Revista dependências - Novembro 2007
Revista dependências - Novembro 2007
Revista dependências - Novembro 2007
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<strong>Revista</strong> Mensal Mensal • • 2 Euros Euros<br />
OEDT publica Relatório Anual <strong>2007</strong>:<br />
- cannabis menos popular entre jovens<br />
- consumo de cocaína novamente a crescer<br />
Coordenadores nacionais de drogas<br />
da EU discutem futuro em Lisboa<br />
<strong>Novembro</strong> <strong>2007</strong><br />
Rede Europeia para a Prevenção<br />
do Tabagismo (ENSP) reúne em Cascais
Carta do Doutor Nuno Melo à<br />
Dependências, datada de 7-11-<strong>2007</strong><br />
Exmo. Sr. Director:<br />
Na edição de Setembro/Outubro <strong>2007</strong>, da revista<br />
Dependências, sob o título “Os três bons malandros”,<br />
foi publicado um editorial que considero pessoalmente<br />
ofensivo nos termos e falso no conteúdo.<br />
Consequentemente, sirvo-me do presente para, nos<br />
termos do disposto nos art.ºs 24º e seguintes da Lei<br />
da Imprensa, apresentar o seguinte<br />
DIREITO DE RESPOSTA<br />
1- Na sequência do título que me designa de “bom<br />
malandro”, é dito no referido editorial que ”coerente<br />
com esta posição, só mesmo aquela (mais uma por<br />
parte do mesmo e, portanto, coerente) de um tal Nuno<br />
Melo, coerente no seu percurso profissional – que<br />
se saiba nunca fez mais na vida a não ser… ser político.”<br />
(fim de citação)<br />
2- Tal é falso e, pelo que se expõe, injurioso.<br />
3- Percebe-se, como para o signatário do referido editorial,<br />
ser político não abona em favor de um cidadão.<br />
Daí a referência feita em base depreciativa.<br />
4- Tenho imensa honra em ser político e de tudo o<br />
que, enquanto tal, tenho conseguido no exercício de<br />
mandatos para que fui eleito e reeleito pelo povo. A<br />
fiscalização aos termos com que a associação Ares<br />
do Pinhal é considerada pelo IDT é apenas mais um<br />
exemplo, que percebo, incomodou particularmente o<br />
editor da revista.<br />
5- Sucede, no entanto, que não sou deputado em regime<br />
de exclusividade e que a minha profissão é outra…<br />
advogado.<br />
6- Facto público e notório, porque sujeito a inscrição<br />
prévia na Ordem dos Advogados.<br />
7- Facto público e notório, porque assinalada no site<br />
do Parlamento português onde se informa no lugar<br />
relativo à profissão, que sou… advogado.<br />
8- Facto público e notório, por se tratar de actividade<br />
exercida em escritório, com porta aberta e nome publicitado<br />
em placa, primeiro na rua 5 de Outubro, nº<br />
14, em Guimarães, e mais recentemente na rua de S.<br />
Gonçalo da mesma cidade.<br />
9- Facto público e notório, por implicar presença mais<br />
ou menos regular em repartições, notariados, conservatórias<br />
e tribunais, como em breve, provavelmente, o<br />
editor da revista perceberá.<br />
10- Facto público e notório, até por dele já ter sido dada<br />
conta em diversos órgãos da comunicação social.<br />
11- Percebe-se assim, facilmente, da intenção pejorativa<br />
e injuriosa com que o editorial foi redigido.<br />
12- E em consequência, percebe-se também da necessidade<br />
do presente direito de resposta, para reposição<br />
da verdade – supostamente a primeira preocupação<br />
de qualquer jornalista – em termos que, todavia,<br />
não prejudicam, nos termos da lei, o direito a<br />
qualquer eventual procedimento criminal pelo facto<br />
da publicação, bem como do direito à indemnização<br />
pelos danos por ela causados.<br />
Editorial | Dependências | 3<br />
Na presente edição da revista Dependências, e na sequência<br />
da recepção de carta enviada pelo Excelentíssimo Senhor<br />
Doutor, Deputado e Advogado Nuno Melo que advoga, nos termos<br />
da Lei da Imprensa, o direito à resposta, Dependências<br />
publica a referida missiva, por entender, acima de tudo, que<br />
a imprensa – neste caso especializada – serve para isso mesmo:<br />
para criar um espaço de discussão, democrático, civilizado<br />
e coerente, ainda que em conteúdos temáticos mais ou<br />
menos específicos, mais ou menos técnicos, mais ou menos<br />
públicos, mais ou menos notórios.<br />
Ora, acontece que, na referida missiva, o Excelentíssimo Senhor<br />
Doutor, Deputado e Advogado Nuno Melo, considera injuriosa<br />
a forma como metafórica e figuradamente – tal é o<br />
estilo normalmente adoptado neste género literário ou jornalístico<br />
e mais ou menos aceite em países democráticos e<br />
menos susceptíveis a regimes filtrados por qualquer tipo de<br />
censura – me referi à sua pessoa. Desde já aceite o meu humilde<br />
pedido de desculpas se se sentiu ofendido, não compreendeu<br />
ou não quis compreender que, ao referir-me a ser<br />
político, e tal como é público e notório porque publicado em<br />
dicionários da língua portuguesa, tal significa em sentido figurado,<br />
ser astuto, dotado de uma maneira hábil de agir, ser<br />
público.<br />
Estranho apenas que o Excelentíssimo Senhor Doutor, Deputado<br />
e Advogado Nuno Melo se tenha apenas preocupado<br />
com as injuriosas e ofensivas palavras ao tê-lo descrito como<br />
alguém que “nunca fez mais na vida a não ser… ser político”<br />
e não tenha produzido qualquer reflexão mais profunda sobre<br />
o âmago da questão, ou seja, sobre a polémica criada em<br />
torno da associação Ares do Pinhal ou do Programa Porto Feliz<br />
no direito de resposta que lhe assiste e lhe reservamos.<br />
Mais: Quando refere, na referida carta que “A fiscalização<br />
aos termos com que a associação Ares do Pinhal é considerada<br />
pelo IDT é apenas mais um exemplo, que percebo, incomodou<br />
particularmente o editor da revista”, sou obrigado<br />
a dar-lhe razão. Incomodou-me particularmente, como<br />
me incomodam acusações sem fundamento, como me incomoda<br />
que se partidarize excessivamente a problemática<br />
das toxico<strong>dependências</strong>, como me incomoda que se aluda<br />
às estratégias de redução de riscos como incentivos ao consumo,<br />
como me incomoda que se pretenda denegrir, de forma<br />
populista, falaciosa e intencionada o primeiro técnico da<br />
área das toxico<strong>dependências</strong> que chega a presidente do IDT,<br />
acusando-o, por exemplo de ter trabalhado nessa mesma associação<br />
Ares do Pinhal e de ter sonegado esclarecimentos<br />
(falsamente) solicitados pela Comissão Parlamentar de Saúde.<br />
Isso sim, é ser-se advogado do diabo, não eleger como<br />
preocupação repor verdades e, para mim, particularmente<br />
incómodo.<br />
Mais ainda: para que não sejamos acusados de desempenhar<br />
a função de advogados do diabo, sugerimos a leitura<br />
da entrevista, publicada na presente edição, realizada a um<br />
utente da Casa de Vila Nova e ex-utente do Programa Porto<br />
Feliz e, por que não, uma visita à associação Ares do Pinhal<br />
e leitura atenta dos relatórios de actividades da mesma para<br />
que se possa, realmente, falar com conhecimento de causa.<br />
Nós falamos porque conhecemos. Nós conhecemos porque<br />
vamos aos locais. Nós vamos aos locais, e isso constitui<br />
facto público e notório, porque queremos informar com rigor,<br />
objectividade e isenção, critérios pelos quais pautamos<br />
a nossa actuação.<br />
António Sérgio
4 | Dependências | Presidência Portuguesa do Conselho da União Europeia<br />
Coordenadores Nacionais de Droga da<br />
União Europeia reunidos em Lisboa<br />
Os 27 Coordenadores Nacionais da<br />
Droga dos Estados-Membros da U.E.<br />
estiveram reunidos no passado dia<br />
24 de Outubro em Lisboa, num evento<br />
organizado no âmbito da presidência<br />
portuguesa do Conselho da União<br />
Europeia e que contou ainda com a<br />
participação de elementos da Europol,<br />
Comissão Europeia, ONU e Observatório<br />
Europeu. A reunião teve como principais<br />
objectivos a troca de informação<br />
relativamente à evolução da situação<br />
de cada Estado-membro em matéria<br />
de Droga e Toxicodependência, a análise<br />
das possibilidades de uma maior<br />
cooperação entre os Estados-membros<br />
e a concentração de esforços na<br />
implementação do Plano de Acção de<br />
Luta contra a Droga (2005-2008).<br />
O principal tema em discussão foi<br />
“O consumo de cocaína e os serviços<br />
de tratamento”. De acordo com<br />
o Observatório Europeu das Drogas e<br />
Toxico<strong>dependências</strong>, prevê-se que cerca<br />
de 12 milhões (3,5%) da população<br />
europeia entre os 15 e os 64 anos já<br />
tenham experimentado cocaína e que<br />
4,5 milhões o fizeram durante o último<br />
ano. De uma forma geral, a oferta,<br />
o uso e os problemas relacionados<br />
com cocaína cresceram na Europa ao<br />
longo da última década, ao passo que<br />
os preços desceram. No entanto, esta<br />
tendência geral disfarça algumas variação<br />
internas ao nível dos Estados-<br />
Membros. Alguns países como o Rei-<br />
Irlanda<br />
“A droga está a preocupar muito o nosso público,<br />
nomeadamente devido aos recentes problemas que<br />
se têm verificado entre diversos grupos de gangs.<br />
Pensávamos mesmo que a droga iria constituirse<br />
como um tema muito abordado nas eleições, o<br />
que, afinal, acabou por não se verificar. De qualquer<br />
forma, o investimento público aumentou, a par de<br />
um crescimento do fenómeno na lista das principais<br />
preocupações da nossa população. Temos uma<br />
abordagem de baixo para cima e estamos muito atentos.<br />
Temos na nossa comunidade sectores voluntários e<br />
ONGs mas é necessária a implementação de novas<br />
estratégias para melhorar o sistema”.<br />
Finlândia<br />
“Criámos um grupo de trabalho apenas para questões<br />
internas, o qual nos parece estar a atingir os objectivos<br />
a que nos propusemos. Em reuniões como esta, o que<br />
realmente nos preocupa são as questões nacionais e<br />
pretendemos observar, discutir e partilhar o que se<br />
passa nos outros Estados-Membros”.<br />
Holanda<br />
“Temos uma estrutura muito leve de coordenação, que<br />
inclui diversos ministérios, entre os quais o Ministério<br />
dos Negócios Estrangeiros. Como corríamos o risco<br />
de cada ministério percorrer isoladamente o seu<br />
próprio caminho e não haver uma política integrante,<br />
certificámo-nos de que existiria uma estrutura para<br />
que as pessoas se contactassem facilmente e temos<br />
um grupo de coordenação muito forte. Tentamos<br />
inclusivamente resolver problemas relacionados com o<br />
consumo de tabaco e de álcool, para o que procedemos<br />
a outro tipo de coordenações”.
Presidência Portuguesa do Conselho da União Europeia | Dependências | 5<br />
Dinamarca<br />
“Não temos qualquer tipo de mecanismo<br />
de coordenação por um simples motivo:<br />
neste preciso momento, o nosso Primeiro-<br />
Ministro deve estar a convocar eleições<br />
gerais. A coordenação, na Dinamarca,<br />
não engloba até ao momento questões<br />
que tenham a ver com o Ministério dos<br />
Negócios Estrangeiros”.<br />
no Unido, Espanha e Itália apresentaram<br />
consideráveis crescimentos no uso<br />
de cocaína, enquanto outros, particularmente<br />
na Europa de Leste, reportam<br />
apenas consumos muito limitados. O<br />
consumo de cocaína apresenta novos<br />
desafios para os serviços de tratamento<br />
europeus. Apesar de os serviços poderem<br />
utilizar a alavanca obtida a partir<br />
da experiência acumulada na resposta<br />
a outros tipos de problemas relacionados<br />
com drogas, a farmacologia da<br />
cocaína, a diversidade social dos seus<br />
utilizadores e o policonsumo de outros<br />
tipos de substâncias são factores que<br />
dificultam o desenvolvimento de respostas<br />
e a identificação de públicosalvo.<br />
A par, e ao contrário do que sucede<br />
com outros opiáceos, está ainda<br />
por provar a eficácia do recurso a programas<br />
de substituição ou tratamentos<br />
farmacológicos actualmente disponíveis<br />
para utilizadores de cocaína. Estas<br />
e outras questões forma discutidas durante<br />
a sessão.<br />
Itália<br />
“Gostaríamos de expressar a nossa<br />
gratidão pela apresentação da<br />
EMCDDA, muito útil para a nossa tarefa<br />
de coordenação. Encaramos esta<br />
tarefa como um sistema de controlo<br />
dos progressos. Em Itália, temos um<br />
sistema que precisa de ser actualizado,<br />
o que constitui uma prioridade<br />
do nosso Governo. Temos um comité<br />
responsável pela definição ou alteração<br />
de políticas e um comité científico que<br />
debate os problemas e novas tendências<br />
nesta área”.
6 | Dependências | Presidência Portuguesa do Conselho da União Europeia<br />
Dependências esteve presente e apresenta<br />
um briefing das principais intervenções<br />
Após as boas vindas, tarefa incumbida<br />
a João Goulão que presidiu a sessão,<br />
Frank Zobel, da EMCDDA, começou<br />
por apresentar uma actualização<br />
sobre os mecanismos de coordenação<br />
nacionais na UE. A apresentação de<br />
Frank Zobel versou cinco temas: definição,<br />
conceitos e recentes alterações<br />
na coordenação em matéria de drogas;<br />
os principais recursos dos actuais mecanismos<br />
de coordenação nacional de<br />
drogas; um olhar sobre a eficácia dos<br />
mecanismos de coordenação nacionais;<br />
e conclusões. Sobre este último<br />
tópico, a EMCDDA considera que quase<br />
todos os Estados-Membros estão dotados<br />
das três componentes chave que<br />
constituem uma política coordenada<br />
sobre drogas: um mecanismo de coordenação,<br />
uma estratégia e um plano<br />
de acção e um mecanismo de monitorização<br />
e avaliação. Considera ainda o<br />
Observatório Europeu que as questões<br />
chave consistem agora em avaliar em<br />
que medida está a estratégia e plano<br />
de acção implementado em cada Estado-Membro<br />
e de que forma poderá o<br />
mecanismo de coordenação melhorar<br />
estes aspectos. Por fim, sugere ainda<br />
que, na ausência de indicadores de eficácia,<br />
os membros dos mecanismos de<br />
coordenação poderiam rever as suas<br />
actividades com os cinco componentes<br />
chave em consideração: legitimidade<br />
interna e externa, estrutura adequada,<br />
instrumentos adequados e sensibilidade<br />
para os problemas salientes, traçando<br />
para cada um definições e possíveis<br />
indicadores.<br />
Suécia<br />
“Existem, no nosso país, dois mecanismos<br />
de coordenação: um interno ao nível<br />
interministerial e outro top-down.<br />
Gostaríamos de incluir o álcool e outras<br />
substâncias no âmbito das nossas<br />
valências e, por isso, interessa-nos ouvir<br />
as experiências de outros países, como<br />
Portugal, que já o fizeram. Pretendemos<br />
ainda criar um grupo específico dedicado à<br />
consultadoria e esta poderá ser igualmente<br />
uma proposta a debater nesta reunião”.<br />
Comissão Europeia<br />
“A Comissão Europeia está a fazer a segunda análise<br />
anual e publicará a avaliação final do plano de acção<br />
no próximo ano. Em relação à implementação do plano<br />
de acção, conseguimos ter acesso e recolher os dados<br />
os dados relacionados com a saúde, os quais têm sido<br />
obtidos mas falta coordenação nas áreas da produção e<br />
oferta”.
Espanha, Carmen Moya<br />
Dep – Quais são as principais prioridades<br />
do Governo Espanhol em matéria de intervenção<br />
em toxico<strong>dependências</strong>?<br />
Cármen Moya (C.M.) – A prioridade fundamental<br />
em matéria de toxico<strong>dependências</strong><br />
consiste em sensibilizar a população, sem a<br />
alarmar, que o problema das drogas persiste,<br />
e que, embora possam ter a percepção<br />
de que está resolvido uma vez que a questão<br />
da insegurança vinculada aos consumos<br />
de heroína de alguns anos atrás e que gerou<br />
muita convulsão no nosso país, felizmente,<br />
já não existe, isso não significa, de forma alguma,<br />
que os consumos de droga tenham<br />
desaparecido, antes pelo contrário. Continuamos<br />
a verificar que, nalgumas substâncias,<br />
temos consumos muito significativos,<br />
alguns dos quais nos colocam a par dos primeiros<br />
países europeus e, como tal, não há<br />
que baixar o alerta mas antes incidir, insisto,<br />
na sensibilização da população e na necessidade<br />
de todos tomarmos medidas no<br />
âmbito da prevenção, em distintos campos<br />
como o educativo, o familiar e dos meios de<br />
comunicação. Isto não significa porém que<br />
não tenhamos que ter em conta a continuidade<br />
do esforço de investimento nos tratamentos,<br />
na reinserção e reabilitação. Outro<br />
âmbito muito importante é a investigação<br />
porque alterações dos consumos e dos perfis<br />
dos consumidores estão em constante<br />
mutação e existem novos grupos populacionais<br />
vulneráveis em relação aos quais temos<br />
que desenvolver estratégias de intervenção<br />
específicas. Mas também no âmbito da sensibilização<br />
e da prevenção, estou convicta<br />
de que se produzem melhores resultados,<br />
quanto mais os programas e acções se basearem<br />
em evidências e estudos científicos.<br />
Como é óbvio, também não podemos descurar<br />
todas aquelas medidas e actuações<br />
que entram no campo da oferta. Refiro-me<br />
ao âmbito policial, quer numa perspectiva<br />
macro, quer micro, no que concerne aos<br />
vendedores de pequena escala mas, sobretudo,<br />
no âmbito escolar e em contextos recreativos.<br />
Dep – Referiu-se a substâncias em relação<br />
às quais Espanha apresenta das mais altas<br />
taxas de consumo da Europa. Sabendo-se<br />
que uma delas é a cocaína, existem respostas<br />
por parte do sistema de saúde para os<br />
utilizadores?<br />
C.M. – Na verdade, embora os consumos de<br />
cocaína sejam dos mais elevados – e desde<br />
que os consumos de heroína perderam<br />
preponderância verificou-se um crescimento<br />
muito significativo do consumo de cocaína,<br />
temos que encarar o problema como<br />
se tratando de policonsumos. A combinação<br />
de álcool com outra substância é muito<br />
frequente. Mas também há que considerar,<br />
em relação à realidade espanhola que, não<br />
obstante apresentar ao nível da população<br />
geral dados elevados relativamente aos consumos<br />
em comparação com outros países<br />
europeus, temos que perceber qual foi o<br />
nosso ponto de partida. Se atentarmos aos<br />
dados de 1999, percebemos que eram ainda<br />
mais altos dos que apresentavam países<br />
como o Reino Unido ou actualmente Itália. E<br />
se falarmos em crescimentos anuais verificamos<br />
que nestes dois países os consumos<br />
cresceram mais do que em Espanha. O que<br />
não quer dizer que não tenhamos números<br />
elevados ou que não devamos fazer um<br />
enorme esforço no sentido de os diminuir.<br />
No entanto, em relação à cocaína, o carácter<br />
mitificado existente em Espanha (mas<br />
também noutros países), enquanto droga<br />
de êxtase e glamour que não correspondem<br />
à realidade, aliado ao facto de sermos<br />
uma porta de entrada na Europa, entre outros<br />
factores, contribuiu para que atingíssemos<br />
níveis de consumo elevados. Isto levou<br />
a que, desde o ano passado, implementássemos<br />
um programa específico de actuação<br />
no âmbito da cocaína. Temos um plano de<br />
acção transversal a todos os âmbitos, desde<br />
a prevenção ao tratamento. E as prioridades<br />
que o Plano Nacional definiu a partir<br />
de <strong>2007</strong> emanam fundamentalmente de actuações<br />
no âmbito da cocaína e, entre diversas<br />
medidas a implementar num horizonte<br />
de quatro anos, teremos, por exemplo, um<br />
congresso internacional sobre cocaína a realizar<br />
em Madrid no qual participarão todos<br />
os países europeus e os EUA no sentido<br />
de promover a discussão e partilha de conhecimentos<br />
em relação a aspectos como a<br />
prevenção, novas linhas de tratamento e políticas<br />
que se vão implementando e desenvolvendo<br />
em matéria de cocaína.<br />
Dep – Espanha foi pioneira na administração<br />
de um fármaco antagonista utilizado no<br />
tratamento da dependência de cocaína no<br />
Hospital Vall d’Hebron. Já é possível avaliar<br />
resultados?<br />
C.M. – Ainda não, uma vez que o programa<br />
experimental ainda não foi concluído. No entanto,<br />
o nosso espírito é mesmo esse, trabalhar<br />
em linhas de investigação, identificar<br />
oportunidades e lacunas. As drogas terapêuticas<br />
poderão existir desde que sirvam<br />
para tratar este problema.<br />
Dep – O botellón continua a ser um grave<br />
problema em Espanha?<br />
C.M. – O botellón pode até ser um problema<br />
de ordem pública pelas moléstias que causa<br />
às populações habitantes dos meios onde<br />
se pratica. A mim o que me preocupa é este<br />
tipo de consumo anglo-saxónico por parte<br />
dos jovens, um consumo massivo num curto<br />
período de tempo e concentrado em deter-<br />
Presidência Portuguesa do Conselho da União Europeia | Dependências | 7<br />
minados espaços e os danos que poderão<br />
produzir no futuro.<br />
Dep – Como está a decorrer a implementação<br />
do Plano Nacional Sobre Drogas<br />
em Espanha?<br />
C.M. – A Estratégia Nacional termina no ano<br />
2008 e, a meio do período, em 2004, procedemos<br />
a uma avaliação e concluímos que<br />
em determinadas linhas, as taxas de execução<br />
eram muito satisfatórias e refiro-me,<br />
por exemplo, à oferta de tratamentos. Em<br />
áreas como a prevenção e sensibilização social,<br />
a partir da elaboração de um plano específico,<br />
tentámos reforçar todas aquelas<br />
carências que provinham dos objectivos definidos<br />
na Estratégia Nacional.<br />
Dep – Em Portugal começam a dar-se passos<br />
mais firmes numa área como a redução<br />
de riscos e minimização de danos. Espanha<br />
já tem alguma tradição na implementação<br />
de dispositivos como as salas de consumo<br />
assistido ou a troca de seringas em meio<br />
prisional. Que conselhos poderia dar ao governo<br />
português nesta matéria?<br />
C.M. – Este é um tema delicado e complexo<br />
e, mesmo Espanha, que possui já uma<br />
tradição neste tipo de dispositivos e na<br />
implementação de outros programas – porque<br />
a intervenção em redução de riscos não<br />
se resume à instalação de salas de consumo<br />
ou à troca de seringas – existem por vezes<br />
alguns problemas. Mas creio que há uma<br />
série de factores que tornam estas estruturas<br />
viáveis: primeiro, há que negociar com<br />
o movimento de cidadãos da envolvente em<br />
que se vai criar este tipo de unidades e, por<br />
que não, envolvê-los positivamente nessa tomada<br />
de decisão. Depois, há que optar por<br />
instalações dignas, adequadas e adaptadas<br />
ao tipo de serviço que se pretende prestar.<br />
Por exemplo, estas unidades devem estar<br />
próximas dos locais de consumo e não faz<br />
qualquer sentido que se situem longe dos<br />
mesmos. Pensar no desenho destas unidades<br />
implica desenhá-las em função das necessidades<br />
dos seus destinatários e sempre<br />
numa óptica de reduzir os riscos para a sua<br />
saúde e para a saúde pública. O mesmo<br />
se aplica em relação à implementação dos<br />
programas de troca de seringas em meio<br />
prisional, uma medida corajosa que se traduziu<br />
em resultados muito positivos. Trocar<br />
seringas nas prisões, com tudo o que significava<br />
conceptualmente, foi uma medida<br />
valente e decidida em Espanha e que teve<br />
em conta a evidência científica que nos diz<br />
que existe uma forte relação entre a transmissão<br />
de VIH/Sida e Hepatites e a partilha<br />
de seringas.<br />
Dep – Será possível, face à evolução patenteada<br />
em Espanha nesta matéria, descriminalizar<br />
o tráfico de drogas?<br />
C.M. – Creio que será muito difícil porque<br />
estes temas não têm um âmbito exclusivamente<br />
geográfico ou nacional. O problema<br />
das drogas é multinacional e medidas unilaterais<br />
levadas a cabo por um país não conduzirão<br />
à sua resolução. Despenalizar estas<br />
substâncias seria quase como admitir que<br />
as mesmas teriam deixado de ser nocivas<br />
para a saúde.
8 | Dependências | Reunião científica internacional sobre salas de consumo<br />
Nasceu a Rede Internacional<br />
de Salas de Consumo<br />
Salas de consumo de drogas: experiências e novos desafios foi o tema da primeira<br />
reinião científica internacional, organizada pelos Médicos do Mundo Munduko Medikuak<br />
que atraiu à cidade basca de Bilbao responsáveis de salas de consumo assistido e<br />
técnicos da área da redução de riscos.<br />
A participação portuguesa fez-se representar por António Caspurro,<br />
da Arrimo, que apresentou uma perspectiva cronológica sobre a intervenção<br />
em Portugal em matéria de redução de riscos, seguida de<br />
uma caso prático, demonstrativo da necessidade da implementação<br />
deste tipo de dispositivos num contexto específico: o Bairro São<br />
João de Deus, no Porto, onde actua a equipa de rua da Arrimo. Na<br />
reunião marcou ainda presença uma delegação da equipa do GiruGaia,<br />
composta por Marta Pinto e Susana Peixoto. Os temas desenvolvidos<br />
ao longo do dia foram organizados em várias mesas<br />
de trabalho. A saber: Situação sócio-sanitária asociada ao consumo<br />
de drogas ilegais: uma visão global, estatal e autonómica; Salas<br />
de consumo: experiências e futuro; Desde o aprendido, criação de<br />
salas de consumo em novos contextos; Novas estratégias de actuação:<br />
programas de administração de heroína; e, finalmente, a mesa<br />
constituinte da Rede Internacional de Salas de Consumo.<br />
Numa altura em que as salas de consumo assistido já demonstraram,<br />
com base em estudos, monitorizações e avaliações, constituir<br />
uma estratégia eficaz e eficiente na redução de riscos e minimização<br />
de danos associados ao consumo de drogas ilícitas em diferentes<br />
países, esta reunião nasceu como uma proposta dirigida à incrementação<br />
do fluxo de conhecimento científico gerado neste tipo de<br />
recursos e afirmou-se como um primeiro passo para a constituição<br />
de uma rede internacional que compreenda a actividade coordenada<br />
e trabalho em conjunto entre os dispositivos existentes, destinados<br />
a ampliar as possibilidades de intervenção noutros contextos<br />
de necessidades.<br />
Dependências esteve em Bilbao e conversou com alguns responsáveis<br />
de salas de consumo<br />
José Julio Pardo, responsável pela sala de Bilbao<br />
“Como é sabido, no próximo mês, a sala de<br />
consumo de Bilbao cumprirá quatro anos de<br />
existência e, durante este tempo pensámos<br />
que seria muito conveniente e necessária a<br />
criação de uma rede internacional de salas de<br />
consumo para que, juntos, trabalhemos com<br />
uma maior transmissão de inquietudes, de<br />
problemas e de respostas aos mesmos. Acerca<br />
destes últimos quatro anos, devo realçar<br />
que, inicialmente, a sala abriu apenas com a<br />
valência do consumo por via injectada e, posteriormente,<br />
começou a consumir-se também<br />
por via snifada. Há aproximadamente um ano,<br />
acrescentamos a via inalada. Com esta última,<br />
lográmos chegar a uma série de pessoas e etnias<br />
que não vinham até nós. Durante este ano,<br />
chegámos a um número considerável com<br />
mais de 1800 processos. O número de seringas<br />
dispensadas cifrou-se nas 218 mil 998, 78<br />
mil 836 das quais foram utilizadas em consumos<br />
dentro da própria sala. Quanto aos consumos<br />
realizados na sala, registámos um total de<br />
96 mil 387, 59 mil 227 dos quais se procederam<br />
por via injectada. Por via inalada registaram-se<br />
27 mil 435 consumos e por via snifada<br />
1827. Aparte o consumo, também se realizam<br />
oficinas de trabalho na sala. Recentemente realizámos<br />
uma exposição de pintura com os<br />
trabalhos realizados nessa oficina. As pessoas<br />
que trabalham na sala realizaram 11 mil 286<br />
intervenções sócio-educativas e mais de 1500<br />
intervenções específicas acerca de práticas de<br />
consumo de menor risco. Realizaram-se mais<br />
de 300 oficinas de trabalho, com uma média<br />
de participação na ordem dos oito utentes por<br />
oficina. O que pretendemos é reduzir os riscos<br />
e danos produzidos a nível sanitário e social na<br />
pessoa que utiliza drogas mas também reduzir<br />
os riscos e danos a nível comunitário derivados<br />
destes consumos. Detectámos que 83,5<br />
por cento dos utentes são homens e 16,5 por<br />
cento são mulheres e constatámos que a percentagem<br />
de mulheres consumidoras cresce<br />
na sala de inalado. Também se verifica uma diferença<br />
entre o consumo endovenoso e o inalado<br />
relativamente à substância consumida: pela<br />
primeira, o que mais se consome é cocaína,<br />
seguida de heroína e da mistura de ambas. Por<br />
via inalada, o que mais se consome é heroína,<br />
depois cocaína e, por fim, a mescla”.
