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Revista dependências - Novembro 2007

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<strong>Revista</strong> Mensal Mensal • • 2 Euros Euros<br />

OEDT publica Relatório Anual <strong>2007</strong>:<br />

- cannabis menos popular entre jovens<br />

- consumo de cocaína novamente a crescer<br />

Coordenadores nacionais de drogas<br />

da EU discutem futuro em Lisboa<br />

<strong>Novembro</strong> <strong>2007</strong><br />

Rede Europeia para a Prevenção<br />

do Tabagismo (ENSP) reúne em Cascais


Carta do Doutor Nuno Melo à<br />

Dependências, datada de 7-11-<strong>2007</strong><br />

Exmo. Sr. Director:<br />

Na edição de Setembro/Outubro <strong>2007</strong>, da revista<br />

Dependências, sob o título “Os três bons malandros”,<br />

foi publicado um editorial que considero pessoalmente<br />

ofensivo nos termos e falso no conteúdo.<br />

Consequentemente, sirvo-me do presente para, nos<br />

termos do disposto nos art.ºs 24º e seguintes da Lei<br />

da Imprensa, apresentar o seguinte<br />

DIREITO DE RESPOSTA<br />

1- Na sequência do título que me designa de “bom<br />

malandro”, é dito no referido editorial que ”coerente<br />

com esta posição, só mesmo aquela (mais uma por<br />

parte do mesmo e, portanto, coerente) de um tal Nuno<br />

Melo, coerente no seu percurso profissional – que<br />

se saiba nunca fez mais na vida a não ser… ser político.”<br />

(fim de citação)<br />

2- Tal é falso e, pelo que se expõe, injurioso.<br />

3- Percebe-se, como para o signatário do referido editorial,<br />

ser político não abona em favor de um cidadão.<br />

Daí a referência feita em base depreciativa.<br />

4- Tenho imensa honra em ser político e de tudo o<br />

que, enquanto tal, tenho conseguido no exercício de<br />

mandatos para que fui eleito e reeleito pelo povo. A<br />

fiscalização aos termos com que a associação Ares<br />

do Pinhal é considerada pelo IDT é apenas mais um<br />

exemplo, que percebo, incomodou particularmente o<br />

editor da revista.<br />

5- Sucede, no entanto, que não sou deputado em regime<br />

de exclusividade e que a minha profissão é outra…<br />

advogado.<br />

6- Facto público e notório, porque sujeito a inscrição<br />

prévia na Ordem dos Advogados.<br />

7- Facto público e notório, porque assinalada no site<br />

do Parlamento português onde se informa no lugar<br />

relativo à profissão, que sou… advogado.<br />

8- Facto público e notório, por se tratar de actividade<br />

exercida em escritório, com porta aberta e nome publicitado<br />

em placa, primeiro na rua 5 de Outubro, nº<br />

14, em Guimarães, e mais recentemente na rua de S.<br />

Gonçalo da mesma cidade.<br />

9- Facto público e notório, por implicar presença mais<br />

ou menos regular em repartições, notariados, conservatórias<br />

e tribunais, como em breve, provavelmente, o<br />

editor da revista perceberá.<br />

10- Facto público e notório, até por dele já ter sido dada<br />

conta em diversos órgãos da comunicação social.<br />

11- Percebe-se assim, facilmente, da intenção pejorativa<br />

e injuriosa com que o editorial foi redigido.<br />

12- E em consequência, percebe-se também da necessidade<br />

do presente direito de resposta, para reposição<br />

da verdade – supostamente a primeira preocupação<br />

de qualquer jornalista – em termos que, todavia,<br />

não prejudicam, nos termos da lei, o direito a<br />

qualquer eventual procedimento criminal pelo facto<br />

da publicação, bem como do direito à indemnização<br />

pelos danos por ela causados.<br />

Editorial | Dependências | 3<br />

Na presente edição da revista Dependências, e na sequência<br />

da recepção de carta enviada pelo Excelentíssimo Senhor<br />

Doutor, Deputado e Advogado Nuno Melo que advoga, nos termos<br />

da Lei da Imprensa, o direito à resposta, Dependências<br />

publica a referida missiva, por entender, acima de tudo, que<br />

a imprensa – neste caso especializada – serve para isso mesmo:<br />

para criar um espaço de discussão, democrático, civilizado<br />

e coerente, ainda que em conteúdos temáticos mais ou<br />

menos específicos, mais ou menos técnicos, mais ou menos<br />

públicos, mais ou menos notórios.<br />

Ora, acontece que, na referida missiva, o Excelentíssimo Senhor<br />

Doutor, Deputado e Advogado Nuno Melo, considera injuriosa<br />

a forma como metafórica e figuradamente – tal é o<br />

estilo normalmente adoptado neste género literário ou jornalístico<br />

e mais ou menos aceite em países democráticos e<br />

menos susceptíveis a regimes filtrados por qualquer tipo de<br />

censura – me referi à sua pessoa. Desde já aceite o meu humilde<br />

pedido de desculpas se se sentiu ofendido, não compreendeu<br />

ou não quis compreender que, ao referir-me a ser<br />

político, e tal como é público e notório porque publicado em<br />

dicionários da língua portuguesa, tal significa em sentido figurado,<br />

ser astuto, dotado de uma maneira hábil de agir, ser<br />

público.<br />

Estranho apenas que o Excelentíssimo Senhor Doutor, Deputado<br />

e Advogado Nuno Melo se tenha apenas preocupado<br />

com as injuriosas e ofensivas palavras ao tê-lo descrito como<br />

alguém que “nunca fez mais na vida a não ser… ser político”<br />

e não tenha produzido qualquer reflexão mais profunda sobre<br />

o âmago da questão, ou seja, sobre a polémica criada em<br />

torno da associação Ares do Pinhal ou do Programa Porto Feliz<br />

no direito de resposta que lhe assiste e lhe reservamos.<br />

Mais: Quando refere, na referida carta que “A fiscalização<br />

aos termos com que a associação Ares do Pinhal é considerada<br />

pelo IDT é apenas mais um exemplo, que percebo, incomodou<br />

particularmente o editor da revista”, sou obrigado<br />

a dar-lhe razão. Incomodou-me particularmente, como<br />

me incomodam acusações sem fundamento, como me incomoda<br />

que se partidarize excessivamente a problemática<br />

das toxico<strong>dependências</strong>, como me incomoda que se aluda<br />

às estratégias de redução de riscos como incentivos ao consumo,<br />

como me incomoda que se pretenda denegrir, de forma<br />

populista, falaciosa e intencionada o primeiro técnico da<br />

área das toxico<strong>dependências</strong> que chega a presidente do IDT,<br />

acusando-o, por exemplo de ter trabalhado nessa mesma associação<br />

Ares do Pinhal e de ter sonegado esclarecimentos<br />

(falsamente) solicitados pela Comissão Parlamentar de Saúde.<br />

Isso sim, é ser-se advogado do diabo, não eleger como<br />

preocupação repor verdades e, para mim, particularmente<br />

incómodo.<br />

Mais ainda: para que não sejamos acusados de desempenhar<br />

a função de advogados do diabo, sugerimos a leitura<br />

da entrevista, publicada na presente edição, realizada a um<br />

utente da Casa de Vila Nova e ex-utente do Programa Porto<br />

Feliz e, por que não, uma visita à associação Ares do Pinhal<br />

e leitura atenta dos relatórios de actividades da mesma para<br />

que se possa, realmente, falar com conhecimento de causa.<br />

Nós falamos porque conhecemos. Nós conhecemos porque<br />

vamos aos locais. Nós vamos aos locais, e isso constitui<br />

facto público e notório, porque queremos informar com rigor,<br />

objectividade e isenção, critérios pelos quais pautamos<br />

a nossa actuação.<br />

António Sérgio


4 | Dependências | Presidência Portuguesa do Conselho da União Europeia<br />

Coordenadores Nacionais de Droga da<br />

União Europeia reunidos em Lisboa<br />

Os 27 Coordenadores Nacionais da<br />

Droga dos Estados-Membros da U.E.<br />

estiveram reunidos no passado dia<br />

24 de Outubro em Lisboa, num evento<br />

organizado no âmbito da presidência<br />

portuguesa do Conselho da União<br />

Europeia e que contou ainda com a<br />

participação de elementos da Europol,<br />

Comissão Europeia, ONU e Observatório<br />

Europeu. A reunião teve como principais<br />

objectivos a troca de informação<br />

relativamente à evolução da situação<br />

de cada Estado-membro em matéria<br />

de Droga e Toxicodependência, a análise<br />

das possibilidades de uma maior<br />

cooperação entre os Estados-membros<br />

e a concentração de esforços na<br />

implementação do Plano de Acção de<br />

Luta contra a Droga (2005-2008).<br />

O principal tema em discussão foi<br />

“O consumo de cocaína e os serviços<br />

de tratamento”. De acordo com<br />

o Observatório Europeu das Drogas e<br />

Toxico<strong>dependências</strong>, prevê-se que cerca<br />

de 12 milhões (3,5%) da população<br />

europeia entre os 15 e os 64 anos já<br />

tenham experimentado cocaína e que<br />

4,5 milhões o fizeram durante o último<br />

ano. De uma forma geral, a oferta,<br />

o uso e os problemas relacionados<br />

com cocaína cresceram na Europa ao<br />

longo da última década, ao passo que<br />

os preços desceram. No entanto, esta<br />

tendência geral disfarça algumas variação<br />

internas ao nível dos Estados-<br />

Membros. Alguns países como o Rei-<br />

Irlanda<br />

“A droga está a preocupar muito o nosso público,<br />

nomeadamente devido aos recentes problemas que<br />

se têm verificado entre diversos grupos de gangs.<br />

Pensávamos mesmo que a droga iria constituirse<br />

como um tema muito abordado nas eleições, o<br />

que, afinal, acabou por não se verificar. De qualquer<br />

forma, o investimento público aumentou, a par de<br />

um crescimento do fenómeno na lista das principais<br />

preocupações da nossa população. Temos uma<br />

abordagem de baixo para cima e estamos muito atentos.<br />

Temos na nossa comunidade sectores voluntários e<br />

ONGs mas é necessária a implementação de novas<br />

estratégias para melhorar o sistema”.<br />

Finlândia<br />

“Criámos um grupo de trabalho apenas para questões<br />

internas, o qual nos parece estar a atingir os objectivos<br />

a que nos propusemos. Em reuniões como esta, o que<br />

realmente nos preocupa são as questões nacionais e<br />

pretendemos observar, discutir e partilhar o que se<br />

passa nos outros Estados-Membros”.<br />

Holanda<br />

“Temos uma estrutura muito leve de coordenação, que<br />

inclui diversos ministérios, entre os quais o Ministério<br />

dos Negócios Estrangeiros. Como corríamos o risco<br />

de cada ministério percorrer isoladamente o seu<br />

próprio caminho e não haver uma política integrante,<br />

certificámo-nos de que existiria uma estrutura para<br />

que as pessoas se contactassem facilmente e temos<br />

um grupo de coordenação muito forte. Tentamos<br />

inclusivamente resolver problemas relacionados com o<br />

consumo de tabaco e de álcool, para o que procedemos<br />

a outro tipo de coordenações”.


Presidência Portuguesa do Conselho da União Europeia | Dependências | 5<br />

Dinamarca<br />

“Não temos qualquer tipo de mecanismo<br />

de coordenação por um simples motivo:<br />

neste preciso momento, o nosso Primeiro-<br />

Ministro deve estar a convocar eleições<br />

gerais. A coordenação, na Dinamarca,<br />

não engloba até ao momento questões<br />

que tenham a ver com o Ministério dos<br />

Negócios Estrangeiros”.<br />

no Unido, Espanha e Itália apresentaram<br />

consideráveis crescimentos no uso<br />

de cocaína, enquanto outros, particularmente<br />

na Europa de Leste, reportam<br />

apenas consumos muito limitados. O<br />

consumo de cocaína apresenta novos<br />

desafios para os serviços de tratamento<br />

europeus. Apesar de os serviços poderem<br />

utilizar a alavanca obtida a partir<br />

da experiência acumulada na resposta<br />

a outros tipos de problemas relacionados<br />

com drogas, a farmacologia da<br />

cocaína, a diversidade social dos seus<br />

utilizadores e o policonsumo de outros<br />

tipos de substâncias são factores que<br />

dificultam o desenvolvimento de respostas<br />

e a identificação de públicosalvo.<br />

A par, e ao contrário do que sucede<br />

com outros opiáceos, está ainda<br />

por provar a eficácia do recurso a programas<br />

de substituição ou tratamentos<br />

farmacológicos actualmente disponíveis<br />

para utilizadores de cocaína. Estas<br />

e outras questões forma discutidas durante<br />

a sessão.<br />

Itália<br />

“Gostaríamos de expressar a nossa<br />

gratidão pela apresentação da<br />

EMCDDA, muito útil para a nossa tarefa<br />

de coordenação. Encaramos esta<br />

tarefa como um sistema de controlo<br />

dos progressos. Em Itália, temos um<br />

sistema que precisa de ser actualizado,<br />

o que constitui uma prioridade<br />

do nosso Governo. Temos um comité<br />

responsável pela definição ou alteração<br />

de políticas e um comité científico que<br />

debate os problemas e novas tendências<br />

nesta área”.


