<br />
tendência, que ela diz ser a pior conseqüência, a não acreditar <strong>em</strong> sua capaci<strong>da</strong>de de<br />
controlar as situações, tornando-se uma pessoa passiva, incapaz de se proteger e<br />
permitindo que os outros façam consigo o que quiser<strong>em</strong>, explorando-a muitas vezes.<br />
De acordo com Williams (2002), os sintomas apresentados a curto <strong>prazo</strong> são o<br />
comportamento sexualizado, ansie<strong>da</strong>de, medos, pesadelos, depressão, isolamento<br />
social, queixas somáticas, fugas de casa, Transtorno de Estresse Pós-Traumático,<br />
comportamentos autodestrutivos, probl<strong>em</strong>as escolares, pensamentos suici<strong>da</strong>s e<br />
comportamentos regressivos como enurese, choros e birra. A <strong>longo</strong> <strong>prazo</strong>, Ken<strong>da</strong>ll-<br />
Tackett et al (1993 apud WILLIAMS, 2002) mencionam que existe uma tendência ao<br />
desaparecimento destes sintomas de 12 a 18 meses após o abuso sexual. Um número<br />
considerável de casos, contudo, apresenta agravamento dos sintomas, que pod<strong>em</strong><br />
convergir para depressão, revitimização, perturbações no sono, ansie<strong>da</strong>de, probl<strong>em</strong>as<br />
com relacionamento sexual, uso abusivo de substâncias, ideação suici<strong>da</strong>,<br />
promiscui<strong>da</strong>de e prostituição.
Papalia e Olds (2000) também citam alguns efeitos do abuso sexual sofrido por<br />
crianças. Entre eles estão os atrasos de linguag<strong>em</strong>, déficit cognitivo, agressivi<strong>da</strong>de,<br />
rejeição por parte de outros grupos, abuso de álcool e drogas, e, até mesmo, tendência<br />
a tornar<strong>em</strong>-se delinqüentes quando adultos.<br />
Segundo as autoras, as conseqüências variam de acordo com a i<strong>da</strong>de <strong>em</strong> que o<br />
abuso sexual foi sofrido. Os sintomas mais comuns <strong>em</strong> crianças <strong>em</strong> i<strong>da</strong>de pré-escolar,<br />
vítimas de abuso sexual, são a ansie<strong>da</strong>de, os pesadelos e um comportamento sexual<br />
inapropriado. Já <strong>em</strong> crianças <strong>em</strong> i<strong>da</strong>de escolar, encontram-se mais comumente,<br />
distúrbios mentais, agressivi<strong>da</strong>de, pesadelos, hiperativi<strong>da</strong>de, comportamentos<br />
regressivos e probl<strong>em</strong>as escolares. Nos adolescentes, os sintomas mais comuns são a<br />
depressão, o abuso de substâncias químicas e o comportamento retraído ou suici<strong>da</strong>.<br />
Como efeitos manifestados <strong>em</strong> <strong>longo</strong> <strong>prazo</strong>, destacam-se aqueles que os<br />
adultos, com história de violência sexual na infância, apresentam tais como ansie<strong>da</strong>de,<br />
estados depressivos, hostili<strong>da</strong>de, dificul<strong>da</strong>de de confiar nas pessoas, sentimentos de<br />
isolamento e rotulação e ain<strong>da</strong> probl<strong>em</strong>as relativos ao aspecto sexual.<br />
Vimos, então, que os efeitos psicológicos gerados pelo abuso sexual são muitos<br />
e pod<strong>em</strong> ocorrer <strong>da</strong>s mais diversas formas <strong>em</strong> qualquer estágio <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> do indivíduo.<br />
Eles mostram-se <strong>em</strong> curto, médio e <strong>longo</strong> <strong>prazo</strong>. Crianças vítimas de violência sexual<br />
pod<strong>em</strong> sofrer por to<strong>da</strong> a vi<strong>da</strong> os efeitos desagradáveis <strong>da</strong> agressão se não passar<strong>em</strong><br />
por um tratamento adequado. E é para que seja possível atuar de maneira mais eficaz<br />
que estudos como este, que objetiva conhecer as queixas de maior incidência que<br />
mulheres vítimas de violência sexual na infância traz<strong>em</strong> à psicoterapia, são relevantes.