Esther Henar, responsável pela Sala Baluard, Barcelona<br />
Dep - Em que princípios se baseia a intervenção<br />
realizada na Sala Baluard?<br />
E.H. - A base da intervenção é, evidentemente,<br />
a redução de danos e tem que ser<br />
encarada no seio de um contexto global.<br />
Temos que ter presente que todos os actores<br />
sociais que estão na envolvente geográfica<br />
do serviço, aqueles que, de uma<br />
ou outra forma repercutem o impacto dos<br />
consumidores.<br />
Nós gerimos a sala de Baluard e uma unidade<br />
móvel, sendo que ambas estão subordinadas<br />
aos mesmos critérios de actuação.<br />
Os objectivos do serviço coincidem<br />
com os propósitos conhecidos da redução<br />
de danos e pretendemos que o mesmo forneça<br />
prestações sócio-sanitárias. Evidentemente,<br />
tudo ocorre em torno da vigilância<br />
da saúde das pessoas. Procedemos a<br />
uma intervenção global, multidisciplinar e,<br />
para o efeito, realizamos intervenções que<br />
potenciem uma vinculação. Utilizamos como<br />
ferramenta a cobertura das necessidades<br />
básicas fornecendo alimentação, banhos,<br />
vestuário, resumindo, a intervenção<br />
social e sanitária. No que concerne à assistência<br />
sanitária, dispomos de um serviço<br />
de enfermagem dotado de um médico<br />
e de enfermeiros que actuam em três turnos<br />
de trabalho onde fazemos análises de<br />
controlo, exames médicos, testes de gravidez,<br />
curativos, curas e tratamentos básicos.<br />
Tendo em conta que estas pessoas<br />
não têm acesso ao sistema de saúde de<br />
forma alguma, como mínimo, controla-se a<br />
sua saúde através de análises. São muitas<br />
as pessoas, em especial alguns imigrantes,<br />
que não têm qualquer tipo de contacto com<br />
as unidades de saúde públicas e, como tal,<br />
trabalhamos para que, pelo menos, alguns<br />
deles disponham desse controlo de saúde.<br />
Depois, desenvolvemos acções de informação<br />
e formação acerca de injecção higiénica,<br />
oficinas temáticas especificamente<br />
sanitárias, algumas sobre saúde individual<br />
mas também sobre saúde comunitária. Os<br />
profissionais de saúde trabalham ainda directamente<br />
com o pessoal responsável pela<br />
implementação dos programas de troca<br />
de seringas. Quanto às ferramentas de vinculação<br />
que referi, estas permitem-nos que<br />
os usuários se vinculem ao serviço, contactando<br />
assim com a rede assistencial. Alguns<br />
são encaminhados por técnicos que<br />
trabalham na rua, outros vêm até nós porque<br />
ouvem falar do serviço.<br />
Dep – As salas são apenas destinadas à in-<br />
jecção assistida ou é possível efectuar outro<br />
tipo de consumo nas mesmas?<br />
E.H. – Até há bem pouco tempo dispúnhamos<br />
apenas de uma sala de injecção assistida<br />
mas, em <strong>Novembro</strong>, inaugurámos outra<br />
que contempla também o consumo fumado<br />
com características muito similares<br />
às da que existe em Bilbao.<br />
Dep – Que profissionais estão afectos à intervenção<br />
sócio-sanitária?<br />
E.H. - Na área de intervenção sócio-educativa<br />
temos uma técnica social, educadores<br />
que trabalham dentro do serviço e educadores<br />
que trabalham fora do mesmo. Tenta-se<br />
que estes desempenhem uma função<br />
de articulação de processos. Quando um<br />
utente chega até nós pela primeira vez recolhemos<br />
alguma informação básica, como<br />
a sua identificação, que não terá que ser<br />
necessariamente verdadeira, idade, procedência<br />
e país de origem e local onde dormem.<br />
No primeiro dia, dizem-nos ainda<br />
qual é a substância que mais consomem<br />
e assinam um consentimento informado. A<br />
partir daí, baseamos o nosso trabalho naquilo<br />
a que chamamos a entrevista de acolhimento<br />
em que pretendemos realizar um<br />
diagnóstico de situação social e definir objectivos<br />
sanitários, abrindo um processo ou<br />
arquivo social e clínico. A partir desse momento,<br />
os educadores tratam de implicar<br />
os restantes profissionais de trabalham no<br />
serviço, desde o técnico social, o psicólogo,<br />
o médico, o enfermeiro, todos aqueles<br />
que tenham competências e intervenham<br />
por forma a oferecer uma mais-valia relativamente<br />
à situação do utente. Além da coordenação<br />
de casos, tentamos realizar supervisão<br />
de casos nas nossas reuniões de<br />
trabalho.<br />
Dep – Como é constituída e organizada a<br />
equipa da sala de Baluard?<br />
E.H. – A equipa, em Baluard, é constituída<br />
por 48 pessoas que asseguram o funcionamento<br />
do serviço de forma ininterrupta,<br />
24 horas por dia. Esses 48 profissionais<br />
distribuem-se por três turnos de trabalho,<br />
o da manhã, o da tarde e o da noite, os<br />
quais não são rotativos. Cada turno conta<br />
com dois profissionais de saúde, dois educadores<br />
internos ao serviço, um integrador<br />
ou agente de saúde que corresponde a um<br />
utilizador que se formou para trabalhar de<br />
forma normalizada e dois educadores que<br />
trabalham na rua – esta é a equipa base.<br />
Depois, temos três médicos, um que se<br />
ocupa dos programas de manutenção com<br />
metadona, um coordenador geral de toda a<br />
intervenção de saúde e um terceiro que se<br />
ocupa de tudo o que respeite a tratamentos,<br />
medicações directamente observadas,<br />
etc. As equipas são sempre as mesmas em<br />
cada turno. E se isto pode ser positivo para<br />
os utilizadores ainda o será mais para uma<br />
parte vital do serviço que é a equipa. É absolutamente<br />
fundamental que as necessidades<br />
da vida privada das pessoas que trabalham<br />
numa área como a redução de riscos<br />
sejam atendidas e respeitadas. Estas<br />
pessoas lidam diariamente com experiências<br />
extremas de dor, angústia e impotência<br />
e temos por obrigação tentar manejar<br />
Reunião científica internacional sobre salas de consumo | Dependências | 9<br />
ao máximo estas emoções que os outros<br />
vivem mas se a nossa própria vida não for<br />
fácil não o conseguiremos fazer de forma<br />
rigorosa como pretendemos. Ainda em relação<br />
à equipa, é importante que sejamos<br />
cautelosos relativamente a todos os hábitos<br />
que podemos adquirir ao tentarmos relacionar-nos<br />
com os utentes, incluindo os<br />
referentes à imagem. É muito positivo que<br />
criemos uma relação de grande proximidade<br />
com os utentes e que estes não nos vejam<br />
como diferentes mas também nunca<br />
devemos esquecer que nós somos o profissional<br />
que lhe vai aportar um benefício. Se<br />
deixamos de cumprir essa função não lhe<br />
serviremos para nada. A imagem do profissional<br />
e a posição que toma é vital.<br />
Dep – Quantos utilizadores frequentam cada<br />
uma das salas?<br />
E.H. – Em Baluard tínhamos 5 mil registos<br />
abertos até Setembro e na unidade móvel<br />
temos cerca de mil utentes. Em Baluard temos<br />
uma média de 400 visitas diárias, a<br />
que correspondem cerca de 200 pessoas<br />
diferentes.<br />
Dep – Em Portugal continua a discutir-se<br />
acerca da premência destes dispositivos<br />
mas igualmente se os mesmos deverão<br />
ser fixos ou móveis…<br />
E.H. – Isso depende de muitos aspectos…<br />
É óbvio que o móvel é mais discreto, o que<br />
poderá ser facilitador relativamente às populações<br />
que habitem nas proximidades do<br />
mesmo…<br />
Dep – Mas, havendo em certos locais, como<br />
acontece na cidade do Porto, consumos<br />
que perduram entre a manhã e a noite,<br />
fará sentido que o dispositivo apenas<br />
seja disponibilizado por algumas horas?<br />
E.H. – Eu creio que deverá existir um dispositivo<br />
o mais digno possível nos locais onde<br />
o mesmo seja necessário. É certo que em<br />
muitos locais se começou com unidades<br />
móveis, como em Barcelona para acabar<br />
num serviço normalizado. Mas custa muito<br />
fazer este trabalho! Mas também há o perigo<br />
de a unidade móvel não cobrir todo o expediente<br />
necessário para satisfazer as necessidades<br />
básicas de um toxicodependente.<br />
Sei que, muitas vezes, é um passo que<br />
se tem que dar para atingir um processo<br />
mas também creio que não nos devíamos<br />
conformar com isso. Nós começámos em<br />
Cantunis com uma tenda que montávamos<br />
e desmontávamos diariamente, por iniciativa<br />
própria, sem permissão ou autorização<br />
de ninguém…<br />
Dep – E a lei proibia que o fizessem?<br />
E.H. – Ninguém nos disse nada… Quer a<br />
polícia, quer os membros da autarquia sabiam<br />
que o fazíamos, eu própria acabei por<br />
chegar a um entendimento com os mesmos<br />
que, basicamente, me disseram que não<br />
assumiriam publicamente qualquer apoio<br />
à iniciativa mas também não a proibiriam.<br />
Dep – Nunca temeu que, pelo facto de as<br />
salas se situarem junto de locais de tráfico<br />
e consumo, a polícia realizasse mais investidas<br />
junto das mesmas?
10 | Dependências | Reunião científica internacional sobre salas de consumo<br />
E.H. – Entendo que este seja um tema que<br />
cria polémica entre os diferentes profissionais.<br />
O que é para mim claro é que temos<br />
que conjugar as nossas actuações e trabalhar<br />
directamente relacionados e entendendo-nos<br />
com todos os agentes sociais, forças<br />
de segurança incluídas. Há que procurar<br />
estratégias que permitam que cada um<br />
cumpra o seu papel mas que nos permitam<br />
igualmente entender que cada um desempenha<br />
um papel claramente diferente.<br />
E dou um exemplo: eu tenho uma mesa de<br />
trabalho com o intendente da polícia da Catalunha<br />
e os responsáveis por um grupo de<br />
intervenção numa comunidade onde existem<br />
utilizadores que, inevitavelmente, vão<br />
cometendo delitos e têm problemas pendentes<br />
com a justiça. E eu tento negociar<br />
com o intendente - porque a polícia pode<br />
entrar em qualquer sítio – no sentido de<br />
que, quando a polícia intervém, não o faça<br />
de uma forma traumática, nem para os profissionais,<br />
nem para os utilizadores. Se sei,<br />
por exemplo, que houve uma morte e que<br />
um utilizador esteve implicado na mesma,<br />
eu tenho a obrigação moral de transmitir<br />
a informação. Então, quando algo acontece,<br />
a polícia chama-me a mim directamente<br />
porque há que facultar um interlocutor e<br />
tentamos perceber o que sucedeu e de que<br />
forma podemos colaborar. Mas imagine,<br />
por outro lado, que em determinada esquina<br />
de um bairro se começava a constatar<br />
que havia ajuntamentos porque algumas<br />
pessoas traficavam e consumiam constantemente<br />
várias substâncias, criando alguns<br />
problemas junto de alguns vizinhos e pessoas<br />
que por lá passavam… Na nossa mesa<br />
de trabalho com a polícia, decidimos que,<br />
nestes casos, primeiro interviriam os educadores,<br />
que se não funcionasse veríamos<br />
o que fazer e, se fosse necessário, interviria<br />
a polícia. Mas hoje também tenho claro<br />
que necessitamos do apoio e suporte das<br />
forças de segurança para que tudo funcione<br />
melhor.<br />
Dep – Sabendo-se que o ideal seria que<br />
ninguém fosse dependente, mas constatando-se<br />
que este ideal é mais uma utopia,<br />
até que ponto podemos afirmar que o ideal<br />
seria dispensar heroína ou cocaína aos<br />
utentes que delas realmente precisam?<br />
E.H. – Seria estupendo! Apesar de não ser médica<br />
e de tentar ser o mais cautelosa possível<br />
nestes aspectos, creio que os programas de heroína,<br />
mais cedo ou mais tarde, se hão-de colocar<br />
em prática. Mas também sei que não se-<br />
rão úteis ou adequados a todos os consumidores<br />
e que haverá alguns que decidirão até não<br />
ingressar nos mesmos. O que me parece é que<br />
temos que saber satisfazer as necessidades<br />
das pessoas e as salas de consumo são apenas<br />
mais um serviço que satisfaz as necessidades<br />
de algumas delas. E creio que os dispositivos<br />
de baixa exigência devem continuar a existir<br />
porque sempre existirão pessoas nesta situação<br />
e que todos os serviços que tenham a ver<br />
com o tratamento devem dispor de um dispositivo<br />
de consumo, desde os CAT aos albergues,<br />
todos aqueles que acolhem ou contactam com<br />
toxicodependentes.
Sarah Evans, responsável pela Insite, Vancouver, Canadá<br />
“A ideia da constituição de uma sala de<br />
consumo supervisionada em Vancouver foi<br />
por nós proposta inicialmente sob a presidência<br />
de um político conservador, Philip<br />
Owen, que, originalmente, não entendeu a<br />
ideia mostrando-se mesmo inquieto e nervoso.<br />
No entanto, ao constatar que a cidade<br />
sofria com um grande problema, verifi-<br />
IFCS<br />
O que é a IFCS?<br />
A Insite For Community Safety corresponde<br />
a uma initiativa da PHS Community Services<br />
Society que co-dirige a InSite, a única<br />
sala de consumo assistido do continente<br />
norte-americano, cujo propósito consiste<br />
em agir como um “chapéu” para indivíduos<br />
e grupos junto do espectro político, os<br />
quais usualmente não trabalham juntamente<br />
mas que se encontram actualmente unidos<br />
na construção de uma estratégia sobre<br />
drogas abrangente e “made-in-Canada”.<br />
O que é a InSite?<br />
Aberta a 21 de Setembro de 2003, a Insite<br />
está dotada de um ambiente limpo e seguro<br />
onde os usuários podem injectar as suas<br />
próprias drogas fora das ruas e sob a supervisão<br />
de enfermeiros.<br />
Apoio comunitário<br />
Insite é apoiada por uma vasta gama de organizações<br />
e indivíduos, incluindo a cidade<br />
de Vancouver, na Província de British Columbia,<br />
Vancouver Coastal Health, Premier<br />
Gordon Campbell, ministro David Emerson,<br />
o senador Larry Campbell, Vancouver Police<br />
Chief Jamie Graham, Vancouver Mayor<br />
Sam Sullivan, Vancouver ex - prefeito Phillip<br />
cou que seria necessário implementar uma<br />
solução pragmática. Foi necessário organizar<br />
uma campanha no sentido de sensibilizar<br />
as pessoas e, no caso, tivemos<br />
a sorte e felicidade de possuir um grupo<br />
de utilizadores muito bem organizado. Isso<br />
ajudou muito porque estas são pessoas<br />
profundamente marginalizadas e criminalizadas.<br />
E quando se organizaram com o intuito<br />
de transmitir à sociedade os riscos e<br />
prejuízos que a sua comunidade sofre, adquiriram<br />
outro tipo de atenção e visibilidade,<br />
o que se revelou muito positivo. Obviamente,<br />
tivemos que exercer este lobby nos<br />
nossos três níveis governamentais e, em<br />
1998, conseguimos chegar ao Acordo de<br />
Vancouver que previa que, juntamente com<br />
essas três plataformas do poder, procurássemos<br />
soluções mais pragmáticas para<br />
os nossos problemas relacionados com as<br />
toxico<strong>dependências</strong>.<br />
Actualmente, os resultados da Insite falam<br />
por si mesmos. A estrutura tem sido criteriosamente<br />
avaliada por uma equipa de<br />
Owen, injecção de droga, grupos comunitários,<br />
empresas locais, instituições académicas<br />
e outros.<br />
A ciência<br />
Ao longo dos últimos três anos Insite tem<br />
sido sujeita a rigorosa avaliação científica,<br />
sendo produzidos conhecimento e diversos<br />
relatórios em prestigiados jornais periódicos<br />
científicos. Os dados científicos indicam<br />
que a Insite conseguiu alcançar os seguintes<br />
objectivos:<br />
- Redução de injecção partilhada e injecção<br />
na via pública<br />
- Redução de mortes por overdose<br />
- Redução da transmissão de infecções pelo<br />
sangue como o VIH e Hepatite C<br />
- Redução de infecções relacionadas com o<br />
consumo endovenoso<br />
- Melhorias na ordem pública<br />
Os dados científicos publicados revelam<br />
que a Insite tem atingido esses objectivos.<br />
Nos media<br />
A Insite atraiu muita atenção positiva dos<br />
media, incluindo um averbamento da direcção<br />
editorial do Vancouver Sun.<br />
Reunião científica internacional sobre salas de consumo | Dependências | 11<br />
investigadores independente, que publica<br />
os resultados obtidos. Como conclusões<br />
mais significativas poderíamos referir que<br />
foi constatado que a Insite reduz os riscos<br />
para os utilizadores, restabelece a ordem<br />
pública e não se verificou qualquer crescimento<br />
do crime ou qualquer tipo de barreiras<br />
no espaço geográfico envolvente. Neste<br />
momento temos cerca de 8 mil registos de<br />
utentes utilizadores e trocamos perto de 2<br />
milhões de seringas por ano. Trata-se de<br />
um programa muito acessível, não havendo<br />
a obrigatoriedade de se fazer uma entrevista<br />
ou exame médico. O utilizador nem precisa<br />
sequer de dar o seu nome verdadeiro,<br />
apenas lhe pedimos que mantenha o nome<br />
que deu da primeira vez que veio até nós.<br />
Apesar de tudo isto, reforço que a avaliação<br />
rigorosa é um princípio pelo qual nos<br />
ligamos. Acreditamos que o melhor que se<br />
pode fazer é manter estas pessoas integradas,<br />
apesar de termos consciência de que,<br />
por vezes, o melhor que podemos fazer é<br />
testemunhar o sofrimento de alguém”.<br />
Algumas conclusões<br />
O trabalho comum dentro das salas de<br />
consumo requer como passo inicial o<br />
consenso das organizações implicadas<br />
no que respeita à linguagem a utilizar<br />
relativamente aos serviços prestados.<br />
Estabelecido este consenso, a seguinte<br />
via de trabalho consiste em abrir campos<br />
comuns de financiamento, actuação<br />
e sistematização da actividade e<br />
dos recursos<br />
A recompilação periódica da informação,<br />
recolhida através das bases de dados<br />
comuns, permitirá desenhar estudos<br />
comparativos, análises de situação<br />
no interior dos recursos, identificação<br />
de desigualdades sócio-sanitárias das<br />
pessoas assistidas, assim como de outras<br />
actividades por definir<br />
A análise de dados facilitará o desenvolvimento<br />
de acções de sensibilização,<br />
investigação, gestão baseada em critérios<br />
de qualidade, obtenção de apoios<br />
económicos e políticos, etc. convertem<br />
iniciativas deste tipo numa grande<br />
oportunidade de evolução para as salas<br />
de consumo
12 | Dependências | Congresso Luso-Galaico<br />
Congresso Luso-Galaico<br />
reforça cooperação<br />
Nos passados dias 25 e 26 de Outubro, a Galiza<br />
e o Norte de Portugal voltaram a reunir-se em<br />
torno das respostas comuns em matéria de<br />
toxico<strong>dependências</strong>. O Congresso Luso-Galaico,<br />
que decorreu em Santiago de Compostela vai<br />
já na sua terceira edição e, corresponde a um<br />
exercício de reflexão acerca das actividades que<br />
vão sendo anualmente desenvolvidas por estas<br />
duas regiões de forma isolada ou conjuntamente.<br />
A ponte inaugurada há dois anos parece<br />
começar a surtir efeitos, sendo os mais visíveis<br />
a edificação de dois centros transfronteiriços de<br />
tratamento, um em Porriño e outro em Chaves,<br />
registando-se ainda a bastante significativa<br />
delegação portuguesa presente no encontro.<br />
No final do congresso, que contou com a<br />
participação dos presidentes dos organismos<br />
que tutelam a área das toxico<strong>dependências</strong><br />
nos dois países, João Goulão e Cármen<br />
Moya, Dependências conversou com uma das<br />
principais partes interessadas nesta simbiose,<br />
o Delegado Regional do Norte do IDT, Adelino<br />
Vale Ferreira<br />
Dep – Esta aliança entre o Norte de Portugal<br />
e a Galiza resume-se à realização de<br />
congressos ou será algo a efectivar realmente<br />
no terreno nos próximos tempos?<br />
A.V.F. – É obviamente para efectivar. Os congressos<br />
que organizamos correspondem ao<br />
culminar de todo um trabalho que se vai<br />
fazendo ao longo do ano. Este é o terceiro<br />
mas há muito trabalho por trás, fundamentalmente<br />
ao nível do desenvolvimento de<br />
estruturas de tratamento e, como é sabido,<br />
foi já inaugurado um Centro de Tratamento<br />
Transfronteiriço do lado espanhol em Porriño,<br />
enquanto que, em Chaves, será inaugurada<br />
uma estrutura semelhante em Dezembro,<br />
algo que encaramos como um passo<br />
muito importante nesta partilha ao nível<br />
da formação, do intercâmbio de experiências<br />
e produção de materiais. E no próximo<br />
quadro, entre 2009 e 2011, a nossa intenção<br />
é darmos um passo ainda maior mate-<br />
rializado na realização de acções conjuntas,<br />
intervindo em grupos específicos, com problemáticas<br />
e contextos particulares.<br />
Dep – Há cerca de um ano, quando assumiu<br />
as funções de delegado regional do Norte<br />
do IDT, referia como prioridade “arrumar a<br />
casa”… Ainda tem algumas mobílias fora<br />
do sítio?<br />
A.V.F. – Creio que seria prematuro afirmar<br />
que já temos a casa arrumada até porque,<br />
como é sabido, estamos actualmente a viver<br />
três grandes processos de reestruturação:<br />
um mais geral, que tem a ver com o PRACE,<br />
o Programa de Reestruturação da Administração<br />
Central do Estado, outro que tem a<br />
ver com a integração da problemática da alcoologia<br />
e dos centros regionais de alcoologia<br />
e outro que se prende com a reestruturação<br />
do serviço na criação dos CRI, essa<br />
já mais adiantada porque também depende<br />
mais de nós. Temos inclusivamente uma faixa<br />
do território importantíssima com toda a<br />
margem Sul do Rio Douro em que estamos<br />
na fase de montagem das estruturas locais,<br />
a perceber as problemáticas e a reunir com<br />
entidades desses concelhos no sentido de<br />
começar já a fornecer respostas. Temos<br />
igualmente o PORI a avançar e já nos encontramos<br />
na última fase para a constituição<br />
dos PRI, sendo que mesmo aqueles que dependem<br />
de apoio financeiro, já deverão estar<br />
em fase de execução até Abril próximo.<br />
Diria, portanto, que por tudo isto, estamos<br />
ainda um pouco longe de ter a casa arrumada<br />
em definitivo porque há muitos processos<br />
que estão a acontecer ao mesmo tempo,<br />
sendo que alguns deles não dependem<br />
exclusivamente de nós.<br />
Dep – Por falar nisso, há mais uma casa para<br />
arrumar no Porto, a Vila Nova…
A.V.F. – A ideia inicial consistia em entregar<br />
a gestão a uma entidade privada que pudesse<br />
colaborar connosco. O concurso foi<br />
lançado e encontra-se numa fase terminal<br />
e acreditamos que, em finais de <strong>Novembro</strong>,<br />
já a possamos integrar. Evidentemente, a<br />
ideia passa por manter esse recurso vital<br />
para a cidade e para aqueles utentes com<br />
mais dificuldades de integração, com uma<br />
destruturação mental, social e outras problemáticas<br />
complicadas. Pretende-se rentabilizar<br />
esse espaço o máximo possível e<br />
que o mesmo venha a constituir um importante<br />
apoio a programas de baixo limiar.<br />
Simultaneamente, decorre um concurso<br />
para duas equipas de rua e esse elemento<br />
poderá ser mais um contributo no sentido<br />
da construção de uma rede de referenciação<br />
que possa depois chegar aos próprios<br />
CAT, ao tratamento e à integração noutras<br />
unidades. Espero ainda que possamos vir a<br />
ter uma outra estrutura, não propriamente<br />
semelhante porque ali funcionam dois<br />
equipamentos no mesmo espaço, com programas<br />
de baixo limiar – redução de danos<br />
– e uma área de acolhimento temporário,<br />
o centro de abrigo. Como tal, gostaria que<br />
pudéssemos vir a ter outro na cidade, na<br />
zona Oriental e estou a trabalhar nisso. É<br />
evidente que isso não depende exclusivamente<br />
de nós, exige também uma grande<br />
articulação mas sentimos, de facto, a necessidade<br />
de dispor de um equipamento de<br />
acolhimento e abrigo temporário nessa zona<br />
da cidade.<br />
Dep – Considera fundamental que a equipa<br />
que venha a ganhar o concurso para a Casa<br />
de Vila Nova possua já uma equipa de rua<br />
ou bastará que proceda a uma eficaz articulação<br />
com as equipas já existentes e as<br />
outras duas que brevemente surgirão?<br />
A.V.F. – Terá forçosamente que articular<br />
com as já existentes, até porque temos que<br />
rentabilizar os recursos. Creio que para o<br />
Porto, as equipas existentes, mais estas duas<br />
que vão surgir, pelo menos numa avalia-<br />
ção mais imediata, serão suficientes. Penso<br />
que um investimento mais prioritário seria<br />
a constituição de uma unidade móvel destinada<br />
a dar suporte a essas equipas de rua.<br />
Dep – O encerramento do Porto Feliz ditou<br />
algum tipo de retrocesso em matéria<br />
de intervenção em toxico<strong>dependências</strong> no<br />
Porto?<br />
A.V.F. – Não propriamente. Nós trabalhamos<br />
neste país na área da toxicodependência de<br />
uma forma estruturada há cerca de 30 anos<br />
e existem estruturas e técnicos com muita<br />
qualidade e capacidade de resposta. É evidente<br />
que nesta fase de transição estamos<br />
a contar com a colaboração do Hospital<br />
Conde de Ferreira, uma referência na cida-<br />
Congresso Luso-Galaico | Dependências | 13<br />
de e no país sob o ponto de vista técnico,<br />
estamos a referenciar progressivamente esses<br />
utentes, os quais serão bem avaliados<br />
e trabalhados para que esta passagem não<br />
corresponda a uma ruptura na relação terapêutica.<br />
E até mesmo com a Fundação para<br />
o Desenvolvimento Social do Porto, quer a<br />
sua administradora, quer os técnicos têm<br />
sido inexcedíveis na preocupação de que as<br />
coisas corram da melhor forma e de que a<br />
transição se faça por forma a não prejudicar<br />
os utentes. Agora, é evidente que temos<br />
estruturas para lidar com a situação e continuar<br />
a desenvolver esse trabalho.<br />
Dep – Um dos territórios mais afectados<br />
por esta problemática na cidade do Porto<br />
e com uma intervenção menos eficaz é o<br />
Bairro do Aleixo. Constitui uma prioridade<br />
para a Delegação Regional do Porto requalificar<br />
essa intervenção?<br />
A.V.F. – Sim, sem dúvida! Aliás, em relação<br />
aos programas de respostas integradas<br />
podemos começar todos ao mesmo tempo,<br />
pois tal exige uma máquina quer burocrática,<br />
quer de organização no terreno,<br />
da própria constituição dos núcleos territoriais<br />
com as várias entidades, com os<br />
próprios processos de concurso para os financiamentos.<br />
Vamos, portanto, fazer uma<br />
seriação no sentido de definir territórios<br />
prioritários. Alguns começarão primeiro e<br />
o Bairro do Aleixo é um deles e queremos<br />
avançar já, quer reforçando a presença no<br />
terreno através dessas equipas de rua que<br />
irão ser constituídas, quer mesmo com o<br />
PRI.<br />
Dep – Significa isso que haverá mais do que<br />
uma equipa a trabalhar nesse território?<br />
A.V.F. – Poderá significar mas quem decidirá<br />
o que se irá fazer será esse núcleo territorial<br />
que, em função do diagnóstico, proporá<br />
um plano de acção e exercerá a gestão<br />
do processo, a qual incluirá os responsáveis<br />
das várias entidades com preocupações<br />
nesta área.