6 | Dependências | Presidência Portuguesa do Conselho da União Europeia<br />

Dependências esteve presente e apresenta<br />

um briefing das principais intervenções<br />

Após as boas vindas, tarefa incumbida<br />

a João Goulão que presidiu a sessão,<br />

Frank Zobel, da EMCDDA, começou<br />

por apresentar uma actualização<br />

sobre os mecanismos de coordenação<br />

nacionais na UE. A apresentação de<br />

Frank Zobel versou cinco temas: definição,<br />

conceitos e recentes alterações<br />

na coordenação em matéria de drogas;<br />

os principais recursos dos actuais mecanismos<br />

de coordenação nacional de<br />

drogas; um olhar sobre a eficácia dos<br />

mecanismos de coordenação nacionais;<br />

e conclusões. Sobre este último<br />

tópico, a EMCDDA considera que quase<br />

todos os Estados-Membros estão dotados<br />

das três componentes chave que<br />

constituem uma política coordenada<br />

sobre drogas: um mecanismo de coordenação,<br />

uma estratégia e um plano<br />

de acção e um mecanismo de monitorização<br />

e avaliação. Considera ainda o<br />

Observatório Europeu que as questões<br />

chave consistem agora em avaliar em<br />

que medida está a estratégia e plano<br />

de acção implementado em cada Estado-Membro<br />

e de que forma poderá o<br />

mecanismo de coordenação melhorar<br />

estes aspectos. Por fim, sugere ainda<br />

que, na ausência de indicadores de eficácia,<br />

os membros dos mecanismos de<br />

coordenação poderiam rever as suas<br />

actividades com os cinco componentes<br />

chave em consideração: legitimidade<br />

interna e externa, estrutura adequada,<br />

instrumentos adequados e sensibilidade<br />

para os problemas salientes, traçando<br />

para cada um definições e possíveis<br />

indicadores.<br />

Suécia<br />

“Existem, no nosso país, dois mecanismos<br />

de coordenação: um interno ao nível<br />

interministerial e outro top-down.<br />

Gostaríamos de incluir o álcool e outras<br />

substâncias no âmbito das nossas<br />

valências e, por isso, interessa-nos ouvir<br />

as experiências de outros países, como<br />

Portugal, que já o fizeram. Pretendemos<br />

ainda criar um grupo específico dedicado à<br />

consultadoria e esta poderá ser igualmente<br />

uma proposta a debater nesta reunião”.<br />

Comissão Europeia<br />

“A Comissão Europeia está a fazer a segunda análise<br />

anual e publicará a avaliação final do plano de acção<br />

no próximo ano. Em relação à implementação do plano<br />

de acção, conseguimos ter acesso e recolher os dados<br />

os dados relacionados com a saúde, os quais têm sido<br />

obtidos mas falta coordenação nas áreas da produção e<br />

oferta”.


Espanha, Carmen Moya<br />

Dep – Quais são as principais prioridades<br />

do Governo Espanhol em matéria de intervenção<br />

em toxico<strong>dependências</strong>?<br />

Cármen Moya (C.M.) – A prioridade fundamental<br />

em matéria de toxico<strong>dependências</strong><br />

consiste em sensibilizar a população, sem a<br />

alarmar, que o problema das drogas persiste,<br />

e que, embora possam ter a percepção<br />

de que está resolvido uma vez que a questão<br />

da insegurança vinculada aos consumos<br />

de heroína de alguns anos atrás e que gerou<br />

muita convulsão no nosso país, felizmente,<br />

já não existe, isso não significa, de forma alguma,<br />

que os consumos de droga tenham<br />

desaparecido, antes pelo contrário. Continuamos<br />

a verificar que, nalgumas substâncias,<br />

temos consumos muito significativos,<br />

alguns dos quais nos colocam a par dos primeiros<br />

países europeus e, como tal, não há<br />

que baixar o alerta mas antes incidir, insisto,<br />

na sensibilização da população e na necessidade<br />

de todos tomarmos medidas no<br />

âmbito da prevenção, em distintos campos<br />

como o educativo, o familiar e dos meios de<br />

comunicação. Isto não significa porém que<br />

não tenhamos que ter em conta a continuidade<br />

do esforço de investimento nos tratamentos,<br />

na reinserção e reabilitação. Outro<br />

âmbito muito importante é a investigação<br />

porque alterações dos consumos e dos perfis<br />

dos consumidores estão em constante<br />

mutação e existem novos grupos populacionais<br />

vulneráveis em relação aos quais temos<br />

que desenvolver estratégias de intervenção<br />

específicas. Mas também no âmbito da sensibilização<br />

e da prevenção, estou convicta<br />

de que se produzem melhores resultados,<br />

quanto mais os programas e acções se basearem<br />

em evidências e estudos científicos.<br />

Como é óbvio, também não podemos descurar<br />

todas aquelas medidas e actuações<br />

que entram no campo da oferta. Refiro-me<br />

ao âmbito policial, quer numa perspectiva<br />

macro, quer micro, no que concerne aos<br />

vendedores de pequena escala mas, sobretudo,<br />

no âmbito escolar e em contextos recreativos.<br />

Dep – Referiu-se a substâncias em relação<br />

às quais Espanha apresenta das mais altas<br />

taxas de consumo da Europa. Sabendo-se<br />

que uma delas é a cocaína, existem respostas<br />

por parte do sistema de saúde para os<br />

utilizadores?<br />

C.M. – Na verdade, embora os consumos de<br />

cocaína sejam dos mais elevados – e desde<br />

que os consumos de heroína perderam<br />

preponderância verificou-se um crescimento<br />

muito significativo do consumo de cocaína,<br />

temos que encarar o problema como<br />

se tratando de policonsumos. A combinação<br />

de álcool com outra substância é muito<br />

frequente. Mas também há que considerar,<br />

em relação à realidade espanhola que, não<br />

obstante apresentar ao nível da população<br />

geral dados elevados relativamente aos consumos<br />

em comparação com outros países<br />

europeus, temos que perceber qual foi o<br />

nosso ponto de partida. Se atentarmos aos<br />

dados de 1999, percebemos que eram ainda<br />

mais altos dos que apresentavam países<br />

como o Reino Unido ou actualmente Itália. E<br />

se falarmos em crescimentos anuais verificamos<br />

que nestes dois países os consumos<br />

cresceram mais do que em Espanha. O que<br />

não quer dizer que não tenhamos números<br />

elevados ou que não devamos fazer um<br />

enorme esforço no sentido de os diminuir.<br />

No entanto, em relação à cocaína, o carácter<br />

mitificado existente em Espanha (mas<br />

também noutros países), enquanto droga<br />

de êxtase e glamour que não correspondem<br />

à realidade, aliado ao facto de sermos<br />

uma porta de entrada na Europa, entre outros<br />

factores, contribuiu para que atingíssemos<br />

níveis de consumo elevados. Isto levou<br />

a que, desde o ano passado, implementássemos<br />

um programa específico de actuação<br />

no âmbito da cocaína. Temos um plano de<br />

acção transversal a todos os âmbitos, desde<br />

a prevenção ao tratamento. E as prioridades<br />

que o Plano Nacional definiu a partir<br />

de <strong>2007</strong> emanam fundamentalmente de actuações<br />

no âmbito da cocaína e, entre diversas<br />

medidas a implementar num horizonte<br />

de quatro anos, teremos, por exemplo, um<br />

congresso internacional sobre cocaína a realizar<br />

em Madrid no qual participarão todos<br />

os países europeus e os EUA no sentido<br />

de promover a discussão e partilha de conhecimentos<br />

em relação a aspectos como a<br />

prevenção, novas linhas de tratamento e políticas<br />

que se vão implementando e desenvolvendo<br />

em matéria de cocaína.<br />

Dep – Espanha foi pioneira na administração<br />

de um fármaco antagonista utilizado no<br />

tratamento da dependência de cocaína no<br />

Hospital Vall d’Hebron. Já é possível avaliar<br />

resultados?<br />

C.M. – Ainda não, uma vez que o programa<br />

experimental ainda não foi concluído. No entanto,<br />

o nosso espírito é mesmo esse, trabalhar<br />

em linhas de investigação, identificar<br />

oportunidades e lacunas. As drogas terapêuticas<br />

poderão existir desde que sirvam<br />

para tratar este problema.<br />

Dep – O botellón continua a ser um grave<br />

problema em Espanha?<br />

C.M. – O botellón pode até ser um problema<br />

de ordem pública pelas moléstias que causa<br />

às populações habitantes dos meios onde<br />

se pratica. A mim o que me preocupa é este<br />

tipo de consumo anglo-saxónico por parte<br />

dos jovens, um consumo massivo num curto<br />

período de tempo e concentrado em deter-<br />

Presidência Portuguesa do Conselho da União Europeia | Dependências | 7<br />

minados espaços e os danos que poderão<br />

produzir no futuro.<br />

Dep – Como está a decorrer a implementação<br />

do Plano Nacional Sobre Drogas<br />

em Espanha?<br />

C.M. – A Estratégia Nacional termina no ano<br />

2008 e, a meio do período, em 2004, procedemos<br />

a uma avaliação e concluímos que<br />

em determinadas linhas, as taxas de execução<br />

eram muito satisfatórias e refiro-me,<br />

por exemplo, à oferta de tratamentos. Em<br />

áreas como a prevenção e sensibilização social,<br />

a partir da elaboração de um plano específico,<br />

tentámos reforçar todas aquelas<br />

carências que provinham dos objectivos definidos<br />

na Estratégia Nacional.<br />

Dep – Em Portugal começam a dar-se passos<br />

mais firmes numa área como a redução<br />

de riscos e minimização de danos. Espanha<br />

já tem alguma tradição na implementação<br />

de dispositivos como as salas de consumo<br />

assistido ou a troca de seringas em meio<br />

prisional. Que conselhos poderia dar ao governo<br />

português nesta matéria?<br />

C.M. – Este é um tema delicado e complexo<br />

e, mesmo Espanha, que possui já uma<br />

tradição neste tipo de dispositivos e na<br />

implementação de outros programas – porque<br />

a intervenção em redução de riscos não<br />

se resume à instalação de salas de consumo<br />

ou à troca de seringas – existem por vezes<br />

alguns problemas. Mas creio que há uma<br />

série de factores que tornam estas estruturas<br />

viáveis: primeiro, há que negociar com<br />

o movimento de cidadãos da envolvente em<br />

que se vai criar este tipo de unidades e, por<br />

que não, envolvê-los positivamente nessa tomada<br />

de decisão. Depois, há que optar por<br />

instalações dignas, adequadas e adaptadas<br />

ao tipo de serviço que se pretende prestar.<br />

Por exemplo, estas unidades devem estar<br />

próximas dos locais de consumo e não faz<br />

qualquer sentido que se situem longe dos<br />

mesmos. Pensar no desenho destas unidades<br />

implica desenhá-las em função das necessidades<br />

dos seus destinatários e sempre<br />

numa óptica de reduzir os riscos para a sua<br />

saúde e para a saúde pública. O mesmo<br />

se aplica em relação à implementação dos<br />

programas de troca de seringas em meio<br />

prisional, uma medida corajosa que se traduziu<br />

em resultados muito positivos. Trocar<br />

seringas nas prisões, com tudo o que significava<br />

conceptualmente, foi uma medida<br />

valente e decidida em Espanha e que teve<br />

em conta a evidência científica que nos diz<br />

que existe uma forte relação entre a transmissão<br />

de VIH/Sida e Hepatites e a partilha<br />

de seringas.<br />

Dep – Será possível, face à evolução patenteada<br />

em Espanha nesta matéria, descriminalizar<br />

o tráfico de drogas?<br />

C.M. – Creio que será muito difícil porque<br />

estes temas não têm um âmbito exclusivamente<br />

geográfico ou nacional. O problema<br />

das drogas é multinacional e medidas unilaterais<br />

levadas a cabo por um país não conduzirão<br />

à sua resolução. Despenalizar estas<br />

substâncias seria quase como admitir que<br />

as mesmas teriam deixado de ser nocivas<br />

para a saúde.