Participantes<br />
METODOLOGIA<br />
Participaram <strong>da</strong> pesquisa duas psicólogas <strong>da</strong> abor<strong>da</strong>g<strong>em</strong> analítico-<br />
comportamental, ambas (P1 e P2) atuando <strong>em</strong> atendimento psicoterápico há 10 anos.<br />
P1 atendeu 2 casos de mulheres com história de violência sexual na infância. P2<br />
atendeu 20 casos de mulheres com história de violência sexual na infância.<br />
A opção por uma só abor<strong>da</strong>g<strong>em</strong> foi feita visando não incluir bases<br />
epist<strong>em</strong>ológicas diferencia<strong>da</strong>s na análise dos casos.<br />
Local<br />
A coleta de <strong>da</strong>dos foi realiza<strong>da</strong> nos consultórios <strong>da</strong>s próprias psicólogas.<br />
Instrumentos e técnicas<br />
Entrevista s<strong>em</strong>i-estrutura<strong>da</strong>, a partir de um roteiro previamente elaborado,<br />
composto por 9 questões abertas, s<strong>em</strong>i-abertas e fecha<strong>da</strong>s. (ver Anexo I)<br />
Procedimento<br />
1ª Etapa: Escolheram-se aleatoriamente psicólogos <strong>da</strong> abor<strong>da</strong>g<strong>em</strong> analítico-<br />
comportamental, que atuass<strong>em</strong> <strong>em</strong> atendimento psicoterápico com t<strong>em</strong>po de<br />
graduação superior a 5 anos.<br />
2 a Etapa: Contataram-se as psicólogas, esclarecendo-se os objetivos <strong>da</strong><br />
pesquisa e solicitando sua participação na mesma.<br />
3 a Etapa: Apresentou-se e discutiu-se o Termo de Compromisso e o Termo de<br />
Consentimento Livre e Esclarecido (ver Anexo II) com as psicólogas, garantindo-lhes
segurança e sigilo e prestando-lhes maiores esclarecimentos quanto ao conteúdo <strong>da</strong><br />
pesquisa.<br />
4 a Etapa: Realizaram-se as entrevistas com as psicólogas.<br />
5 a Etapa: Transcreveram-se integralmente as entrevistas realiza<strong>da</strong>s.<br />
RESULTADOS E DISCUSSÃO<br />
Os <strong>da</strong>dos coletados com as profissionais foram dispostos <strong>em</strong> Quadros-síntese<br />
que contêm trechos eleitos <strong>da</strong>s respostas <strong>da</strong><strong>da</strong>s a ca<strong>da</strong> questão. Abaixo de ca<strong>da</strong><br />
quadro são estabeleci<strong>da</strong>s relações com o referencial teórico previamente exposto.<br />
QUADRO 1 – Experiência profissional <strong>da</strong>s Psicólogas.<br />
Psicóloga Experiência profissional<br />
P1 Trabalha <strong>em</strong> consultório particular e é Supervisora de Estágio <strong>em</strong><br />
um hospital universitário <strong>em</strong> Belém, atendendo nestas duas<br />
ativi<strong>da</strong>des predominant<strong>em</strong>ente crianças.<br />
P2 Atuou por determinado t<strong>em</strong>po <strong>em</strong> serviços de orientação e aju<strong>da</strong><br />
para vítimas de violência sexual <strong>em</strong> Belém e, atende <strong>em</strong><br />
consultório particular, adultos <strong>em</strong> sua maioria.<br />
Observa-se no Quadro 1, que mesmo tendo 10 anos de experiência <strong>em</strong><br />
consultório particular, ambas as psicólogas têm experiências distintas de atuação<br />
profissional.