14 | Dependências | Programa Klotho<br />
Programa KLOTHO:<br />
Porque só há uma maneira de saber…<br />
As Moiras (Moirae), deusas gregas que recebem o nome<br />
de “Fiadeiras do Destino”, controlam o destino de todos<br />
desde o momento do nascimento até à sua morte.<br />
Apesar do debate sobre a sua paternidade, supõe-se que<br />
sejam filhas da deusa Themis (Justitia, para os romanos)<br />
e de Zeus. Segundo Ésquilo, são irmãs, por parte de mãe,<br />
das Horae (horas - deusas das 3 estações do ano gregas).<br />
As três Moiras são: Klotho, Lachesis e Atropos.<br />
Klotho é a tecelã, responsável por tecer o destino dos<br />
homens com seu fuso mágico.<br />
Lachesis é a medidora, distribuidora e avaliadora.<br />
Atropos representa o inevitável, a que corta o fio da vida<br />
com sua tesoura mágica.<br />
A Coordenação Nacional para a Infec-<br />
ção VIH/sida e o Instituto da Droga e da<br />
Toxicodependência consideram prioritária a<br />
intervenção conjunta em matéria de doenças<br />
infecciosas junto dos utilizadores drogas. A<br />
comunidade de utilizadores de drogas repre-<br />
senta a maioria dos casos acumulados de in-<br />
fecção VIH e possui uma elevada prevalência<br />
da infecção VIH/sida.<br />
O Programa Klotho é uma intervenção de<br />
saúde pública direccionado a utilizadores de<br />
drogas com o objectivo de desenvolver uma<br />
rede de identificação precoce da infecção e<br />
integração local horizontal dos prestadores<br />
de cuidados de saúde.<br />
O programa centra-se nos utilizadores de<br />
drogas e é adaptado à especificidade da sua<br />
relação com as estruturas de saúde. Os ser-<br />
viços de apoio a toxicodependentes e as es-<br />
truturas de redução de riscos e minimiza-<br />
ção de danos, apreendem as particularida-<br />
des dos códigos e dos valores da sub-cultu-<br />
ra da droga e estabelecem relações de con-<br />
fiança entre os profissionais de saúde e os<br />
utilizadores de drogas possibilitando a pas-<br />
sagem de uma mensagem credível de acon-<br />
selhamento e prevenção.<br />
Para tal, o programa assume estrategica-<br />
mente a tecnologia de testes rápidos de de-<br />
tecção da infecção VIH e maximiza as rela-<br />
ções de referenciação entre diferentes pres-<br />
tadores de cuidados de saúde, centrando-se<br />
na obtenção de ganhos em saúde.<br />
O Programa tem a duração de 24 meses e<br />
prepara os prestadores de cuidados de saú-<br />
de e os seus profissionais de saúde envolvi-<br />
dos para uma rotina futura.<br />
Necessidade de Saúde<br />
Os utilizadores de drogas injectáveis, de<br />
acordo com a informação disponível, repre-<br />
sentam ainda a maioria dos casos acumula-<br />
dos de infecção VIH, apresentando uma ele-<br />
vada prevalência da infecção VIH/sida.<br />
Os relatórios anuais do Instituto Português<br />
da Droga e da Toxicodependência (IPDT)<br />
e posteriormente do Instituto da Droga e<br />
Toxicodependência (IDT), revelam que entre<br />
os toxicodependentes que procuraram trata-<br />
mento pela primeira vez:<br />
• 19% eram seropositivos para o VIH, em 1999;<br />
• 14% eram seropositivos para o VIH, em 2000;<br />
• 14% eram seropositivos para o VIH, em 2001;<br />
• 11% eram seropositivos para o VIH, em 2002;<br />
• 15% eram seropositivos para o VIH, em 2003;<br />
• 12% eram seropositivos para o VIH, em 2004.<br />
Estudos de âmbito nacional que incidiram<br />
sobre os consumidores drogas ilícitas injec-<br />
táveis, permitiram estimar para 2002 uma<br />
prevalência de 4,3 a 6,4 de Utilizadores de<br />
Drogas Injectáveis (UDI) por 1000 habitan-<br />
tes, dos 15 aos 64 anos, e uma percentagem<br />
de seropositividade para o VIH de 26% no to-<br />
tal destes consumidores. Segundo o Inqué-<br />
rito Nacional ao Consumo de Substâncias<br />
Psicoactivas na População Portuguesa de<br />
2001, 1% da população portuguesa (15-64<br />
anos) já consumiu heroína, 0,2% tinham con-<br />
sumido no último ano e 0,1% no último mês.<br />
O diagnóstico precoce da infecção VIH/sida é<br />
fundamental para uma estratégia consisten-<br />
te e eficaz de Prevenção da transmissão da<br />
infecção e da ocorrência da Doença:<br />
• O conhecimento da seropositividade VIH<br />
contribui para a redução de comportamen-<br />
tos de risco face ao próprio e a outros.<br />
• A detecção precoce permite iniciar o trata-<br />
mento numa fase inicial da infecção, aumen-<br />
tando a qualidade e a esperança de vida do<br />
indivíduo, assim como comportamentos pro-<br />
tectores do seu estado de saúde.
• O conhecimento real da infecção permite<br />
mobilizar recursos e respostas adequadas,<br />
reduzir a negação, estigma e discriminação<br />
que rodeiam a infecção VIH.<br />
No entanto, os dados de 2004 do Instituto da<br />
Droga e Toxicodependência, sobre os utentes<br />
em primeira consulta na rede pública de tra-<br />
tamento da toxicodependência, revelam que<br />
apenas 23% (1154/5023) realizaram o teste<br />
para o VIH; e que apenas 20,8% (1043/5023)<br />
realizaram o teste para o HCV. No que se re-<br />
fere aos utentes acompanhados pelas estru-<br />
turas de proximidade de redução de riscos e<br />
minimização de danos (Equipas de Rua) no<br />
ano de 2004, os dados referem que 51% dos<br />
utentes se encontram rastreados para o VIH,<br />
e destes 38% apresentaram análise positiva.<br />
População Alvo<br />
Utilizadores de drogas – utentes da Rede Pú-<br />
blica de Atendimento a Toxicodependentes,<br />
bem como, das estruturas de redução de ris-<br />
cos e minimização de danos.<br />
Em cada ano os Centros de Atendimento<br />
a Toxicodependentes (CAT) acompanham<br />
30000 utentes. No que diz respeito às estru-<br />
turas de redução de riscos e minimização de<br />
danos, especificamente nas equipas de rua,<br />
cerca de 15000 utentes são abrangidos por<br />
este tipo de intervenção, por cada ano de<br />
execução.<br />
Fundamentação do Programa<br />
O consumo de drogas pode induzir situações<br />
de ilícito criminal e dificultar a aproximação<br />
às estruturas formais de cuidados de saúde.<br />
Os utilizadores de drogas injectáveis apre-<br />
sentam inúmeras dificuldades de organiza-<br />
ção pessoal e social, que prejudicam a utili-<br />
zação dos serviços, bem como uma possível<br />
mudança de comportamentos derivada des-<br />
ta. Os serviços de apoio a toxicodependentes<br />
e as estruturas de redução de riscos e mini-<br />
mização de danos, apreendem as particulari-<br />
dades dos códigos e dos valores da sub-cul-<br />
tura da droga e estabelecem relações de con-<br />
fiança entre os profissionais e os utilizadores<br />
de drogas possibilitando a passagem de uma<br />
mensagem credível de aconselhamento e<br />
prevenção.<br />
Desta forma a Coordenação Nacional para<br />
a Infecção VIH/sida considera fundamental<br />
implementar modelos de diagnóstico inova-<br />
dores em serviços de proximidade.<br />
Actualmente, o Instituto da Droga e da<br />
Toxicodependência disponibiliza serviços de<br />
proximidade direccionados a utilizadores de<br />
drogas. de natureza formal (Centros de Aten-<br />
dimento a Toxicodependentes), e de natureza<br />
informal (Estruturas de Redução de Riscos e<br />
Minimização de Danos).<br />
Neste contexto, o teste rápido para o VIH é<br />
uma técnica de diagnóstico que pode ofere-<br />
cer múltiplas vantagens: reprodutibilidade,<br />
aceitabilidade, celeridade. Reprodutibilidade<br />
pela facilidade de execução, dispensa forma-<br />
ção intensa e pesados equipamentos de la-<br />
boratório, condições de armazenamento fle-<br />
xíveis, e adequação a volumes de testes redu-<br />
zidos ou elevados. Aceitabilidade por detec-<br />
tar anticorpos específicos do VIH em sangue<br />
total o que permite colher a amostra através<br />
de uma simples picada no dedo. Celeridade<br />
por fornecer resultados após a colheita no<br />
máximo em 20 minutos, permitindo reduzir<br />
drasticamente, ou mesmo eliminar, o núme-<br />
ro de resultados não reclamados, e possibili-<br />
tando referenciações em tempo real.<br />
A eficácia do aconselhamento e detecção pre-<br />
coce da infecção VIH entre os utilizadores de<br />
drogas passa ainda pela articulação horizon-<br />
tal dos serviços de apoio a toxicodependentes<br />
com as unidades de saúde não específicas,<br />
através do desenvolvimento de redes de re-<br />
ferenciação.<br />
No contexto da prevenção, aconselhamento<br />
e teste do VIH, a referenciação é o proces-<br />
so no qual são equacionados os serviços de<br />
apoio e de prestação de cuidados (ex. mar-<br />
cação de consulta hospitalar) e de acessibili-<br />
dade aos serviços. A Referenciação deve ain-<br />
da incluir esforços para um acompanhamen-<br />
to continuado, do ponto de vista médico, psi-<br />
cológico e social.<br />
Este programa irá desenrolar-se ao longo dos<br />
anos de 2006 e <strong>2007</strong>.<br />
A partir de 2008 o aconselhamento, diagnós-<br />
tico e referenciação farão parte da rotina dos<br />
serviços envolvidos.<br />
Finalidade<br />
Assegurar a identificação precoce da infecção<br />
VIH/sida e a prevenção entre os utilizadores<br />
de drogas.<br />
Objectivos de Saúde<br />
Objectivos de resultado<br />
Programa Klotho | Dependências | 15<br />
Aumentar a percentagem de utentes da Rede<br />
Pública de Atendimento a Toxicodependentes<br />
e alvo de intervenção de redução riscos e mi-<br />
nimização de danos que no último mês adop-<br />
taram comportamentos de saúde preventi-<br />
vos face à transmissão do VIH, i.e. que evita-<br />
ram a partilha de material de injecção não es-<br />
terilizado ou utilizaram preservativo.<br />
Objectivos de Impacto<br />
Contribuir para a diminuição da incidência da<br />
infecção VIH/sida entre os utentes da Rede<br />
Pública de Atendimento a Toxicodependentes<br />
e alvo de intervenção de redução riscos e mi-<br />
nimização de danos.<br />
Quanto aos resultados obtidos até agora, re-<br />
metemos a vossa atenção para a caixa infra,<br />
que apresenta os valores obtidos pelo pro-<br />
cesso ADR1. Sendo os objectivos do Progra-<br />
ma, até ao final de <strong>2007</strong>, o rastreio de 90%<br />
dos novos Utentes das ET / CAT do presente<br />
ano e 80% dos Utentes já em seguimento nos<br />
anos anteriores e considerados como não se-<br />
ropositivos ao VIH, constatamos que os ob-<br />
jectivos estão longe de serem cumpridos.<br />
Total de utentes em 1ª consulta rastreados<br />
com ADR até Setembro – 1219<br />
Total de Utentes em 1ª consulta VIH positi-<br />
vos até Setembro - 39 (3,2%)<br />
Total de utentes em seguimento rastreados<br />
com ADR até Setembro – 4963<br />
Total de Utentes em seguimento VIH positi-<br />
vos até Setembro - 165 (3,3%)<br />
Até ao final de Setembro, foram rastreados<br />
4963 + 1219 = 6182 utentes.<br />
Total de utentes VIH positivos: 39 + 165 =<br />
204 (3,3%)<br />
Para os Utentes em primeira consulta a per-<br />
centagem de rastreios situou-se nos 51,4%.<br />
Quanto aos Utentes em seguimento, para um<br />
total estimado de 18 846 que deverão ser en-<br />
volvidos no ADR até ao final de <strong>2007</strong>, a per-<br />
centagem de rastreios conseguida até agora<br />
é de 26,3%.<br />
Se quisermos comparar os dados por Região, poderemos fazê-lo através<br />
da consulta da seguinte Tabela:<br />
Programa Klotho_balanço Janeiro - Setembro
16 | Dependências | Dependências na Região Oeste<br />
Novos desafios significam<br />
novas respostas (integradas)<br />
O Centro de Respostas Integradas do Oeste organizou, nos<br />
passados dias 5 e 6 de <strong>Novembro</strong>, o seminário Dependências<br />
na Região Oeste, um momento de reflexão relativamente ao<br />
trabalho desenvolvido ao longo dos últimos sete anos pelo<br />
anteriormente designado CAT de Torres Vedras. O programa<br />
científico do encontro contou com presenças de técnicos<br />
nacionais provenientes das diversas áreas de intervenção do<br />
IDT e de profissionais de várias instituições com intervenção<br />
em toxico<strong>dependências</strong>. Durante dois dias, várias mesas de<br />
trabalho desenvolveram temáticas como: Toxico<strong>dependências</strong>:<br />
Novos Desafios/Novas Respostas; Que Prevenção das<br />
Toxico<strong>dependências</strong> Hoje? Que Tratamentos? Sida/Hepatites/<br />
Tuberculose; Que Redução de Danos? Alcoolismo: A Outra<br />
Face da Toxicodependência; Que Integração Social; e Ligação<br />
à Comunidade. De realçar a inusitada afluência de público ao<br />
evento, registando-se uma verdadeira enchente no Auditório<br />
da Câmara Municipal de Torres Vedras. No final do evento,<br />
Dependências conversou com Nuno Cotralha, Director do CRI do<br />
Oeste e com Paulo Seabra.<br />
Dep – Que objectivos mediaram a organização<br />
deste encontro subordinado ao tema<br />
Dependências na Região Oeste?<br />
Nuno Cotralha (N.C.) – Este encontro é, antes<br />
de mais, um momento de balanço e de partilha<br />
do trabalho que tem vindo a ser desenvolvido<br />
pelo CAT de Torres Vedras, actual Equipa de<br />
Tratamento de Torres Vedras. A vitalidade e a<br />
dinâmica desta Equipa – presentemente constituída<br />
por cinco psicólogos clínicos, um médico<br />
psiquiatra, três enfermeiros, uma técnica de<br />
serviço social, uma mediadora do Programa Vida-Emprego<br />
(psicóloga clínica), três técnicas<br />
psicossociais, uma administrativa e uma auxiliar<br />
de apoio e vigilância –, tem tornado possível<br />
responder, ao longo dos últimos sete anos,<br />
à população toxicodependente e seus familiares,<br />
mas também aos jovens e adolescentes,<br />
que igualmente residem nos concelhos de Arruda<br />
dos Vinhos, Cadaval, Lourinhã, Mafra, Sobral<br />
de Monte Agraço e Torres Vedras. Assim,<br />
em parceria com reconhecidos especialistas e<br />
representantes de entidades locais, estamos a<br />
reflectir sobre prevenção, tratamento, doenças<br />
infecto-contagiosas, redução de danos, alcoolismo,<br />
integração social, etc., para que os novos<br />
desafios de hoje, venham a gerar novas e<br />
melhores respostas amanhã. Mas respostas de<br />
integração e de continuada ligação à comunidade.<br />
Esse é, aliás, o grande desafio que se coloca<br />
às unidades de intervenção local pois, como<br />
sabe, com a remodelação dos estatutos do<br />
IDT em Maio último, foi constituído o Centro de<br />
Respostas Integradas para a área territorial do<br />
Oeste que integra, para além da Equipa de Tratamento<br />
de Torres Vedras, as Equipas de Tratamento<br />
das Caldas da Rainha e de Peniche.<br />
Dep – Esta alteração corresponde igualmente<br />
a um novo paradigma de intervenção… Como<br />
está a decorrer o ajustamento do dispositivo<br />
face às novas exigências?<br />
N.C. – O ajustamento está a acontecer progressivamente,<br />
aguardando-se também a publicação<br />
do regulamento interno da Delegação Regional<br />
de Lisboa e Vale do Tejo do IDT, que é<br />
decisivo para a definição do âmbito territorial<br />
das unidades de intervenção local, com vista a<br />
que se possa dar o pulo em frente de uma forma<br />
mais sistematizada e consolidada. Portanto,<br />
o paradigma futuro é diferente, há uma nova<br />
filosofia de intervenção regional que perspectiva<br />
a criação, o desenvolvimento e a avaliação<br />
de programas integrados de tratamento,<br />
de prevenção, de redução de riscos e minimização<br />
de danos e de reinserção social. Acresce<br />
ainda o facto, no âmbito das actividades das<br />
equipas pluridisciplinares locais, de todos estes<br />
programas virem a abranger, para além da área<br />
das toxico<strong>dependências</strong>, também o alcoolismo.<br />
Há aqui um desafio imenso e uma responsabilidade<br />
acrescida no trabalho articulado das quatro<br />
áreas de missão que atrás lhe referi. Mas<br />
há também três Equipas de Tratamento – onde<br />
se inclui os Coordenadores das Equipas e das<br />
áreas de missão –, entusiasmadas e crentes de
que vale a pena responder aos novos desafios,<br />
para se dar um salto qualitativo acrescido nas<br />
respostas e na globalidade dos treze concelhos<br />
que integram o CRI do Oeste.<br />
Dep – Partindo do diagnóstico realizado no<br />
âmbito do PORI, que prioridades destacaria<br />
em termos de intervenção neste território?<br />
N.C. – Após a realização do diagnóstico relativo<br />
ao território do Oeste, foram seleccionados os<br />
concelhos de Peniche e de Caldas da Rainha como<br />
áreas de intervenção prioritária. Começarse-á,<br />
entretanto, pela cidade de Peniche, cuja<br />
realidade do que se passa nos locais identificados<br />
de tráfico e de consumo de substâncias<br />
psicoactivas é bastante bem conhecida. Tudo<br />
isto decorre do importante trabalho que tem<br />
vindo a ser desenvolvido pela Equipa de Rua,<br />
em estreita parceria com o CAT, actual Equipa<br />
de Tratamento de Peniche, ao nível da redução<br />
de comportamentos de risco, troca de seringas<br />
e apoio individualizado no âmbito psicossocial<br />
e de saúde.<br />
Dep – Está a ser desenvolvido um plano de acção?<br />
N.C. – Está, com base no diagnóstico realizado,<br />
pois é fundamental que haja um investimento<br />
continuado numa intervenção mais focalizada,<br />
com metodologias selectivas e cujo alvo sejam<br />
os grupos populacionais vulneráveis que evidenciem<br />
comportamentos de risco associados<br />
ao uso ou abuso de substâncias psicoactivas e<br />
a doenças infecto-contagiosas, mas também<br />
precariedade associada ao desemprego e a<br />
meios sócio-económicos desfavorecidos. Os<br />
próprios CRI vão justamente funcionar no espírito<br />
do PORI, isto é, com áreas de missão interdependentes<br />
para que se possa optimizar as<br />
sinergias disponíveis nos seus respectivos territórios.<br />
Dep – Como referiu, e face à reestruturação do<br />
IDT, a intervenção em alcoologia passa a ser<br />
uma nova valência…<br />
N.C. – Já está gradualmente a sê-lo…<br />
Dep – Como está a decorrer a integração com<br />
a equipa do CRAS?<br />
N.C. – A formação em alcoologia que tem vindo<br />
a ser proporcionada aos técnicos do CRI do<br />
Oeste, pela Unidade de Alcoologia da Delegação<br />
Regional de Lisboa e Vale do Tejo do IDT,<br />
constitui um contributo importante. Por um lado,<br />
é decisiva a aprendizagem de competências<br />
relativas à prestação de cuidados ao nível<br />
dos problemas ligados ao álcool – por exemplo,<br />
no diagnóstico de situações de síndrome<br />
de abuso e de síndrome de dependência do álcool,<br />
no conhecimento dos seus trajectos evolutivos<br />
e nas respectivas metodologias de intervenção.<br />
Por outro lado, para além da resposta<br />
ao nível do internamento na Unidade de Alcoologia<br />
de pessoas acompanhadas no CRI do<br />
Oeste com síndrome de dependência do álcool,<br />
estes encontros formativos também geram<br />
pontes inter-institucionais, as quais são sempre<br />
fecundas na construção do apoio e retaguarda<br />
do trabalho que, em regime de ambulatório, as<br />
Equipas de Tratamento desenvolvem.<br />
Dep – O advento dos CRI corresponde à criação<br />
das respostas de que o país precisava face<br />
às novas realidades e perfis de consumos que<br />
vão emergindo?<br />
N.C. – Respondo-lhe a partir do título da intervenção<br />
que vou, daqui a pouco, fazer no encer-<br />
O CRI Oeste<br />
Paulo Seabra<br />
Dependências na Região Oeste | Dependências | 17<br />
Na sequência dos recentes estatutos do IDT, I.P. – em Maio último – é criado o Centro de<br />
Respostas Integradas para a área territorial do Oeste. Este Centro integra três Equipas de<br />
Tratamento sedeadas em Caldas da Rainha, Peniche e Torres Vedras, e abrange os concelhos<br />
de Alenquer, Alcobaça, Arruda dos Vinhos, Bombarral, Cadaval, Caldas da Rainha,<br />
Lourinhã, Mafra, Nazaré, Óbidos, Peniche, Sobral de Monte Agraço e Torres Vedras.<br />
O CRI do Oeste dá resposta à população residente nestes 13 concelhos, a qual, de acordo<br />
com o Censos de 2001, é constituída por 392 mil 370 habitantes, dispersos por uma área<br />
geográfica de 2 mil 511 Km2 que compreende 138 freguesias.<br />
O CRI do Oeste é dirigido pelo Dr. Nuno Cotralha e integra a seguinte equipa de coordenadores:<br />
Dr. Luís Fonseca – Coordenador da área do Tratamento do CRI e das Equipas de Tratamento<br />
de Peniche e das Caldas da Rainha; Dr. Rui Negrão – Coordenador da Equipa de<br />
Tratamento de Torres Vedras; Dra. Paula Andrade – Coordenadora da área da Prevenção<br />
do CRI; Enf. Paulo Seabra – Coordenador da área da Redução de Riscos e Minimização de<br />
Danos do CRI; e Dra. Conceição Rodrigues – Coordenadora da área da Reinserção Social<br />
do CRI.<br />
Dep – Ao nível da redução de riscos, os dispositivos existentes<br />
são os necessários ou os possíveis?<br />
Paulo Seabra (P.S.) – A esse nível, os mecanismos existentes<br />
são os que foram possíveis até ao momento e que estão a ser<br />
reavaliados. Estamos a pensar na melhor forma de, com os<br />
existentes, aumentar o seu raio de acção e capacidade de resposta<br />
e, concerteza, estamos a pensar também em novas respostas<br />
a nível da nossa área de intervenção.<br />
Dep – Quantas equipas de rua existem?<br />
P.S. – No âmbito do CRI temos uma equipa de rua que já intervinha<br />
no concelho de Peniche. Funciona apenas na cidade<br />
de Peniche, tratando-se de uma equipa que trabalhava articuladamente<br />
com o antigo CAT local e que desenvolve um trabalho<br />
de proximidade numa zona com muitos problemas de<br />
toxicodependência e exclusão social. Em Torres Vedras, temos<br />
um programa de redução de riscos e minimização de danos a<br />
funcionar há dois anos e que já era gerido pela equipa do CAT.<br />
Dep – Que programas estão a ser implementados no terreno?<br />
P.S. – É realizada a troca de seringas, o programa de substituição com metadona de baixo limiar, isto<br />
para além da tentativa de reorganização e motivação para a modificação de hábitos e práticas e<br />
comportamentos de risco.<br />
ramento deste Encontro: «Pés na terra, olhar<br />
no futuro, bom senso e paciência – para tudo,<br />
o mais possível!». A realidade actual do nosso<br />
país é a que todos nós conhecemos. Estou optimista<br />
com a possibilidade efectiva das equipas<br />
das unidades de intervenção local poderem<br />
no seu terreno – que melhor do que ninguém<br />
conhecem –, integrar respostas transversais<br />
e complementares às várias áreas de missão.<br />
Tudo isto também propiciará, julgo eu, a incrementação<br />
de boas respostas de proximidade à<br />
população, através de parcerias com decisores<br />
e entidades locais – o que me parece inevitável<br />
vir a acontecer pela considerável área geográfica<br />
do CRI do Oeste. Todavia, é muito im-<br />
portante que os técnicos das Equipas de Tratamento<br />
recebam continuada formação e supervisão<br />
do trabalho que desenvolvem nas áreas<br />
das toxico<strong>dependências</strong> e do álcool, com particular<br />
enfoque nos consumos das novas substâncias<br />
psicoactivas e nas características desses<br />
mesmos consumidores. Por fim, deixo uma<br />
nota relativa ao investimento nos profissionais:<br />
é fundamental que os técnicos que têm um saber<br />
feito de experiência ao longo de vários anos,<br />
possam, futuramente, continuar a integrar as<br />
Equipas de Tratamento para que estas se estabilizem<br />
e se consolidem. De outro modo, julgo<br />
que não é possível pensar numa boa qualidade<br />
de resposta institucional.
18 | Dependências | Grupo Otimismo de Apoio ao Portador de Hepatite (Brasil) animado com novo fármaco<br />
Primeiros resultados do inibidor<br />
de proteases “Boceprevir”<br />
A Schering-Plough acaba de divulgar os primeiros e<br />
alentadores resultados do ensaio clínico utilizando<br />
o inibidor de proteases Boceprevir no tratamento<br />
da hepatite C. O estudo compreende o tratamento<br />
de aproximadamente 800 pacientes com diversas<br />
características e esquemas de tratamento.<br />
Estudo HCV SPRINT-1 (HCV Serine Protease<br />
Inhibitor Therapy-1<br />
Os resultados apresentados referentes à fase<br />
II realizada no grupo de 595 pacientes<br />
nunca antes tratados para hepatite C apresentam<br />
os percentuais alcançados de resposta<br />
na semana 12 do tratamento, mas estão<br />
a ser considerados apenas aqueles pacientes<br />
que se encontram negativos (indetectáveis)<br />
para um PCR com sensibilidade<br />
de somente 15 UI. Pacientes que somente<br />
baixaram 2 log não são considerados nos resultados<br />
apresentados.<br />
Neste grupo foi utilizada a dosagem de 800<br />
mg de Boceprevir, combinado ao PegIntron<br />
(1,5 mcg/kg) e Ribavirina (entre 800 e 1.400<br />
mg/dia) em tratamentos com duração de 28<br />
ou 48 semanas. Existia uma variedade muito<br />
grande de grupos, com dosagens diferentes<br />
e duração diferente, mas apresentamos<br />
os resultados que consideramos mais<br />
interessantes, objectivando não confundir o<br />
portador. Quando da divulgação dos dados<br />
pela Schering-Plough publicaremos a comunicação<br />
que realizada.<br />
Nos quatro grupos principais (sendo um deles<br />
um grupo controlo que recebeu somente<br />
o PegIntron combinado a ribavirina, sem utilização<br />
do Boceprevir) foram observados, na<br />
semana 12 do tratamento, os seguintes percentuais<br />
de resposta virológica (indetectável<br />
na semana 12): Os grupos 1, 2 e 3 apresentaram<br />
respectivamente 70%, 79% e 54 %<br />
de pacientes totalmente indetectáveis, contra<br />
34% do grupo que foi tratado da forma<br />
tradicional, com PegIntron e Ribavirina, mas<br />
sem o Boceprevir.<br />
As interrupções por efeitos colaterais foram<br />
respectivamente de 12%, 9% e 8% nos grupos<br />
com Boceprevir e de 5% no grupo controle.<br />
O resultado é mais que animador. É sabido<br />
que ainda será necessário esperar pelo final<br />
do estudo e ver qual será a resposta sustentada<br />
(cura) realmente conseguida, mas é sabido<br />
que pacientes indetectáveis na semana<br />
12 possuem altíssimas possibilidades de sucesso<br />
no tratamento e, como os percentuais<br />
na semana 12 são muito superiores que os<br />
encontrados actualmente, tudo leva a imaginar<br />
que o final do estudo poderá surgir uma<br />
grata surpresa. Apresentaram respectivamente<br />
70%, 79% e 54 % de pacientes totalmente<br />
indetectáveis, contra na semana 12<br />
Boceprevir em pacientes nulos de resposta<br />
Um grupo de pacientes, considerados os<br />
mais difíceis de tratar também participou no<br />
estudo. Foram seleccionados 357 pacientes<br />
que tiveram que interromper um tratamento<br />
prévio realizado com interferon peguilado e<br />
ribavirina na semana 12 porque não tinham<br />
conseguido baixar 2 log. Praticamente nenhuma<br />
opção existe actualmente para este<br />
tipo especial de paciente não respondedor,<br />
considerados nulos de resposta. Pacientes<br />
recidivantes, isto é, que tinham negativado<br />
ou baixado mais de 2 log na semana 12 e<br />
depois o vírus retornou, não foram incluídos<br />
neste estudo. O objectivo foi centrado exclusivamente<br />
nos pacientes mais difíceis.<br />
Todos receberam o tratamento normal de<br />
PegIntron e Ribavirina (entre 800 e 1.400<br />
mg/dia) adicionando o Boceprevir por 24 ou<br />
48 semanas e também foi tratado um grupo<br />
controle que não recebeu o Boceprevir.<br />
Após seis meses do final do tratamento foi<br />
realizado o PCR para se determinar a resposta<br />
sustentada (cura) nos diversos grupos.<br />
Os resultados nos grupos que receberam a<br />
combinação com o Boceprevir cifraram-se<br />
entre os 7% e os 14%. Pode parecer pouco<br />
mas, quando comparado com o grupo que<br />
recebeu o tratamento tradicional, somente<br />
com PegIntron e Ribavirina, sem o Boceprevir,<br />
vemos que somente 2% conseguiram<br />
a cura. Um número entre três e sete vezes<br />
superior conseguiu sucesso no tratamento<br />
com Boceprevir.<br />
Carlos Varaldo, do Grupo Otimismo de<br />
Apoio ao Portador de Hepatite refere em comunicado<br />
que “decidi realizar esta divulgação<br />
antes de receber o texto da Schering-<br />
Plough porque os dados obtidos não podem<br />
deixar de ser divulgados, já que representam<br />
uma esperança que poderá concretizar-se<br />
a curto prazo. Assim que tivermos o<br />
release da Schering-Plough divulgaremos o<br />
mesmo”.<br />
Convém ainda esclarecer que o Boceprevir<br />
ainda não se encontra à venda em nenhum<br />
país. Estes estudos são resultados das fases<br />
avançadas (fase II) das pesquisas.