8 | Dependências | Reunião científica internacional sobre salas de consumo<br />

Nasceu a Rede Internacional<br />

de Salas de Consumo<br />

Salas de consumo de drogas: experiências e novos desafios foi o tema da primeira<br />

reinião científica internacional, organizada pelos Médicos do Mundo Munduko Medikuak<br />

que atraiu à cidade basca de Bilbao responsáveis de salas de consumo assistido e<br />

técnicos da área da redução de riscos.<br />

A participação portuguesa fez-se representar por António Caspurro,<br />

da Arrimo, que apresentou uma perspectiva cronológica sobre a intervenção<br />

em Portugal em matéria de redução de riscos, seguida de<br />

uma caso prático, demonstrativo da necessidade da implementação<br />

deste tipo de dispositivos num contexto específico: o Bairro São<br />

João de Deus, no Porto, onde actua a equipa de rua da Arrimo. Na<br />

reunião marcou ainda presença uma delegação da equipa do GiruGaia,<br />

composta por Marta Pinto e Susana Peixoto. Os temas desenvolvidos<br />

ao longo do dia foram organizados em várias mesas<br />

de trabalho. A saber: Situação sócio-sanitária asociada ao consumo<br />

de drogas ilegais: uma visão global, estatal e autonómica; Salas<br />

de consumo: experiências e futuro; Desde o aprendido, criação de<br />

salas de consumo em novos contextos; Novas estratégias de actuação:<br />

programas de administração de heroína; e, finalmente, a mesa<br />

constituinte da Rede Internacional de Salas de Consumo.<br />

Numa altura em que as salas de consumo assistido já demonstraram,<br />

com base em estudos, monitorizações e avaliações, constituir<br />

uma estratégia eficaz e eficiente na redução de riscos e minimização<br />

de danos associados ao consumo de drogas ilícitas em diferentes<br />

países, esta reunião nasceu como uma proposta dirigida à incrementação<br />

do fluxo de conhecimento científico gerado neste tipo de<br />

recursos e afirmou-se como um primeiro passo para a constituição<br />

de uma rede internacional que compreenda a actividade coordenada<br />

e trabalho em conjunto entre os dispositivos existentes, destinados<br />

a ampliar as possibilidades de intervenção noutros contextos<br />

de necessidades.<br />

Dependências esteve em Bilbao e conversou com alguns responsáveis<br />

de salas de consumo<br />

José Julio Pardo, responsável pela sala de Bilbao<br />

“Como é sabido, no próximo mês, a sala de<br />

consumo de Bilbao cumprirá quatro anos de<br />

existência e, durante este tempo pensámos<br />

que seria muito conveniente e necessária a<br />

criação de uma rede internacional de salas de<br />

consumo para que, juntos, trabalhemos com<br />

uma maior transmissão de inquietudes, de<br />

problemas e de respostas aos mesmos. Acerca<br />

destes últimos quatro anos, devo realçar<br />

que, inicialmente, a sala abriu apenas com a<br />

valência do consumo por via injectada e, posteriormente,<br />

começou a consumir-se também<br />

por via snifada. Há aproximadamente um ano,<br />

acrescentamos a via inalada. Com esta última,<br />

lográmos chegar a uma série de pessoas e etnias<br />

que não vinham até nós. Durante este ano,<br />

chegámos a um número considerável com<br />

mais de 1800 processos. O número de seringas<br />

dispensadas cifrou-se nas 218 mil 998, 78<br />

mil 836 das quais foram utilizadas em consumos<br />

dentro da própria sala. Quanto aos consumos<br />

realizados na sala, registámos um total de<br />

96 mil 387, 59 mil 227 dos quais se procederam<br />

por via injectada. Por via inalada registaram-se<br />

27 mil 435 consumos e por via snifada<br />

1827. Aparte o consumo, também se realizam<br />

oficinas de trabalho na sala. Recentemente realizámos<br />

uma exposição de pintura com os<br />

trabalhos realizados nessa oficina. As pessoas<br />

que trabalham na sala realizaram 11 mil 286<br />

intervenções sócio-educativas e mais de 1500<br />

intervenções específicas acerca de práticas de<br />

consumo de menor risco. Realizaram-se mais<br />

de 300 oficinas de trabalho, com uma média<br />

de participação na ordem dos oito utentes por<br />

oficina. O que pretendemos é reduzir os riscos<br />

e danos produzidos a nível sanitário e social na<br />

pessoa que utiliza drogas mas também reduzir<br />

os riscos e danos a nível comunitário derivados<br />

destes consumos. Detectámos que 83,5<br />

por cento dos utentes são homens e 16,5 por<br />

cento são mulheres e constatámos que a percentagem<br />

de mulheres consumidoras cresce<br />

na sala de inalado. Também se verifica uma diferença<br />

entre o consumo endovenoso e o inalado<br />

relativamente à substância consumida: pela<br />

primeira, o que mais se consome é cocaína,<br />

seguida de heroína e da mistura de ambas. Por<br />

via inalada, o que mais se consome é heroína,<br />

depois cocaína e, por fim, a mescla”.


Esther Henar, responsável pela Sala Baluard, Barcelona<br />

Dep - Em que princípios se baseia a intervenção<br />

realizada na Sala Baluard?<br />

E.H. - A base da intervenção é, evidentemente,<br />

a redução de danos e tem que ser<br />

encarada no seio de um contexto global.<br />

Temos que ter presente que todos os actores<br />

sociais que estão na envolvente geográfica<br />

do serviço, aqueles que, de uma<br />

ou outra forma repercutem o impacto dos<br />

consumidores.<br />

Nós gerimos a sala de Baluard e uma unidade<br />

móvel, sendo que ambas estão subordinadas<br />

aos mesmos critérios de actuação.<br />

Os objectivos do serviço coincidem<br />

com os propósitos conhecidos da redução<br />

de danos e pretendemos que o mesmo forneça<br />

prestações sócio-sanitárias. Evidentemente,<br />

tudo ocorre em torno da vigilância<br />

da saúde das pessoas. Procedemos a<br />

uma intervenção global, multidisciplinar e,<br />

para o efeito, realizamos intervenções que<br />

potenciem uma vinculação. Utilizamos como<br />

ferramenta a cobertura das necessidades<br />

básicas fornecendo alimentação, banhos,<br />

vestuário, resumindo, a intervenção<br />

social e sanitária. No que concerne à assistência<br />

sanitária, dispomos de um serviço<br />

de enfermagem dotado de um médico<br />

e de enfermeiros que actuam em três turnos<br />

de trabalho onde fazemos análises de<br />

controlo, exames médicos, testes de gravidez,<br />

curativos, curas e tratamentos básicos.<br />

Tendo em conta que estas pessoas<br />

não têm acesso ao sistema de saúde de<br />

forma alguma, como mínimo, controla-se a<br />

sua saúde através de análises. São muitas<br />

as pessoas, em especial alguns imigrantes,<br />

que não têm qualquer tipo de contacto com<br />

as unidades de saúde públicas e, como tal,<br />

trabalhamos para que, pelo menos, alguns<br />

deles disponham desse controlo de saúde.<br />

Depois, desenvolvemos acções de informação<br />

e formação acerca de injecção higiénica,<br />

oficinas temáticas especificamente<br />

sanitárias, algumas sobre saúde individual<br />

mas também sobre saúde comunitária. Os<br />

profissionais de saúde trabalham ainda directamente<br />

com o pessoal responsável pela<br />

implementação dos programas de troca<br />

de seringas. Quanto às ferramentas de vinculação<br />

que referi, estas permitem-nos que<br />

os usuários se vinculem ao serviço, contactando<br />

assim com a rede assistencial. Alguns<br />

são encaminhados por técnicos que<br />

trabalham na rua, outros vêm até nós porque<br />

ouvem falar do serviço.<br />

Dep – As salas são apenas destinadas à in-<br />

jecção assistida ou é possível efectuar outro<br />

tipo de consumo nas mesmas?<br />

E.H. – Até há bem pouco tempo dispúnhamos<br />

apenas de uma sala de injecção assistida<br />

mas, em <strong>Novembro</strong>, inaugurámos outra<br />

que contempla também o consumo fumado<br />

com características muito similares<br />

às da que existe em Bilbao.<br />

Dep – Que profissionais estão afectos à intervenção<br />

sócio-sanitária?<br />

E.H. - Na área de intervenção sócio-educativa<br />

temos uma técnica social, educadores<br />

que trabalham dentro do serviço e educadores<br />

que trabalham fora do mesmo. Tenta-se<br />

que estes desempenhem uma função<br />

de articulação de processos. Quando um<br />

utente chega até nós pela primeira vez recolhemos<br />

alguma informação básica, como<br />

a sua identificação, que não terá que ser<br />

necessariamente verdadeira, idade, procedência<br />

e país de origem e local onde dormem.<br />

No primeiro dia, dizem-nos ainda<br />

qual é a substância que mais consomem<br />

e assinam um consentimento informado. A<br />

partir daí, baseamos o nosso trabalho naquilo<br />

a que chamamos a entrevista de acolhimento<br />

em que pretendemos realizar um<br />

diagnóstico de situação social e definir objectivos<br />

sanitários, abrindo um processo ou<br />

arquivo social e clínico. A partir desse momento,<br />

os educadores tratam de implicar<br />

os restantes profissionais de trabalham no<br />

serviço, desde o técnico social, o psicólogo,<br />

o médico, o enfermeiro, todos aqueles<br />

que tenham competências e intervenham<br />

por forma a oferecer uma mais-valia relativamente<br />

à situação do utente. Além da coordenação<br />

de casos, tentamos realizar supervisão<br />

de casos nas nossas reuniões de<br />

trabalho.<br />

Dep – Como é constituída e organizada a<br />

equipa da sala de Baluard?<br />

E.H. – A equipa, em Baluard, é constituída<br />

por 48 pessoas que asseguram o funcionamento<br />

do serviço de forma ininterrupta,<br />

24 horas por dia. Esses 48 profissionais<br />

distribuem-se por três turnos de trabalho,<br />

o da manhã, o da tarde e o da noite, os<br />

quais não são rotativos. Cada turno conta<br />

com dois profissionais de saúde, dois educadores<br />

internos ao serviço, um integrador<br />

ou agente de saúde que corresponde a um<br />

utilizador que se formou para trabalhar de<br />

forma normalizada e dois educadores que<br />

trabalham na rua – esta é a equipa base.<br />

Depois, temos três médicos, um que se<br />

ocupa dos programas de manutenção com<br />

metadona, um coordenador geral de toda a<br />

intervenção de saúde e um terceiro que se<br />

ocupa de tudo o que respeite a tratamentos,<br />

medicações directamente observadas,<br />

etc. As equipas são sempre as mesmas em<br />

cada turno. E se isto pode ser positivo para<br />

os utilizadores ainda o será mais para uma<br />

parte vital do serviço que é a equipa. É absolutamente<br />

fundamental que as necessidades<br />

da vida privada das pessoas que trabalham<br />

numa área como a redução de riscos<br />

sejam atendidas e respeitadas. Estas<br />

pessoas lidam diariamente com experiências<br />

extremas de dor, angústia e impotência<br />

e temos por obrigação tentar manejar<br />

Reunião científica internacional sobre salas de consumo | Dependências | 9<br />

ao máximo estas emoções que os outros<br />

vivem mas se a nossa própria vida não for<br />

fácil não o conseguiremos fazer de forma<br />

rigorosa como pretendemos. Ainda em relação<br />

à equipa, é importante que sejamos<br />

cautelosos relativamente a todos os hábitos<br />

que podemos adquirir ao tentarmos relacionar-nos<br />

com os utentes, incluindo os<br />

referentes à imagem. É muito positivo que<br />

criemos uma relação de grande proximidade<br />

com os utentes e que estes não nos vejam<br />

como diferentes mas também nunca<br />

devemos esquecer que nós somos o profissional<br />

que lhe vai aportar um benefício. Se<br />

deixamos de cumprir essa função não lhe<br />

serviremos para nada. A imagem do profissional<br />

e a posição que toma é vital.<br />

Dep – Quantos utilizadores frequentam cada<br />

uma das salas?<br />

E.H. – Em Baluard tínhamos 5 mil registos<br />

abertos até Setembro e na unidade móvel<br />

temos cerca de mil utentes. Em Baluard temos<br />

uma média de 400 visitas diárias, a<br />

que correspondem cerca de 200 pessoas<br />

diferentes.<br />

Dep – Em Portugal continua a discutir-se<br />

acerca da premência destes dispositivos<br />

mas igualmente se os mesmos deverão<br />

ser fixos ou móveis…<br />

E.H. – Isso depende de muitos aspectos…<br />

É óbvio que o móvel é mais discreto, o que<br />

poderá ser facilitador relativamente às populações<br />

que habitem nas proximidades do<br />

mesmo…<br />

Dep – Mas, havendo em certos locais, como<br />

acontece na cidade do Porto, consumos<br />

que perduram entre a manhã e a noite,<br />

fará sentido que o dispositivo apenas<br />

seja disponibilizado por algumas horas?<br />

E.H. – Eu creio que deverá existir um dispositivo<br />

o mais digno possível nos locais onde<br />

o mesmo seja necessário. É certo que em<br />

muitos locais se começou com unidades<br />

móveis, como em Barcelona para acabar<br />

num serviço normalizado. Mas custa muito<br />

fazer este trabalho! Mas também há o perigo<br />

de a unidade móvel não cobrir todo o expediente<br />

necessário para satisfazer as necessidades<br />

básicas de um toxicodependente.<br />

Sei que, muitas vezes, é um passo que<br />

se tem que dar para atingir um processo<br />

mas também creio que não nos devíamos<br />

conformar com isso. Nós começámos em<br />

Cantunis com uma tenda que montávamos<br />

e desmontávamos diariamente, por iniciativa<br />

própria, sem permissão ou autorização<br />

de ninguém…<br />

Dep – E a lei proibia que o fizessem?<br />

E.H. – Ninguém nos disse nada… Quer a<br />

polícia, quer os membros da autarquia sabiam<br />

que o fazíamos, eu própria acabei por<br />

chegar a um entendimento com os mesmos<br />

que, basicamente, me disseram que não<br />

assumiriam publicamente qualquer apoio<br />

à iniciativa mas também não a proibiriam.<br />

Dep – Nunca temeu que, pelo facto de as<br />

salas se situarem junto de locais de tráfico<br />

e consumo, a polícia realizasse mais investidas<br />

junto das mesmas?