QUADRO 2 – Fonte de procura por atendimento psicoterápico.<br />
Psicóloga Resposta<br />
P1 “D<strong>em</strong>an<strong>da</strong> própria.”<br />
P2 “A maioria é encaminha<strong>da</strong>.”<br />
“... normalmente [são encaminha<strong>da</strong>s] pelo ginecologista.<br />
Dificilmente elas procuram por elas mesmas. Elas vão ao<br />
ginecologista com um probl<strong>em</strong>a ginecológico ou sexual e aí o<br />
ginecologista já encaminha para uma terapia sexual.”<br />
Relacionando-se os Quadros 1 e 2, pode-se sugerir que diferença entre a fonte<br />
de procura por atendimento psicoterápico se dá <strong>em</strong> função <strong>da</strong> experiência profissional<br />
diferencia<strong>da</strong> <strong>da</strong>s psicólogas.<br />
QUADRO 3 – Faixa etária <strong>em</strong> que ocorreu o estupro.<br />
Psicóloga Resposta<br />
P1 “Entre 9 e 15 anos”<br />
P2 “De 5 a 12 anos”
Verifica-se que a violência sexual sofri<strong>da</strong> pelas mulheres situa-se entre a infância<br />
e o início <strong>da</strong> adolescência, estando de acordo com as pesquisas realiza<strong>da</strong>s por Silva et<br />
al (1999).<br />
Segundo Kaplan et al (1997), dentre as crianças vítimas de abuso sexual, “...<br />
32% têm menos de 5 anos de i<strong>da</strong>de; 27% têm entre 5 e 9 anos; 27% têm entre 10 e 15<br />
anos; e 14% têm entre 15 e 18 anos.” Estes <strong>da</strong>dos coincid<strong>em</strong> com os números obtidos<br />
por este estudo.
QUADRO 4 - Características comportamentais comuns às vítimas.<br />
Psicóloga Resposta<br />
P1 “... um certo retraimento na vi<strong>da</strong> sexual... no início <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> sexual<br />
propriamente dita... medo, vergonha de tirar a roupa diante do<br />
parceiro sexual, às vezes dor na relação sexual e pod<strong>em</strong> vir a<br />
desencadear alguma disfunção sexual”<br />
“... a criança se sente culpa<strong>da</strong>, se sente a pior pessoa do mundo.”<br />
P2 “Com certeza... ser cui<strong>da</strong>dora com as outras pessoas. Não cui<strong>da</strong>m<br />
de si, cui<strong>da</strong>m <strong>da</strong>s outras pessoas. Têm a auto-estima muito baixa<br />
e, até mesmo por isso, são cui<strong>da</strong>doras porque acham que<br />
cui<strong>da</strong>ndo pod<strong>em</strong> ser mais ama<strong>da</strong>s. Há tendência a continuar sendo<br />
abusa<strong>da</strong>s <strong>em</strong> outros âmbitos que não só o sexual, como outras<br />
pessoas ped<strong>em</strong> muitos favores. Elas são muito prestativas, até<br />
<strong>em</strong>préstimos financeiros. Elas faz<strong>em</strong> muito isso e acabam não<br />
cobrando de volta, então tend<strong>em</strong> a ser abusa<strong>da</strong>s <strong>em</strong> todos os<br />
âmbitos <strong>da</strong> vi<strong>da</strong>. Procuram parceiros abusadores.”<br />
Estes <strong>da</strong>dos são compatíveis com o que afirmam Papalia e Olds (2000), que<br />
refer<strong>em</strong>, dentre os efeitos manifestados pelas mulheres vítimas de violência sexual, os<br />
estados depressivos, o medo, a vergonha e a sensação de culpa e probl<strong>em</strong>as sexuais.