José A. Ramos Atance | Dependências | 19<br />
Será mais prejudicial fumar<br />
José A. Ramos Atance.<br />
Dto de Bioquímica. Facultad<br />
de Medicina. Universidad<br />
Complutense de Madrid.<br />
Introdução<br />
Entre os que fuman cigarros de marijuana,<br />
existe a crença de que este tipo de consumo é<br />
menos perigoso para a saúde que o relacionado<br />
com o de tabaco. Os estudos realizados até<br />
finais do século XX, apesar de apresentarem<br />
dados sobre os efeitos negativos do consumo<br />
de cannabis, não eram o suficientemente conclusivos<br />
para poder rebater adequadamente<br />
esta crença. Nos finais da década de 90 já se<br />
havia constatado, mediante broncoscopia, alterações<br />
celulares anormais como a proliferação<br />
de células produtoras de mucus e a diminuição<br />
do número de células ciliadas. Também<br />
se havia descrito que uma parte importante<br />
dos fumadores de cannabis padeciam<br />
de alterações celulares do epitélio bronquial<br />
e, em alguns casos, apreciaram-se alterações<br />
metaplásicas de células escamosas nos fumadores<br />
de ambas substâncias, significativamente<br />
mais elevadas que nos que apenas<br />
consumiam marijuana ou tabaco. Também se<br />
havia observado alterações brônquicas em fumadores<br />
de marijuana similares em frequência,<br />
tipo e magnitude às verificadas em fumadores<br />
de tabaco (hiperplasia vascular, edema<br />
submucoso, infiltrações celulares inflamatórias<br />
e hiperplasia celular em racimos).<br />
Por qué se fuma marijuana?<br />
Chegados a este ponto, sería conveniente conhecer<br />
porque, se já se estava advertindo os<br />
fumadores de tabaco acerca dos efeitos prejudiciais<br />
associados ao consumo, estas mesmas<br />
advertências não foram realizadas aos<br />
de marijuana. Aspecto todavia mais apelativo,<br />
se recordarmos o aumento do consumo de<br />
cannabis que se foi verificando ao longo de todos<br />
estos anos.<br />
A contestação à primeira questão pode radicar<br />
no facto de os dados existentes serem, na<br />
altura, todavía escassos. A resposta à segunda<br />
é que fumar é uma das formas mais eficazes<br />
de ingerir o -9-THC e de que se encurte o<br />
tempo entre o seu consumo e o surgimento de<br />
efeitos ao nível cerebral. O cigarro de marijuana<br />
contém a folha da planta e/ ou seus brotos,<br />
apesar de também se consumir muito misturada<br />
com tabaco. Por vezes, o cigarro é humidificado<br />
com a resina da planta ou com algumas<br />
gotas de óleo de cannabis, o que produz<br />
um aumento da quantidade de -9-THC absorvida<br />
pelo fumador.<br />
O facto de a marijuana ter, a nível respiratório<br />
um efeito agudo broncodilatador foi usado<br />
ao serviço de uma propaganda dos seus efeitos<br />
terapêuticos no tratamento da asma, ainda<br />
marijuana que tabaco?<br />
que neste caso tenha ficado amplamente provado<br />
que o efeito broncodilatador do -9-THC<br />
pode ser gravemente prejudicado pelos efeitos<br />
negativos do fumo produzido na combustão<br />
do cigarro.<br />
Informação da British Lung Foundation<br />
Em <strong>Novembro</strong> de 2002, a British Lung Foundation,<br />
emitiu uma publicação com o sugestivo<br />
título “A smoking gun?. The impact of<br />
cannabis smoking on respiratory health. O<br />
amplo e bem documentado artigo recolhia<br />
todos os dados existentes até àquele momento<br />
na bibliografia sobre o tema e referia<br />
que “parece existir um aumento do impacto<br />
negativo para a saúde naqueles que fumam<br />
cannabis face aos que não o fazem. Os primeiros<br />
apresentam uma prevalência significativa<br />
de sintomas respiratórios agudos e<br />
crónicos, tais como tosse e produção de espectoração,<br />
rouquidão e episódios de bronquitis.<br />
Também era referido que 3-4 cigarros<br />
de cannabis/dia estão associados à mesma<br />
evidência de bronquitis aguda e crónica e ao<br />
mesmo grau de dano da mucosa bronquial<br />
que 20 ou mais cigarros de tabaco. Este dado<br />
estava baseado no facto de o volume da<br />
passa ou puxada e o tempo de permanência<br />
do fumo nos pulmões ser superior no caso<br />
da marijuana que no tabaco. Além disso, o<br />
cigarro de marijuana não possui filtro e o fumo<br />
tem uma temperatura mais elevada que<br />
o do tabaco. Finalmente, indicava-se que nos<br />
alcatrão da cannabis não só estão presentes<br />
quase todos os carcerígenas do tabaco, como<br />
também concentrações inclusivé superiores<br />
às procedentes do tabaco. Insinuavase<br />
a possibilidade de o fumo da cannabis poder<br />
debilitar a actividade do sistema imunitário.<br />
Dizia-se que ainda não se havia podido<br />
estabelecer nenhuma relação conclusiva entre<br />
o fumo da cannabis e a doença pulmonar<br />
obstructiva crónica. A investigação realizada<br />
sobre a possível participação do fumo<br />
de cannabis no desenvolvimento de cancros<br />
nas vias respiratórias, havia dado lugar a resultados<br />
contraditórios. No entanto, parecia<br />
bastante claro que o benzopireno, presente<br />
no alcatrão dos cigarros de cannabis produz<br />
alterações no gene supressor de tumores<br />
p53, o que pode facilitar o desenvolvimento<br />
de cancros respiratórios, dado que este gene<br />
participa em 75% dos cancros de pulmão.<br />
Por todo o anteriormente indicado, recomendava<br />
a realização de campanhas de educação<br />
pública para a saúde, dirigidas aos jovens,<br />
para que conheçam os riscos associados<br />
ao seu consumo por via fumada.<br />
Estudos posteriores à informação da British<br />
Lung Foundation<br />
Henry & cols (2003) confirmaram os dados da<br />
informação num trabalho que comparava os<br />
efeitos produzidos pela cannabis com os devidos<br />
ao tabaco. O volume inalado e o tempo<br />
de permanência nos pulmões era superior para<br />
o fumo de cannabis que para o de tabaco,<br />
e a concentração plasmática de carboxihemoglobina<br />
era 5 vezes superior no primeiro caso.<br />
Indicavam que os produtos da combustão<br />
da cannabis estão mais tempo nos pulmões e<br />
apresentam concentrações mais altas que os<br />
de tabaco.<br />
Avisava para o perigo de um consumo em<br />
crescimiento, tanto do número de consumidores<br />
como da concentração de -9-THC, assim<br />
como de um início cada vez mais precoce.<br />
Também se falava da dificuldade de prever os<br />
riscos do seu consumo, dado que, como também<br />
ocorre com o tabaco, pode haver um período<br />
de latência entre o início do consumo e o<br />
desenvolvimento de dano pulmonar, enfermidade<br />
cardiovascular ou alterações malignas.<br />
Posteriormente, num estudo realizado por Sarafian<br />
& cols (2006), pode observar-se que a<br />
histopatología associada ao fumo de marijuana<br />
incluia: Inflamação das vias respiratórias,<br />
metaplasia de células escamosas e perda de<br />
microvello epitelial . Assim como efeitos metabólicos<br />
como: Stress oxidativo, desacoplamento<br />
energético celular e supressão das vias<br />
apoptóticas.<br />
Mais recentemente, Aldington & cols (<strong>2007</strong>),<br />
num estudo realizado com 339 indivíduos,<br />
comprovaram que fumar cannabis se associa<br />
a obstrução das vias respiratórias e inflamação,<br />
mas raramente com enfisema macroscópico.<br />
Indicam que um charro tem efeitos similares<br />
à produzida entre 2,5-6 cigarros de tabaco.<br />
Os dados relativos à ausência de efisema foram<br />
rebatidos num trabalho realizado por<br />
Beshay & cols (<strong>2007</strong>) em que os autores observam<br />
um aumento notável no número de<br />
pacientes jovens consumidores de marijuana<br />
que, durante os últimos 30 meses foram diagnosticados<br />
de enfisema e, em alguns casos,<br />
de pneumotorax secundário. Também indicam<br />
que o período de consumo de marijuana fumada<br />
parece jogar um importante papel no desenvolvimento<br />
de enfisema.<br />
Conclusões<br />
Os efeitos perjudiciais para a saúde produzidos<br />
por um cigarro de cannabis são superiores<br />
aos produzidos por um de tabaco,<br />
ainda que ambos contenham quantidades<br />
equiparáveis de compostos potencialmente<br />
tóxicos. O facto de os fumadores de<br />
cannabis fazem inspirações mais profundas<br />
e retêm mais tempo o fumo nos seus<br />
pulmões, aumenta a absorção de monóxido<br />
de carbono e de alcatrões, chegando a<br />
ser a concentração de carboxihemoglobina<br />
no sangue até cinco vezes superior.<br />
O consumo crónico de marijuana associa-se<br />
a bronquitis aguda ou crónica, risco de infecções<br />
pulmonares e alterações estruturais<br />
nos brônquios. Também se relacionou este<br />
consumo com o cancro de pulmão e com o<br />
do intervalo respiratório superior.
20 | Dependências | Rede Europeia para a Prevenção do Tabagismo reúne em Cascais<br />
Para além das inevitáveis advertências, baseadas em evidências<br />
científicas acerca dos perigos provocados pelo consumo<br />
de produtos de tabaco, o encontro serviu para que os representantes<br />
de diversos países mundiais lançassem alguns desafios<br />
para a futura missão da Rede, nomeadamente no que<br />
concerne à árdua batalha contra interesses industriais por<br />
parte das tabaqueiras e à sensibilização da opinião pública<br />
e política no que concerne à necessidade de desenvolver medidas<br />
eficazes que conduzam à adopção de estilos de vida<br />
saudáveis e livres de fumo. As novas tecnologias de informação<br />
e ferramentas de comunicação estiveram, igualmente, no<br />
centro da discussão, como meios para melhor se difundir as<br />
mensagens pretendidas junto dos públicos-alvos definidos.<br />
Para o último dia, o das comemorações do Dia do Não Fumador,<br />
estava reservada a realização da Assembleia Geral da<br />
ENSP, em que se apresentaram as principais conclusões do<br />
evento, brevemente disponíveis em www.ensp.org, se discutiu<br />
o futuro da Rede e se assinou a Petição de Lisboa, intitulada<br />
Para um Desporto Sem Tabaco.<br />
A encerrar a agenda, o Conselho de Prevenção do Tabagismo,<br />
órgão presidido por Manuel Pais Clemente, distinguiria algumas<br />
personalidades e instituições, de inúmeras áreas, entre<br />
as quais a revista Dependências, pelos serviços prestados à<br />
luta anti-tabágica. A efeméride, que teve lugar no Centro Cultural<br />
de Cascais, contou com as presenças de Francisco George,<br />
Maria de Belém, António Capucho e Elisabeth Tamang, entre<br />
outras figuras de renome e distinguiu ainda nomes como<br />
Fernando Pádua, Luís Saboga Nunes, Luís Reis Lopes, Francisco<br />
George, Maria de Belém, António Capucho, Mira Amaral,<br />
Sérgio Vinagre, Machado Caetano, Júlio Isidro, Manuel Luís<br />
Goucha, Trindade Guedes, a Associação Mutualista Benéfica,<br />
a Escola Secundária Dr. António Carvalho Figueiredo, entre<br />
outros.<br />
A Rede Europeia para a Prevenção do Tabagismo (ENSP), é uma<br />
organização internacional sem fins lucrativos criada em 1997.<br />
A ENSP tem por missão a elaboração de estratégias para desenvolver<br />
uma acção coordenada entre as organizações activas<br />
no controlo do tabagismo na Europa, partilhando experiências<br />
e informações, actividades coordenadas e projectos<br />
comuns. A ENSP elege como objectivo a criação de uma maior<br />
coerência entre a realização de actividades relacionadas com<br />
a prevenção tabágica e a promoção de políticas abrangentes<br />
de controlo do fumo, tanto a nível nacional como europeu.<br />
A ENSP é regida por uma Assembleia-Geral composta por dois<br />
representantes de cada uma das coligações nacionais contra<br />
o tabaco na Europa e por um representante de cada uma das<br />
redes europeias especializadas no controlo do tabagismo. A<br />
ENSP é administrada por uma Directoria regularmente eleita,<br />
que delega a gestão quotidiana e a coordenação da rede num<br />
Secretariado, em Bruxelas.<br />
Por uma Europa<br />
sem Tabaco<br />
A ENSP – European Network for Smoking Prevention – reuniu, no passado mês de<br />
<strong>Novembro</strong>, em Cascais. O Encontro Anual da Rede, apadrinhado pelo Presidente da<br />
República Portuguesa, Cavaco Silva, reuniu membros de diversas coligações europeias,<br />
em torno de um evento que durou três dias e serviu para reflectir sobre o passado,<br />
presente e futuro da luta anti-tabágica.
Luís Reis Lopes, Coligação Portuguesa Anti-Tabaco<br />
Dep - Que importância assume a realização<br />
do Encontro da REPT/ENSP no panorama<br />
português da luta anti-tabágica?<br />
Luís Lopes (L.L.) - No momento em que se<br />
prepara a entrada em vigor da nova Lei, dia<br />
1 de Janeiro, este encontro constitui mais<br />
um factor de mobilização de vontades e de<br />
esclarecimento da opinião pública, que já<br />
é muito favorável aos grandes objectivos<br />
da prevenção do tabagismo que são: proteger<br />
os jovens dos malefícios do tabaco,<br />
defender os direitos de quem não quer fumar<br />
e portanto regulamentar no sentido de<br />
em espaços públicos fechados só ser permitido<br />
fumar em locais autorizados, devidamente<br />
sinalizados e ventilados. Por fim<br />
ajudar quem quer deixar de fumar, através<br />
de novos medicamentos, novos métodos e<br />
a divulgação de boas práticas.<br />
Importante foi também a clarificação e afirmação<br />
da Rede Europeia de Prevenção do<br />
Tabagismo no apoio à nova lei e nova dinâmica<br />
que resultará da sua introdução.<br />
Igualmente importante foi o apoio de Sua<br />
Excelência o Presidente da República e do<br />
Governo a este encontro. Estes gestos traduzem<br />
um grande desejo que Portugal continue<br />
a estar no pelotão da frente da pre-<br />
venção do tabagismo.<br />
Rede Europeia para a Prevenção do Tabagismo reúne em Cascais | Dependências | 21<br />
Dep - Que contributos tem prestado o<br />
ENSP, ao longo do seu historial, no sentido<br />
de concretizar a sua missão e objectivos?<br />
L.L. - A ENSP (European Network for<br />
Smoking Prevention) nasceu há dez anos<br />
da necessidade de maior coordenação de<br />
todos os agentes, organizações, centros<br />
de investigação, etc. Por outro lado desde<br />
a sua fundação sempre desempenhou um<br />
importante papel de interlocutor junto da<br />
Comissão Europeia e do Parlamento Europeu<br />
o que tem resultado num avanço significativo<br />
da legislação comunitária, nomeadamente<br />
na Directiva sobre a Publicidade e<br />
a Directiva sobre os Produtos de Tabaco.<br />
Hoje com a Convenção Quadro sobre o<br />
Controlo do Tabaco, da OMS, que tem força<br />
de tratado, com directa implicação na legislação<br />
dos países que ratificaram a Convenção,<br />
como é o caso do nosso, é muito<br />
importante termos organizações como o<br />
ENSP para defender os interesses da saúde<br />
pública e dos cidadãos nestes centros<br />
de decisão.<br />
A ENSP tem conseguido afirmar-se no panorama<br />
internacional que julgo em breve a<br />
Europa assumir um papel de liderança a nível<br />
mundial.<br />
Dep - Que desafios se afiguram actualmente<br />
para os agentes dessa luta anti-tabágica?<br />
L.L. - O maior deles todos é conseguir viver<br />
numa “Europa Sem Tabaco”, o mais depressa<br />
possível. Se for em 2025 que o seja,<br />
mas como sou um optimista e tenho trabalhado<br />
bastante para conseguir que os jovens<br />
não comecem a fumar, julgo que muito<br />
em breve teremos programas e acções<br />
junto dos jovens para ganharmos esta batalha.<br />
Nesta batalha é muito importante referir o<br />
papel das Autarquias e Juntas de Freguesia<br />
que agora estão a dar mais atenção à qualidade<br />
de vida das populações e querem, pelos<br />
contactos que tenho mantido, proteger<br />
as crianças e as escolas da agressividade<br />
da indústria e comércio do tabaco.<br />
É bom lembrar que o tabaco é o único veneno,<br />
que mata milhares de europeus por<br />
ano, que é legal e não é retirado do mercado.<br />
Por isso, deve ser fortemente regulamentado<br />
e tudo feito para voluntariamente<br />
ser reduzido o seu consumo. O estado, as<br />
autarquias, as populações têm de se unir<br />
para conseguir uma “Europa Sem Tabaco”<br />
o mais cedo possível.<br />
Dep – Que conclusões podem ser extraídas<br />
deste Encontro da ENSP?<br />
L.L. - Importante o não aceitar a comercialização<br />
de outras formas de tabaco oral ou<br />
outros produtos da indústria tabaqueira.<br />
Alargar a onda de países a aderirem aos<br />
espaços livres de fumo, que começou na Irlanda<br />
e onde o nosso Vice-Presidente Luke<br />
Clancy teve um papel muito importante.<br />
Reforçar a cooperação com a Comissão<br />
Europeia e a Agência de Saúde Pública,<br />
mas sempre com grande independência e<br />
autonomia.<br />
Reestruturar a ENSP de modo a desenvolver<br />
projectos mais eficazes e apoiar mais<br />
as redes nacionais associadas à ENSP/<br />
REPT.<br />
Por último sublinhar a forte vontade da<br />
ENSP/REPT em contribuir para que a Convenção<br />
Quadro sobre o Controlo do Tabaco,<br />
avance e seja um instrumento eficaz para<br />
criar em todos os países aderentes, o último<br />
dos quais foi Angola, legislação que<br />
proteja de forma eficaz as crianças, os jovens<br />
e os não fumadores dos malefícios do<br />
tabaco.
22 | Dependências | Rede Europeia para a Prevenção do Tabagismo reúne em Cascais<br />
Elisabeth Tamang, Presidente da ENSP<br />
Dep – Que importância assume a realização<br />
deste Encontro da ENSP?<br />
E.T. – Habitualmente, realizamos, pelo menos,<br />
um encontro anual da ENSP, o qual<br />
funciona quase como um workshop onde<br />
tentamos alcançar consensos em diferentes<br />
matérias e argumentos e acerca do caminho<br />
que desejamos percorrer. E tudo<br />
isto se reveste de uma enorme importância<br />
para nós. Depois, o facto de se realizar em<br />
Portugal assume igualmente uma importância<br />
muito significativa, na medida em<br />
que pretendemos transmitir um sinal numa<br />
altura em que uma nova lei sobre tabagismo<br />
emerge. Ao mesmo tempo, discutimos<br />
aqui o nosso futuro enquanto rede, no que<br />
respeita a uma intervenção baseada numa<br />
visão estratégica de futuro acerca do controlo<br />
tabágico e à definição de um plano de<br />
acção para levar a cabo esse intento.<br />
Dep – Que papel poderá desempenhar a<br />
ENSP nesta luta anti-tabágica?<br />
E.T. – A ENSP pode funcionar como uma<br />
plataforma de benchmarking entre diversos<br />
países que se situam em diferentes patamares<br />
no que concerne à implementação<br />
de políticas e estratégias nesta área. O que<br />
ajuda a produzir alterações e, ao mesmo<br />
tempo, a aprender com os erros de terceiros<br />
ou com as boas práticas evidenciadas.<br />
Dep – Poderá também funcionar como um<br />
lobby?<br />
E.T. – Na verdade, funciona também como<br />
um lobby, na medida em que nos situamos<br />
num nível europeu, tendo discussões no<br />
seio da Comissão Europeia, mas igualmente<br />
em termos locais, no seio de cada país.<br />
Aliás, creio que constituímos desde logo<br />
um lobby a partir do momento em que precisamos<br />
de aprovar determinada medida<br />
ou de apoiar políticas nacionais, enquanto<br />
coligações.<br />
Dep – Por que será que os vossos interesses,<br />
tal como outros desígnios de saúde<br />
pública nem sempre são coincidentes com<br />
as práticas políticas?<br />
E.T. – Na verdade, aquilo que todos pretendemos<br />
obter é uma sociedade mais saudável<br />
e, por isso, tentamos promover aspectos<br />
relacionados com a saúde pública.<br />
Estou em crer que os políticos também o<br />
pretendem mas também tenho consciência<br />
que estão sujeitos a muitas limitações<br />
e pressões. E, quando falo de pressões, refiro-me,<br />
obviamente, a outros tipos de lobbys,<br />
de foro comercial e industrial. Existem<br />
empresas e grupos industriais que têm<br />
que vender os seus produtos e que usufruem<br />
de um poder muito maior em termos<br />
de lobbying.<br />
Dep – Poderia o panorama mudar se o tabaco<br />
passasse a ser considerado uma droga<br />
ilícita?<br />
E.T. – Seria maravilhoso! Conheço um país<br />
cuja legislação passou a considerar o tabaco<br />
uma substância ilícita para consumo,<br />
o Butão, um reino situado nos Himalaias.<br />
Mas creio que, nos tempos que vivemos,<br />
será muito difícil chegar a esse patamar<br />
que resolveria muitos dos nossos problemas.<br />
Dep – Temos ouvido, durante este encontro,<br />
que um dos desafios definidos para o<br />
futuro consiste numa Europa livre de tabaco.<br />
Não será esse desiderato utópico?<br />
E.T. – Sim, o nosso principal objectivo consiste<br />
numa Europa livre de tabaco. Talvez<br />
não o consigamos alcançar nos próximos<br />
15 anos mas a verdade é que temos que<br />
começar de alguma forma. No momento,<br />
concordo que seja utópico mas não é menos<br />
verdade que estamos habituados a definir<br />
objectivos bastante ambiciosos, um<br />
pouco à imagem do que a OMS faz. E preferimos<br />
definir esse tipo de metas e lutar<br />
arduamente pelas mesmas porque sabemos<br />
que, assim, chegaremos mais longe.<br />
E, mais ainda, todos sabemos que o mundo<br />
pode viver perfeitamente sem tabaco. Não<br />
precisamos de tabaco para termos uma<br />
vida mais feliz, por exemplo.<br />
Dep – Que outros desafios enfrenta a ENSP<br />
no futuro?<br />
E.T. – Gostaríamos de alcançar um nível<br />
que pudéssemos designar como bastante<br />
satisfatório no que concerne às políticas de<br />
controlo e restrição de fumo e de venda de<br />
tabaco, gostaríamos de promover e ajudar<br />
a promover nos diferentes países actividades<br />
abrangentes que ajudassem a adoptar<br />
e implementar políticas sérias de controlo<br />
tabágico e de promoção da saúde pública.<br />
Dep – Será assim tão necessário e eficaz,<br />
como se vai ouvindo neste encontro, reduzir<br />
ou mesmo proibir a oferta na área do<br />
tabaco?<br />
E.T. – Como é sabido, não existem leis que<br />
proíbam a oferta… Agora, as evidências<br />
mostram que, paralelamente a um controlo<br />
da oferta e à protecção da população relativamente<br />
ao fumo passivo, é necessário<br />
educar as pessoas, preferencialmente<br />
desde a infância. Os jovens são propensos<br />
a experimentar e, habitualmente, não<br />
se apercebem dos riscos até se tornarem<br />
dependentes do tabaco. Por isso mesmo, a<br />
educação é necessária mas também precisamos<br />
de viver numa sociedade que torne<br />
a escolha mais saudável a mais fácil, o que<br />
significa necessariamente ter uma lei que<br />
proíba a venda de tabaco a menores, o consumo<br />
em locais de trabalho e em locais públicos,<br />
que aumente os preços…<br />
Dep – Conhece a lei portuguesa que está<br />
prestes a entrar em vigor?<br />
E.T. – Sim, ouvi falar e sei que entrará em<br />
vigor a partir do dia 1 de Janeiro próximo<br />
mas também sei que não consiste numa<br />
completa proibição, nem sequer se assemelha<br />
à lei italiana que implementou restrições<br />
muito sérias ao consumo de tabaco<br />
em restaurantes, bares ou locais de<br />
trabalho. Parece-me que a lei portuguesa<br />
não terá um cariz tão forte e talvez enfrente<br />
alguns problemas relativamente à sua<br />
implementação.
Luke Clancy, ASH Ireland<br />
Dep – Que importância poderá assumir a<br />
realização deste encontro?<br />
L.C. – Creio que se trata de um evento muito<br />
importante para todos nós por duas razões<br />
específicas. Estamos aqui juntos porque<br />
queremos partilhar ideias e existem<br />
grandes vantagens em ouvirmo-nos uns<br />
aos outros porque se revelam aspectos que<br />
não estão escritos em sítio algum. Todos<br />
pensamos saber muito acerca da cessação<br />
tabágica e controlo do tabaco mas existem<br />
muitos aspectos relativamente aos quais<br />
não existe qualquer bibliografia ou outro<br />
tipo de registo. E é apenas através da discussão<br />
entre pares que conseguimos evoluir.<br />
Algo que se obtém através desta partilha<br />
de conhecimento e de práticas. Além<br />
disso, a comunidade de controlo tabágico<br />
de cada país é relativamente pequena mas<br />
quando nos reunimos desta forma adquirimos<br />
outro tipo de visibilidade e de poder.<br />
Dep – Até que ponto estará ainda o tratamento<br />
num nível embrionário?<br />
L.C. – Muita gente diria que nos concentramos<br />
demasiadamente noutros aspec-<br />
Rede Europeia para a Prevenção do Tabagismo reúne em Cascais | Dependências | 23<br />
tos. Relativamente a outras doenças, falamos<br />
sobre tratamento a toda a hora mas,<br />
com efeito, relativamente a esta área não<br />
o fazemos. Talvez a razão tenha a ver com<br />
o facto de se tratar de uma doença com<br />
uma prevalência tão elevada, o que torna<br />
impossível tratar toda a gente. Então, aquilo<br />
que temos que fazer é tentar evitar que<br />
as pessoas comecem a fumar e recorrer a<br />
intervenções que possam ser consideradas<br />
como tratamento. Refiro-me, por exemplo,<br />
ao preço, um dos factores mais importantes<br />
no que concerne à prevenção tabágica<br />
e mais eficazes no que respeita ao impedir<br />
que as pessoas comecem a fumar. Mas<br />
também me parece que não despendemos<br />
o tempo necessário com a cessação<br />
e, na verdade, se entre os fumadores actuais,<br />
ninguém parar de o fazer, não haverá<br />
qualquer diminuição dos casos de cancro<br />
do pulmão nos próximos 25 anos. Então,<br />
é extremamente importante que as pessoas<br />
deixem de fumar e isso significa que os<br />
programas e terapêuticas de cessação têm<br />
que ser melhorados. Mas a verdade é que<br />
as actuais técnicas de cessação não são<br />
muito boas. Existem, e tentamos que sejam<br />
melhoradas mas, talvez por não serem<br />
muito poderosas, não lhes estamos a dar o<br />
tempo e esforço que merecem. E, mais importante<br />
ainda, não são concedidos fundos<br />
para o fazer. As intervenções que temos, o<br />
aumento do preço do tabaco, a proibição<br />
da sua publicidade, o fomento da educação<br />
e a redução do fumo nos locais públicos<br />
são extremamente rentáveis, não custam<br />
muito dinheiro e qualquer país as pode<br />
fazer. Mas a cessação já é custosa e nem<br />
todos o podem fazer. Mas precisamos de<br />
melhores formas para tratar as pessoas e<br />
não podemos esperar muito mais tempo.<br />
Dep – Em que medida será necessária uma<br />
concertação entre os ministérios da educação<br />
e da saúde no sentido de melhor estruturar<br />
estratégias de prevenção e fazer<br />
chegar as mensagens a crianças em mais<br />
tenras idades?<br />
L.C. – Temos que estar inseridos e envolvidos<br />
na sociedade e creio que ainda não é<br />
perfeitamente claro como o devemos fazer.<br />
Repare que as crianças aprendem através<br />
dos pais e, se estes fumam, não importará<br />
muito o que se disser na escola. Concordo<br />
que a educação é uma chave mas a<br />
questão está em saber como, por quem e<br />
onde é administrada. E é necessário demonstrar<br />
como as pessoas são afectadas<br />
pelo tabaco. E esta não é uma doença qualquer<br />
mas uma doença que é fomentada por<br />
uma indústria corrupta, que alcança directa<br />
e emocionalmente o coração de muitas<br />
pessoas, que está preparada para transmitir<br />
mentiras.<br />
Dep – Não será utópico eleger como objectivo<br />
uma Europa livre de tabaco?<br />
L.C. – Não me parece… Eu acredito, apesar<br />
de saber que não acontecerá tão cedo<br />
como desejaríamos. Mas temos que fazer<br />
ver aos nossos jovens que estão a ser corrompidos<br />
e manipulados por uma indústria<br />
sem escrúpulos. E creio que esse instrumento<br />
poderá ser mais convincente do que<br />
dizer-lhes que deverão morrer aos 50 ou 60<br />
anos devido a ataque cardíaco, pois pensarão,<br />
provavelmente, que aos 60 já morreriam<br />
de qualquer forma. Temos que lhes<br />
fazer entender que são manipulados e não<br />
me parece que eles gostem de sentir que o<br />
são. Também temos que perceber de forma<br />
mais clara por que é que as crianças<br />
fumam – 80 por cento das pessoas que fumam<br />
começam antes dos 18. E se é ilegal
24 | Dependências | Rede Europeia para a Prevenção do Tabagismo reúne em Cascais<br />
vender tabaco a menores, como pode isto<br />
acontecer? Claramente, a lei não está a ser<br />
aplicada e, como tal, não pode funcionar. E<br />
se os nossos legisladores forem cada vez<br />
mais sérios acerca destas matérias, creio<br />
que podemos perfeitamente alcançar esse<br />
objectivo.<br />
Dep – Deveria o tabaco passar a ser considerado<br />
uma substância ilícita?<br />
L.C. – O problema é que existe um segmento<br />
da população fumadora tão significativo<br />
que, torná-la actualmente ilícita, não resultaria.<br />
Foi através de um acidente histórico<br />
que se tornou legal mas não a podemos<br />
tornar ilegal de um momento para o<br />
outro, na medida em que muita gente está<br />
dependente. Obviamente, se considerasse<br />
útil essa medida, proibiria o uso de tabaco<br />
até porque o objectivo é eliminá-lo definitivamente.<br />
Agora, podemos constatar que<br />
a morfina, o ópio, a cocaína ou a heroína<br />
eram substâncias legais e são actualmente<br />
ilícitas porque apenas um pequeno segmento<br />
da população as usa. E o mesmo deverá<br />
acabar por acontecer com os cigarros<br />
mas não hoje nem amanhã.<br />
Dep – Como sabe, no próximo dia 1 de Janeiro<br />
entrará em vigor a nova lei portuguesa<br />
sobre tabagismo. O que poderemos<br />
aprender com as experiências irlandesa e<br />
italiana?<br />
L.C. – A nova lei portuguesa representa um<br />
avanço. No entanto, é inadequada, o que<br />
acabará por ser constatado. A nova lei por-<br />
tuguesa baseia-se na lei espanhola e os colegas<br />
espanhóis já demonstraram que a<br />
mesma não funciona, não atinge os objectivos<br />
definidos. Na Irlanda, definimos o quão<br />
importante é proteger as pessoas nos seus<br />
locais de trabalho, algo que consideramos<br />
um direito humano. E assim sendo, não deveria<br />
ser uma questão selectiva. Então, na<br />
Irlanda, definimos que ninguém deve ser<br />
obrigado a respirar o fumo dos outros, seja<br />
no trabalho, em restaurantes, em bares ou<br />
qualquer outro local público e já demonstrámos,<br />
através de avaliações, o impacto<br />
que tal medida produziu no ambiente de<br />
trabalho, que, por exemplo, o ar ficou mais<br />
limpo, que diversos agentes cancerígenos<br />
foram removidos, que os resultados dos<br />
testes respiratórios melhoraram e os sintomas<br />
também. Sabemos igualmente que o<br />
número de ataques cardíacos diminui, algo<br />
que leva algum tempo a demonstrar através<br />
de avaliações mas que faremos com<br />
toda a certeza.<br />
Dep – Até que ponto contribuiu a<br />
implementação da lei irlandesa para uma<br />
diminuição do número de fumadores?<br />
L.C. – Não terá contribuído assim tanto<br />
para a redução do número de fumadores,<br />
até porque não era esse o seu objectivo<br />
fundamental. O seu grande objectivo consiste<br />
em proteger aqueles que não querem<br />
fumar. Talvez tenha tido algum efeito sobre<br />
a prevalência de fumadores e acredito que<br />
contribuirá para atingirmos uma mudança<br />
cultural ao nível dos comportamentos<br />
mas sabemos que estes fenómenos acontecem<br />
de uma forma lenta. Mas também<br />
sabemos que contribuirá para a “desnormalização”<br />
do consumo de cigarros e contribuirá,<br />
a longo prazo, para que menos jovens<br />
comecem a fumar. Actualmente, são<br />
nítidas as motivações dos jovens para fumar,<br />
o que inclui a pressão de pares, o risco<br />
assumido, a sensualidade ou a masculinidade<br />
a que a indústria tabaqueira utiliza<br />
nas suas mensagens como instrumento de<br />
propaganda e chega até a haver jovens que<br />
o fazem porque não pretendem fazer algo<br />
que julgam ser pior, como consumir drogas<br />
ilícitas. Mas diga-me, se souber, qual é a<br />
outra droga que mata mais de 50 por cento<br />
que a usa…<br />
Dep – E quanto à lei italiana?<br />
L.C. – A lei italiana tem resultado num tremendo<br />
sucesso, apesar de não ter sido alvo<br />
de uma tão intensa preparação como aconteceu<br />
noutros países, como a Irlanda em<br />
que tivemos que enfrentar árduas batalhas<br />
e de nos preparar de forma muito significativa.<br />
Em Itália, começaram por definir que<br />
seria permitido fumar se certos standards<br />
de ventilação fossem cumpridos nos locais<br />
públicos ou no trabalho. E todos sabemos<br />
que a ventilação não funciona e o standard<br />
que propuseram era praticamente impossível<br />
de alcançar e, mesmo sendo possível,<br />
acarretaria custos avultadíssimos. Tudo<br />
isto resultou numa proibição construída de<br />
uma forma muito inteligente.