10 | Dependências | Reunião científica internacional sobre salas de consumo<br />

E.H. – Entendo que este seja um tema que<br />

cria polémica entre os diferentes profissionais.<br />

O que é para mim claro é que temos<br />

que conjugar as nossas actuações e trabalhar<br />

directamente relacionados e entendendo-nos<br />

com todos os agentes sociais, forças<br />

de segurança incluídas. Há que procurar<br />

estratégias que permitam que cada um<br />

cumpra o seu papel mas que nos permitam<br />

igualmente entender que cada um desempenha<br />

um papel claramente diferente.<br />

E dou um exemplo: eu tenho uma mesa de<br />

trabalho com o intendente da polícia da Catalunha<br />

e os responsáveis por um grupo de<br />

intervenção numa comunidade onde existem<br />

utilizadores que, inevitavelmente, vão<br />

cometendo delitos e têm problemas pendentes<br />

com a justiça. E eu tento negociar<br />

com o intendente - porque a polícia pode<br />

entrar em qualquer sítio – no sentido de<br />

que, quando a polícia intervém, não o faça<br />

de uma forma traumática, nem para os profissionais,<br />

nem para os utilizadores. Se sei,<br />

por exemplo, que houve uma morte e que<br />

um utilizador esteve implicado na mesma,<br />

eu tenho a obrigação moral de transmitir<br />

a informação. Então, quando algo acontece,<br />

a polícia chama-me a mim directamente<br />

porque há que facultar um interlocutor e<br />

tentamos perceber o que sucedeu e de que<br />

forma podemos colaborar. Mas imagine,<br />

por outro lado, que em determinada esquina<br />

de um bairro se começava a constatar<br />

que havia ajuntamentos porque algumas<br />

pessoas traficavam e consumiam constantemente<br />

várias substâncias, criando alguns<br />

problemas junto de alguns vizinhos e pessoas<br />

que por lá passavam… Na nossa mesa<br />

de trabalho com a polícia, decidimos que,<br />

nestes casos, primeiro interviriam os educadores,<br />

que se não funcionasse veríamos<br />

o que fazer e, se fosse necessário, interviria<br />

a polícia. Mas hoje também tenho claro<br />

que necessitamos do apoio e suporte das<br />

forças de segurança para que tudo funcione<br />

melhor.<br />

Dep – Sabendo-se que o ideal seria que<br />

ninguém fosse dependente, mas constatando-se<br />

que este ideal é mais uma utopia,<br />

até que ponto podemos afirmar que o ideal<br />

seria dispensar heroína ou cocaína aos<br />

utentes que delas realmente precisam?<br />

E.H. – Seria estupendo! Apesar de não ser médica<br />

e de tentar ser o mais cautelosa possível<br />

nestes aspectos, creio que os programas de heroína,<br />

mais cedo ou mais tarde, se hão-de colocar<br />

em prática. Mas também sei que não se-<br />

rão úteis ou adequados a todos os consumidores<br />

e que haverá alguns que decidirão até não<br />

ingressar nos mesmos. O que me parece é que<br />

temos que saber satisfazer as necessidades<br />

das pessoas e as salas de consumo são apenas<br />

mais um serviço que satisfaz as necessidades<br />

de algumas delas. E creio que os dispositivos<br />

de baixa exigência devem continuar a existir<br />

porque sempre existirão pessoas nesta situação<br />

e que todos os serviços que tenham a ver<br />

com o tratamento devem dispor de um dispositivo<br />

de consumo, desde os CAT aos albergues,<br />

todos aqueles que acolhem ou contactam com<br />

toxicodependentes.


Sarah Evans, responsável pela Insite, Vancouver, Canadá<br />

“A ideia da constituição de uma sala de<br />

consumo supervisionada em Vancouver foi<br />

por nós proposta inicialmente sob a presidência<br />

de um político conservador, Philip<br />

Owen, que, originalmente, não entendeu a<br />

ideia mostrando-se mesmo inquieto e nervoso.<br />

No entanto, ao constatar que a cidade<br />

sofria com um grande problema, verifi-<br />

IFCS<br />

O que é a IFCS?<br />

A Insite For Community Safety corresponde<br />

a uma initiativa da PHS Community Services<br />

Society que co-dirige a InSite, a única<br />

sala de consumo assistido do continente<br />

norte-americano, cujo propósito consiste<br />

em agir como um “chapéu” para indivíduos<br />

e grupos junto do espectro político, os<br />

quais usualmente não trabalham juntamente<br />

mas que se encontram actualmente unidos<br />

na construção de uma estratégia sobre<br />

drogas abrangente e “made-in-Canada”.<br />

O que é a InSite?<br />

Aberta a 21 de Setembro de 2003, a Insite<br />

está dotada de um ambiente limpo e seguro<br />

onde os usuários podem injectar as suas<br />

próprias drogas fora das ruas e sob a supervisão<br />

de enfermeiros.<br />

Apoio comunitário<br />

Insite é apoiada por uma vasta gama de organizações<br />

e indivíduos, incluindo a cidade<br />

de Vancouver, na Província de British Columbia,<br />

Vancouver Coastal Health, Premier<br />

Gordon Campbell, ministro David Emerson,<br />

o senador Larry Campbell, Vancouver Police<br />

Chief Jamie Graham, Vancouver Mayor<br />

Sam Sullivan, Vancouver ex - prefeito Phillip<br />

cou que seria necessário implementar uma<br />

solução pragmática. Foi necessário organizar<br />

uma campanha no sentido de sensibilizar<br />

as pessoas e, no caso, tivemos<br />

a sorte e felicidade de possuir um grupo<br />

de utilizadores muito bem organizado. Isso<br />

ajudou muito porque estas são pessoas<br />

profundamente marginalizadas e criminalizadas.<br />

E quando se organizaram com o intuito<br />

de transmitir à sociedade os riscos e<br />

prejuízos que a sua comunidade sofre, adquiriram<br />

outro tipo de atenção e visibilidade,<br />

o que se revelou muito positivo. Obviamente,<br />

tivemos que exercer este lobby nos<br />

nossos três níveis governamentais e, em<br />

1998, conseguimos chegar ao Acordo de<br />

Vancouver que previa que, juntamente com<br />

essas três plataformas do poder, procurássemos<br />

soluções mais pragmáticas para<br />

os nossos problemas relacionados com as<br />

toxico<strong>dependências</strong>.<br />

Actualmente, os resultados da Insite falam<br />

por si mesmos. A estrutura tem sido criteriosamente<br />

avaliada por uma equipa de<br />

Owen, injecção de droga, grupos comunitários,<br />

empresas locais, instituições académicas<br />

e outros.<br />

A ciência<br />

Ao longo dos últimos três anos Insite tem<br />

sido sujeita a rigorosa avaliação científica,<br />

sendo produzidos conhecimento e diversos<br />

relatórios em prestigiados jornais periódicos<br />

científicos. Os dados científicos indicam<br />

que a Insite conseguiu alcançar os seguintes<br />

objectivos:<br />

- Redução de injecção partilhada e injecção<br />

na via pública<br />

- Redução de mortes por overdose<br />

- Redução da transmissão de infecções pelo<br />

sangue como o VIH e Hepatite C<br />

- Redução de infecções relacionadas com o<br />

consumo endovenoso<br />

- Melhorias na ordem pública<br />

Os dados científicos publicados revelam<br />

que a Insite tem atingido esses objectivos.<br />

Nos media<br />

A Insite atraiu muita atenção positiva dos<br />

media, incluindo um averbamento da direcção<br />

editorial do Vancouver Sun.<br />

Reunião científica internacional sobre salas de consumo | Dependências | 11<br />