QUADRO 5 – Queixas mais freqüentes leva<strong>da</strong>s à psicoterapia.<br />
Psicóloga Resposta<br />
P1 “... vergonha, timidez excessiva, angústia...”<br />
Os resultados obtidos confirmam, ain<strong>da</strong>,<br />
a discussão feita por Padilha (2002)<br />
acerca do sentimento de incapaci<strong>da</strong>de<br />
de controlar as situações, o que acarreta<br />
o envolvimento dessas mulheres <strong>em</strong><br />
relacionamentos de exploração e abuso<br />
não apenas no âmbito sexual.<br />
“... não saber se portar, não conseguir arranjar namorado, e,<br />
quando arranjar, não conseguir manter esse relacionamento.”<br />
“...depressão após o abuso sexual, tentativa de suicídio, culpa...”<br />
“...medo, aversão até a sair...”<br />
P2 “... são queixas somáticas. Elas não procuram muito por um<br />
probl<strong>em</strong>a <strong>em</strong>ocional ou pela queixa <strong>em</strong> si do abuso. Às vezes esse<br />
abuso v<strong>em</strong> aparecer muito t<strong>em</strong>po depois <strong>da</strong> terapia... Então você já<br />
está há seis meses <strong>em</strong> Terapia e é que v<strong>em</strong> aparecer o abuso.”<br />
“... desamparo, ansie<strong>da</strong>de, estresse muito grande... ela s<strong>em</strong>pre<br />
acha que ela está erra<strong>da</strong>...”<br />
As respostas <strong>da</strong><strong>da</strong>s pelas duas profissionais são confirma<strong>da</strong>s pela literatura.<br />
Verificamos a presença de queixas relativas a estados depressivos, o desamparo, a<br />
ansie<strong>da</strong>de, a culpa, o medo e a dificul<strong>da</strong>de <strong>em</strong> estabelecer relacionamentos, o que<br />
pode levar a um isolamento social, como afirmam Padilha (2002), Williams (2002) e
Papalia e Olds (2000). Williams (2002) ain<strong>da</strong> menciona a manifestação de queixas<br />
somáticas, ratificando a resposta <strong>da</strong><strong>da</strong> por P2. Segundo Kaplan et al (1997, p. 740) o<br />
abuso sexual complica-se pelo “...medo, vergonha e culpa maciços...”, humilhação,<br />
confusão e raiva que as vítimas apresentam.<br />
QUADRO 6 – Distúrbios psicológicos de diagnóstico mais freqüente<br />
Psicóloga Resposta<br />
P1 “Neste caso que eu relatei foi o TOC 1 , transtorno obsessivo<br />
compulsivo, um déficit de habili<strong>da</strong>des sociais, principalmente<br />
relacionado a relacionamentos amorosos.”<br />
“...vaginismo 2 , dispareunia 3 , frigidez 4 , anorgasmia 5 ...”<br />
P2 “... distúrbio psicológico pela ansie<strong>da</strong>de e o estresse...<br />
dispareunia... vaginismo... anorgasmia.<br />
Conforme os autores pesquisados, uma disfunção na sexuali<strong>da</strong>de é unânime<br />
dentre as conseqüências do estupro na infância. Depressão e distúrbios de ansie<strong>da</strong>de<br />
também são freqüent<strong>em</strong>ente mencionados, como afirmam Williams (2002) e Padilha<br />
(2002). Um outro diagnóstico constante é o comprometimento <strong>da</strong>s habili<strong>da</strong>des sociais.<br />
_________________________________________________<br />
1 Transtorno que se caracteriza por idéias, pensamentos, imagens ou impulsos persistentes que se tornam repetitivos e<br />
intencionais e s<strong>em</strong> finali<strong>da</strong>de útil que se executa <strong>em</strong> ord<strong>em</strong> ou forma pré-estabeleci<strong>da</strong> como meio de prevenir a ocorrência de<br />
um evento ou situação.<br />
2 Constrição involuntária dos músculos <strong>da</strong> vagina, o que dificulta a penetração peniana e causa dor na relação sexual.<br />
3 Dor recorrente e persistente antes, durante ou após o ato sexual.<br />
4 Diminuição acentua<strong>da</strong> do desejo sexual.<br />
5 Ausência <strong>da</strong> sensação de orgasmo.
Padilha (2002) diz que as habili<strong>da</strong>des sociais <strong>em</strong>pobreci<strong>da</strong>s constitu<strong>em</strong> uma<br />
conseqüência a curto e <strong>longo</strong> <strong>prazo</strong> <strong>da</strong> violência sexual.<br />
Meichenbaum (1994 apud WILLIAMS 2002) confirma que a violência sexual na<br />
infância pode constituir um fator de risco para distúrbios psiquiátricos. Segundo<br />
Medeiros (1998), a presença de estímulos aversivos no ambiente social pode contribuir<br />
para o desenvolvimento <strong>da</strong> compulsão. A violência sexual, portanto, constitui um<br />
estímulo aversivo no ambiente do individuo, o que pode vir a desencadear o Transtorno<br />
Obsessivo Compulsivo, como um dos diagnósticos relatados por P1.