Francisco George, Director-Geral de Saúde<br />
“Acabo de chegar de uma sessão que juntou<br />
professores e Ministério da Educação para<br />
preparar a entrada em vigor da nova lei, no<br />
próximo dia 1 de Janeiro, altura em que em<br />
todas as escolas onde existem estudantes<br />
com menos de 18 anos será absolutamente<br />
proibido fumar. Estivemos também com<br />
a Direcção Geral da Educação, no âmbito<br />
do desenvolvimento curricular, a trabalhar<br />
com os professores no sentido de criar um<br />
conjunto de comemorações que chamam a<br />
Rede Europeia para a Prevenção do Tabagismo reúne em Cascais | Dependências | 25<br />
atenção dos cidadãos para que sejam cada<br />
vez mais exigentes relativamente ao cumprimento<br />
da lei a partir do próximo ano.<br />
Essa é uma questão de honra que nós, na<br />
Direcção Geral de Saúde, encaramos com<br />
grande seriedade e que terá, seguramente,<br />
consequências se a observação por parte<br />
dos cidadãos for rigorosa. Estou em crer<br />
que iniciativas como esta desenvolvida<br />
aqui em Cascais, tal como aquelas que se<br />
têm sucedido e que não irão parar até ao<br />
final do ano serão extremamente importantes<br />
para alertar a população para a maior<br />
necessidade de estarem bem informados<br />
sobre os aspectos legais, que nem sempre<br />
são simples. Há áreas em que será permitido<br />
fumar e outras em que será proibido<br />
e temos que saber exigir a protecção, sobretudo<br />
em ambientes fechados, de quem<br />
não fuma, uma vez que sabemos que fumar<br />
os cigarros dos outros faz praticamente<br />
tão mal como ser fumador activo. Estamos<br />
portanto envolvidos neste processo com<br />
grande dedicação e esperamos que tudo<br />
corra bem, sabendo porém que termos<br />
que avaliar tudo aquilo que se passará com<br />
grande transparência. Mas, devo reforçar,<br />
iniciativas como esta conferência de im-<br />
prensa promovida pela ENSP, com o auxílio<br />
da autarquia de Cascais são muito importantes<br />
nos processos de informação ao público.<br />
Tenho ainda muito gosto em manifestar<br />
a disponibilidade da Direcção Geral de<br />
Saúde para trabalhar com as autarquias e<br />
o desejo em relação aos colegas da ENSP<br />
de manter no quadro europeu esta troca de<br />
informações e de experiências, absolutamente<br />
fundamental neste processo. Estive<br />
em Dublin, na Irlanda, poucos dias após<br />
a lei ter sido aprovada e o meu homólogo<br />
dizia-me que tinha sido mais fácil do que<br />
tinham pensado. Alguns pensavam que teriam<br />
que enfrentar grandes problemas de<br />
incumprimento e, afinal, o que verificaram<br />
foi que os fumadores, incluindo nos bares,<br />
passaram a fumar fora dos estabelecimentos,<br />
ao ar livre, fomentando-se também ali<br />
uma transição do antigo bar irlandês para<br />
o novo, despoluído e livre de fumo. Vamos<br />
todos ter que prosseguir estas estratégias<br />
e reforço que a ENSP tem aqui em nós uma<br />
manifestação de desejo de colaboração e<br />
também o convite para voltar e participar<br />
no processo de avaliação”.<br />
FICHA TÉCNICA: Propriedade, Redacção e Direcção: News-Coop - Informação e COmunicação, CRL • Rua António Ramalho, 600E - 4460-240 Senhora da Hora Matosinhos • Publicação<br />
periódica mensal registada no ICS com o nº 124 854. Tiragem: 12 000 exemplares • Contactos: 22 9537144 • 91 6899539 • info@dependencias.pt • www.dependencias.pt<br />
• Director: Sérgio Oliveira • Editor: António Sérgio • Produção Gráfica: Ana Oliveira • Impressão: Artes Gráficas Diumaró
26 | Dependências | IV Jornadas da Juventude de Lousada: um evento para os jovens desenhado com os jovens<br />
Concelho mais jovem da União Europeia<br />
constrói o futuro integra(n)do<br />
A Câmara de Lousada promoveu, no passado<br />
dia 9, as IV Jornadas da Juventude. Paralelamente,<br />
à noite decorreu o II Festival da Juventude.<br />
A iniciativa teve o condão de demonstrar<br />
uma vez mais a dinâmica e sentido pragmático<br />
da autarquia de Lousada que, numa<br />
sessão em que se discutiam assuntos muito<br />
sérios, logrou organizar um tipo de seminário<br />
interactivo, com mesas constituídas por profissionais<br />
que, de uma forma ou de outra se<br />
encontram directamente ligados, em diversas<br />
vertentes, ao presente e futuro dos jovens portugueses.<br />
Jovens esses que estiveram mesmo<br />
no centro da discussão mas, desta feita, tomando<br />
parte activa na mesma. Para além da<br />
presença de um presidente de associação de<br />
estudantes de uma escola local, foi congratulante<br />
e inusitada a participação de estudantes<br />
lousadenses que se envolveram de forma<br />
muito activa na discussão das questões que<br />
mais os apoquentam e propuseram mesmo<br />
soluções à plêiade de oradores “adultos”. E<br />
foi muito agradável constatar que, durante toda<br />
a tarde, e em período lectivo, os jovens se<br />
revezavam entre entradas e saídas do auditório<br />
e a escola que frequentam. A sala, essa,<br />
manteve-se sempre cheia: de jovens, de emoções,<br />
inquietações e irreverências muito bem<br />
expostas, como tão bem caracteriza uma nova<br />
geração ainda mais informada dos seus direitos<br />
e que encontra no município de Lousada<br />
um palco quase perfeito em termos de<br />
meios, estruturas, alternativas de lazer, educação,<br />
desporto e cultura e os mais diversos<br />
apoios conjugados numa verdadeira rede social<br />
para a concretização de um plano de vida.<br />
Políticos, desde o Secretário de Estado da Juventude<br />
e do Desporto, Laurentino Dias, Jorge<br />
Magalhães e Cristina Moreira da autarquia de<br />
Lousada, a Governadora Civil do Porto, Isabel<br />
Oneto, representantes da DREN, do Instituto<br />
de Segurança Social do Porto, do IPJ, do IE-<br />
FP, da Escola Superior de Educação do Porto<br />
e ainda da revista Dependências interagiram<br />
com crianças e jovens lousadenses sob o tema<br />
“Acordar para as oportunidades”.<br />
Os trabalhos começaram com sessões de informação<br />
acerca do programa Novas Oportunidades<br />
e da campanha municipal “Escola<br />
para todos e para sempre”, tendo sido divulgados<br />
os serviços disponibilizados pela autarquia<br />
na área da juventude.<br />
A tarde iniciou-se com uma actuação dos alunos<br />
do Conservatório do vale do Sousa, seguindo-se<br />
a assinatura de um protocolo entre<br />
a Câmara de Lousada e a Universidade do<br />
Porto respeitante à Universidade Júnior, a que<br />
a autarquia tem aderido desde há dois anos.<br />
Os trabalhos foram moderados pela Vereadora<br />
do pelouro da Juventude, Dra. Cristina<br />
Moreira. A primeira intervenção relativa<br />
ao tema “A escola como espaço de<br />
promoção do sucesso educativo” esteve<br />
a cargo do Prof. Doutor Luís Rothes, da<br />
Escola Superior de Educação do Porto.<br />
Um outro tema em debate foi “O IPJ como uma<br />
oportunidade”, apresentado por Victor Dias,<br />
Delegado do Instituto Português da Juventude<br />
da Região Norte. A mesa foi ainda constituída<br />
por Vasco Campos, presidente da Associação<br />
de Estudantes, António Leite, Director Regional<br />
Adjunto da Educação do Norte, Pedro Machado,<br />
Vice-Presidente da Câmara Municipal<br />
de Lousada e António Teixeira Marques, Vice-<br />
Reitor da Universidade do Porto.<br />
Seguiu-se um animado debate, com os jovens<br />
a colocarem pertinentes questões, nomeadamente<br />
no que respeita a aspectos relacionados<br />
com as oportunidades profissionais e<br />
a premência da concretização de um percurso<br />
académico superior. O modelo de escola<br />
actual, no que concerne a conteúdos programáticos<br />
e cargas horárias, a necessidades especiais<br />
evidenciadas por alguns formandos,<br />
à criação de um estatuto do estudante foram<br />
questões evidenciadas pelos jovens.<br />
Na mesa seguinte, Serafim Queirós, técnico<br />
dos apoios sócio-educativos da DREN, apresentou<br />
uma prelecção subordinada ao tema<br />
“Querer é Poder”. De forma entusiástica<br />
e muito bem-humorada, demonstrou a sua<br />
grande esperança nesta geração, evidenciando<br />
a força de vontade, o empreendedorismo,<br />
o tal “querer” como ferramenta para<br />
se alcançar os objectivos definidos, o tal “poder”.<br />
À tão propalada falta de oportunidades<br />
que assola os jovens aquando da transição<br />
da vida estudantil para a profissional, Serafim<br />
Queirós contrapôs a emergência de novos<br />
recursos à disposição da juventude, a maior<br />
acessibilidade relativamente ao saber, a cada<br />
vez mais visível igualdade de oportunidades,<br />
mesmo em relação aos cidadãos portadores<br />
de deficiência. Relativamente à forte<br />
competitividade que os afecta diariamente,<br />
Serafim Queirós aconselhou os jovens rumo<br />
à diferenciação ou especialização, ou seja, a<br />
encontrarem factores que os distingam pela<br />
positiva de outros, aquilo para que realmente<br />
dispõem de aptidões inatas ou não e que<br />
poderão aperfeiçoar ainda mais no sentido de<br />
obterem vantagens competitivas numa sociedade<br />
cada vez mais exigente. Sérgio Oliveira,<br />
da revista Dependências socorreu-se da apresentação<br />
de uma história real: a de um menino<br />
pobre, desestruturado familiarmente, com<br />
níveis de concentração baixos na escola provenientes<br />
de uma baixa auto-estima e num estado<br />
depressivo face ao estado de saúde da<br />
mãe. Esse mesmo menino, na altura descriminado<br />
socialmente quer na escola – até pela<br />
sua professora - quer nos grupos de amigos<br />
da mesma idade, porque não vestia bem nem<br />
participava activamente nas aulas, tinha, no<br />
entanto, um dom: o “poder” da aprendizagem<br />
e a vontade de vencer. Quando, afinal, a professora<br />
constatou que o tal menino não fazia<br />
corresponder as suas baixas expectativas às<br />
excelentes notas obtidas nos exames, começou<br />
a vê-lo de outra forma e a tentar ajudá-lo.<br />
Uma história que se traduziria num final feliz,<br />
com contornos de romancismo, que serviu<br />
para, no final, demonstrar algumas desigualdades<br />
e descriminações que podem constituir<br />
factores de risco para futuros desvios<br />
comportamentais. Sérgio Oliveira fez ainda<br />
um périplo pelas <strong>dependências</strong> sem substâncias<br />
psicoactivas para demonstrar que, afinal,<br />
os estímulos externos vivenciados diariamente<br />
pelos jovens, mas também pelos adultos,<br />
deverão ser muito bem filtrados e tratados em<br />
família sob pena de nos tornarmos dependen-
tes de outras substâncias sem que nos apercebamos.<br />
No final da mesa, surgia novo interessante<br />
debate, extremamente participativo.<br />
Para o final estava reservado um dos momentos<br />
altos do dia. Os jovens aguardavam ansiosamente<br />
pela chegada do Secretário de Estado<br />
da Juventude e do Desporto e Laurentino<br />
Dias que, apesar da tarde passada na Assembleia<br />
da República a discutir o Orçamento de<br />
Estado, não defraudou as expectativas. Durante<br />
a tarde, nos intervalos, já era possível<br />
ouvir os jovens combinar questões que gostariam<br />
de ver respondidas pelo membro do<br />
Governo. Acompanharam-no na sessão de encerramento<br />
o Presidente da Câmara Municipal<br />
de Lousada, Jorge Magalhães e, em representação<br />
do Governo Civil do Porto, Miguel Lemos.<br />
Laurentino Dias anunciou o reforço do<br />
investimento do Governo, previsto no actual<br />
Orçamento de Estado, para o apoio à juventude<br />
e a crescente preocupação do Poder Central<br />
nesta faixa populacional, de que constitui<br />
exemplo a pioneira criação de uma Comissão<br />
Parlamentar específica, desafiando ainda a<br />
plateia que reside no concelho mais jovem da<br />
Europa a apostar seriamente na qualificação<br />
académica e anunciando algumas medidas de<br />
apoio destinadas a promover essa aposta.<br />
Festival da Juventude<br />
apresenta grupos locais<br />
O II Festival da Juventude contou com a animação<br />
musical do grupo lousadense GOBB e<br />
Alcatrão. Seguiu-se a actuação dos Fonzie, espectáculos<br />
que decorreram no Pavilhão Municipal.<br />
De acordo com a Vereadora da Juventude<br />
“o Festival apresenta três grupos musicais para<br />
animar a noite, que se pretende muito viva”.<br />
Os jovens usufruíram de uma noite diferente,<br />
de forma gratuita.<br />
Juventude de Lousada em acção<br />
O pelouro da Juventude tem desenvolvido,<br />
através dos diversos serviços existentes<br />
no concelho, inúmeras actividades ao longo<br />
dos tempos, como os Espaços Internet<br />
de Lousada e Torno, Espaço Internet do arquivo<br />
Municipal, Centro Inforjovem, Biblioteca<br />
Municipal, Piscinas Municipais, Pavilhão<br />
Municipal, Complexo Desportivo, Auditório<br />
Municipal e nomeadamente no Espaço AJE.<br />
O Espaço AJE funciona há cerca de dois<br />
anos e é, por excelência, o local onde se realizam<br />
actividades para os jovens e onde funcionam<br />
diversos serviços, entre os quais se<br />
destacam o espaço dedicado às artes e às<br />
Tecnologias da Informação e Comunicação,<br />
Espaço Europa, Gabinete de Apoio à Sexualidade<br />
Juvenil, Gabinete de Apoio ao Investidor,<br />
Gabinete de Apoio Psicológico e Gabinete<br />
de Apoio Social, Banco do Voluntariado<br />
e Sede Conselho Jovem Estudante.<br />
O Espaço AJE conta ainda com uma equipa<br />
de futebol constituída pelos alunos do PIEF –<br />
Plano Integrado de Educação e Formação. Esta<br />
equipa surgiu no seguimento de um convite<br />
efectuado pela autarquia de Póvoa de Varzim,<br />
que organizou o 1.º Encontro Desportivo<br />
das Casas da Juventude do Distrito do Porto.<br />
O Espaço AJE tem sido ainda palco de inúmeras<br />
actividades destinadas como o concurso<br />
de grafites, oficina de doces tradicionais e do<br />
pinheirinho, atelier de pintura e de joalharia.<br />
As acções realizadas para e com os jovens do<br />
concelho vão para além das portas do Espaço<br />
AJE. Assim, os jovens lousadenses têm a<br />
oportunidade de participar anualmente nos<br />
IV Jornadas da Juventude de Lousada: um evento para os jovens desenhado com os jovens | Dependências | 27<br />
Jogos Internacionais da Juventude, Colónias<br />
de Férias em Renteria – Espanha, programa de<br />
Ocupação de tempos Livres, Universidade Júnior,<br />
no Porto, Intercâmbio a Londres que distingue<br />
o melhor aluno de inglês da Escola Secundária<br />
e Olimpíadas da Europa. O AJE Móvel<br />
é uma outra vertente em que a equipa do<br />
Espaço AJE se desloca aos empreendimentos<br />
de habitação social do concelho para desenvolver<br />
actividades com as crianças e jovens.<br />
Desde o início do ano que a Câmara de Lousada,<br />
através do pelouro da Juventude,<br />
tem promovido e apoiado diversos seminários.<br />
Destaque para a participação de jovens<br />
no “Programa Nacional da Juventude<br />
<strong>2007</strong>/2013”, “Questões do Secundário”,<br />
“Sexualidade, Prevenção e Aconselhamento”,<br />
“Europa que Oportunidades”, “Os Desafios<br />
da Actualidade” e “Juventude em Acção”.<br />
O pelouro da Juventude teve ainda participação<br />
na iniciativa referente ao “Comboio<br />
das Novas Oportunidades”, no âmbito das<br />
Novas Oportunidades para Todos, que percorreu<br />
todas as freguesias do concelho.<br />
Um outro projecto em que o pelouro tem trabalhado<br />
é relativo ao programa DICAS (Diversidade,<br />
Inclusão, Complexidade, Autonomia<br />
e Solidariedade). Neste sentido, foram implementadas<br />
as “Férias + Q Divertidas”, onde<br />
os jovens participaram em eventos como<br />
visitas ao jardim Zoológico de Lisboa, gravações<br />
de uma série televisiva e visitas ao património<br />
histórico do concelho, entre outros<br />
O Cartão Jovem Municipal é outro dos serviços<br />
disponibilizados pela autarquia, em colaboração<br />
com a Secretaria de Estado da Juventude<br />
e Desporto e com a Movijovem, através<br />
de descontos em vários estabelecimentos<br />
comerciais do concelho para os aderentes. O<br />
Cartão-jovem Municipal pode ser requisitado<br />
no Espaço AJE e Espaço Internet de Lousada<br />
e Torno.
28 | Dependências | Congresso Internacional dos Açores<br />
Igualdade de Oportunidades<br />
para Tod@s<br />
Numa iniciativa promovida pela Secretaria Regional dos Assuntos Sociais do Governo<br />
dos Açores, decorreu, nos passados dias 15 e 16, em Angra do Heroísmo, o Congresso<br />
Internacional dos Açores Igualdade de Oportunidades para Tod@s, integrado nas<br />
iniciativas do Ano Europeu da Igualdade de Oportunidades Para Todos.<br />
Temas como Cidade e Coesão Social, Acolher e Integrar Imigrantes em Portugal,<br />
Acessibilidade e Cidadania, Políticas de Reabilitação na área da Igualdade de<br />
Oportunidades ou a Integração dos que estão de fora da Urbe, para além da<br />
apresentação de boas práticas, dissertações de cariz ético, político e social, reuniram<br />
especialistas provenientes de diversas áreas profissionais na Ilha Terceira. Dependências<br />
marcou presença e entrevistou algumas das individualidades presentes<br />
Rui Marques, Alto-comissário para a Imigração e Diálogo Intercultural<br />
Dep – Durante a sua apresentação, referiu<br />
existirem cerca de 200 milhões de emigrantes<br />
em todo o mundo. Estamos a falar<br />
de pessoas ou de “máquinas de trabalho”?<br />
R.M. – São pessoas. Pessoas marcadas pela<br />
coragem, pela ousadia de, perante condições<br />
difíceis no seu país – pobreza, guerra,<br />
catástrofes naturais – são capazes de<br />
arriscar, de chorar, de ousar e ir à procura<br />
de trabalho. Aquilo que os move é, essencialmente,<br />
a esperança de encontrarem um<br />
futuro melhor para si e para as suas famílias<br />
e, por isso digo muitas vezes com convicção<br />
que são do melhor que a humanidade<br />
tem porque são os homens e as mulheres<br />
que não se conformam, lutam e ambicionam<br />
construir um mundo melhor. Através<br />
do trabalho, prestam um contributo<br />
que beneficia toda a gente e não podem,<br />
no entanto, ser vistos apenas como “braços”<br />
ou “máquinas de trabalho”. São pessoas<br />
importantes, merecem todo o respeito<br />
inerente à dignidade humana e a política<br />
de integração deve ser global, considerando<br />
não só a protecção dos direitos dos trabalhadores<br />
mas também as questões relacionadas<br />
com a habitação, com a saúde,<br />
com a justiça, com a educação, para recebermos<br />
pessoas e não “braços”.<br />
Dep – Muitos deles continuam a ser rotulados<br />
como ilegais. Será legítimo designálos<br />
como tal ou preferível utilizar um eufemismo<br />
e afirmar que estão em situação<br />
irregular?<br />
R.M. – Acontece que, muitas vezes, só no<br />
início do ciclo migratório ou mais à frente<br />
estes homens e mulheres que querem<br />
trabalhar não têm autorização para permanecer<br />
e o fazer num determinado país. E<br />
é isso que é ser imigrante irregular, mas<br />
é um estado, portanto, a pergunta faz to-<br />
do o sentido. Não é uma essência, ou seja,<br />
é um estado que se pode transformar<br />
e basta perceber que metade dos nossos<br />
imigrantes legais de hoje, em Portugal,<br />
já foram imigrantes irregulares e que há<br />
imigrantes que já foram legais e cujo visto<br />
não foi renovado a tempo, tendo, por isso,<br />
entrado numa situação irregular. Mas<br />
estamos a falar numa situação administrativa,<br />
de uma situação legal, concerteza,<br />
mas onde, a meu ver, não se deve centrar a<br />
nossa atenção fundamental. A nossa atenção<br />
deve focar-se, concerteza, na produção<br />
de imigração legal, que quando as pessoas<br />
chegam a Portugal venham munidas das<br />
autorizações necessárias para aqui permanecerem<br />
e trabalhar, pois só assim conseguimos<br />
que os seus direitos sejam protegidos.<br />
Perante o problema da imigração irregular,<br />
é a vulnerabilidade dos próprios imigrantes<br />
que estão nessa circunstância que<br />
pode ser explorada por quem tem poucos<br />
escrúpulos. Mas sempre, e em todas as circunstâncias,<br />
são pessoas.<br />
Dep – Essas pessoas constituem um problema?<br />
R.M. – Não têm sido nem são um problema.<br />
São, como dizia, uma excelente oportunidade,<br />
enquanto contributo, para o desenvolvimento<br />
sustentado e para a coesão<br />
social. Agora, decorrente de algumas circunstâncias<br />
especiais, podem eles próprios<br />
viver grandes problemas e representar um<br />
problema social. Se quiser, por exemplo, a<br />
questão de estes imigrantes agarrarem os<br />
trabalhos que ninguém quer, os trabalhos<br />
sujos, mal pagos e perigosos, faz com que<br />
estes homens e mulheres tenham índices<br />
de sinistralidade laboral muito acima da<br />
média portuguesa. Nesse sentido, temos,<br />
entre imigrantes, um número de vítimas de<br />
acidentes de trabalho e uma gravidade de<br />
casos muito maior, bem como situações de<br />
homens e mulheres imigrantes que trabalhavam<br />
para um determinado sub empreiteiro<br />
que, durante três meses ou quatro,<br />
não paga o salário ou que desaparece, e estas<br />
pessoas, de repente, não têm dinheiro<br />
para viver e ficam sem abrigo. Esse constitui,<br />
evidentemente, um grande problema<br />
mas, sublinho, não é a imigração ou os imigrantes<br />
que constituem o problema mas as<br />
condições sociais, a injustiça gerada e a exploração<br />
de que muitos são vítimas. Esse<br />
sim, é o verdadeiro problema a que a sociedade<br />
tem que fazer face.<br />
Dep – Não constituindo um problema, em<br />
que medida poderão representar uma<br />
ameaça para a coesão nacional?<br />
R.M. – Muito pelo contrário. Basta verificarmos<br />
que os cerca de 4,5 milhões de portugueses<br />
espalhados pelo mundo nunca<br />
ameaçaram a coesão nacional de nenhum<br />
país. Aliás, se olharmos para a nossa identidade<br />
nacional, percebemos que somos<br />
um País feito do cruzamento de muitos povos<br />
e de muitas culturas e esse ciclo há-de<br />
continuar no futuro. Se quiser, estamos a<br />
repetir aquilo que aconteceu ao longo de<br />
oito séculos de história.
Domingos Cunha, Secretário Regional dos Assuntos Sociais<br />
“Nos dias de hoje, marcados indelevelmente<br />
por mudanças constantes nos modos e<br />
nas formas de desenvolvimento das comunidades,<br />
e onde os processos de comunicação<br />
se revelam predominantes no relacionamento<br />
entre entidades e cidadãos,<br />
não podia o Governo dos Açores deixar de<br />
se associar às comemorações do Ano Europeu<br />
da Igualdade de Oportunidades Para<br />
Todos - por uma Sociedade Mais Justa,<br />
promovendo e apoiando iniciativas neste<br />
âmbito.<br />
É nosso objectivo continuar a reforçar as<br />
políticas que visam a promoção da igualdade,<br />
a redução das assimetrias locais e<br />
regionais e, sobretudo, a criação de ferramentas<br />
tendentes à integração de todas as<br />
açorianas e açorianos, eliminando os constrangimentos<br />
ainda existentes e promovendo<br />
o acesso a todas as formas de comunicação<br />
e do conhecimento, onde as novas<br />
tecnologias assumem um papel primordial.<br />
Sendo uma aposta do presente, é, também,<br />
uma aposta de futuro, pois temos<br />
consciência de que só identificando com<br />
clareza os constrangimentos e necessidades<br />
se poderão criar os mecanismos para<br />
os ultrapassar, num constante processo de<br />
inovação, esforço e interacção entre agentes<br />
políticos, empresas e cidadãos.<br />
Os Açores não estão hoje, nem poderiam<br />
estar, imunes aos processos de modernização<br />
e desenvolvimento global, mas é necessário<br />
ter em conta que esses processos<br />
são complexos e podem provocar mecanis-<br />
mos de exclusão, essencialmente junto das<br />
camadas mais vulneráveis da população.<br />
É nossa obrigação perceber que, nos Açores<br />
de hoje, a multiplicidade social e cultural<br />
é uma realidade emergente, contributo<br />
não só do regresso de açorianos à sua terra,<br />
como, também, através dos cidadãos<br />
de diferentes proveniências que, de forma<br />
crescente, têm vindo a optar por viver nestas<br />
ilhas.<br />
Importa, por isso, garantir igualdade de<br />
oportunidades para todos, independentemente<br />
do género, alterar representações<br />
sociais marcadas pela rejeição da diferença,<br />
valorizar a diversidade cultural e fomentar<br />
a tolerância, promovendo uma sociedade<br />
mais coesa.<br />
São estes, aliás, os grandes objectivos do<br />
Ano Europeu para a Igualdade de Oportunidades.<br />
Respondem ao imperativo de transformar<br />
sociedades marcadas por clivagens<br />
sociais, pela origem, pelo nascimento, pela<br />
existência de deficiências físicas ou mentais<br />
e por desigualdades estigmatizadas<br />
pela raça, pela etnia, pela confissão religiosa<br />
ou orientação sexual, ou ainda, outros<br />
factores associados a vários tipos de discriminação<br />
e preconceito.<br />
Pretende-se, pois, lutar por sociedades<br />
mais justas onde o preconceito associado<br />
à diferença não encontre espaço, onde haja<br />
desenvolvimento económico e social mais<br />
profundo e harmonioso, onde se garanta o<br />
acesso à educação, à formação profissional,<br />
ao emprego, aos direitos de cidadania<br />
e a bens e serviços de qualidade necessários<br />
à participação na sociedade.<br />
Só assim se pode prevenir e combater a exclusão<br />
e lutar contra todas as formas de<br />
discriminação, construindo uma sociedade<br />
mais equitativa e coesa.<br />
Neste sentido, as propostas do Governo<br />
dos Açores, através da Secretaria Regional<br />
dos Assuntos Sociais, vêm cimentar e estruturar<br />
a continuidade de uma intervenção<br />
qualificada.<br />
Como medidas e planos de acção a<br />
implementar num futuro próximo quero<br />
apresentar:<br />
- O Plano Regional da Igualdade de Opor-<br />
Congresso Internacional dos Açores | Dependências | 29<br />
tunidades, que se encontra em fase de elaboração;<br />
- A apresentação da Comissão Regional de<br />
Acompanhamento e Avaliação dos Serviços<br />
de Saúde Mental;<br />
- A alteração do paradigma da Comissão<br />
Consultiva Regional para a Defesa dos Direitos<br />
das Mulheres, numa linha de maior<br />
abrangência e onde figurará a Igualdade de<br />
Género como princípio primeiro;<br />
- O aumento da Rede das Casas-Abrigo, na<br />
Região, para um total de 10;<br />
- A construção de dois Centros de Acolhimento,<br />
Formação e Integração Sócio-Laboral<br />
e respectivas unidades móveis para<br />
pessoas sem abrigo;<br />
- A abertura de um Centro de Reabilitação<br />
e Integração Social e Profissional do Recluso;<br />
- A abertura de um Centro de Tratamento<br />
e Formação de Jovens com problemas de<br />
toxicodependência, com idades compreendidas<br />
entre os 12 e os 18 anos.<br />
O Governo dos Açores, ao associar-se a este<br />
Ano Europeu para a Igualdade de Oportunidades<br />
e ao promover este Congresso<br />
Internacional, pretende incrementar uma<br />
reflexão sobre os obstáculos que se colocam<br />
à sociedade açoriana para que se projecte<br />
como uma verdadeira sociedade solidária.<br />
Pretendemos, no âmbito deste Congresso,<br />
abordar os principais níveis em que a igualdade<br />
de oportunidades necessita de ser<br />
aprofundada; identificar os diferentes motivos<br />
da discriminação, desconstruir estereótipos<br />
e identificar lacunas na acção em<br />
prol da igualdade de oportunidades; trocar<br />
informações sobre experiências e boas práticas<br />
contra a discriminação e identificar<br />
medidas e processos de acção.<br />
O Governo dos Açores tem consciência de<br />
que é grande o desafio. Mas tem a certeza<br />
de que, com o envolvimento de todos e<br />
num esforço conjunto da sociedade civil na<br />
afirmação dos valores da diversidade, da<br />
inclusão e da igualdade, trilharemos este<br />
percurso com sucesso”.