investigadores independente, que publica<br />

os resultados obtidos. Como conclusões<br />

mais significativas poderíamos referir que<br />

foi constatado que a Insite reduz os riscos<br />

para os utilizadores, restabelece a ordem<br />

pública e não se verificou qualquer crescimento<br />

do crime ou qualquer tipo de barreiras<br />

no espaço geográfico envolvente. Neste<br />

momento temos cerca de 8 mil registos de<br />

utentes utilizadores e trocamos perto de 2<br />

milhões de seringas por ano. Trata-se de<br />

um programa muito acessível, não havendo<br />

a obrigatoriedade de se fazer uma entrevista<br />

ou exame médico. O utilizador nem precisa<br />

sequer de dar o seu nome verdadeiro,<br />

apenas lhe pedimos que mantenha o nome<br />

que deu da primeira vez que veio até nós.<br />

Apesar de tudo isto, reforço que a avaliação<br />

rigorosa é um princípio pelo qual nos<br />

ligamos. Acreditamos que o melhor que se<br />

pode fazer é manter estas pessoas integradas,<br />

apesar de termos consciência de que,<br />

por vezes, o melhor que podemos fazer é<br />

testemunhar o sofrimento de alguém”.<br />

Algumas conclusões<br />

O trabalho comum dentro das salas de<br />

consumo requer como passo inicial o<br />

consenso das organizações implicadas<br />

no que respeita à linguagem a utilizar<br />

relativamente aos serviços prestados.<br />

Estabelecido este consenso, a seguinte<br />

via de trabalho consiste em abrir campos<br />

comuns de financiamento, actuação<br />

e sistematização da actividade e<br />

dos recursos<br />

A recompilação periódica da informação,<br />

recolhida através das bases de dados<br />

comuns, permitirá desenhar estudos<br />

comparativos, análises de situação<br />

no interior dos recursos, identificação<br />

de desigualdades sócio-sanitárias das<br />

pessoas assistidas, assim como de outras<br />

actividades por definir<br />

A análise de dados facilitará o desenvolvimento<br />

de acções de sensibilização,<br />

investigação, gestão baseada em critérios<br />

de qualidade, obtenção de apoios<br />

económicos e políticos, etc. convertem<br />

iniciativas deste tipo numa grande<br />

oportunidade de evolução para as salas<br />

de consumo


12 | Dependências | Congresso Luso-Galaico<br />

Congresso Luso-Galaico<br />

reforça cooperação<br />

Nos passados dias 25 e 26 de Outubro, a Galiza<br />

e o Norte de Portugal voltaram a reunir-se em<br />

torno das respostas comuns em matéria de<br />

toxico<strong>dependências</strong>. O Congresso Luso-Galaico,<br />

que decorreu em Santiago de Compostela vai<br />

já na sua terceira edição e, corresponde a um<br />

exercício de reflexão acerca das actividades que<br />

vão sendo anualmente desenvolvidas por estas<br />

duas regiões de forma isolada ou conjuntamente.<br />

A ponte inaugurada há dois anos parece<br />

começar a surtir efeitos, sendo os mais visíveis<br />

a edificação de dois centros transfronteiriços de<br />

tratamento, um em Porriño e outro em Chaves,<br />

registando-se ainda a bastante significativa<br />

delegação portuguesa presente no encontro.<br />

No final do congresso, que contou com a<br />

participação dos presidentes dos organismos<br />

que tutelam a área das toxico<strong>dependências</strong><br />

nos dois países, João Goulão e Cármen<br />

Moya, Dependências conversou com uma das<br />

principais partes interessadas nesta simbiose,<br />

o Delegado Regional do Norte do IDT, Adelino<br />

Vale Ferreira<br />

Dep – Esta aliança entre o Norte de Portugal<br />

e a Galiza resume-se à realização de<br />

congressos ou será algo a efectivar realmente<br />

no terreno nos próximos tempos?<br />

A.V.F. – É obviamente para efectivar. Os congressos<br />

que organizamos correspondem ao<br />

culminar de todo um trabalho que se vai<br />

fazendo ao longo do ano. Este é o terceiro<br />

mas há muito trabalho por trás, fundamentalmente<br />

ao nível do desenvolvimento de<br />

estruturas de tratamento e, como é sabido,<br />

foi já inaugurado um Centro de Tratamento<br />

Transfronteiriço do lado espanhol em Porriño,<br />

enquanto que, em Chaves, será inaugurada<br />

uma estrutura semelhante em Dezembro,<br />

algo que encaramos como um passo<br />

muito importante nesta partilha ao nível<br />

da formação, do intercâmbio de experiências<br />

e produção de materiais. E no próximo<br />

quadro, entre 2009 e 2011, a nossa intenção<br />

é darmos um passo ainda maior mate-<br />

rializado na realização de acções conjuntas,<br />

intervindo em grupos específicos, com problemáticas<br />

e contextos particulares.<br />

Dep – Há cerca de um ano, quando assumiu<br />

as funções de delegado regional do Norte<br />

do IDT, referia como prioridade “arrumar a<br />

casa”… Ainda tem algumas mobílias fora<br />

do sítio?<br />

A.V.F. – Creio que seria prematuro afirmar<br />

que já temos a casa arrumada até porque,<br />

como é sabido, estamos actualmente a viver<br />

três grandes processos de reestruturação:<br />

um mais geral, que tem a ver com o PRACE,<br />

o Programa de Reestruturação da Administração<br />

Central do Estado, outro que tem a<br />

ver com a integração da problemática da alcoologia<br />

e dos centros regionais de alcoologia<br />

e outro que se prende com a reestruturação<br />

do serviço na criação dos CRI, essa<br />

já mais adiantada porque também depende<br />

mais de nós. Temos inclusivamente uma faixa<br />

do território importantíssima com toda a<br />

margem Sul do Rio Douro em que estamos<br />

na fase de montagem das estruturas locais,<br />

a perceber as problemáticas e a reunir com<br />

entidades desses concelhos no sentido de<br />

começar já a fornecer respostas. Temos<br />

igualmente o PORI a avançar e já nos encontramos<br />

na última fase para a constituição<br />

dos PRI, sendo que mesmo aqueles que dependem<br />

de apoio financeiro, já deverão estar<br />

em fase de execução até Abril próximo.<br />

Diria, portanto, que por tudo isto, estamos<br />

ainda um pouco longe de ter a casa arrumada<br />

em definitivo porque há muitos processos<br />

que estão a acontecer ao mesmo tempo,<br />

sendo que alguns deles não dependem<br />

exclusivamente de nós.<br />

Dep – Por falar nisso, há mais uma casa para<br />

arrumar no Porto, a Vila Nova…


A.V.F. – A ideia inicial consistia em entregar<br />

a gestão a uma entidade privada que pudesse<br />

colaborar connosco. O concurso foi<br />

lançado e encontra-se numa fase terminal<br />

e acreditamos que, em finais de <strong>Novembro</strong>,<br />

já a possamos integrar. Evidentemente, a<br />

ideia passa por manter esse recurso vital<br />

para a cidade e para aqueles utentes com<br />

mais dificuldades de integração, com uma<br />

destruturação mental, social e outras problemáticas<br />

complicadas. Pretende-se rentabilizar<br />

esse espaço o máximo possível e<br />

que o mesmo venha a constituir um importante<br />

apoio a programas de baixo limiar.<br />

Simultaneamente, decorre um concurso<br />

para duas equipas de rua e esse elemento<br />

poderá ser mais um contributo no sentido<br />

da construção de uma rede de referenciação<br />

que possa depois chegar aos próprios<br />

CAT, ao tratamento e à integração noutras<br />

unidades. Espero ainda que possamos vir a<br />

ter uma outra estrutura, não propriamente<br />

semelhante porque ali funcionam dois<br />

equipamentos no mesmo espaço, com programas<br />

de baixo limiar – redução de danos<br />

– e uma área de acolhimento temporário,<br />

o centro de abrigo. Como tal, gostaria que<br />

pudéssemos vir a ter outro na cidade, na<br />

zona Oriental e estou a trabalhar nisso. É<br />

evidente que isso não depende exclusivamente<br />

de nós, exige também uma grande<br />

articulação mas sentimos, de facto, a necessidade<br />

de dispor de um equipamento de<br />

acolhimento e abrigo temporário nessa zona<br />

da cidade.<br />

Dep – Considera fundamental que a equipa<br />

que venha a ganhar o concurso para a Casa<br />

de Vila Nova possua já uma equipa de rua<br />

ou bastará que proceda a uma eficaz articulação<br />

com as equipas já existentes e as<br />

outras duas que brevemente surgirão?<br />

A.V.F. – Terá forçosamente que articular<br />

com as já existentes, até porque temos que<br />

rentabilizar os recursos. Creio que para o<br />

Porto, as equipas existentes, mais estas duas<br />

que vão surgir, pelo menos numa avalia-<br />

ção mais imediata, serão suficientes. Penso<br />

que um investimento mais prioritário seria<br />

a constituição de uma unidade móvel destinada<br />

a dar suporte a essas equipas de rua.<br />

Dep – O encerramento do Porto Feliz ditou<br />

algum tipo de retrocesso em matéria<br />

de intervenção em toxico<strong>dependências</strong> no<br />

Porto?<br />

A.V.F. – Não propriamente. Nós trabalhamos<br />

neste país na área da toxicodependência de<br />

uma forma estruturada há cerca de 30 anos<br />

e existem estruturas e técnicos com muita<br />

qualidade e capacidade de resposta. É evidente<br />

que nesta fase de transição estamos<br />

a contar com a colaboração do Hospital<br />

Conde de Ferreira, uma referência na cida-<br />

Congresso Luso-Galaico | Dependências | 13<br />

de e no país sob o ponto de vista técnico,<br />

estamos a referenciar progressivamente esses<br />

utentes, os quais serão bem avaliados<br />

e trabalhados para que esta passagem não<br />

corresponda a uma ruptura na relação terapêutica.<br />

E até mesmo com a Fundação para<br />

o Desenvolvimento Social do Porto, quer a<br />

sua administradora, quer os técnicos têm<br />

sido inexcedíveis na preocupação de que as<br />

coisas corram da melhor forma e de que a<br />

transição se faça por forma a não prejudicar<br />

os utentes. Agora, é evidente que temos<br />

estruturas para lidar com a situação e continuar<br />

a desenvolver esse trabalho.<br />

Dep – Um dos territórios mais afectados<br />

por esta problemática na cidade do Porto<br />

e com uma intervenção menos eficaz é o<br />

Bairro do Aleixo. Constitui uma prioridade<br />

para a Delegação Regional do Porto requalificar<br />

essa intervenção?<br />

A.V.F. – Sim, sem dúvida! Aliás, em relação<br />

aos programas de respostas integradas<br />

podemos começar todos ao mesmo tempo,<br />

pois tal exige uma máquina quer burocrática,<br />

quer de organização no terreno,<br />

da própria constituição dos núcleos territoriais<br />

com as várias entidades, com os<br />

próprios processos de concurso para os financiamentos.<br />

Vamos, portanto, fazer uma<br />

seriação no sentido de definir territórios<br />

prioritários. Alguns começarão primeiro e<br />

o Bairro do Aleixo é um deles e queremos<br />

avançar já, quer reforçando a presença no<br />

terreno através dessas equipas de rua que<br />

irão ser constituídas, quer mesmo com o<br />

PRI.<br />

Dep – Significa isso que haverá mais do que<br />

uma equipa a trabalhar nesse território?<br />

A.V.F. – Poderá significar mas quem decidirá<br />

o que se irá fazer será esse núcleo territorial<br />

que, em função do diagnóstico, proporá<br />

um plano de acção e exercerá a gestão<br />

do processo, a qual incluirá os responsáveis<br />

das várias entidades com preocupações<br />

nesta área.


14 | Dependências | Programa Klotho<br />

Programa KLOTHO:<br />

Porque só há uma maneira de saber…<br />

As Moiras (Moirae), deusas gregas que recebem o nome<br />

de “Fiadeiras do Destino”, controlam o destino de todos<br />

desde o momento do nascimento até à sua morte.<br />

Apesar do debate sobre a sua paternidade, supõe-se que<br />

sejam filhas da deusa Themis (Justitia, para os romanos)<br />

e de Zeus. Segundo Ésquilo, são irmãs, por parte de mãe,<br />

das Horae (horas - deusas das 3 estações do ano gregas).<br />

As três Moiras são: Klotho, Lachesis e Atropos.<br />

Klotho é a tecelã, responsável por tecer o destino dos<br />

homens com seu fuso mágico.<br />

Lachesis é a medidora, distribuidora e avaliadora.<br />

Atropos representa o inevitável, a que corta o fio da vida<br />

com sua tesoura mágica.<br />

A Coordenação Nacional para a Infec-<br />

ção VIH/sida e o Instituto da Droga e da<br />

Toxicodependência consideram prioritária a<br />

intervenção conjunta em matéria de doenças<br />

infecciosas junto dos utilizadores drogas. A<br />

comunidade de utilizadores de drogas repre-<br />

senta a maioria dos casos acumulados de in-<br />

fecção VIH e possui uma elevada prevalência<br />

da infecção VIH/sida.<br />

O Programa Klotho é uma intervenção de<br />

saúde pública direccionado a utilizadores de<br />

drogas com o objectivo de desenvolver uma<br />

rede de identificação precoce da infecção e<br />

integração local horizontal dos prestadores<br />

de cuidados de saúde.<br />

O programa centra-se nos utilizadores de<br />

drogas e é adaptado à especificidade da sua<br />

relação com as estruturas de saúde. Os ser-<br />

viços de apoio a toxicodependentes e as es-<br />

truturas de redução de riscos e minimiza-<br />

ção de danos, apreendem as particularida-<br />

des dos códigos e dos valores da sub-cultu-<br />

ra da droga e estabelecem relações de con-<br />

fiança entre os profissionais de saúde e os<br />

utilizadores de drogas possibilitando a pas-<br />

sagem de uma mensagem credível de acon-<br />

selhamento e prevenção.<br />

Para tal, o programa assume estrategica-<br />

mente a tecnologia de testes rápidos de de-<br />

tecção da infecção VIH e maximiza as rela-<br />

ções de referenciação entre diferentes pres-<br />

tadores de cuidados de saúde, centrando-se<br />

na obtenção de ganhos em saúde.<br />

O Programa tem a duração de 24 meses e<br />

prepara os prestadores de cuidados de saú-<br />

de e os seus profissionais de saúde envolvi-<br />

dos para uma rotina futura.<br />

Necessidade de Saúde<br />

Os utilizadores de drogas injectáveis, de<br />

acordo com a informação disponível, repre-<br />

sentam ainda a maioria dos casos acumula-<br />

dos de infecção VIH, apresentando uma ele-<br />

vada prevalência da infecção VIH/sida.<br />

Os relatórios anuais do Instituto Português<br />

da Droga e da Toxicodependência (IPDT)<br />

e posteriormente do Instituto da Droga e<br />

Toxicodependência (IDT), revelam que entre<br />

os toxicodependentes que procuraram trata-<br />

mento pela primeira vez:<br />

• 19% eram seropositivos para o VIH, em 1999;<br />

• 14% eram seropositivos para o VIH, em 2000;<br />

• 14% eram seropositivos para o VIH, em 2001;<br />

• 11% eram seropositivos para o VIH, em 2002;<br />

• 15% eram seropositivos para o VIH, em 2003;<br />

• 12% eram seropositivos para o VIH, em 2004.<br />

Estudos de âmbito nacional que incidiram<br />

sobre os consumidores drogas ilícitas injec-<br />

táveis, permitiram estimar para 2002 uma<br />

prevalência de 4,3 a 6,4 de Utilizadores de<br />

Drogas Injectáveis (UDI) por 1000 habitan-<br />

tes, dos 15 aos 64 anos, e uma percentagem<br />

de seropositividade para o VIH de 26% no to-<br />

tal destes consumidores. Segundo o Inqué-<br />

rito Nacional ao Consumo de Substâncias<br />

Psicoactivas na População Portuguesa de<br />

2001, 1% da população portuguesa (15-64<br />

anos) já consumiu heroína, 0,2% tinham con-<br />

sumido no último ano e 0,1% no último mês.<br />

O diagnóstico precoce da infecção VIH/sida é<br />

fundamental para uma estratégia consisten-<br />

te e eficaz de Prevenção da transmissão da<br />

infecção e da ocorrência da Doença:<br />

• O conhecimento da seropositividade VIH<br />

contribui para a redução de comportamen-<br />

tos de risco face ao próprio e a outros.<br />

• A detecção precoce permite iniciar o trata-<br />

mento numa fase inicial da infecção, aumen-<br />

tando a qualidade e a esperança de vida do<br />

indivíduo, assim como comportamentos pro-<br />

tectores do seu estado de saúde.