CONSIDERAÇÕES FINAIS<br />
Este trabalho teve como objetivo verificar as queixas e os diagnósticos mais<br />
freqüentes que mulheres, com história de violência sexual na infância, levam à<br />
psicoterapia, relacionando-os. Pud<strong>em</strong>os verificar que os <strong>da</strong>dos analisados confirmam a<br />
relação entre a violência sexual na infância e o desenvolvimento de alterações<br />
comportamentais na i<strong>da</strong>de adulta.<br />
Dentre as conseqüências mais comuns, verifica-se que há, na maioria dos casos,<br />
um distúrbio relacionado à sexuali<strong>da</strong>de e aos relacionamentos sociais. Segundo as<br />
profissionais, to<strong>da</strong>s as vítimas apresentam um déficit quanto à interação social,<br />
tendendo, inclusive, a se relacionar<strong>em</strong> com pessoas abusadoras <strong>em</strong> todos os âmbitos.<br />
As mulheres doam mais que receb<strong>em</strong>, não conseguindo estabelecer regras de troca<br />
dentro de suas relações, sendo isto compatível com padrões comportamentais sub-<br />
produtos <strong>da</strong> punição.<br />
Um outro aspecto, relatado por P2, é que dificilmente as mulheres chegam à<br />
psicoterapia relatando o abuso sexual sofrido no passado. Isto pode se <strong>da</strong>r <strong>em</strong> função<br />
do constrangimento experimentado <strong>em</strong> verbalizar sobre o fato ou mesmo a não<br />
consciência <strong>da</strong> relação entre o estupro e sua condição atual. P2 ain<strong>da</strong> sugere que<br />
quando a história de estupro é relata<strong>da</strong> e trabalha<strong>da</strong> na psicoterapia, ocorre uma<br />
evolução no tratamento.<br />
A ocorrência de queixas e distúrbios psicológicos s<strong>em</strong>elhantes na clientela<br />
atendi<strong>da</strong> pelas psicólogas entrevista<strong>da</strong>s parece independer do contexto social que ca<strong>da</strong><br />
vítima está inseri<strong>da</strong>, visto que algumas receberam tratamento <strong>em</strong> consultório particular,<br />
outras <strong>em</strong> clínica-escola e serviço de orientação e aju<strong>da</strong> a vítimas.
Dentre as maiores dificul<strong>da</strong>des para a realização deste trabalho, destacamos o<br />
pequeno número de psicólogos que atend<strong>em</strong> casos de mulheres que sofreram violência<br />
sexual na infância, o que pode ser resultado <strong>da</strong> procura reduzi<strong>da</strong> por estes<br />
profissionais. Finalmente, a escassez de material científico que avali<strong>em</strong> a relação<br />
estu<strong>da</strong><strong>da</strong> por esta pesquisa, o que dificultou a elaboração de um referencial teórico<br />
mais consistente.<br />
Futuras pesquisas poderiam avaliar a relação estu<strong>da</strong><strong>da</strong> com um número maior<br />
de psicólogos, visando tornar a amostra mais significativa do ponto de vista quantitativo.<br />
Além desta, pod<strong>em</strong>os sugerir a realização de estudo s<strong>em</strong>elhante com indivíduos do<br />
sexo masculino, com história de violência sexual na infância, haja visto que uma <strong>da</strong>s<br />
psicólogas (P1) relatou ser grande o número de meninos abusados, apesar de que o<br />
enfoque <strong>da</strong>do pela maioria dos estudos recai sobre o sexo f<strong>em</strong>inino. É importante,<br />
também, que se conheça o perfil comportamental dos agressores, uma vez que estes<br />
<strong>da</strong>dos pod<strong>em</strong> contribuir com trabalhos de prevenção à ocorrência do abuso sexual.<br />
Estudos como estes têm muito a contribuir para a comuni<strong>da</strong>de científica e<br />
profissional, principalmente nos dias atuais, <strong>em</strong> que os casos de violência sexual contra<br />
crianças e adolescentes têm sido mais divulgados. Com base nos <strong>da</strong>dos obtidos a partir<br />
destas pesquisas, será possível se conhecer as principais conseqüências que estas<br />
vítimas traz<strong>em</strong> e, assim, contribuir para a melhoria <strong>em</strong> sua quali<strong>da</strong>de de vi<strong>da</strong>.