30 | Dependências | Congresso Internacional dos Açores<br />
Nélia Amaral, deputada da Assembleia Legislativa Regional dos Açores<br />
Dep – Quando falamos sobre igualdade de<br />
oportunidades, a que nos referimos concretamente?<br />
N.A. – Na minha opinião, quando falamos em<br />
igualdade de oportunidades, falamos da capacidade<br />
de reconhecermos aos outros os mesmos<br />
direitos que achamos que temos. Para<br />
lhe dar um exemplo, eu como mulher não sinto<br />
necessidade de usufruir de qualquer direito<br />
especial, mas antes a necessidade que as outras<br />
mulheres, os homens, as empresas, o Estado,<br />
as associações e demais entidades com<br />
quem lido, reconheçam e respeitem os meus<br />
direitos enquanto ser humano. É não considerar<br />
que, porque nasci com pele branca, tenho<br />
direitos diferentes daqueles que nasceram com<br />
pele escura ou porque posso usar as pernas para<br />
andar tenho direitos superiores àqueles que<br />
têm que utilizar uma cadeira de rodas ou porque,<br />
lendo com os olhos, tenho direitos diferentes<br />
daqueles que têm que usar os dedos para<br />
ler. Depois, é organizarmos a sociedade e os<br />
serviços de forma a que essas pessoas que têm<br />
essas tais características diferentes tenham garantido<br />
o acesso às oportunidades que o Estado<br />
garante para todos. Se assim fosse não faria<br />
sentido que as nossas escolas continuassem a<br />
estar equipadas com quadro e giz e não com<br />
digitalizadores de voz , impressoras Braille ou<br />
mapas em relevo para as crianças que não vêem<br />
ou não falam. Parto do princípio de que, se<br />
assim acontece, é porque alguém assumiu que<br />
todas as crianças que vão para a escola vêem e<br />
falam, o que por exclusão de partes, pressupõe<br />
que aquelas que não ouvem ou não falam não<br />
têm lugar na escola.<br />
Dep – Até que ponto serão essas constatações<br />
ainda mais evidentes numa região<br />
como os Açores em que a dispersão de um<br />
conjunto de ilhas reduz factores como a<br />
acessibilidade e a mobilidade?<br />
N.A. – Bom, por razões naturais, estamos obrigados<br />
a utilizar o barco ou o avião para nos deslocarmos<br />
de uma ilha para outra (risos) … Mas<br />
creio que o problema fulcral, ao nível das acessibilidades,<br />
no que diz respeito à promoção da<br />
igualdade, não se coloca a esse nível, da deslocação<br />
de uma ilha para outra ou para o exterior<br />
do arquipélago mas antes ao nível dos cidadãos<br />
de cada comunidade, na medida em que podem<br />
ou não aceder aos serviços disponíveis para<br />
toda a gente. A acessibilidade tem de garantir<br />
que todos têm acesso, por exemplo, a subsídios<br />
de desemprego, a uma habitação condigna,<br />
à educação, de todos poderem entrar numa<br />
biblioteca pública. Na minha óptica, o problema<br />
da acessibilidade no âmbito da igualdade<br />
de oportunidades, tem a ver com a garantia de<br />
acesso aos serviços e bens essenciais para que<br />
no quotidiano de todas as pessoas sejam res-<br />
peitados os seus direitos humanos.<br />
Dep – Em que medida poderá a não fixação<br />
da população mais jovem em determinadas<br />
ilhas açorianas, face à falta de respostas<br />
ou soluções de futuro, representar<br />
mais uma barreira ditada pelas tais desigualdades?<br />
N.A. – A questão dos jovens coloca uma dificuldade<br />
e um desafio, sobretudo nas ilhas mais<br />
pequenas, em que temos uma população bastante<br />
envelhecida. É verdade que muitos jovens<br />
partem e que alguns não regressam. Eu gosto<br />
de analisar esse problema sob várias perspectivas.<br />
Por um lado assumo como positivo o facto<br />
de alguns jovens destas ilhas partirem… Eu parti.<br />
A partida, apesar de constituir uma dificuldade,<br />
também se pode afigurar como uma oportunidade,<br />
um abrir de horizontes ditado pela<br />
saída do limite geográfico onde, por acaso, nasceram,<br />
a possibilidade de contacto com outras<br />
experiências, culturas e populações, um desafio<br />
à sua autonomia, é um alargar de fronteiras.<br />
Não devemos condicionar os interesses e as<br />
possibilidades de formação e profissionais dos<br />
jovens só porque nasceram nos Açores. Queira<br />
um jovem açoriano ser astronauta, astrólogo,<br />
físico, ou seja o que for que aqui se afigure<br />
impossível de concretizar – seja ele capaz de<br />
realizar o seu sonho e nós teremos de encontrar<br />
forma de lhe proporcionar as condições para<br />
concretizar esse objectivo. Temos de apoiálo<br />
na prossecução do seu projecto de vida, mesmo<br />
que isso implique a saída dos Açores e mesmo<br />
quando tenhamos consciência de que dificilmente<br />
regressarão. Mas, por outro lado, temos<br />
que continuar a desenvolver aqui possibilidades<br />
de realização pessoal de outros jovens,<br />
com ambições diferentes, que têm outros projectos<br />
de vida, igualmente válidos e que podem<br />
ser desenvolvidos aqui nos Açores. Temos que<br />
dar continuidade a incentivos ao empreendedorismo,<br />
por exemplo, temos que ser criativos e<br />
proporcionar outras oportunidades de ocupação<br />
profissional, que não as tradicionais dentro<br />
da nossa comunidade. Falando, uma vez mais,<br />
nas tecnologias da comunicação, nada impede<br />
que um jovem que reside nos Açores, faça, por<br />
exemplo, traduções de português para inglês<br />
para uma empresa alemã sedeada em Nova<br />
Iorque. Há que estudar essas novas possibilidades<br />
de trabalho uma vez que temos hoje mecanismos<br />
que fazem com que os limites físicos do<br />
nosso arquipélago fiquem mais atenuados face<br />
à existência dessa rede de telecomunicações e<br />
do processo de globalização que, se por um lado,<br />
acarreta efeitos negativos, também representa<br />
vantagens que convém explorar.<br />
Dep – A imigração poderá ser encarada como<br />
uma oportunidade ou uma ameaça para<br />
os açorianos?<br />
N.A. – Eu creio que a imigração deve ser encarada<br />
como uma vantagem. Nós, açorianos, tivemos,<br />
durante muito tempo, um fluxo migratório<br />
muito acentuado para os EUA e para o Brasil.<br />
Dificilmente, se encontrará nos Açores uma<br />
família que não tenha um familiar, mais ou menos<br />
afastado na Nova Inglaterra, na Califórnia<br />
ou em São Paulo. Somos uma população que<br />
sente na pele o que representa estar longe da<br />
sua terra, numa país diferente, com uma língua<br />
e cultura diferentes. Não quero com isto dizer<br />
que tenham sido eliminadas as dificuldades de<br />
integração dos emigrantes que hoje chegam<br />
aos Açores, mas julgo que esta experiência colectiva<br />
contribui para que nos consigamos organizar<br />
e perceber que estas pessoas que chegam,<br />
na sua diversidade trazem uma mais-valia<br />
no que respeita ao enriquecimento cultural um<br />
contributo em relação ao nosso desenvolvimento<br />
social e económico.<br />
Dep – Tendo em conta as dificuldades inerentes<br />
à dispersão geográfica de um arquipélago<br />
e às barreiras daí resultantes, que<br />
tipo de medidas têm sido levadas a cabo<br />
pela assembleia Legislativa Regional?<br />
N.A. – Têm sido tomadas várias medidas.<br />
Ocorrem-me algumas, por exemplo, no âmbito<br />
da educação e da saúde, áreas consideradas<br />
fundamentais. Na área da saúde, uma medida<br />
tomada consistiu em possibilitar a deslocação<br />
de especialistas, financiada pelo Governo Regional,<br />
às diferentes ilhas, rentabilizando assim<br />
os recursos humanos e evitando a deslocação<br />
dos doentes em situação fragilizada, de dependência<br />
ou até de crise. A região dispõe ainda de<br />
apoios para a deslocação dos doentes, tendo<br />
sido criado um centro de acolhimento para doentes<br />
deslocados em Lisboa, precisamente para<br />
colmatar essa necessidade de, mesmo em<br />
ilhas que dispõem de hospital, alguém ter que<br />
se deslocar ao continente. A nossa rede escolar<br />
está organizada por forma a que, em cada concelho<br />
e em cada ilha, haja estruturas para dar<br />
resposta à estabilidade da escolaridade obrigatória.<br />
Sei que isto pode parecer óbvio mas, se<br />
pensarmos que numa ilha dos Açores existem<br />
menos de 500 habitantes, pode imaginar-se<br />
quantos alunos existem e o investimento necessário<br />
para se garantir esse objectivo. Nos transportes<br />
aéreos foi criada a taxa de residente para<br />
que as pessoas que residem nos Açores beneficiem<br />
de uma taxa inferior e assim possam<br />
colmatar essa dispersão geográfica…<br />
Dep – Que avaliação faz, enquanto deputada,<br />
do trabalho desenvolvido, ao longo dos<br />
últimos anos, pelo Governo Regional em<br />
prol dos Açores?<br />
N.A. – Estou obviamente satisfeita mas, se por<br />
um lado, creio que temos que olhar para trás<br />
e reconhecer o percurso que já foi efectuado,<br />
também temos que constatar que muito existe<br />
ainda por fazer. E, com cada etapa que vamos<br />
conseguindo alcançar, devemos estabelecer<br />
um objectivo novo, no sentido de chegarmos<br />
cada vez mais longe.<br />
Dep – E o que falta então fazer?<br />
N.A. – Falando sobretudo em termos de política<br />
social, a área a que mais me dedico, diria<br />
que se fez na região um grande investimento na<br />
construção de infra-estruturas, quer de hospitais,<br />
quer de centros de saúde, quer de lares de<br />
idosos, creches, jardins de infância ou escolas.<br />
E a esse nível, as estruturas de que estamos dotados,<br />
não nos envergonham em nenhum local<br />
do país ou do mundo. Creio que agora teremos<br />
que deslocar o investimento mais para a promoção<br />
da qualidade. Fazer mais formação de<br />
recursos humanos em áreas específicas, preocuparmo-nos<br />
mais com a qualidade dos serviços<br />
que prestamos, fazer monitorizações e<br />
manter registos para que possamos alterar o<br />
que for necessário ou até replicar boas práticas.<br />
Creio que o desafio seguinte passa, inevitavelmente,<br />
por uma aposta cada vez mais consistente<br />
na qualidade.
Francisco Valadão, Secretário Regional Adjunto dos Assuntos Sociais<br />
Dep – Chegado ao final o congresso, terá<br />
aqui nascido o devido espaço para a igualdade<br />
de oportunidades?<br />
F.V. – Chegámos ao fim do congresso mas<br />
estamos num contínuo começo, ou seja, isto<br />
não corresponde propriamente a um início<br />
uma vez que existe um trabalho feito<br />
muito anteriormente e o congresso representa<br />
um momento de pausa para recuperar<br />
conceitos e práticas, para ganhar forças,<br />
para nos confrontarmos e perspectivarmos<br />
a igualdade de oportunidades.<br />
Dep – A diversidade é uma marca que resulta<br />
deste evento. Para além da multiplicidade<br />
de técnicos e profissionais oriundos<br />
de muitas áreas, também foi agradável<br />
verificar a grande adesão por parte da<br />
comunidade académica…<br />
F.V. – Quando pensámos o congresso, fizemo-lo<br />
na tentativa de dar luz com os princípios<br />
e iluminá-los com boas práticas. E<br />
nesse sentido, tentámos diversificar as boas<br />
práticas da região e de regiões periféricas,<br />
bem como os princípios orientadores<br />
dos painéis que pensámos. A disponibilidade<br />
dos académicos foi também fantástica.<br />
Dep – Quando fala em igualdade de oportunidades<br />
para todos também pensa na criação<br />
de respostas para jovens ilhéus que,<br />
não raras vezes, procuram essas mesmas<br />
oportunidades fora dos Açores?<br />
F.V. – A região não é propriamente auto-suficiente<br />
mas há uma política por parte do<br />
Governo Regional que tem desenvolvido<br />
programas nesse sentido para o emprego,<br />
para a formação profissional com o intuito<br />
de sensibilizar ainda mais uma população<br />
que, por vezes, fica de fora, para que<br />
a comunidade vá ao encontro dessa população,<br />
para que tenham também os canais<br />
de acesso àquilo que mais desejam.<br />
Congresso Internacional dos Açores | Dependências | 31<br />
Dep – O que poderá significar a presença<br />
no congresso de uma representação do<br />
sector político, nomeadamente, de algumas<br />
deputadas?<br />
F.V. – As deputadas aqui presentes são<br />
afectas à área dos assuntos sociais e manifestam<br />
a preocupação de acompanhar os<br />
ritmos em termos de pensamentos, de reflexão<br />
e orientações. É de louvar esta presença<br />
contínua, física e participativa.<br />
Dep – As associações presentes também<br />
foram objecto de formação nesta área?<br />
F.V. – Sobretudo quem esteve aqui, porque<br />
foram muitos técnicos novos de<br />
instituições, ONGs e outras organizações,<br />
traz-nos uma renovada esperança.<br />
É, acima de tudo, um público que<br />
aposta, que tem esperança, que quer<br />
experimentar de novo, encontra-se para<br />
reflectir. Creio que as propostas<br />
aqui deixadas irão permitir essa contínua<br />
reflexão nos seus passos, quando<br />
se confrontarem com os outros colegas<br />
que porventura não tenham vindo,<br />
quando se confrontarem com outros<br />
colegas que participaram no encontro…<br />
Estou em crer que o congresso<br />
irá ser um ponto de referência para<br />
as reflexões.<br />
Portugal foi distinguido com o segundo lugar, num estudo co-financiado pela União<br />
Europeia para os programas INTI de acções preparatórias para a inclusão de cidadãos de<br />
países terceiros e levado a cabo pelo Conselho Britânico e o Grupo de Políticas Migratórias.<br />
O estudo, MIPEX, avalia as políticas destinadas a integrar as populações migrantes nos<br />
25 Estados-Membros, recorrendo a mais de 140 indicadores políticos que traçam uma<br />
radiografia acerca das oportunidades concedidas por cada Estado a estes imigrantes.<br />
Governo Regional assina acordo com<br />
AIPA para estudo sobre situação dos<br />
imigrantes nos Açores<br />
A Direcção Regional do Trabalho assinou,<br />
na passada semana, com a Associação<br />
dos Imigrantes dos Açores (AIPA), um<br />
protocolo de colaboração destinado à<br />
elaboração de um diagnóstico da situação<br />
laboral dos imigrantes na Região e a apurar<br />
as suas expectativas e necessidades de<br />
formação profissional.
32 | Dependências | Distrital do PS Porto visita Casa de Vila Nova e exige saber o que a autarquia pretende fazer<br />
“A Câmara do Porto não se pode<br />
demitir das suas responsabilidades”<br />
Dep – Que motivos o levaram a visitar este<br />
dispositivo e a reunir com os responsáveis<br />
pela Delegação Regional do Norte do IDT?<br />
F.A. - Tivemos uma reunião de trabalho com a<br />
Direcção Regional do IDT na passada semana<br />
e acordámos realizar uma visita a este centro,<br />
justamente para tomarmos conhecimento in<br />
loco da situação. Mas a questão fundamental<br />
que se coloca é a seguinte: amanhã há reunião<br />
da Câmara Municipal do Porto e tenciono<br />
colocar uma questão que consiste em saber<br />
como pretende a Câmara Municipal assumir<br />
as suas responsabilidades na questão do combate<br />
à toxicodependência. Como é sabido, a<br />
CM Porto decidiu, unilateralmente, romper<br />
o contrato que esteve na base do Programa<br />
Porto Feliz. Estavam em curso negociações<br />
com o IDT, que tinha apresentado uma série<br />
de propostas à CMP, essas propostas foram<br />
inicialmente aceites pelos técnicos do Programa<br />
Porto Feliz e, mais tarde, por decisão<br />
política da Câmara e, creio eu, do Presidente<br />
da Câmara, romperam unilateralmente todo<br />
esse processo negocial. A Câmara está pois,<br />
sem qualquer projecto ou programa a este<br />
nível para a cidade. É preciso que o Dr. Rui<br />
Rio diga ao executivo e à cidade o que pretende<br />
fazer. Qual é a sua orientação, qual é o<br />
seu projecto, qual é a forma como a Câmara<br />
pretende assumir as suas responsabilidades<br />
neste processo. É inaceitável que se vitimize<br />
e demita das suas responsabilidades. Face<br />
a esta polémica em torno do Porto Feliz, vou<br />
também propor ao Dr. Rui Rio que aceite a realização<br />
de uma auditoria externa ao Programa.<br />
Nunca se fez uma auditoria externa a este<br />
programa que tinha um cunho experimental e<br />
é preciso saber o que correu bem e o que correu<br />
mal. A par disso, também me pareceria<br />
interessante que fosse possível contrapor publicamente<br />
os argumentos dos responsáveis<br />
pelo Programa Porto Feliz com os argumentos<br />
do IDT. Eu falei com o IDT nestes últimos<br />
dois dias e verifiquei que os argumentos que<br />
apresenta são muito sérios e rigorosos. Em<br />
primeiro lugar, é preciso que qualquer programa<br />
municipal esteja integrado num programa<br />
mais genérico de tratamento do fenómeno da<br />
toxicodependência, o que não acontecia com<br />
o Porto Feliz. Era um programa relativamente<br />
exterior ao conjunto de programas a levar<br />
a cabo sob a superintendência do IDT neste<br />
âmbito. E se há área em que as coisas só têm<br />
sucesso a prazo se forem tratadas de forma<br />
integrada, é precisamente esta. Depois, há<br />
um outro argumento, não de somenos importância,<br />
que tem a ver com os custos. O Estado<br />
português não está em condições de estar a<br />
financiar exageradamente um determinado<br />
programa tendo como consequência um sub<br />
financiamento de outros. Os cidadãos são todos<br />
iguais. E o custo do Programa Porto Feliz<br />
era muito elevado, o que até se poderia compreender,<br />
durante algum tempo, admitindo<br />
que o Programa tinha um cunho experimental<br />
mas que não pode ser percebido como um<br />
custo permanente estrutural.<br />
Propomos, em primeiro lugar, que a CMP retome,<br />
de imediato, o diálogo com o IDT. Questionei<br />
os responsáveis do IDT sobre o que se<br />
faz nas outras câmaras da Área Metropolitana<br />
do Porto de Matosinhos, Gaia e Gondomar,<br />
três câmaras com orientações políticas diversas<br />
e a resposta que obtive foi no sentido<br />
da existência de um trabalho em articulação<br />
com o IDT, envolvendo as várias associações e<br />
IPSS que estão a trabalhar neste sector e que<br />
as coisas correm bem. É isso que a CMP tem<br />
que fazer. Aliás, em relação à questão da auditoria<br />
externa, é caso para perguntar por que<br />
é que o Dr. Rui Rio, que está sempre a falar<br />
em rigor e transparência, tem tanto medo da<br />
realização de uma auditoria externa ao Porto<br />
Feliz. Tem medo que se divulguem os custos<br />
reais do Programa? Tem medo que se faça<br />
uma avaliação rigorosa dos seus efeitos reais?<br />
O Dr. Rui Rio passa a vida a dizer que quase<br />
toda a Europa estava prestes a render-se a<br />
este Programa mas, na verdade, não conheço<br />
nenhuma cidade europeia que se tenha rendido<br />
ao Programa. E esta é a maioria municipal<br />
que conheço no País inteiro mais claramente<br />
vinculada à direita desde o ponto de vista do<br />
tratamento das questões sociais e culturais.<br />
Dep – Considera que o Dr. Rui Rio mentiu<br />
quando afirmou que o Programa foi avaliado<br />
por uma universidade do Porto?<br />
F.A. – O Programa foi avaliado por pessoas<br />
que nele participavam, as mesmas pessoas<br />
que tinham avaliado o programa anterior e<br />
tinham achado que o mesmo era excelente.<br />
Eu não ponho em causa a seriedade individual<br />
dessas pessoas mas é evidente que são pessoas<br />
envolvidas no processo e elas próprias<br />
deveriam ter tido o cuidado de não participar<br />
nessa avaliação, que está ferida de morte no<br />
que diz respeito à sua credibilidade, independentemente<br />
da qualidade profissional dessas<br />
pessoas.<br />
Dep – O Dr. Rui Rio insurgiu-se ainda contra<br />
o facto de a Associação Ares do Pinhal,<br />
sedeada em Lisboa, estar a receber fundos<br />
públicos e de ter existido um alegado favorecimento<br />
pelo facto de o Dr. Nuno Miguel<br />
presidir essa mesma instituição, sendo um<br />
quadro do IDT…<br />
F.A. – Isso é falso… E, aliás, eventuais erros<br />
que até fossem cometidos em Lisboa não deveriam<br />
servir nunca para explicar erros aqui<br />
no Porto. Além do mais, pelo que percebi, o<br />
número de utentes atendidos por essa associação<br />
em Lisboa é muitíssimo maior do que<br />
o número de utentes do Porto Feliz, tem um<br />
custo per capita muito inferior e essa associação<br />
trabalha em articulação e dentro das<br />
regras estabelecidas pelo IDT. Neste sector,<br />
havendo um programa que não trabalhe<br />
em articulação com outros projectos, tem<br />
consequências catastróficas do ponto de vista<br />
do tratamento efectivo da toxicodependência.<br />
E, se quisermos, também poderemos ir ver<br />
quem são as pessoas que trabalham no Porto<br />
Feliz e que ligações têm com a maioria municipal…<br />
mas essa não é uma discussão em
que pretenda entrar. E devo referir ainda que,<br />
para quem não está muito preocupado com<br />
a pobreza mas não quer é ser incomodado,<br />
nomeadamente com os arrumadores, o programa<br />
até teve algum sucesso porque está<br />
dotado de uma lógica sanitarista e autoritária<br />
mas também me parece estranho que o programa<br />
tenha cessado e, passados dois dias<br />
já venham os responsáveis da autarquia dizer<br />
que já se vêem arrumadores de novo na cidade<br />
do Porto… Temos é que ter uma resposta<br />
muito mais profunda.<br />
Dep – Recentemente, ouvimos ainda o Dr.<br />
Nuno Melo insurgir-se contra a instalação<br />
Francisco Assis | Dependências | 33<br />
Testemunho de um ex-utente do Programa Porto Feliz a residir na Casa de Vila Nova<br />
“Fiquei contentíssimo quando a Câmara abandonou o Porto Feliz!”<br />
Dep – Como veio parar ao Porto Feliz e à<br />
Casa de Vila Nova<br />
José Dias (J.D.) - Isto abriu com a Norte<br />
Vida. No início fiz as desintoxicações nesta<br />
ala, que era fechada, tinha televisor, dormitórios<br />
e um local para refeições. Depois,<br />
havia uma escola onde funcionava a área<br />
de dia, onde tínhamos diversas actividades,<br />
fazíamos também aqui muitas reuniões ao<br />
ar livre, tínhamos reuniões semanais ou<br />
quinzenais, fazíamos actas, portanto, funcionava<br />
tudo de forma perfeita. Ocupávamos<br />
o tempo de uma maneira que nos fazia<br />
sentirmo-nos úteis, a Norte Vida tentava<br />
integrar as pessoas na família e na sociedade,<br />
conseguiu arranjar emprego para muita<br />
gente, casaram-se aqui colegas, portanto,<br />
fizeram um trabalho bem feito. Quando o<br />
Porto Feliz tomou conta disto as coisas tomaram<br />
uma volta de 180 graus…<br />
Dep – Porquê?<br />
J.D. - A política deles consistia, mais ou<br />
menos, em repressão.<br />
Dep – Você era arrumador?<br />
J.D. - Sim, cheguei a andar a arrumar carros.<br />
Dep – É verdade que os técnicos se faziam<br />
acompanhar de polícias no sentido de encaminhar<br />
os arrumadores para tratamento?<br />
J.D. - Não. Ou melhor, há uma parte do<br />
que se diz que é verdade, que é o facto de<br />
a polícia contactar os arrumadores, agora<br />
essa dos técnicos… Posso dizer-lhe que,<br />
um certo dia em que nem sequer estava a<br />
de dispositivos de redução de riscos como<br />
as salas de consumo assistido e a troca de<br />
seringas em meio prisional e, ao mesmo tempo,<br />
a alegar desigualdades de tratamento por<br />
parte do IDT em função das instituições. Não<br />
se estará a partidarizar demais estas questões,<br />
apesar de não deixarem de constituir<br />
decisões políticas?<br />
F.A. – O assunto é político e, portanto, o que<br />
acho errado é partidarizar-se excessivamente.<br />
Concordo inteiramente que o assunto seja<br />
tratado em termos políticos percebendo-se<br />
que existem estratégias políticas diferentes.<br />
Entre o que eu penso e o que pensa o Dr.<br />
Nuno Melo vai toda a diferença entre o que<br />
arrumar carros, estava apenas no passeio à<br />
espera de um colega meu, esse sim estava<br />
a arrumar carros, apareceu um polícia municipal<br />
que tentou apanhá-lo mas não conseguiu<br />
e foi insultado – eles andavam meios<br />
pegados… Como não conseguiu apanhá-lo,<br />
pegou em mim, meteu-me dentro do carro<br />
à força, deu-me logo dois socos, levou-me<br />
para a esquadra em Lordelo e queria, à força,<br />
que eu assinasse um documento em que<br />
admitia que estava a arrumar carros – era<br />
uma multa de 60 euros. Eu recusei-me fazêlo<br />
porque não correspondia à verdade, fui<br />
novamente agredido dentro da esquadra. A<br />
coisa ficou por aí…<br />
Dep – Mas nessa altura já estava inserido no<br />
Programa Porto Feliz?<br />
J.D. - Sim, já estava.<br />
Dep – E quando foi abordado pelo polícia ele<br />
sabia ou tentou saber se estava inserido no<br />
Programa?<br />
J.D. - Não, de maneira alguma. Eles estiveram<br />
sempre à margem dessas ocorrências.<br />
Embora tivessem conhecimento da existência<br />
do Programa e até sabiam que alguns de<br />
nós estavam inseridos, nunca fizeram nada<br />
que respeitasse isso. Mas dou-lhe outros<br />
exemplos acerca do Programa. Quanto ao<br />
tema do VIH, que é um vírus que se transmite<br />
através do sangue, toda a gente sabe<br />
que a troca de seringas foi uma coisa que<br />
fizeram muito bem em implementar. Aqui,<br />
com o Porto Feliz, eles só trocavam a seringa<br />
se a gente trouxesse uma usada. Muitas<br />
vezes, os colegas compravam a droga, a<br />
gente não tinha dinheiro mas tínhamos as<br />
seringas, já utilizadas, e como só tínhamos<br />
uma, essa tinha que dar para dois ou para<br />
três porque aqui se negavam a trocar. Uma<br />
vez por outra ainda facilitavam mas depois<br />
começaram a ser rígidos connosco.<br />
Dep – Era alguma equipa de rua que fazia a<br />
troca?<br />
J.D. - Não, era aqui, na Casa de Vila Nova.<br />
Havia aqui uma equipa de rua da Norte Vida,<br />
entretanto começaram a ir para outros locais<br />
mais problemáticos como o Aleixo. Mas, até<br />
mesmo em relação à alimentação, quando<br />
isto passou para o Porto Feliz, começou a ser<br />
degradada, serviam-nos em chávenas e copos<br />
partidos, pratos “esbotenados”, tudo facto-<br />
pensa um homem da esquerda democrática<br />
e o que pensa um homem da direita conservadora<br />
e, portanto, nenhum de nós estará à<br />
espera que o outro pense da mesma forma<br />
que nós. O que me parece é que o Dr. Rui<br />
Rio ainda ultrapassa muito o Dr. Nuno Melo<br />
à direita nestas questões, revelando uma estrutura<br />
mental muito autoritária, muito protofascista,<br />
o que acaba por ter uma expressão<br />
ao nível destes programas na área social<br />
imbuída destes princípios: totalitarismo, um<br />
certo sanitarismo e um voluntarismo que até<br />
pode ser bem intencionado mas que acaba<br />
por, associado a estas ideias anteriores, ter<br />
consequências terríveis.<br />
res de risco… Lembro-me que quando isto<br />
estava a cargo da Norte Vida, as pessoas<br />
que trabalhavam na cozinha usavam toucas,<br />
luvas e utensílios apropriados. Quando<br />
passou para o Porto Feliz, as funcionárias<br />
pegavam nalguma comida com as mãos<br />
e sem protecção, a comida era constantemente<br />
servida fria, a gente reclamava mas<br />
não servia de nada e, quando reclamávamos<br />
mais que a conta, mandavam-nos de<br />
castigo. E isso, para quem está a recuperar<br />
é muito mau. Quem estava aqui a dormir<br />
ficava logo sem dormida, sem alimentação<br />
e ia outra vez para a droga. Nós éramos<br />
descriminados pelos próprios técnicos.<br />
Dep – Conhece mais alguém que tenha<br />
sido alvo dessa política repressora e de<br />
agressões policiais?<br />
J.D. – Sim, conheço. Tem aqui aqui muita<br />
gente à sua beira com quem pode falar. Estes<br />
meus colegas já passaram todos pelo<br />
mesmo que eu.<br />
Dep – Alguma vez tentaram queixar-se a<br />
alguém das agressões perpetradas pelos<br />
polícias municipais de que dizem ter sido<br />
alvos?<br />
J.D. – Sim, às vezes chegávamos aqui e<br />
queixávamo-nos aos técnicos mas não<br />
adiantava nada… Cheguei a recolher aqui<br />
assinaturas – também fui sempre uma<br />
pedra no sapato para os responsáveis do<br />
Porto Feliz porque, no fundo, era um pouco<br />
o porta-voz das pessoas que estavam aqui<br />
– fui à Deco apresentar uma queixa relativa<br />
à alimentação e à falta de higiene – na<br />
cozinha, por exemplo, tínhamos um contentor<br />
de lixo à beira da comida, às sanitas<br />
constantemente entupidas, à falta de papel<br />
higiénico e de sabão, aos chuveiros danificados…<br />
Dep – Presumo que tenha ficado satisfeito<br />
quando a Câmara Municipal entregou a<br />
chave da Casa de Vila Nova, abandonando<br />
ao mesmo tempo o Programa Porto Feliz…<br />
J.D. – Fiquei contentíssimo quando soube<br />
que a Câmara abandonou o Porto Feliz!<br />
Acho que é uma grande oportunidade para<br />
as coisas melhorarem. Só espero que agora<br />
tudo volte a ser como era na altura em<br />
que a Norte Vida tomava conta disto.