• O conhecimento real da infecção permite<br />

mobilizar recursos e respostas adequadas,<br />

reduzir a negação, estigma e discriminação<br />

que rodeiam a infecção VIH.<br />

No entanto, os dados de 2004 do Instituto da<br />

Droga e Toxicodependência, sobre os utentes<br />

em primeira consulta na rede pública de tra-<br />

tamento da toxicodependência, revelam que<br />

apenas 23% (1154/5023) realizaram o teste<br />

para o VIH; e que apenas 20,8% (1043/5023)<br />

realizaram o teste para o HCV. No que se re-<br />

fere aos utentes acompanhados pelas estru-<br />

turas de proximidade de redução de riscos e<br />

minimização de danos (Equipas de Rua) no<br />

ano de 2004, os dados referem que 51% dos<br />

utentes se encontram rastreados para o VIH,<br />

e destes 38% apresentaram análise positiva.<br />

População Alvo<br />

Utilizadores de drogas – utentes da Rede Pú-<br />

blica de Atendimento a Toxicodependentes,<br />

bem como, das estruturas de redução de ris-<br />

cos e minimização de danos.<br />

Em cada ano os Centros de Atendimento<br />

a Toxicodependentes (CAT) acompanham<br />

30000 utentes. No que diz respeito às estru-<br />

turas de redução de riscos e minimização de<br />

danos, especificamente nas equipas de rua,<br />

cerca de 15000 utentes são abrangidos por<br />

este tipo de intervenção, por cada ano de<br />

execução.<br />

Fundamentação do Programa<br />

O consumo de drogas pode induzir situações<br />

de ilícito criminal e dificultar a aproximação<br />

às estruturas formais de cuidados de saúde.<br />

Os utilizadores de drogas injectáveis apre-<br />

sentam inúmeras dificuldades de organiza-<br />

ção pessoal e social, que prejudicam a utili-<br />

zação dos serviços, bem como uma possível<br />

mudança de comportamentos derivada des-<br />

ta. Os serviços de apoio a toxicodependentes<br />

e as estruturas de redução de riscos e mini-<br />

mização de danos, apreendem as particulari-<br />

dades dos códigos e dos valores da sub-cul-<br />

tura da droga e estabelecem relações de con-<br />

fiança entre os profissionais e os utilizadores<br />

de drogas possibilitando a passagem de uma<br />

mensagem credível de aconselhamento e<br />

prevenção.<br />

Desta forma a Coordenação Nacional para<br />

a Infecção VIH/sida considera fundamental<br />

implementar modelos de diagnóstico inova-<br />

dores em serviços de proximidade.<br />

Actualmente, o Instituto da Droga e da<br />

Toxicodependência disponibiliza serviços de<br />

proximidade direccionados a utilizadores de<br />

drogas. de natureza formal (Centros de Aten-<br />

dimento a Toxicodependentes), e de natureza<br />

informal (Estruturas de Redução de Riscos e<br />

Minimização de Danos).<br />

Neste contexto, o teste rápido para o VIH é<br />

uma técnica de diagnóstico que pode ofere-<br />

cer múltiplas vantagens: reprodutibilidade,<br />

aceitabilidade, celeridade. Reprodutibilidade<br />

pela facilidade de execução, dispensa forma-<br />

ção intensa e pesados equipamentos de la-<br />

boratório, condições de armazenamento fle-<br />

xíveis, e adequação a volumes de testes redu-<br />

zidos ou elevados. Aceitabilidade por detec-<br />

tar anticorpos específicos do VIH em sangue<br />

total o que permite colher a amostra através<br />

de uma simples picada no dedo. Celeridade<br />

por fornecer resultados após a colheita no<br />

máximo em 20 minutos, permitindo reduzir<br />

drasticamente, ou mesmo eliminar, o núme-<br />

ro de resultados não reclamados, e possibili-<br />

tando referenciações em tempo real.<br />

A eficácia do aconselhamento e detecção pre-<br />

coce da infecção VIH entre os utilizadores de<br />

drogas passa ainda pela articulação horizon-<br />

tal dos serviços de apoio a toxicodependentes<br />

com as unidades de saúde não específicas,<br />

através do desenvolvimento de redes de re-<br />

ferenciação.<br />

No contexto da prevenção, aconselhamento<br />

e teste do VIH, a referenciação é o proces-<br />

so no qual são equacionados os serviços de<br />

apoio e de prestação de cuidados (ex. mar-<br />

cação de consulta hospitalar) e de acessibili-<br />

dade aos serviços. A Referenciação deve ain-<br />

da incluir esforços para um acompanhamen-<br />

to continuado, do ponto de vista médico, psi-<br />

cológico e social.<br />

Este programa irá desenrolar-se ao longo dos<br />

anos de 2006 e <strong>2007</strong>.<br />

A partir de 2008 o aconselhamento, diagnós-<br />

tico e referenciação farão parte da rotina dos<br />

serviços envolvidos.<br />

Finalidade<br />

Assegurar a identificação precoce da infecção<br />

VIH/sida e a prevenção entre os utilizadores<br />

de drogas.<br />

Objectivos de Saúde<br />

Objectivos de resultado<br />

Programa Klotho | Dependências | 15<br />

Aumentar a percentagem de utentes da Rede<br />

Pública de Atendimento a Toxicodependentes<br />

e alvo de intervenção de redução riscos e mi-<br />

nimização de danos que no último mês adop-<br />

taram comportamentos de saúde preventi-<br />

vos face à transmissão do VIH, i.e. que evita-<br />

ram a partilha de material de injecção não es-<br />

terilizado ou utilizaram preservativo.<br />

Objectivos de Impacto<br />

Contribuir para a diminuição da incidência da<br />

infecção VIH/sida entre os utentes da Rede<br />

Pública de Atendimento a Toxicodependentes<br />

e alvo de intervenção de redução riscos e mi-<br />

nimização de danos.<br />

Quanto aos resultados obtidos até agora, re-<br />

metemos a vossa atenção para a caixa infra,<br />

que apresenta os valores obtidos pelo pro-<br />

cesso ADR1. Sendo os objectivos do Progra-<br />

ma, até ao final de <strong>2007</strong>, o rastreio de 90%<br />

dos novos Utentes das ET / CAT do presente<br />

ano e 80% dos Utentes já em seguimento nos<br />

anos anteriores e considerados como não se-<br />

ropositivos ao VIH, constatamos que os ob-<br />

jectivos estão longe de serem cumpridos.<br />

Total de utentes em 1ª consulta rastreados<br />

com ADR até Setembro – 1219<br />

Total de Utentes em 1ª consulta VIH positi-<br />

vos até Setembro - 39 (3,2%)<br />

Total de utentes em seguimento rastreados<br />

com ADR até Setembro – 4963<br />

Total de Utentes em seguimento VIH positi-<br />

vos até Setembro - 165 (3,3%)<br />

Até ao final de Setembro, foram rastreados<br />

4963 + 1219 = 6182 utentes.<br />

Total de utentes VIH positivos: 39 + 165 =<br />

204 (3,3%)<br />

Para os Utentes em primeira consulta a per-<br />

centagem de rastreios situou-se nos 51,4%.<br />

Quanto aos Utentes em seguimento, para um<br />

total estimado de 18 846 que deverão ser en-<br />

volvidos no ADR até ao final de <strong>2007</strong>, a per-<br />

centagem de rastreios conseguida até agora<br />

é de 26,3%.<br />

Se quisermos comparar os dados por Região, poderemos fazê-lo através<br />

da consulta da seguinte Tabela:<br />

Programa Klotho_balanço Janeiro - Setembro


16 | Dependências | Dependências na Região Oeste<br />

Novos desafios significam<br />

novas respostas (integradas)<br />

O Centro de Respostas Integradas do Oeste organizou, nos<br />

passados dias 5 e 6 de <strong>Novembro</strong>, o seminário Dependências<br />

na Região Oeste, um momento de reflexão relativamente ao<br />

trabalho desenvolvido ao longo dos últimos sete anos pelo<br />

anteriormente designado CAT de Torres Vedras. O programa<br />

científico do encontro contou com presenças de técnicos<br />

nacionais provenientes das diversas áreas de intervenção do<br />

IDT e de profissionais de várias instituições com intervenção<br />

em toxico<strong>dependências</strong>. Durante dois dias, várias mesas de<br />

trabalho desenvolveram temáticas como: Toxico<strong>dependências</strong>:<br />

Novos Desafios/Novas Respostas; Que Prevenção das<br />

Toxico<strong>dependências</strong> Hoje? Que Tratamentos? Sida/Hepatites/<br />

Tuberculose; Que Redução de Danos? Alcoolismo: A Outra<br />

Face da Toxicodependência; Que Integração Social; e Ligação<br />

à Comunidade. De realçar a inusitada afluência de público ao<br />

evento, registando-se uma verdadeira enchente no Auditório<br />

da Câmara Municipal de Torres Vedras. No final do evento,<br />

Dependências conversou com Nuno Cotralha, Director do CRI do<br />

Oeste e com Paulo Seabra.<br />

Dep – Que objectivos mediaram a organização<br />

deste encontro subordinado ao tema<br />

Dependências na Região Oeste?<br />

Nuno Cotralha (N.C.) – Este encontro é, antes<br />

de mais, um momento de balanço e de partilha<br />

do trabalho que tem vindo a ser desenvolvido<br />

pelo CAT de Torres Vedras, actual Equipa de<br />

Tratamento de Torres Vedras. A vitalidade e a<br />

dinâmica desta Equipa – presentemente constituída<br />

por cinco psicólogos clínicos, um médico<br />

psiquiatra, três enfermeiros, uma técnica de<br />

serviço social, uma mediadora do Programa Vida-Emprego<br />

(psicóloga clínica), três técnicas<br />

psicossociais, uma administrativa e uma auxiliar<br />

de apoio e vigilância –, tem tornado possível<br />

responder, ao longo dos últimos sete anos,<br />

à população toxicodependente e seus familiares,<br />

mas também aos jovens e adolescentes,<br />

que igualmente residem nos concelhos de Arruda<br />

dos Vinhos, Cadaval, Lourinhã, Mafra, Sobral<br />

de Monte Agraço e Torres Vedras. Assim,<br />

em parceria com reconhecidos especialistas e<br />

representantes de entidades locais, estamos a<br />

reflectir sobre prevenção, tratamento, doenças<br />

infecto-contagiosas, redução de danos, alcoolismo,<br />

integração social, etc., para que os novos<br />

desafios de hoje, venham a gerar novas e<br />

melhores respostas amanhã. Mas respostas de<br />

integração e de continuada ligação à comunidade.<br />

Esse é, aliás, o grande desafio que se coloca<br />

às unidades de intervenção local pois, como<br />

sabe, com a remodelação dos estatutos do<br />

IDT em Maio último, foi constituído o Centro de<br />

Respostas Integradas para a área territorial do<br />

Oeste que integra, para além da Equipa de Tratamento<br />

de Torres Vedras, as Equipas de Tratamento<br />

das Caldas da Rainha e de Peniche.<br />

Dep – Esta alteração corresponde igualmente<br />

a um novo paradigma de intervenção… Como<br />

está a decorrer o ajustamento do dispositivo<br />

face às novas exigências?<br />

N.C. – O ajustamento está a acontecer progressivamente,<br />

aguardando-se também a publicação<br />

do regulamento interno da Delegação Regional<br />

de Lisboa e Vale do Tejo do IDT, que é<br />

decisivo para a definição do âmbito territorial<br />

das unidades de intervenção local, com vista a<br />

que se possa dar o pulo em frente de uma forma<br />

mais sistematizada e consolidada. Portanto,<br />

o paradigma futuro é diferente, há uma nova<br />

filosofia de intervenção regional que perspectiva<br />

a criação, o desenvolvimento e a avaliação<br />

de programas integrados de tratamento,<br />

de prevenção, de redução de riscos e minimização<br />

de danos e de reinserção social. Acresce<br />

ainda o facto, no âmbito das actividades das<br />

equipas pluridisciplinares locais, de todos estes<br />

programas virem a abranger, para além da área<br />

das toxico<strong>dependências</strong>, também o alcoolismo.<br />

Há aqui um desafio imenso e uma responsabilidade<br />

acrescida no trabalho articulado das quatro<br />

áreas de missão que atrás lhe referi. Mas<br />

há também três Equipas de Tratamento – onde<br />

se inclui os Coordenadores das Equipas e das<br />

áreas de missão –, entusiasmadas e crentes de


que vale a pena responder aos novos desafios,<br />

para se dar um salto qualitativo acrescido nas<br />

respostas e na globalidade dos treze concelhos<br />

que integram o CRI do Oeste.<br />

Dep – Partindo do diagnóstico realizado no<br />

âmbito do PORI, que prioridades destacaria<br />

em termos de intervenção neste território?<br />

N.C. – Após a realização do diagnóstico relativo<br />

ao território do Oeste, foram seleccionados os<br />

concelhos de Peniche e de Caldas da Rainha como<br />

áreas de intervenção prioritária. Começarse-á,<br />

entretanto, pela cidade de Peniche, cuja<br />

realidade do que se passa nos locais identificados<br />

de tráfico e de consumo de substâncias<br />

psicoactivas é bastante bem conhecida. Tudo<br />

isto decorre do importante trabalho que tem<br />

vindo a ser desenvolvido pela Equipa de Rua,<br />

em estreita parceria com o CAT, actual Equipa<br />

de Tratamento de Peniche, ao nível da redução<br />

de comportamentos de risco, troca de seringas<br />

e apoio individualizado no âmbito psicossocial<br />

e de saúde.<br />

Dep – Está a ser desenvolvido um plano de acção?<br />

N.C. – Está, com base no diagnóstico realizado,<br />

pois é fundamental que haja um investimento<br />

continuado numa intervenção mais focalizada,<br />

com metodologias selectivas e cujo alvo sejam<br />

os grupos populacionais vulneráveis que evidenciem<br />

comportamentos de risco associados<br />

ao uso ou abuso de substâncias psicoactivas e<br />

a doenças infecto-contagiosas, mas também<br />

precariedade associada ao desemprego e a<br />

meios sócio-económicos desfavorecidos. Os<br />

próprios CRI vão justamente funcionar no espírito<br />

do PORI, isto é, com áreas de missão interdependentes<br />

para que se possa optimizar as<br />

sinergias disponíveis nos seus respectivos territórios.<br />

Dep – Como referiu, e face à reestruturação do<br />

IDT, a intervenção em alcoologia passa a ser<br />

uma nova valência…<br />

N.C. – Já está gradualmente a sê-lo…<br />

Dep – Como está a decorrer a integração com<br />

a equipa do CRAS?<br />

N.C. – A formação em alcoologia que tem vindo<br />

a ser proporcionada aos técnicos do CRI do<br />

Oeste, pela Unidade de Alcoologia da Delegação<br />

Regional de Lisboa e Vale do Tejo do IDT,<br />

constitui um contributo importante. Por um lado,<br />

é decisiva a aprendizagem de competências<br />

relativas à prestação de cuidados ao nível<br />

dos problemas ligados ao álcool – por exemplo,<br />

no diagnóstico de situações de síndrome<br />

de abuso e de síndrome de dependência do álcool,<br />

no conhecimento dos seus trajectos evolutivos<br />

e nas respectivas metodologias de intervenção.<br />

Por outro lado, para além da resposta<br />

ao nível do internamento na Unidade de Alcoologia<br />

de pessoas acompanhadas no CRI do<br />

Oeste com síndrome de dependência do álcool,<br />

estes encontros formativos também geram<br />

pontes inter-institucionais, as quais são sempre<br />

fecundas na construção do apoio e retaguarda<br />

do trabalho que, em regime de ambulatório, as<br />

Equipas de Tratamento desenvolvem.<br />

Dep – O advento dos CRI corresponde à criação<br />

das respostas de que o país precisava face<br />

às novas realidades e perfis de consumos que<br />

vão emergindo?<br />

N.C. – Respondo-lhe a partir do título da intervenção<br />

que vou, daqui a pouco, fazer no encer-<br />

O CRI Oeste<br />

Paulo Seabra<br />

Dependências na Região Oeste | Dependências | 17<br />

Na sequência dos recentes estatutos do IDT, I.P. – em Maio último – é criado o Centro de<br />

Respostas Integradas para a área territorial do Oeste. Este Centro integra três Equipas de<br />

Tratamento sedeadas em Caldas da Rainha, Peniche e Torres Vedras, e abrange os concelhos<br />

de Alenquer, Alcobaça, Arruda dos Vinhos, Bombarral, Cadaval, Caldas da Rainha,<br />

Lourinhã, Mafra, Nazaré, Óbidos, Peniche, Sobral de Monte Agraço e Torres Vedras.<br />