REFERÊNCIAS BIBLIOGÁFICAS<br />
AZEVEDO, M. A. Crimes sexuais bárbaros contra crianças e adolescentes: alguns<br />
apontamentos. In: AZEVEDO, M. A. (org). Infância e violência doméstica: fronteiras<br />
do conhecimento. 3.ed. São Paulo: Cortez, 2000.<br />
AZEVEDO, M. A. & GUERRA, V. N. A. & VAICIUNAS, N. Incesto ordinário: a<br />
vitimização sexual doméstica <strong>da</strong> mulher-criança e suas conseqüências psicológicas. In:<br />
AZEVEDO, M. A. (org). Infância e violência doméstica: fronteiras do conhecimento. 3<br />
ed. São Paulo: Cortez, 2000.<br />
DEL PRETTE, Z. A. P. & DEL PRETTE, A. Habili<strong>da</strong>des sociais: uma área <strong>em</strong><br />
desenvolvimento. Psicologia: reflexão e crítica. v.9, n.2, p. 233-255, 1996.<br />
HAZEU, Marcel. Exploração e violência sexual de crianças e adolescentes no Pará.<br />
Caderno de Textos de Ciências Sociais. v.1, n.3, p. 31-36, out.. 1998.<br />
KAPLAN, H. I. et al. Compêndio de Psiquiatria: ciências do comportamento e<br />
psiquiatria clínica. 7.ed. Porto Alegre: Artes Médicas, 1997.<br />
LERNER, Théo. Tratamento <strong>em</strong> Situações de Abuso Sexual de Crianças e<br />
Adolescentes. Jornal <strong>da</strong> Rede Saúde. n. 22, p. 15-16, nov. 2000.<br />
MEDEIROS, M. L. A. Compulsão: <strong>da</strong> Psicopatologia à visão Behaviorista Radical.<br />
Caderno de Textos de Psicologia. V. 2, n. 2, p. 20-25, ago. 1998.<br />
MILLER, L. Dificul<strong>da</strong>de de estabelecer um espaço para pensar: a terapia de uma<br />
menina de sete anos. In: RUSTIN, M. et al. (orgs). Estados psicóticos <strong>em</strong> crianças.<br />
Rio Janeiro: Imago, 2000.<br />
PADILHA, M. G. S. Abuso sexual na infância e na adolescência: você pode descobrir o<br />
que está acontecendo. In: BRANDÂO, M. Z. et al. Comportamento Humano. Santo<br />
André: ESETec, 2002.<br />
PAPALIA, Diane E. & OLDS, Sally Wendkos. Desenvolvimento Humano. 7.ed. Porto<br />
Alegre: Artes Médicas, 2000.<br />
RODRIGUES, Aroldo. & ASSMAR Eveline Marie L. & JABLONSKI, Bernardo.<br />
Psicologia Social. 19.ed. Petrópolis: Vozes, 2000.<br />
SILVA, Sandra et al. Rompendo o silêncio: A violência sexual existe. Belém:<br />
Fun<strong>da</strong>ção Santa Casa de Misericórdia, 1999.<br />
SKINNER, B. F. Ciência e comportamento humano. 10.ed. São Paulo: Martins<br />
Fontes, 1998.
WILLIAMS, L. C. A. Abuso sexual infantil. In: GUILHARDI, H. et al. Sobre<br />
comportamento e cognição: contribuições para a construção <strong>da</strong> teoria do<br />
comportamento. v. 10. Santo André: ESETec, 2002.