34 | Dependências | Serviço de Doenças Infecciosas do Hospital Joaquim Urbano<br />
10º Encontro Nacional de<br />
Actualização em Infecciologia<br />
A cidade do Porto acolheu, de 17 a 19 de Outubro, o 10º Encontro Nacional de<br />
Actualização em Infecciologia, um evento organizado pelo Serviço de Doenças<br />
Infecciosas do Hospital Joaquim Urbano. Dependências apresenta resumos de dois dos<br />
vários estudos apresentados<br />
Terapêutica Anti-Retrovírica administrada<br />
directamente (DAART) com Metadona em<br />
doentes infectados por VIH<br />
A. Horta¹, J. Méndez¹, E. Gonzalez¹, C. Recalde², O. Fortes², N. Pires¹, J. Faria¹, R.<br />
Cruz², C. Rodrigues¹, R. Rocha¹, S. Ribeiro¹, S. Carvalho¹, M. Duarte¹, S. Veloso¹, V. Coelho¹,<br />
L. Feijó², C. Costa², L. Silvano², S. Judite¹, R. Sarmento-Castro¹.<br />
1 - Serviço de Doenças Infecciosas – HJU<br />
2 - CAT, Porto<br />
Objectivo: Avaliar a eficácia de DAART e metadona no tratamento de<br />
toxicodependentes activos de drogas por via endovenosa (IVDUs) infectados<br />
por VIH.<br />
Métodos: Entre Jan 2001 e Maio 2006, 422 IVDUs activos infectados<br />
por VIH foram incluídos num estudo prospectivo. 211 doentes tomaram<br />
HAART e metadona sob observação directa, diariamente no Hospital,<br />
com o suporte regular de uma equipa multidisciplinar. Os doentes<br />
do grupo controlo (n=211) auto-administraram HAART.<br />
Resultados: As características basais de ambos os grupos eram de<br />
um modo geral similares. A comparação dos resultados entre os grupos<br />
revelou: - a adesão à terapêutica foi melhor no grupo em estudo<br />
(85,3% vs 37,4%, p
Seminário Nova Geração de Respostas Sociais: O 3º Incluído | Dependências | 35<br />
Menos pobreza<br />
com o 3º Incluído<br />
O Dia Internacional para a Erradicação da Pobreza foi<br />
vivido de forma diferente no Porto. Através de uma<br />
organização conjunta entre a Fundação Filos, APDES,<br />
Norte Vida, e Benéfica e Previdente, o dia resultou num<br />
exercício de reflexão traduzido no seminário Nova Geração<br />
de Respostas Sociais: O 3º Incluído.<br />
O seminário O 3º Incluído apresentou a<br />
configuração de um tríptico estruturado<br />
em torno de práticas alicerçadas na ideia<br />
de comunidade de partilha, de discursos<br />
que abordam a utilidade social dos espaços<br />
urbanos degradados e, por fim, de<br />
projectos arquitectónicos para esses lugares<br />
que emergem de modelos participativos.<br />
Um exercício de reflexão entre os discursos<br />
das Ciências Sociais sobre os fenómenos<br />
da exclusão social e as formações<br />
discursivas da Arquitectura e do Desenho<br />
Urbano. O ponto de partida é a abordagem<br />
à Cidade como palco privilegiado para o<br />
exercício da cidadania, interessando sobretudo<br />
os espaços urbanos degradados<br />
que se constituem como vazio ao remeterem<br />
para uma dupla ausência: a de uso –<br />
habitabilidade, e a de sentido – ausência<br />
de significância social. São espaços que<br />
parecem, de acordo com os organizadores,<br />
“estar para ali”, lugares expectantes<br />
do interesse público. O vazio a que estes<br />
espaços aludem constituiu-se num potencial<br />
de requalificação e renovação, numa<br />
condição de possibilidade para a construção<br />
de outras formas de ver e desenhar o<br />
espaço urbano, materializando-os enquanto<br />
lugares possíveis.<br />
A ausência de cidade é espelhada também<br />
por um outro vazio que remete para ausência<br />
de equipamentos que entrem em sintonia<br />
com uma nova geração de respostas sociais.<br />
Se existe algum contributo possível<br />
deste seminário, prosseguem os autores,<br />
para a territorialização das políticas sociais,<br />
este reside na inclusão de um elemento terceiro<br />
– o Outro Excluído da centralidade do<br />
poder, da definição das estratégias e da<br />
apropriação dos espaços. O Terceiro Excluído<br />
é também uma metáfora da marginalidade<br />
em que o sector do mercado social vive.<br />
Finalizam os autores, referindo que conceber<br />
uma nova geração de respostas sociais<br />
mais não é do que construir lugares<br />
habitáveis.<br />
Um exercício de reflexão entre os<br />
discursos das Ciências Sociais sobre<br />
os fenómenos da exclusão social<br />
e as formações discursivas da<br />
Arquitectura e do Desenho Urbano<br />
Quanto ao programa, o seminário contou<br />
diversas mesas divididas por temáticas:<br />
As Práticas contou com prelecções de Paula<br />
Caramelo, da BragaHabit – Enquadrando<br />
Residências Partilhadas; Os Discursos<br />
contou com apresentações de Cláudia Rodrigues<br />
– (A inevitabilidade) de aproximação<br />
entre os Saberes Formais e os Saberes<br />
Contextuais na abordagem à Urbanização<br />
e Urbanidades; e Inês Guedes – Sociedade,<br />
Espaço Colectivo e Arquitectura;<br />
Por fim, foram apresentados projectos arquitectónicos<br />
realizados por três equipas<br />
da nova geração de arquitectos, que propõem<br />
uma nova geração de equipamentos<br />
sociais – Paulo Moreira. Da autoria<br />
de a.oficina foi apresentado o Centro de<br />
Acolhimento para Toxicodependentes; a<br />
TENT4 apresentou o Centro de Abrigo para<br />
Toxicodependentes; enquanto Brandão<br />
e Costa Lima apresentou Residências Partilhadas<br />
para Idosos. Seguiu-se um debate<br />
entre os prelectores e a plateia.
36 | Dependências | Jorge Negreiros em entrevista<br />
“A investigação em toxico<strong>dependências</strong><br />
é já um dado adquirido em Portugal”<br />
É professor na Faculdade de Psicologia e Ciências<br />
Sociais da Universidade do Porto e responsável pela<br />
orientação de alguns dos trabalhos que constituem uma<br />
fasquia muito significativa da produção de conhecimento<br />
científico que se vai gerando em Portugal em matéria<br />
de toxico<strong>dependências</strong>. Jorge Negreiros considera<br />
mesmo muito positivo o que se tem feito no nosso<br />
País em matéria de investigação nesta área, quer no<br />
domínio biológico, quer na vertente psicossocial, algo<br />
que poderá resultar num cada vez maior enriquecimento<br />
das intervenções. Assim o queira o sector político,<br />
responsável pela definição de estratégias e acções…<br />
Dep – Como vai a investigação em português<br />
em matéria de toxico<strong>dependências</strong>?<br />
Jorge Negreiros (J.N.) – Creio que a investigação<br />
nesta área já é um dado adquirido.<br />
Já existe um conjunto de investigadores<br />
que se dedicam ao tema das drogas e<br />
da toxicodependência em várias universidades,<br />
em diferentes domínios, quer no biológico,<br />
quer no psicossocial. Penso que existe,<br />
neste momento, uma massa cinzenta, crítica,<br />
centrada na investigação sobre drogas e<br />
toxicodependência, como se pode, aliás, verificar<br />
pela nossa produção científica regular<br />
nesta área, que abarca já os domínios da intervenção<br />
e da investigação pura.<br />
Dep – Esta Universidade é responsável por<br />
uma grande fasquia do que se vai produzindo<br />
no país…<br />
J.N. – Não sei se é uma grande fasquia mas,<br />
historicamente, talvez tenhamos sido uma<br />
das primeiras universidades a debruçar-se<br />
sobre este fenómeno, há mais de 20 anos<br />
atrás. Desde essa altura, também mantivemos<br />
sempre presente esta área de investigação<br />
nos nossos interesses, até mesmo ao<br />
nível do novo plano de estudos adequado<br />
ao Processo de Bolonha, com uma disciplina<br />
consagrada especificamente à intervenção<br />
em toxicodependência, designada intervenção<br />
nos comportamentos aditivos. Não<br />
me parece muito frequente no panorama<br />
das universidades portuguesas existir uma<br />
unidade curricular especificamente centrada<br />
na formação de psicólogos para a intervenção<br />
na toxicodependência. E em estâncias<br />
internacionais coloca-se cada vez mais<br />
a necessidade de dotar os profissionais de<br />
competências específicas para intervir nesta<br />
área. Esta disciplina abarca genericamente<br />
as questões da prevenção, do tratamento e<br />
da reinserção. Digamos que foi um percurso<br />
longo que procuramos manter e dinamizar,<br />
quer ao nível da docência, quer ao nível da<br />
investigação. E como temos agora um mestrado<br />
integrado, há um certo número de alunos<br />
que, todos os anos, vão produzir teses de<br />
mestrado na área das toxico<strong>dependências</strong>.<br />
Dep – Ao nível dessa produção científica,<br />
quantos trabalhos saem, em média, por<br />
ano, desta Universidade?<br />
J.N. – É difícil falar nesses termos porque<br />
nós tivemos até agora mestrados que não<br />
estavam incluídos no plano de estudos normal.<br />
A partir deste ano temos um plano de<br />
estudos que prevê que o aluno possa aceder<br />
ao título de mestre e poderemos então dizer,<br />
de forma mais rigorosa, dos mestrados<br />
concluídos na Faculdade de Psicologia e Ciências<br />
da Educação da Universidade do Porto,<br />
qual é a percentagem que versa o tema<br />
das toxico<strong>dependências</strong>. Prevejo que nunca<br />
menos que três ou quatro mestrados por<br />
ano serão centrados no tema das drogas e<br />
da toxicodependência. Este ano, temos duas
estudantes a tratar a questão da avaliação<br />
do tratamento da toxicodependência nas diferentes<br />
estruturas, na sequência de uma<br />
solicitação que acolhemos por parte do CAT<br />
de Matosinhos. O objectivo consiste em procurar<br />
saber como se pode desenvolver um<br />
modelo e um instrumento que permita avaliar<br />
a eficácia dos tratamentos. Na medida<br />
do possível, penso que as teses nesta área<br />
devem estar sensíveis àquilo que são as necessidades<br />
da própria comunidade de profissionais.<br />
Dep – Que contributos poderá dar a psicologia<br />
do comportamento desviante para<br />
a definição de estratégias relativamente<br />
às três áreas de intervenção em<br />
toxico<strong>dependências</strong>?<br />
J.N. – Posso, talvez, dizer-lhe algumas coisas<br />
que fizemos ou estamos a fazer nessas<br />
áreas. Nós temos um Centro de Investigação<br />
em Psicologia do Comportamento Desviante<br />
e Saúde, financiado pela Fundação da Ciência<br />
e Tecnologia e organizámos o funcionamento<br />
desse centro seguindo três linhas de<br />
investigação, uma das quais é designada por<br />
drogas e comportamentos aditivos. Nesta linha,<br />
desenvolvemos investigações subordinadas<br />
à preocupação essencial de contribuir<br />
para a explicação do fenómeno, dos factores<br />
de risco quer de natureza psicológica,<br />
quer biológica, quer psicossocial e alguns<br />
projectos que, ou terminaram recentemente,<br />
ou que estão ainda a decorrer, abarcam<br />
temas como a biologia dos comportamentos<br />
aditivos, a investigação psicológica nas drogas,<br />
trabalhos na área da epidemiologia que<br />
visam diagnósticos de situação, padrões de<br />
consumo e prevalências e que são, muitas<br />
vezes, solicitados por autarquias, e a questão<br />
dos comportamentos de risco e da percepção<br />
do mesmo. Acabámos recentemente<br />
um estudo que aborda a percepção do risco<br />
por parte dos consumidores de drogas por<br />
via injectável.<br />
Dep – Quais são as principais conclusões<br />
desse estudo?<br />
J.N. – A conclusão talvez mais preocupante<br />
sob o ponto de vista social e das implicações<br />
Prevenção, Redução de Riscos, Tratamento e Reinserção em Portugal<br />
Dep – Que análise faz do trabalho desenvolvido<br />
em Portugal em matéria de prevenção?<br />
J.N. - A prevenção tem sido uma das áreas<br />
que tem registado maiores flutuações em<br />
termos das políticas e do investimento que<br />
se faz nas mesmas. Não existe uma linha<br />
de continuidade mas momentos em que se<br />
fala mais de prevenção seguidos de fases<br />
de desinvestimento, que creio ser aquela<br />
que atravessamos actualmente.<br />
Dep – Que análise lhe merece o facto de a<br />
redução de riscos ter passado para a área<br />
de missão da prevenção, no que concerne<br />
à estratégia emanada pelo IDT?<br />
J.N. – Acho bem. Creio que do ponto de vista<br />
teórico e conceptual, essa associação<br />
está bem feita.<br />
Dep – E quanto à área da redução de riscos,<br />
será o panorama mais positivo?<br />
J.N. – Neste momento, reconhece-se que a<br />
que tem para a saúde foi a constatação de<br />
que, nesse estudo, os toxicodependentes seropositivos<br />
são aqueles que tomam menos<br />
precauções, quer do ponto de vista do seu<br />
comportamento sexual, quer do ponto de<br />
vista do comportamento do uso de drogas.<br />
Fizemos várias comparações relativas aos<br />
comportamentos de risco junto de injectores<br />
seropositivos e seronegativos e concluímos,<br />
de forma consistente que os seropositivos<br />
têm tendência a adoptar comportamentos<br />
que têm como consequência a propagação<br />
de doenças infecciosas num muito maior<br />
grau que os seronegativos, o que coloca um<br />
problema complicado em termos de intervenção<br />
e mesmo de eleger como grupo alvo<br />
da intervenção, nomeadamente de equipas<br />
de rua, esses toxicodependentes seropositivos.<br />
Aliás, no âmbito desse estudo, começou<br />
por fazer-se um conjunto de entrevistas<br />
em zonas problemáticas da cidade e depois<br />
procedeu-se a uma análise de conteúdo das<br />
mesmas no sentido de tentar apreender como<br />
é que os toxicodependentes vêem a questão<br />
do risco e que percepção têm do mesmo<br />
e das questões relacionadas com a transmissão<br />
de doenças infecciosas e constatámos<br />
que havia algumas posições caracterizadas<br />
por um grande egoísmo e por uma grande<br />
indiferença em relação aos danos que certos<br />
comportamentos podiam provocar a terceiros.<br />
Estamos a falar de grupos muito vulneráveis,<br />
com grandes fragilidades psicológicas<br />
e sociais, de situações de desespero<br />
que, como explorámos, podem contribuir<br />
para essas posições de indiferença que se<br />
instalam nesses grupos.<br />
Dep – O Professor, que tem orientado a produção<br />
de inúmeras teses nesta área, em<br />
que medida considera que o conhecimento<br />
resultante das mesmas é posteriormente<br />
aplicado em função da absorção pelo mercado<br />
de trabalho desses formandos e da liberdade<br />
concedida aos mesmos para poderem<br />
beneficiar a comunidade com base nas<br />
evidências científicas produzidas?<br />
J.N. – Essa é uma questão muito interessante,<br />
que tem a ver com a validade social da<br />
investigação e com a possibilidade de esse<br />
redução de riscos é uma das áreas importantes<br />
em intervenção na toxicodependência.<br />
Mas esse reconhecimento deveria ser<br />
acompanhado da necessidade de se investir<br />
na prevenção.<br />
Dep – Agrada-lhe que se comece a ponderar<br />
a implementação de determinados<br />
dispositivos e programas, como as salas<br />
de consumo assistido e a troca de seringas<br />
em meio prisional ou pensa que já vêm<br />
tarde?<br />
J.N. – Acredito que essas medidas poderão<br />
ter o seu lugar mas não serão essas as<br />
medidas que terão um impacto significativo<br />
na toxicodependência.<br />
Dep – Até que ponto serão igualmente<br />
questões demasiadamente partidarizadas<br />
e transformadas em armas de arremesso<br />
entre os diferentes quadrantes políticos?<br />
J.N. – São questões muito ideológicas e<br />
medidas, infelizmente, disputadas, apoia-<br />
Jorge Negreiros em entrevista | Dependências | 37<br />
saber que se vai adquirindo nesta área ser<br />
posto ao serviço da comunidade…<br />
Dep – Antes de mais, existe um mercado de<br />
trabalho suficiente para absorver estes formandos?<br />
J.N. – Quando falamos sobre investigação,<br />
estamos perante alunos que já têm, por norma,<br />
colocação no mercado de trabalho. Se<br />
falamos numa tese de mestrado ou de doutoramento,<br />
estamos, em princípio, perante<br />
profissionais que, ou trabalham nas estruturas<br />
de intervenção nas toxico<strong>dependências</strong><br />
ou no ensino superior. Portanto, desse ponto<br />
de vista, creio que existe um efeito multiplicador<br />
das aprendizagens e dos avanços que<br />
resultam da produção científica. Evidentemente,<br />
face à existência de tantas instituições,<br />
alguns poderão afirmar que as suas<br />
competências poderiam ser melhor aproveitadas<br />
mas isso já cai num campo um pouco<br />
subjectivo. O facto é que, quando alguém<br />
conclui uma tese e vai ou continua a trabalhar<br />
numa instituição, adquire um conjunto<br />
de competências que poderá colocar ao<br />
serviço da mesma e que irão, concerteza,<br />
melhorar a qualidade da intervenção. Outra<br />
questão reside em saber o que irá acontecer<br />
aos nossos diplomados. Mas aí, a situação<br />
não é brilhante, como não o é em qualquer<br />
outra área em que existem licenciados em<br />
Portugal. E a área da psicologia e das ciências<br />
sociais é das mais afectadas pelo desemprego.<br />
das ou condenadas consoante o quadrante<br />
político e ideológico em que as pessoas se<br />
situam, o que é lamentável. O critério para<br />
aferir a qualidade dessas medidas devia<br />
ser sempre o critério científico, da sua eficácia,<br />
da sua avaliação.<br />
Dep – E quanto ao tratamento?<br />
J.N. – Relativamente ao tratamento, acho<br />
que terá que existir uma grande reconversão,<br />
adaptada aos novos consumos, aos<br />
novos perfis – que já não são novos apesar<br />
de se ter convencionado designá-los assim.<br />
Creio que as estruturas de tratamento terão<br />
que proceder a uma avaliação do que<br />
têm feito até agora e da medida em que o<br />
que estão a fazer serve ou não a população<br />
a que se destinam.<br />
Dep – Finalmente, a área da reinserção…<br />
J.N. – Creio que não haverá muito para dizer…
38 | Dependências | Alunos, professores e funcionários da Escola Secundária Dr. António Carvalho de Figueiredo publicam revista há um ano<br />
Um projecto pedagógico<br />
com muito Impacto<br />
Há cerca de um ano surgia, na Escola Secundária<br />
Dr. António Carvalho de Figueiredo, em Loures um<br />
projecto muito peculiar e pioneiro, dinamizado por uma<br />
professora, Fátima Manso que, de imediato, motivou a<br />
adesão de um grupo de estudantes. Dotada de um cariz<br />
pedagógico e de um sentido muito prático, a Impacto<br />
corresponde a um espaço em forma de revista, onde os<br />
alunos da escola publicam artigos e outros trabalhos<br />
desenvolvidos no âmbito dos conteúdos programáticos<br />
do seu curso mas igualmente um fórum aberto à<br />
participação de professores e outros funcionários. Uma<br />
vertente prática que, unanimemente, consideram uma<br />
preciosa ferramenta de aprendizagem e de mobilização. E<br />
é vê-los preparar e discutir a edição seguinte, a receber<br />
pedidos de colaboração, a seleccionar conteúdos, enfim,<br />
a exercer na plenitude e de forma interactiva o papel de<br />
agentes activos no seu próprio processo de formação.<br />
Dependências esteve com o grupo e promoveu, em<br />
entrevista, a realização de um género de fórum que aqui<br />
transcrevemos<br />
Dep – O que é concretamente e como surgiu<br />
a Impacto?<br />
Ana Margarida – A Impacto nasceu no ano<br />
passado, graças à Professora Fátima que<br />
lançou a ideia. Nós, como gostamos de escrever,<br />
aderimos de imediato e, passado um<br />
ano, acho que valeu a pena. O trabalho aumentou<br />
e creio que a qualidade da revista<br />
também cresceu. No fundo, a Impacto corresponde<br />
a uma recolha de textos elaborados<br />
por todos os alunos da escola, professores<br />
e funcionários que pretendam participar.<br />
Dep – Como foi fazer o primeiro número da<br />
Impacto?<br />
Patrícia – Foi uma experiência boa. Confesso<br />
que não estávamos à espera. Numa aula,<br />
a Professora Fátima perguntou-nos o que<br />
acharíamos de publicar o trabalho que tínhamos<br />
feito e nós ficámos entusiasmadas. Quisemos<br />
logo saber em que se baseava a revista<br />
e, a partir daí, começámos a produzir<br />
textos e a publicá-los.<br />
Dep – Que temáticas são desenvolvidas nos<br />
trabalhos que vocês publicam?<br />
Catarina – Creio que é um pouco de tudo. Resulta<br />
muito dos trabalhos de casa porque são<br />
associados a uma matéria que damos. Por<br />
exemplo, quando versamos matéria lírica, há<br />
alunos que, por iniciativa própria, escrevem<br />
poemas e, se a Professora gosta, solicita a<br />
publicação na Impacto. O mesmo em relação<br />
a crónicas e outras matérias que são leccionadas.<br />
Mas tanto podem surgir na Impacto<br />
trabalhos pedidos pela Professora como outros<br />
surgidos a partir da nossa própria iniciativa,<br />
quando vemos alguma notícia que gostaríamos<br />
de comentar ou quando pretendemos<br />
dar a nossa opinião sobre determinado<br />
assunto. Podemos escrever uma crónica, um<br />
artigo de opinião… Mas existem outras abordagens,<br />
ao nível da matemática, da história e<br />
de outras áreas.<br />
Dep – Que impacto pretendem alcançar com<br />
este projecto?<br />
Catarina – Pretendemos que os outros também<br />
aprendam com as coisas que escrevemos,<br />
pretendemos partilhar conhecimentos<br />
que nos foram transmitidos e fomentar um<br />
espaço aberto à participação de todos.<br />
Dep – Que objectivo perseguia quando decidiu<br />
criar a Impacto?<br />
Professora Fátima – O objectivo fundamental<br />
consistiu em divulgar os trabalhos deles,<br />
as suas apetências, e interessá-los nos tempos<br />
mortos. A Impacto acaba por ser também<br />
uma ferramenta pedagógica e repare<br />
que há um grupo de jovens que “puxei” para<br />
a revista porque tinham dificuldades em<br />
Português. Achei que o corrigir, o ir à procura,<br />
o ler a ver se serve, o colocar as vírgulas<br />
– aspectos em relação aos quais há aqui<br />
espaço – seriam bons exercícios no sentido
Alunos, professores e funcionários da Escola Secundária Dr. António Carvalho de Figueiredo publicam revista há um ano | Dependências | 39<br />
de superar essas mesmas dificuldades de<br />
aprendizagem.<br />
Dep – Qual é a periodicidade da Impacto?<br />
Professora Fátima – Como isto não é nada<br />
fácil, fazemos uma por período. Gostaria de<br />
poder fazer uma por mês mas, humanamente,<br />
é impossível.<br />
Dep – Que avaliação faz do trabalho produzido?<br />
Professora Fátima – É muito bom! Cada vez<br />
há mais jovens a pedirem para publicar, mesmo<br />
sem a nossa solicitação, eles processam<br />
muitos textos. Começámos com 14 páginas,<br />
passámos a 16 e hoje já vamos em 30. E os<br />
resultados, em termos de aprendizagem,<br />
também são muito significativos em alguns<br />
alunos.<br />
Dep – Quem são os destinatários das vossas<br />
mensagens?<br />
Patrícia – Os destinatários são, no fundo, todas<br />
as pessoas da escola e calculo que os<br />
próprios familiares que, por curiosidade,<br />
também gostam de ver aquilo que escrevemos.<br />
Normalmente, quando estamos perto<br />
de lançar uma edição, as pessoas questionam<br />
sobre quando estará disponível.<br />
Dep – Vocês sentem que é mais fácil aprender<br />
os conteúdos programáticos que são<br />
leccionados a partir da redacção de artigos<br />
na Impacto?<br />
Ana Margarida – Sim, sem dúvida. Aliás, a<br />
Professora Fátima lecciona à grande maioria<br />
dos alunos que participam na Impacto e tudo<br />
aquilo que damos nas aulas aplicamos e<br />
vamos exercitando através de trabalhos que<br />
sabemos que vão ter um espaço próprio para<br />
serem tornados públicos, o que nos dá outro<br />
tipo de motivação.