O CRI do Oeste dá resposta à população residente nestes 13 concelhos, a qual, de acordo<br />

com o Censos de 2001, é constituída por 392 mil 370 habitantes, dispersos por uma área<br />

geográfica de 2 mil 511 Km2 que compreende 138 freguesias.<br />

O CRI do Oeste é dirigido pelo Dr. Nuno Cotralha e integra a seguinte equipa de coordenadores:<br />

Dr. Luís Fonseca – Coordenador da área do Tratamento do CRI e das Equipas de Tratamento<br />

de Peniche e das Caldas da Rainha; Dr. Rui Negrão – Coordenador da Equipa de<br />

Tratamento de Torres Vedras; Dra. Paula Andrade – Coordenadora da área da Prevenção<br />

do CRI; Enf. Paulo Seabra – Coordenador da área da Redução de Riscos e Minimização de<br />

Danos do CRI; e Dra. Conceição Rodrigues – Coordenadora da área da Reinserção Social<br />

do CRI.<br />

Dep – Ao nível da redução de riscos, os dispositivos existentes<br />

são os necessários ou os possíveis?<br />

Paulo Seabra (P.S.) – A esse nível, os mecanismos existentes<br />

são os que foram possíveis até ao momento e que estão a ser<br />

reavaliados. Estamos a pensar na melhor forma de, com os<br />

existentes, aumentar o seu raio de acção e capacidade de resposta<br />

e, concerteza, estamos a pensar também em novas respostas<br />

a nível da nossa área de intervenção.<br />

Dep – Quantas equipas de rua existem?<br />

P.S. – No âmbito do CRI temos uma equipa de rua que já intervinha<br />

no concelho de Peniche. Funciona apenas na cidade<br />

de Peniche, tratando-se de uma equipa que trabalhava articuladamente<br />

com o antigo CAT local e que desenvolve um trabalho<br />

de proximidade numa zona com muitos problemas de<br />

toxicodependência e exclusão social. Em Torres Vedras, temos<br />

um programa de redução de riscos e minimização de danos a<br />

funcionar há dois anos e que já era gerido pela equipa do CAT.<br />

Dep – Que programas estão a ser implementados no terreno?<br />

P.S. – É realizada a troca de seringas, o programa de substituição com metadona de baixo limiar, isto<br />

para além da tentativa de reorganização e motivação para a modificação de hábitos e práticas e<br />

comportamentos de risco.<br />

ramento deste Encontro: «Pés na terra, olhar<br />

no futuro, bom senso e paciência – para tudo,<br />

o mais possível!». A realidade actual do nosso<br />

país é a que todos nós conhecemos. Estou optimista<br />

com a possibilidade efectiva das equipas<br />

das unidades de intervenção local poderem<br />

no seu terreno – que melhor do que ninguém<br />

conhecem –, integrar respostas transversais<br />

e complementares às várias áreas de missão.<br />

Tudo isto também propiciará, julgo eu, a incrementação<br />

de boas respostas de proximidade à<br />

população, através de parcerias com decisores<br />

e entidades locais – o que me parece inevitável<br />

vir a acontecer pela considerável área geográfica<br />

do CRI do Oeste. Todavia, é muito im-<br />

portante que os técnicos das Equipas de Tratamento<br />

recebam continuada formação e supervisão<br />

do trabalho que desenvolvem nas áreas<br />

das toxico<strong>dependências</strong> e do álcool, com particular<br />

enfoque nos consumos das novas substâncias<br />

psicoactivas e nas características desses<br />

mesmos consumidores. Por fim, deixo uma<br />

nota relativa ao investimento nos profissionais:<br />

é fundamental que os técnicos que têm um saber<br />

feito de experiência ao longo de vários anos,<br />

possam, futuramente, continuar a integrar as<br />

Equipas de Tratamento para que estas se estabilizem<br />

e se consolidem. De outro modo, julgo<br />

que não é possível pensar numa boa qualidade<br />

de resposta institucional.


18 | Dependências | Grupo Otimismo de Apoio ao Portador de Hepatite (Brasil) animado com novo fármaco<br />

Primeiros resultados do inibidor<br />

de proteases “Boceprevir”<br />

A Schering-Plough acaba de divulgar os primeiros e<br />

alentadores resultados do ensaio clínico utilizando<br />

o inibidor de proteases Boceprevir no tratamento<br />

da hepatite C. O estudo compreende o tratamento<br />

de aproximadamente 800 pacientes com diversas<br />

características e esquemas de tratamento.<br />

Estudo HCV SPRINT-1 (HCV Serine Protease<br />

Inhibitor Therapy-1<br />

Os resultados apresentados referentes à fase<br />

II realizada no grupo de 595 pacientes<br />

nunca antes tratados para hepatite C apresentam<br />

os percentuais alcançados de resposta<br />

na semana 12 do tratamento, mas estão<br />

a ser considerados apenas aqueles pacientes<br />

que se encontram negativos (indetectáveis)<br />

para um PCR com sensibilidade<br />

de somente 15 UI. Pacientes que somente<br />

baixaram 2 log não são considerados nos resultados<br />

apresentados.<br />

Neste grupo foi utilizada a dosagem de 800<br />

mg de Boceprevir, combinado ao PegIntron<br />

(1,5 mcg/kg) e Ribavirina (entre 800 e 1.400<br />

mg/dia) em tratamentos com duração de 28<br />

ou 48 semanas. Existia uma variedade muito<br />

grande de grupos, com dosagens diferentes<br />

e duração diferente, mas apresentamos<br />

os resultados que consideramos mais<br />

interessantes, objectivando não confundir o<br />

portador. Quando da divulgação dos dados<br />

pela Schering-Plough publicaremos a comunicação<br />

que realizada.<br />

Nos quatro grupos principais (sendo um deles<br />

um grupo controlo que recebeu somente<br />

o PegIntron combinado a ribavirina, sem utilização<br />

do Boceprevir) foram observados, na<br />

semana 12 do tratamento, os seguintes percentuais<br />

de resposta virológica (indetectável<br />

na semana 12): Os grupos 1, 2 e 3 apresentaram<br />

respectivamente 70%, 79% e 54 %<br />

de pacientes totalmente indetectáveis, contra<br />

34% do grupo que foi tratado da forma<br />

tradicional, com PegIntron e Ribavirina, mas<br />

sem o Boceprevir.<br />

As interrupções por efeitos colaterais foram<br />

respectivamente de 12%, 9% e 8% nos grupos<br />

com Boceprevir e de 5% no grupo controle.<br />

O resultado é mais que animador. É sabido<br />

que ainda será necessário esperar pelo final<br />

do estudo e ver qual será a resposta sustentada<br />

(cura) realmente conseguida, mas é sabido<br />

que pacientes indetectáveis na semana<br />

12 possuem altíssimas possibilidades de sucesso<br />

no tratamento e, como os percentuais<br />

na semana 12 são muito superiores que os<br />

encontrados actualmente, tudo leva a imaginar<br />

que o final do estudo poderá surgir uma<br />

grata surpresa. Apresentaram respectivamente<br />

70%, 79% e 54 % de pacientes totalmente<br />

indetectáveis, contra na semana 12<br />

Boceprevir em pacientes nulos de resposta<br />

Um grupo de pacientes, considerados os<br />

mais difíceis de tratar também participou no<br />

estudo. Foram seleccionados 357 pacientes<br />

que tiveram que interromper um tratamento<br />

prévio realizado com interferon peguilado e<br />

ribavirina na semana 12 porque não tinham<br />

conseguido baixar 2 log. Praticamente nenhuma<br />

opção existe actualmente para este<br />

tipo especial de paciente não respondedor,<br />

considerados nulos de resposta. Pacientes<br />

recidivantes, isto é, que tinham negativado<br />

ou baixado mais de 2 log na semana 12 e<br />

depois o vírus retornou, não foram incluídos<br />

neste estudo. O objectivo foi centrado exclusivamente<br />

nos pacientes mais difíceis.<br />

Todos receberam o tratamento normal de<br />

PegIntron e Ribavirina (entre 800 e 1.400<br />

mg/dia) adicionando o Boceprevir por 24 ou<br />

48 semanas e também foi tratado um grupo<br />

controle que não recebeu o Boceprevir.<br />

Após seis meses do final do tratamento foi<br />

realizado o PCR para se determinar a resposta<br />

sustentada (cura) nos diversos grupos.<br />

Os resultados nos grupos que receberam a<br />

combinação com o Boceprevir cifraram-se<br />

entre os 7% e os 14%. Pode parecer pouco<br />

mas, quando comparado com o grupo que<br />

recebeu o tratamento tradicional, somente<br />

com PegIntron e Ribavirina, sem o Boceprevir,<br />

vemos que somente 2% conseguiram<br />

a cura. Um número entre três e sete vezes<br />

superior conseguiu sucesso no tratamento<br />

com Boceprevir.<br />

Carlos Varaldo, do Grupo Otimismo de<br />

Apoio ao Portador de Hepatite refere em comunicado<br />

que “decidi realizar esta divulgação<br />

antes de receber o texto da Schering-<br />

Plough porque os dados obtidos não podem<br />

deixar de ser divulgados, já que representam<br />

uma esperança que poderá concretizar-se<br />

a curto prazo. Assim que tivermos o<br />

release da Schering-Plough divulgaremos o<br />

mesmo”.<br />

Convém ainda esclarecer que o Boceprevir<br />

ainda não se encontra à venda em nenhum<br />

país. Estes estudos são resultados das fases<br />

avançadas (fase II) das pesquisas.