ANEXOS
Nome:<br />
T<strong>em</strong>po de Graduação:<br />
Abor<strong>da</strong>g<strong>em</strong> Teórico-prática:<br />
ANEXO I<br />
UNIVERSIDADE DA AMAZÔNIA<br />
CENTRO DE CIÊNCIAS BIOLÓGICAS E DA SAÚDE<br />
CURSO DE PSICOLOGIA<br />
ROTEIRO DE ENTREVISTA<br />
I – IDENTIFICAÇÃO<br />
II – PERGUNTAS ESPECÍFICAS<br />
1) Quantas mulheres, vítimas de violência sexual na infância, foram atendi<strong>da</strong>s no<br />
ano de 2001?<br />
2) As mulheres com história de violência sexual na infância procuram atendimento<br />
psicoterápico, <strong>em</strong> sua maioria, por d<strong>em</strong>an<strong>da</strong> própria ou são encaminha<strong>da</strong>s?<br />
3) Em que faixa etária, na infância, ocorreu a maioria dos casos de violência sexual<br />
relatados?<br />
4) Exist<strong>em</strong> características comportamentais comuns às vítimas de violência sexual<br />
na infância? Em caso afirmativo, quais?<br />
5) Quais as queixas mais freqüentes dessas clientes?<br />
6) Quais os distúrbios psicológicos de diagnóstico mais freqüente nesses casos?<br />
7) Essas mulheres apresentam probl<strong>em</strong>as relacionados à sexuali<strong>da</strong>de na i<strong>da</strong>de<br />
adulta?<br />
8) Exist<strong>em</strong> indícios de que essas mulheres apresentam probl<strong>em</strong>as no convívio<br />
social e <strong>em</strong> relacionamentos afetivos na i<strong>da</strong>de adulta?
Projeto de Pesquisa:<br />
ANEXO II<br />
UNIVERSIDADE DA AMAZÔNIA<br />
CENTRO DE CIÊNCIAS BIOLÓGICAS E DA SAÚDE<br />
CURSO DE PSICOLOGIA<br />
TERMO DE COMPROMISSO<br />
Conseqüências psicológicas a <strong>longo</strong> <strong>prazo</strong> <strong>da</strong> violência sexual na infância<br />
Caro Psicólogo,<br />
Solicitamos, através deste, autorização para realização de entrevista com o<br />
objetivo de coletar <strong>da</strong>dos e apresentar à comuni<strong>da</strong>de científica local informações a<br />
respeito <strong>da</strong>s queixas mais freqüentes trazi<strong>da</strong>s à psicoterapia por mulheres vítimas de<br />
violência sexual na infância.<br />
Esta pesquisa torna-se importante devido ao grande número de casos de<br />
violência sexual contra crianças, assim como a insuficiência de programas de<br />
prevenção contra as possíveis conseqüências psicológicas apresenta<strong>da</strong>s por essas<br />
mulheres. Tais <strong>da</strong>dos pod<strong>em</strong> oferecer subsídios para a criação desses programas.<br />
Aproveitamos para ressaltar que sua identi<strong>da</strong>de, b<strong>em</strong> como a de suas clientes e<br />
to<strong>da</strong>s as informações obti<strong>da</strong>s serão de caráter sigiloso, estando os mesmos livres para<br />
participar<strong>em</strong> ou retirar<strong>em</strong>-se <strong>da</strong> pesquisa a qualquer momento.<br />
Josyenne Maria de Sousa Silva Lúcia Cristina Cavalcante <strong>da</strong> Silva<br />
Regienne Maria Paiva Abreu Oliveira<br />
Pesquisadoras<br />
Professora orientadora
Termo de Consentimento Livre e Esclarecido<br />
Declaro que li as informações sobre a pesquisa Conseqüências psicológicas a<br />
<strong>longo</strong> <strong>prazo</strong> <strong>da</strong> violência sexual na infância, estando plenamente esclarecido (a) sobre o<br />
conteúdo <strong>da</strong> mesma. Declaro ain<strong>da</strong> que, por vontade própria, aceito participar <strong>da</strong><br />
pesquisa, cooperando com a coleta de informações.<br />
Belém, ______ / _______ / _______<br />
________________________________________<br />
Assinatura do Psicólogo