40 | Dependências | Relatório OEDT<br />
OEDT publica<br />
Relatório Anual <strong>2007</strong><br />
Mensagens positivas do Relatório sobre a evolução do<br />
fenómeno da droga na UE ensombradas pela elevada taxa<br />
de mortalidade relacionada com a droga e pelo consumo<br />
crescente de cocaína<br />
Após mais de uma década de crescimento,<br />
o consumo de droga na Europa poderá estar<br />
a entrar numa fase mais estável, afirma<br />
a agência da UE de informação sobre droga<br />
(OEDT). Não só existem sinais de que o<br />
consumo de heroína e o consumo de droga<br />
injectada se tornaram, em geral, menos comuns,<br />
como os dados mais recentes sugerem<br />
que os níveis de consumo de cannabis<br />
poderão estar a estabilizar, após um período<br />
de crescimento constante. No entanto,<br />
as mensagens positivas são ensombradas<br />
pela elevada mortalidade relacionada<br />
com o consumo de droga e com o aumento<br />
do consumo de cocaína. Estas afirmações<br />
surgiram no passado dia 22, dia em que a<br />
agência lançou em Bruxelas o seu Relatório<br />
Anual <strong>2007</strong> sobre a evolução do fenómeno<br />
da droga na Europa.<br />
Cannabis: Estabilização do consumo e sinais<br />
de diminuição da sua popularidade<br />
entre os jovens. Porém, o consumo intensivo<br />
de cannabis causa preocupações com<br />
a saúde — é possível que cerca de 3 milhões<br />
de pessoas a consumam diariamente<br />
ou quase diariamente.<br />
Cocaína: Estimativas voltam a subir. Cerca<br />
de 4,5 milhões de europeus afirmam<br />
ter consumido esta droga no último ano.<br />
Recorde de apreensões de cocaína na Europa:<br />
107 toneladas em 2005, um aumento<br />
superior a 45% em relação às quantidades<br />
apreendidas em 2004.<br />
VIH: Avaliação globalmente positiva, mas<br />
os 3 500 novos casos de infecção registados<br />
entre os consumidores de droga injectada<br />
em 2005 realçam a necessidade<br />
de prosseguir os esforços. Um número de<br />
consumidores de droga injectada que poderá<br />
chegar a 200 000 vive com o VIH.<br />
Cerca de 1 milhão vive com o VHC, a “epidemia<br />
oculta da Europa”.<br />
Mortes: A Europa corre o risco de não conseguir<br />
atingir os objectivos de redução das<br />
mortes relacionadas com o consumo de<br />
droga. Ocorrem entre 7 000 e 8 000 mortes<br />
por overdose anualmente, sem que,<br />
nos dados mais recentes, seja visível qualquer<br />
tendência para uma diminuição.<br />
Estabilização do consumo de cannabis, sinais<br />
de diminuição da sua popularidade<br />
entre os jovens.<br />
Quase um quarto da população adulta da<br />
UE — cerca de 70 milhões de pessoas entre<br />
os 15 e os 64 anos — experimentou a<br />
cannabis em algum momento das suas vidas,<br />
e cerca de 7% — 23 milhões — consumiram-na<br />
no último ano. No entanto, apesar<br />
de a cannabis continuar a ser a droga ilegal<br />
mais consumida na Europa, e de o seu consumo<br />
ser historicamente elevado, os dados<br />
relativos às novas tendências suscitam “um<br />
optimismo prudente”, afirma o relatório.<br />
Depois da escalada do consumo de cannabis<br />
registada na década de 1990, e de aumentos<br />
mais ligeiros a partir do ano 2000, os<br />
últimos dados sugerem que este consumo<br />
está presentemente a estabilizar ou a baixar,<br />
sobretudo nos países com uma prevalência<br />
elevada. Além disso, em alguns Estados-Membros,<br />
há sinais de que, nas faixas<br />
etárias mais jovens, a popularidade desta<br />
droga poderá estar a diminuir.<br />
Segundo o relatório hoje publicado, 13%<br />
dos jovens europeus (15–34 anos), em média,<br />
consumiram cannabis no último ano.<br />
As taxas mais elevadas são referidas pela<br />
Espanha (20%), a República Checa (19,3%),<br />
a França (16,7%), a Itália (16,5%) e o Reino<br />
Unido (16,3%) (dados de inquéritos nacionais).<br />
Nos países com percentagens mais<br />
elevadas, os dados sobre as tendências recentes<br />
mostram que essas taxas estabilizaram<br />
ou começam a diminuir em Espanha e<br />
que baixaram cerca de 3 a 4 pontos percentuais<br />
na República Checa, França e Reino<br />
Unido. Além disso, os dados relativos aos<br />
países com taxas de consumo intermédias<br />
revelam uma estabilização na Dinamarca e<br />
nos Países Baixos, e níveis decrescentes na<br />
Alemanha.<br />
Entre os consumidores de cannabis mais jovens<br />
(16–24 anos) do Reino Unido, o consumo<br />
no último ano diminuiu de 28,2% em<br />
1998 para 21,4% em 2006, sugerindo que<br />
a droga perdeu popularidade nesta faixa<br />
etária, e, segundo o inquérito escolar espanhol,<br />
o consumo no último ano entre os jovens<br />
de 14–18 anos baixou de 36,6% em<br />
2004 para 29,8% em 2006.<br />
Embora os níveis de consumo de cannabis<br />
ainda pareçam estar a aumentar entre os<br />
jovens adultos da Hungria, da Eslováquia<br />
e da Noruega, esses aumentos são, na sua<br />
maioria, pequenos e geralmente menos vincados<br />
nas estimativas mais recentes. A excepção<br />
é a Itália, país onde as taxas de consumo<br />
de cannabis no último ano, nesta faixa<br />
etária, aumentaram de 12,8% em 2003<br />
para 16,5% em 2005 (Figura GPS-4).<br />
Atenções viram-se para o consumo intensivo<br />
de cannabis<br />
Apenas uma percentagem relativamente<br />
pequena de consumidores de cannabis afirma<br />
consumir esta droga de forma regular<br />
e intensiva, o que ainda assim representa<br />
“um número significativo de indivíduos”,<br />
afirma o relatório. O OEDT estima que cerca<br />
de um quinto (18%) dos 70 milhões de<br />
adultos (15–64 anos) que já experimentaram<br />
cannabis referiu consumi-la no último<br />
mês — mais de 13 milhões de europeus.<br />
Além disso, estima-se que 1% dos adultos<br />
europeus — cerca de 3 milhões de pessoas<br />
— poderá estar a consumir esta droga diariamente,<br />
ou quase diariamente. As taxas<br />
de prevalência são geralmente mais elevadas<br />
nas faixas etárias mais jovens, em especial<br />
entre os jovens do sexo masculino.<br />
O Presidente do Conselho de Administração<br />
do OEDT, Marcel Reimen, declara: “Ainda<br />
que possamos estar animados com o fim
da escalada do consumo de cannabis, devemos<br />
dar agora atenção à melhoria da monitorização,<br />
em toda a Europa, dos padrões<br />
de consumo mais intensivos. A agência já<br />
está a desenvolver, em colaboração com<br />
os Estados-Membros, novos métodos para<br />
comunicar informações sobre esta questão<br />
específica e para aperfeiçoar as suas estimativas.<br />
É essencial compreender de que<br />
modo e por que razão os consumidores de<br />
cannabis podem desenvolver problemas, a<br />
fim de planear as respostas e avaliar o impacto<br />
que a droga ilegal mais consumida na<br />
Europa poderá ter sobre a saúde”.<br />
Entre 1999 e 2005, o número de europeus<br />
que procuraram tratamento devido ao consumo<br />
problemático de cannabis quase triplicou,<br />
embora esta tendência ascendente<br />
pareça estar a estabilizar. Neste período,<br />
os novos pedidos de tratamento por esse<br />
motivo aumentaram de 15 439 para 43<br />
677 utentes, e em 2005, mais de um quarto<br />
(29%) dos pedidos de tratamento estavam<br />
relacionados com a cannabis.<br />
Ainda não se sabe até que ponto esta procura<br />
crescente resulta de um aumento do<br />
consumo intensivo, e das necessidades de<br />
tratamento subsequentes. Outros factores<br />
também poderão ser importantes, como o<br />
maior número de encaminhamentos do sistema<br />
judicial, a melhoria do sistema de notificação,<br />
ou a abertura de novos serviços<br />
específicos de tratamento para a cannabis.<br />
“A situação europeia em matéria de cannabis<br />
também é complicada por factores relacionados<br />
com o mercado”, refere o relatório.<br />
Mais de metade dos Estados-Membros da<br />
União Europeia refere algum tipo de produção<br />
interna de cannabis. Essa cannabis de<br />
produção caseira pode ter uma potência relativamente<br />
elevada, mas é mais difícil de<br />
detectar do que a variedade importada e<br />
menos susceptível de ser apreendida visto<br />
ter de percorrer rotas mais curtas. A análise<br />
do mercado da cannabis será uma das prioridades<br />
da agência em 2008.<br />
Actualmente, estão a ser desenvolvidas intervenções<br />
inovadoras na Europa, para responder<br />
às necessidades, muito diferentes,<br />
dos consumidores ocasionais, regulares e<br />
intensivos de cannabis (apesar de grande<br />
parte da investigação neste domínio continuar<br />
a ser americana ou australiana). Essas<br />
intervenções incluem intervenções baseadas<br />
na Internet, as quais permitem que<br />
os consumidores avaliem os seus padrões<br />
de consumo, e mensagens de telemóvel para<br />
os informar e aconselhar. Quase metade<br />
dos Estados- Membros da UE (13 países)<br />
já afirma dispor de centros de tratamento<br />
especializados para consumidores problemáticos<br />
de cannabis.<br />
Estimativas mais recentes mostram que o<br />
consumo de cocaína está novamente a crescer<br />
Cerca de 4,5 milhões de europeus (15–64<br />
anos) poderão ter consumido cocaína no último<br />
ano, afirma o OEDT, revendo a estimativa<br />
de 3,5 milhões de adultos que tinha apresentado<br />
no Relatório Anual de 2006.<br />
Segundo o novo relatório, “a tendência geral<br />
para a estabilização descrita no último<br />
ano também é posta em causa pelos novos<br />
dados (europeus), que apontam para um aumento<br />
global do consumo”.<br />
Não obstante a grande variação entre pa-<br />
íses, os novos dados confirmam a posição<br />
da cocaína como droga estimulante preferida<br />
na Europa e como segunda droga ilegal<br />
mais consumida, a seguir à cannabis — e à<br />
frente do ecstasy e das anfetaminas. O OEDT<br />
estima que cerca de 12 milhões de europeus<br />
— 4% dos adultos — já experimentaram cocaína.<br />
Aproximadamente 2 milhões consumiram-na<br />
no último mês; mais do dobro da<br />
estimativa relativa ao ecstasy.<br />
Entre os jovens adultos (15–34 anos), o consumo<br />
de cocaína no último ano aumentou na<br />
maioria dos países que comunicaram dados<br />
de inquérito recentes, embora os aumentos<br />
registados nos países com taxas de prevalência<br />
mais elevadas — a Espanha e o Reino<br />
Unido — tenham sido relativamente pequenos,<br />
sugerindo que a prevalência poderá estar<br />
a estabilizar. A Dinamarca e a Itália comunicaram<br />
aumentos acentuados<br />
Impacto da cocaína na saúde pública<br />
Um indício da forma como o consumo de<br />
cocaína está a afectar a saúde pública é<br />
o aumento da procura de tratamento relacionado<br />
com o consumo desta droga. Em<br />
2005, quase um quarto (22%) dos novos<br />
pedidos de tratamento na Europa estava relacionado<br />
com o consumo de cocaína: um<br />
total de 33 027 utentes, para apenas 12<br />
633 em 1999. A Espanha e os Países Baixos<br />
referem percentagens elevadas de consumidores<br />
de cocaína entre os utentes dos<br />
serviços de tratamento. Estes países também<br />
são responsáveis pela maioria das referências<br />
ao tratamento por consumo de<br />
cocaína na Europa. Segundo o relatório, os<br />
serviços de tratamento são confrontados<br />
com a necessidade de oferecer tratamento<br />
a um vasto espectro de utentes: consumidores<br />
bem integrados socialmente, que<br />
consomem cocaína em conjunto com álcool<br />
ou outras drogas; consumidores problemáticos<br />
de opiáceos, que injectam cocaína<br />
juntamente com heroína, e um pequeno número<br />
de consumidores de cocaína crack altamente<br />
marginalizados.<br />
Em 2005 registaram-se cerca de 400 mortes<br />
relacionadas com o consumo de cocaína,<br />
na Europa, mas as consequências deste<br />
consumo para a saúde não são, muitas<br />
vezes, devidamente detectadas pelos siste-<br />
Relatório OEDT | Dependências | 41<br />
mas de notificação existentes. Este tema é<br />
objecto de especial atenção no Tema específico<br />
“Cocaína e cocaína crack: um problema<br />
de saúde pública que se agrava”.<br />
Quantidade recorde de cocaína apreendida<br />
Outros factores apontam igualmente para<br />
uma tendência crescente no consumo de<br />
cocaína, “confirmando a importância cada<br />
vez maior da cocaína no fenómeno da<br />
droga europeu”, adianta o relatório. Tanto<br />
o número de apreensões de cocaína como<br />
as quantidades apreendidas aumentaram<br />
na Europa entre 2000 e 2005.<br />
Em 2005, registaram-se, segundo as estimativas,<br />
70 000 apreensões de cocaína,<br />
equivalentes à quantidade recorde de 107<br />
toneladas, uma quantidade mais de 45%<br />
superior à que foi apreendida em 2004.<br />
A Península Ibérica continua a ser o principal<br />
ponto de entrada da cocaína na Europa,<br />
com um nítido aumento das apreensões<br />
e das quantidades apreendidas em<br />
Espanha e Portugal. A Espanha foi responsável<br />
por cerca de metade do número<br />
total de apreensões e pelo maior volume<br />
apreendido (48,44 toneladas em 2005,<br />
comparativamente a 33,1 toneladas em<br />
2004). Portugal, por seu turno, ultrapassou<br />
os Países Baixos como país com a segunda<br />
maior quantidade de droga apreendida<br />
(18,1 toneladas em 2005, para apenas<br />
7,4 toneladas em 2004).<br />
A maior parte da cocaína apreendida na<br />
Europa provém directamente da América<br />
do Sul ou é expedida através da América<br />
Central e das Caraíbas, estando os países<br />
da África Ocidental a ser crescentemente<br />
utilizados como rotas de trânsito. A UE<br />
responde à alteração das rotas de tráfico<br />
através de um reforço da coordenação<br />
e da cooperação entre os Estados-Membros.<br />
Um exemplo disto é a criação, em<br />
Portugal, em<br />
Setembro de <strong>2007</strong>, do Centro de Análises e<br />
Operações contra o Narcotráfico Marítimo<br />
(MAOC-N), que resulta da colaboração entre<br />
sete Estados-Membros da UE (Espanha, Irlanda,<br />
França, Itália, Países Baixos, Portugal<br />
e Reino Unido) e que conta com a participação<br />
da Europol.<br />
As infracções relacionadas com a cocaína
42 | Dependências | Relatório OEDT<br />
aumentaram no período de 2000–2005 em<br />
todos os países europeus com excepção da<br />
Alemanha, onde o seu número se manteve<br />
relativamente estável. A média da UE aumentou<br />
62% neste período.<br />
VIH: avaliação globalmente positiva, embora<br />
se tenham verificado cerca de 3 500 novas<br />
infecções entre os CDI em 2005<br />
Em 2005, a taxa de transmissão do VIH entre<br />
os consumidores de droga injectada (CDI)<br />
era baixa na maioria dos Estados-Membros da<br />
União Europeia. Este panorama positivo pode<br />
ser entendido no contexto da maior disponibilidade<br />
de medidas de prevenção, tratamento<br />
e redução dos danos, bem como da menor<br />
popularidade do consumo de droga injectada<br />
em alguns países. Com a expansão dos serviços,<br />
a epidemia de VIH que antes se observava<br />
na Europa parece ter sido, em grande medida,<br />
evitada.<br />
O relatório observa: “A situação existente na<br />
Estónia, Letónia e Lituânia continua a ser preocupante,<br />
mas também neste caso a maioria<br />
dos dados recentes aponta para uma diminuição<br />
relativa dos novos casos de infecção”. Em<br />
resultado dos menores índices de transmissão,<br />
é provável que o peso global das infecções<br />
resultantes do consumo de droga injectada<br />
esteja a diminuir, sobretudo nas zonas<br />
onde a prevalência tem sido elevada. Portugal<br />
regista o mais elevado índice de transmissão<br />
de VIH nos CDI, de entre os países da União<br />
Europeia com dados disponíveis (cerca de 850<br />
novas infecções diagnosticadas em 2005).<br />
Embora o consumo de droga injectada tenha<br />
perdido importância como via de transmissão<br />
do VIH, o OEDT estima que, em 2005, ainda<br />
foi responsável por cerca de 3 500 novos casos<br />
de VIH diagnosticados na União Europeia.<br />
Este valor pode ser baixo em termos históricos,<br />
mas constitui, mesmo assim, um importante<br />
problema de saúde pública. O relatório<br />
informa que entre 100 000 e 200 000 pessoas<br />
que já consumiram droga injectada estão<br />
presentemente infectadas com o VIH.<br />
O vírus da hepatite C (VHC) tem, todavia,<br />
maior prevalência entre os CDI da UE do que<br />
o VIH e está distribuído de forma mais regular.<br />
O OEDT estima que cerca de 1 milhão de pessoas<br />
que alguma vez consumiram droga injectada<br />
estão infectadas com o VHC. Os estudos<br />
realizados no período de 2004–2005 revelaram<br />
níveis globalmente elevados de prevalência<br />
do VHC, confirmados pelo facto de a maioria<br />
dos países (17) ter mencionado índices superiores<br />
a 60% em pelo menos um grupo de<br />
consumidores de droga injectada estudados.<br />
Em contraste com o visível êxito obtido na prevenção<br />
da infecção pelo VIH, os serviços de<br />
prevenção e redução dos danos parecem estar<br />
a ter menor impacto no VHC, a “epidemia<br />
oculta da Europa”.<br />
Europa corre o risco de não atingir objectivos<br />
de redução das mortes relacionadas<br />
com o consumo de droga<br />
A overdose é uma importante causa de mortalidade<br />
evitável entre os jovens europeus,<br />
assegura o OEDT.<br />
Contudo, os dados europeus mais recentes<br />
mostram que os níveis de mortalidade relacionada<br />
com o consumo de droga são historicamente<br />
elevados e já não estão a baixar,<br />
mostrando claramente a necessidade de os<br />
decisores políticos dedicarem mais atenção<br />
a este problema. A redução das mortes relacionadas<br />
com o consumo de droga é um<br />
objectivo específico do actual Plano de acção<br />
em matéria de luta contra a droga da UE<br />
(2005–2008).<br />
O OEDT estima que tenham ocorrido entre<br />
7 000 e 8 000 mortes relacionadas com o<br />
consumo de droga na UE e na Noruega em<br />
2005, na sua maioria associadas ao consumo<br />
de opiáceos. Em vários países, a mortalidade<br />
registou aumentos recentes, que foram<br />
superiores a 30% na Grécia (2003–2005),<br />
Áustria (2002–2005), Portugal (2003–2005)<br />
e Finlândia (2002–2004).<br />
As mortes relacionadas com o consumo de<br />
droga na UE e na Noruega diminuíram 6%<br />
em 2001, 14% em 2002 e 5% em 2003 (Capítulo<br />
8, Figura 13), no seguimento dos fortes<br />
aumentos ocorridos na década de 1980 e inícios<br />
da de 1990, e dos aumentos contínuos<br />
do final da década de 1990 até 2000. No Relatório<br />
Anual do ano passado foi mencionado<br />
que a significativa tendência descendente da<br />
mortalidade entre 2000 e 2003 estava a oscilar,<br />
após um pequeno aumento das mortes<br />
relacionadas com o consumo de droga entre<br />
2003 e 2004.<br />
A escalada do consumo de heroína e de dro-<br />
ga injectada foi a causa provável dos aumentos<br />
anteriores do número de mortes, mas<br />
tal não se verifica neste momento, em que o<br />
consumo de heroína parece ter estabilizado<br />
na maioria dos países europeus. “É urgentemente<br />
necessário investigar por que razão a<br />
mortalidade relacionada com o consumo de<br />
droga permanece tão elevada”, afirma o Director<br />
do OEDT, Wolfgang Götz. Entre os factores<br />
de risco que poderão estar a contribuir<br />
para o problema, incluem-se o maior policonsumo<br />
de droga pelos consumidores de opiáceos<br />
e um aumento da disponibilidade da<br />
heroína.<br />
Estima-se que em 2006 foram produzidas 6<br />
610 toneladas de ópio — 92% no Afeganistão.<br />
A produção potencial de heroína a nível mundial<br />
foi estimada em 606 toneladas em 2006<br />
(472 toneladas no ano anterior) (UNODC,<br />
<strong>2007</strong>). Embora o impacto desta produção recorde<br />
de ópio ainda não seja visível nos valores<br />
relativos ao consumo de heroína europeu,<br />
o relatório adverte: “A sustentabilidade da situação,<br />
em geral estável ou em melhoria, que<br />
se observa no consumo de heroína na Europa,<br />
é posta em causa pela crescente produção<br />
de ópio no Afeganistão”.<br />
A investigação mostra que o tratamento de<br />
substituição reduz o risco de overdose fatal,<br />
mas todos os anos são notificadas algumas<br />
mortes associadas ao abuso de medicamentos<br />
de substituição. A presença do opiáceo<br />
sintético metadona, juntamente com outras<br />
substâncias psicoactivas, é mencionada por<br />
vários países numa percentagem apreciável<br />
das mortes relacionadas com o consumo de<br />
droga. O acompanhamento destas mortes e<br />
das circunstâncias que as rodeiam pode fornecer<br />
informações essenciais para melhorar<br />
os programas de substituição e para delinear<br />
as iniciativas de prevenção e redução dos danos.<br />
Entre as medidas que podem contribuir<br />
para reduzir as mortes e a mortalidade relacionadas<br />
com o consumo de droga, figuram<br />
as seguintes: um acesso mais fácil ao tratamento;<br />
estratégias de redução dos riscos para<br />
os consumidores de droga que saiam da<br />
prisão; formação em primeiros socorros para<br />
os consumidores de droga sobre o modo<br />
como devem reagir em caso de emergência;<br />
e formação do pessoal dos serviços de tratamento<br />
sobre o modo de enfrentar os riscos<br />
do policonsumo de droga. Segundo o relatório,<br />
porém: “A Europa ainda não dispõe de<br />
uma abordagem global à prevenção das overdoses”.<br />
Wolfgang Götz conclui: “Mais de 7<br />
000 vidas perdidas por ano é um sinal irrefutável<br />
de que não estamos a fazer o que devíamos<br />
em matéria de prevenção das overdoses<br />
na Europa. Fizemos grandes progressos no<br />
que respeita à redução do VIH entre os consumidores<br />
de droga. Temos agora de promover<br />
acções igualmente eficazes para reduzir<br />
as mortes relacionadas com o consumo de<br />
droga. Isso exigirá inovação, determinação e<br />
visão, e em última análise, que os decisores<br />
políticos se comprometam a investir em programas<br />
de redução das overdoses”.<br />
Informações sobre todos os produtos, serviços<br />
e eventos ligados ao Relatório Anual,<br />
bem como links aos mesmos estarão disponíveis<br />
em: http://www.emcdda.europa.eu/<br />
events/<strong>2007</strong>/annualreport.cfm
Relações entre a UE e a Rússia<br />
Agências de informação sobre a droga da UE<br />
e da Rússia assinam acordo em Mafra<br />
A União Europeia e a Federação da Rússia irão<br />
proceder no futuro a uma troca de informação<br />
mais sistemática no domínio da droga graças<br />
a um acordo assinado no passado dia 26 de<br />
Outubro entre o Observatório Europeu da Droga<br />
e da Toxicodependência (OEDT), com sede<br />
em Lisboa, e o Serviço Federal da Federação da<br />
Rússia para o controlo do tráfico de estupefacientes<br />
(FDCS). O Memorando de Entendimento<br />
foi assinado à margem da Cimeira UE–Rússia<br />
que teve lugar em Mafra no contexto da Presidência<br />
portuguesa da UE. Os signatários foram<br />
o Director do OEDT, Wolfgang Götz e o Director<br />
do FDCS, Viktor Cherkesov.<br />
O Presidente da Federação da Rússia, Vladimir<br />
Putin, o Presidente da Comissão Europeia, José<br />
Manuel<br />
Durão Barroso, o Alto Representante da UE para<br />
a Política Externa e de Segurança Comum<br />
Javier<br />
Solana e o Primeiro-Ministro de Portugal, José<br />
Sócrates estiveram presentes na cerimónia de<br />
assinatura<br />
do acordo.<br />
O novo acordo permitirá uma troca de informação<br />
e de conhecimentos especializados numa<br />
série de áreas, tais como:<br />
• Consumo e tráfico de drogas ilícitas nos Estados-Membros<br />
da UE e na Federação da Rússia;<br />
• Novos tipos de drogas e tendências emergentes<br />
no que se refere ao consumo de drogas;<br />
• Tecnologias utilizadas na produção de drogas<br />
ilícitas;<br />
• Métodos emergentes de tráfico;<br />
• Medidas legislativas e administrativas para reduzir<br />
o consumo ilícito de drogas; e<br />
• Prevenção do crime relacionado com as drogas.<br />
O Memorando de Entendimento é o resultado<br />
de conversações bilaterais que tiveram início<br />
em Lisboa em<br />
2004, e de subsequentes sessões de trabalho<br />
realizadas entre o OEDT e o FDCS no decurso<br />
de 2006, em<br />
Moscovo (Janeiro de 2006), e Lisboa (Setembro<br />
de 2006).<br />
Entre outros, o Memorando de Entendimento<br />
prevê:<br />
Cidades Saudáveis e a aplicação da nova legislação<br />
sobre o Tabaco<br />
Com a entrada em vigor da nova legislação (a partir<br />
de 1 de Janeiro de 2008) que visa a protecção<br />
dos cidadãos da exposição involuntária ao fumo<br />
do tabaco e medidas de redução da procura relacionadas<br />
com a dependência e a cessação do seu<br />
consumo, colocam-se questões pertinentes e específicas<br />
nos ambientes urbanos onde é hábito fumar.<br />
No contexto do protocolo de colaboração entre a<br />
Rede Portuguesa de Cidades Saudáveis e a Escola<br />
Nacional de Saúde Pública - Universidade Nova<br />
de Lisboa (projecto i-TPC), será promovido no dia<br />
13 de Dezembro, entre as 9:30h e as 13:00 horas,<br />
no Auditório (1 A 31) da ENSP-UNL, um encontro<br />
que tem como objectivo contribuir para um<br />
maior esclarecimento sobre esta legislação e sobretudo<br />
a forma como a mesma poderá ser potenciada<br />
no contexto da promoção da saúde das pessoas<br />
tendo como exemplo a abordagem das Cidades<br />
Saudáveis.<br />
Este encontro contará com a participação da investigadora<br />
e professora Doutora Kimber Ritcher<br />
da Universidade do Kansas, igualmente membro<br />
da Comissão de Planeamento da Cidade de<br />
Lecompton por nomeação do Presidente da Câ-<br />
mara que tem entre outras responsabilidades a<br />
implementação de ambientes urbanos sem tabaco.<br />
Co-fundadora da “Kansas Alliance of Health Advocates”<br />
a sua experiência no desenvolvimento de<br />
parcerias de base comunitária tem favorecido, em<br />
vários contextos, o desenvolvimento de políticas<br />
públicas focalizando a saúde comunitária, bem como<br />
estratégias de promoção da saúde no âmbito<br />
das <strong>dependências</strong> tais como o tabagismo.<br />
É objectivo informar os participantes da existência<br />
da Rede Portuguesa de Cidades Saudáveis<br />
(RPCS), bem como divulgar o trabalho que os municípios<br />
membros desenvolvem no contexto de actividades<br />
de prevenção e cessação tabágica.<br />
A organização solicita a divulgação deste encontro<br />
junto dos profissionais da sua autarquia bem como<br />
de contactos de referência no vosso município,<br />
para que possamos ter uma sessão participada. A<br />
realização deste encontro constitui uma oportunidade<br />
para todos os profissionais que trabalham na<br />
promoção da saúde, com especial enfoque na problemática<br />
do tabagismo. Investir na sua divulgação<br />
possibilitará a formação de profissionais que<br />
no terreno desenvolverão uma intervenção mais informada<br />
e esclarecida.<br />
O Meu Filho, as Drogas e Eu já tem edição portuguesa<br />
A obra O Meu Filho, as Drogas e Eu, da autoria de José A. García del Castillo, acaba de ser lançada em<br />
Portugal. O grande êxito que este verdadeiro manual de prevenção familiar conquistou em Espanha,<br />
país Natal de um autor com vasta obra publicada na área das <strong>dependências</strong>, levou mesmo o IDT a<br />
apoiar a edição, recentemente apresentada em Lisboa.<br />
Uma das figuras presentes na Livraria Betrand, aquando da apresentação do livro, foi João Goulão<br />
que reconheceu que “a associação do IDT a esta edição, embora de uma forma perfeitamente simbólica,<br />
pretende reconhecer a importância que este livro pode ter numa tarefa tão vital como a prevenção<br />
dos consumos de substâncias psicoactivas”. O Presidente do CD do IDT salientou ainda tratar-se<br />
de “um privilégio encontrar aqui o autor, um amigo de longa data, com quem tenho cruzado nestas<br />
lides das intervenções relacionadas com as drogas e as toxico<strong>dependências</strong> e confesso que me sinto<br />
fascinado pela identificação que espontaneamente sinto entre as posições que o ouço defender e<br />
aquilo que eu próprio sinto e defendo na minha actuação”.<br />
Quanto à obra propriamente dita, João Goulão explicou que, “apesar de lhe reconhecer todo o mérito,<br />
não quis assumir sozinho a responsabilidade de associar o IDT à edição. Por isso, fi-la apreciar por<br />
técnicos de prevenção do serviço que foram unânimes no reconhecimento da qualidade que a obra<br />
tem” acrescentando que “poderá, naturalmente, ser um auxiliar para os técnicos mas é, sobretudo,<br />
uma obra destinada a famílias”.<br />
<strong>Revista</strong> de Imprensa | Dependências | 43<br />
• O desenvolvimento e a melhoria de indicadores<br />
comuns para avaliar a situação da droga;<br />
• A participação de peritos do FDCS em reuniões<br />
do OEDT e vice-versa;<br />
• Acesso mútuo a informações estatísticas e troca<br />
de resultados de investigações científicas; e<br />
• Formação, desenvolvimento de capacidades, e<br />
intercâmbio de programas, planos e práticas.<br />
Comentando o Memorando de Entendimento,<br />
Wolfgang Götz afirmou: “A Federação da Rússia<br />
é o país vizinho da UE de maiores dimensões,<br />
na sequência do Alargamento de 2004.<br />
A expansão das nossas fronteiras comuns comporta<br />
desafios igualmente comuns e abre oportunidades<br />
de cooperação. Entre estes desafios,<br />
encontram-se o consumo de drogas e as suas<br />
consequências para a saúde, o tráfico de droga<br />
e actividades ilegais com ela relacionadas.<br />
É com entusiasmo que encaramos o estreitamento<br />
de relações com o FDCS, sobretudo pela<br />
oportunidade que nos dá de aprofundarmos o<br />
nosso conhecimento mútuo sobre um conjunto<br />
vasto de assuntos que caracterizam problemas<br />
comuns na área da droga”.<br />
Distrital portuense do<br />
Bloco de Esquerda em<br />
alerta… 3 mil vivem nas<br />
ruas portuenses<br />
O Porto é o distrito com maior número de sem<br />
abrigos de toda a União Europeia. 3 mil pessoas<br />
vivem na rua.<br />
O Bloco de Esquerda está a desenvolver no distrito<br />
do Porto uma campanha de sensibilização para<br />
este problema.<br />
O BE visitou o Albergue Nocturno do Porto e desde<br />
já manifesta o seu agradecimento pelo clima<br />
de abertura e transparência manifestada pela Direcção<br />
da Associação dos Albergues Nocturnos<br />
do Porto.<br />
Salientamos ainda o facto do Albergue, para além<br />
de alimentação e guarida, prestar um apoio integrado<br />
na área da saúde, assistência social e psíquica<br />
aos sem abrigo que procuram a instituição.<br />
Destacamos também as grandes dificuldades<br />
com que a instituição se debate.<br />
Com a crise económica e social - desde há 3 anos<br />
a esta parte - o número de necessitados aumentou<br />
mas diminuiu o número de dadores e o montante<br />
das dádivas, sendo altamente insuficiente o<br />
apoio prestado pela segurança social (cerca de<br />
50% das despesas).<br />
A equipa técnica precisa de reforço urgente, assim<br />
como o voluntariado. Um projecto de construção<br />
de um centro de apoio/hospital de retaguarda para<br />
doentes toxicodependentes com sida, em fase<br />
terminal, aguarda suporte financeiro.<br />
Os despedimentos, a crise têxtil, a desestruturação<br />
de famílias e vidas, a toxicodependência, a tuberculose,<br />
o alcoolismo e a sida, fazem desta população<br />
a mais carenciada dos carenciados.<br />
Calculamos em cerca de 3 mil os sem abrigo no<br />
distrito. No entanto a oferta de camas pouco passa<br />
da centena. Este é o exemplo máximo de demissão<br />
do Estado, da insensibilidade e das políticas<br />
do governo e também da autarquia do Porto.