José A. Ramos Atance | Dependências | 19<br />

Será mais prejudicial fumar<br />

José A. Ramos Atance.<br />

Dto de Bioquímica. Facultad<br />

de Medicina. Universidad<br />

Complutense de Madrid.<br />

Introdução<br />

Entre os que fuman cigarros de marijuana,<br />

existe a crença de que este tipo de consumo é<br />

menos perigoso para a saúde que o relacionado<br />

com o de tabaco. Os estudos realizados até<br />

finais do século XX, apesar de apresentarem<br />

dados sobre os efeitos negativos do consumo<br />

de cannabis, não eram o suficientemente conclusivos<br />

para poder rebater adequadamente<br />

esta crença. Nos finais da década de 90 já se<br />

havia constatado, mediante broncoscopia, alterações<br />

celulares anormais como a proliferação<br />

de células produtoras de mucus e a diminuição<br />

do número de células ciliadas. Também<br />

se havia descrito que uma parte importante<br />

dos fumadores de cannabis padeciam<br />

de alterações celulares do epitélio bronquial<br />

e, em alguns casos, apreciaram-se alterações<br />

metaplásicas de células escamosas nos fumadores<br />

de ambas substâncias, significativamente<br />

mais elevadas que nos que apenas<br />

consumiam marijuana ou tabaco. Também se<br />

havia observado alterações brônquicas em fumadores<br />

de marijuana similares em frequência,<br />

tipo e magnitude às verificadas em fumadores<br />

de tabaco (hiperplasia vascular, edema<br />

submucoso, infiltrações celulares inflamatórias<br />

e hiperplasia celular em racimos).<br />

Por qué se fuma marijuana?<br />

Chegados a este ponto, sería conveniente conhecer<br />

porque, se já se estava advertindo os<br />

fumadores de tabaco acerca dos efeitos prejudiciais<br />

associados ao consumo, estas mesmas<br />

advertências não foram realizadas aos<br />

de marijuana. Aspecto todavia mais apelativo,<br />

se recordarmos o aumento do consumo de<br />

cannabis que se foi verificando ao longo de todos<br />

estos anos.<br />

A contestação à primeira questão pode radicar<br />

no facto de os dados existentes serem, na<br />

altura, todavía escassos. A resposta à segunda<br />

é que fumar é uma das formas mais eficazes<br />

de ingerir o -9-THC e de que se encurte o<br />

tempo entre o seu consumo e o surgimento de<br />

efeitos ao nível cerebral. O cigarro de marijuana<br />

contém a folha da planta e/ ou seus brotos,<br />

apesar de também se consumir muito misturada<br />

com tabaco. Por vezes, o cigarro é humidificado<br />

com a resina da planta ou com algumas<br />

gotas de óleo de cannabis, o que produz<br />

um aumento da quantidade de -9-THC absorvida<br />

pelo fumador.<br />

O facto de a marijuana ter, a nível respiratório<br />

um efeito agudo broncodilatador foi usado<br />

ao serviço de uma propaganda dos seus efeitos<br />

terapêuticos no tratamento da asma, ainda<br />

marijuana que tabaco?<br />

que neste caso tenha ficado amplamente provado<br />

que o efeito broncodilatador do -9-THC<br />

pode ser gravemente prejudicado pelos efeitos<br />

negativos do fumo produzido na combustão<br />

do cigarro.<br />

Informação da British Lung Foundation<br />

Em <strong>Novembro</strong> de 2002, a British Lung Foundation,<br />

emitiu uma publicação com o sugestivo<br />

título “A smoking gun?. The impact of<br />

cannabis smoking on respiratory health. O<br />

amplo e bem documentado artigo recolhia<br />

todos os dados existentes até àquele momento<br />

na bibliografia sobre o tema e referia<br />

que “parece existir um aumento do impacto<br />

negativo para a saúde naqueles que fumam<br />

cannabis face aos que não o fazem. Os primeiros<br />

apresentam uma prevalência significativa<br />

de sintomas respiratórios agudos e<br />

crónicos, tais como tosse e produção de espectoração,<br />

rouquidão e episódios de bronquitis.<br />

Também era referido que 3-4 cigarros<br />

de cannabis/dia estão associados à mesma<br />

evidência de bronquitis aguda e crónica e ao<br />

mesmo grau de dano da mucosa bronquial<br />

que 20 ou mais cigarros de tabaco. Este dado<br />

estava baseado no facto de o volume da<br />

passa ou puxada e o tempo de permanência<br />

do fumo nos pulmões ser superior no caso<br />

da marijuana que no tabaco. Além disso, o<br />

cigarro de marijuana não possui filtro e o fumo<br />

tem uma temperatura mais elevada que<br />

o do tabaco. Finalmente, indicava-se que nos<br />

alcatrão da cannabis não só estão presentes<br />

quase todos os carcerígenas do tabaco, como<br />

também concentrações inclusivé superiores<br />

às procedentes do tabaco. Insinuavase<br />

a possibilidade de o fumo da cannabis poder<br />

debilitar a actividade do sistema imunitário.<br />

Dizia-se que ainda não se havia podido<br />

estabelecer nenhuma relação conclusiva entre<br />

o fumo da cannabis e a doença pulmonar<br />

obstructiva crónica. A investigação realizada<br />

sobre a possível participação do fumo<br />

de cannabis no desenvolvimento de cancros<br />

nas vias respiratórias, havia dado lugar a resultados<br />

contraditórios. No entanto, parecia<br />

bastante claro que o benzopireno, presente<br />

no alcatrão dos cigarros de cannabis produz<br />

alterações no gene supressor de tumores<br />

p53, o que pode facilitar o desenvolvimento<br />

de cancros respiratórios, dado que este gene<br />

participa em 75% dos cancros de pulmão.<br />

Por todo o anteriormente indicado, recomendava<br />

a realização de campanhas de educação<br />

pública para a saúde, dirigidas aos jovens,<br />

para que conheçam os riscos associados<br />

ao seu consumo por via fumada.<br />

Estudos posteriores à informação da British<br />

Lung Foundation<br />

Henry & cols (2003) confirmaram os dados da<br />

informação num trabalho que comparava os<br />

efeitos produzidos pela cannabis com os devidos<br />

ao tabaco. O volume inalado e o tempo<br />

de permanência nos pulmões era superior para<br />

o fumo de cannabis que para o de tabaco,<br />

e a concentração plasmática de carboxihemoglobina<br />

era 5 vezes superior no primeiro caso.<br />

Indicavam que os produtos da combustão<br />

da cannabis estão mais tempo nos pulmões e<br />

apresentam concentrações mais altas que os<br />

de tabaco.<br />

Avisava para o perigo de um consumo em<br />

crescimiento, tanto do número de consumidores<br />

como da concentração de -9-THC, assim<br />

como de um início cada vez mais precoce.<br />

Também se falava da dificuldade de prever os<br />

riscos do seu consumo, dado que, como também<br />

ocorre com o tabaco, pode haver um período<br />

de latência entre o início do consumo e o<br />

desenvolvimento de dano pulmonar, enfermidade<br />

cardiovascular ou alterações malignas.<br />

Posteriormente, num estudo realizado por Sarafian<br />

& cols (2006), pode observar-se que a<br />

histopatología associada ao fumo de marijuana<br />

incluia: Inflamação das vias respiratórias,<br />

metaplasia de células escamosas e perda de<br />

microvello epitelial . Assim como efeitos metabólicos<br />

como: Stress oxidativo, desacoplamento<br />

energético celular e supressão das vias<br />

apoptóticas.<br />

Mais recentemente, Aldington & cols (<strong>2007</strong>),<br />

num estudo realizado com 339 indivíduos,<br />

comprovaram que fumar cannabis se associa<br />

a obstrução das vias respiratórias e inflamação,<br />

mas raramente com enfisema macroscópico.<br />

Indicam que um charro tem efeitos similares<br />

à produzida entre 2,5-6 cigarros de tabaco.<br />

Os dados relativos à ausência de efisema foram<br />

rebatidos num trabalho realizado por<br />

Beshay & cols (<strong>2007</strong>) em que os autores observam<br />

um aumento notável no número de<br />

pacientes jovens consumidores de marijuana<br />

que, durante os últimos 30 meses foram diagnosticados<br />

de enfisema e, em alguns casos,<br />

de pneumotorax secundário. Também indicam<br />

que o período de consumo de marijuana fumada<br />

parece jogar um importante papel no desenvolvimento<br />

de enfisema.<br />

Conclusões<br />

Os efeitos perjudiciais para a saúde produzidos<br />

por um cigarro de cannabis são superiores<br />

aos produzidos por um de tabaco,<br />

ainda que ambos contenham quantidades<br />

equiparáveis de compostos potencialmente<br />

tóxicos. O facto de os fumadores de<br />

cannabis fazem inspirações mais profundas<br />

e retêm mais tempo o fumo nos seus<br />

pulmões, aumenta a absorção de monóxido<br />

de carbono e de alcatrões, chegando a<br />

ser a concentração de carboxihemoglobina<br />

no sangue até cinco vezes superior.<br />

O consumo crónico de marijuana associa-se<br />

a bronquitis aguda ou crónica, risco de infecções<br />

pulmonares e alterações estruturais<br />

nos brônquios. Também se relacionou este<br />

consumo com o cancro de pulmão e com o<br />

do intervalo respiratório superior.


20 | Dependências | Rede Europeia para a Prevenção do Tabagismo reúne em Cascais<br />

Para além das inevitáveis advertências, baseadas em evidências<br />

científicas acerca dos perigos provocados pelo consumo<br />

de produtos de tabaco, o encontro serviu para que os representantes<br />

de diversos países mundiais lançassem alguns desafios<br />

para a futura missão da Rede, nomeadamente no que<br />

concerne à árdua batalha contra interesses industriais por<br />

parte das tabaqueiras e à sensibilização da opinião pública<br />

e política no que concerne à necessidade de desenvolver medidas<br />

eficazes que conduzam à adopção de estilos de vida<br />

saudáveis e livres de fumo. As novas tecnologias de informação<br />

e ferramentas de comunicação estiveram, igualmente, no<br />

centro da discussão, como meios para melhor se difundir as<br />

mensagens pretendidas junto dos públicos-alvos definidos.<br />

Para o último dia, o das comemorações do Dia do Não Fumador,<br />

estava reservada a realização da Assembleia Geral da<br />

ENSP, em que se apresentaram as principais conclusões do<br />

evento, brevemente disponíveis em www.ensp.org, se discutiu<br />

o futuro da Rede e se assinou a Petição de Lisboa, intitulada<br />

Para um Desporto Sem Tabaco.<br />

A encerrar a agenda, o Conselho de Prevenção do Tabagismo,<br />

órgão presidido por Manuel Pais Clemente, distinguiria algumas<br />

personalidades e instituições, de inúmeras áreas, entre<br />

as quais a revista Dependências, pelos serviços prestados à<br />

luta anti-tabágica. A efeméride, que teve lugar no Centro Cultural<br />

de Cascais, contou com as presenças de Francisco George,<br />

Maria de Belém, António Capucho e Elisabeth Tamang, entre<br />

outras figuras de renome e distinguiu ainda nomes como<br />

Fernando Pádua, Luís Saboga Nunes, Luís Reis Lopes, Francisco<br />

George, Maria de Belém, António Capucho, Mira Amaral,<br />

Sérgio Vinagre, Machado Caetano, Júlio Isidro, Manuel Luís<br />

Goucha, Trindade Guedes, a Associação Mutualista Benéfica,<br />

a Escola Secundária Dr. António Carvalho Figueiredo, entre<br />

outros.<br />

A Rede Europeia para a Prevenção do Tabagismo (ENSP), é uma<br />

organização internacional sem fins lucrativos criada em 1997.<br />

A ENSP tem por missão a elaboração de estratégias para desenvolver<br />

uma acção coordenada entre as organizações activas<br />

no controlo do tabagismo na Europa, partilhando experiências<br />

e informações, actividades coordenadas e projectos<br />

comuns. A ENSP elege como objectivo a criação de uma maior<br />

coerência entre a realização de actividades relacionadas com<br />

a prevenção tabágica e a promoção de políticas abrangentes<br />

de controlo do fumo, tanto a nível nacional como europeu.<br />

A ENSP é regida por uma Assembleia-Geral composta por dois<br />

representantes de cada uma das coligações nacionais contra<br />

o tabaco na Europa e por um representante de cada uma das<br />

redes europeias especializadas no controlo do tabagismo. A<br />

ENSP é administrada por uma Directoria regularmente eleita,<br />

que delega a gestão quotidiana e a coordenação da rede num<br />

Secretariado, em Bruxelas.<br />

Por uma Europa<br />

sem Tabaco<br />

A ENSP – European Network for Smoking Prevention – reuniu, no passado mês de<br />

<strong>Novembro</strong>, em Cascais. O Encontro Anual da Rede, apadrinhado pelo Presidente da<br />

República Portuguesa, Cavaco Silva, reuniu membros de diversas coligações europeias,<br />

em torno de um evento que durou três dias e serviu para reflectir sobre o passado,<br />

presente e futuro da luta anti-tabágica.


Luís Reis Lopes, Coligação Portuguesa Anti-Tabaco<br />

Dep - Que importância assume a realização<br />

do Encontro da REPT/ENSP no panorama<br />

português da luta anti-tabágica?<br />

Luís Lopes (L.L.) - No momento em que se<br />

prepara a entrada em vigor da nova Lei, dia<br />

1 de Janeiro, este encontro constitui mais<br />

um factor de mobilização de vontades e de<br />

esclarecimento da opinião pública, que já<br />

é muito favorável aos grandes objectivos<br />

da prevenção do tabagismo que são: proteger<br />

os jovens dos malefícios do tabaco,<br />

defender os direitos de quem não quer fumar<br />

e portanto regulamentar no sentido de<br />

em espaços públicos fechados só ser permitido<br />

fumar em locais autorizados, devidamente<br />

sinalizados e ventilados. Por fim<br />

ajudar quem quer deixar de fumar, através<br />

de novos medicamentos, novos métodos e<br />

a divulgação de boas práticas.<br />

Importante foi também a clarificação e afirmação<br />

da Rede Europeia de Prevenção do<br />

Tabagismo no apoio à nova lei e nova dinâmica<br />

que resultará da sua introdução.<br />

Igualmente importante foi o apoio de Sua<br />

Excelência o Presidente da República e do<br />

Governo a este encontro. Estes gestos traduzem<br />

um grande desejo que Portugal continue<br />

a estar no pelotão da frente da pre-<br />

venção do tabagismo.<br />

Rede Europeia para a Prevenção do Tabagismo reúne em Cascais | Dependências | 21<br />

Dep - Que contributos tem prestado o<br />

ENSP, ao longo do seu historial, no sentido<br />

de concretizar a sua missão e objectivos?<br />

L.L. - A ENSP (European Network for<br />

Smoking Prevention) nasceu há dez anos<br />

da necessidade de maior coordenação de<br />

todos os agentes, organizações, centros<br />

de investigação, etc. Por outro lado desde<br />

a sua fundação sempre desempenhou um<br />

importante papel de interlocutor junto da<br />

Comissão Europeia e do Parlamento Europeu<br />

o que tem resultado num avanço significativo<br />

da legislação comunitária, nomeadamente<br />

na Directiva sobre a Publicidade e<br />

a Directiva sobre os Produtos de Tabaco.<br />

Hoje com a Convenção Quadro sobre o<br />

Controlo do Tabaco, da OMS, que tem força<br />

de tratado, com directa implicação na legislação<br />

dos países que ratificaram a Convenção,<br />

como é o caso do nosso, é muito<br />

importante termos organizações como o<br />

ENSP para defender os interesses da saúde<br />

pública e dos cidadãos nestes centros<br />

de decisão.<br />

A ENSP tem conseguido afirmar-se no panorama<br />

internacional que julgo em breve a<br />

Europa assumir um papel de liderança a nível<br />

mundial.<br />

Dep - Que desafios se afiguram actualmente<br />

para os agentes dessa luta anti-tabágica?<br />

L.L. - O maior deles todos é conseguir viver<br />

numa “Europa Sem Tabaco”, o mais depressa<br />

possível. Se for em 2025 que o seja,<br />

mas como sou um optimista e tenho trabalhado<br />

bastante para conseguir que os jovens<br />

não comecem a fumar, julgo que muito<br />

em breve teremos programas e acções<br />

junto dos jovens para ganharmos esta batalha.<br />

Nesta batalha é muito importante referir o<br />

papel das Autarquias e Juntas de Freguesia<br />

que agora estão a dar mais atenção à qualidade<br />

de vida das populações e querem, pelos<br />

contactos que tenho mantido, proteger<br />

as crianças e as escolas da agressividade<br />

da indústria e comércio do tabaco.<br />

É bom lembrar que o tabaco é o único veneno,<br />

que mata milhares de europeus por<br />

ano, que é legal e não é retirado do mercado.<br />

Por isso, deve ser fortemente regulamentado<br />

e tudo feito para voluntariamente<br />

ser reduzido o seu consumo. O estado, as<br />

autarquias, as populações têm de se unir<br />

para conseguir uma “Europa Sem Tabaco”<br />

o mais cedo possível.<br />

Dep – Que conclusões podem ser extraídas<br />

deste Encontro da ENSP?<br />

L.L. - Importante o não aceitar a comercialização<br />

de outras formas de tabaco oral ou<br />

outros produtos da indústria tabaqueira.<br />

Alargar a onda de países a aderirem aos<br />

espaços livres de fumo, que começou na Irlanda<br />

e onde o nosso Vice-Presidente Luke<br />

Clancy teve um papel muito importante.<br />

Reforçar a cooperação com a Comissão<br />

Europeia e a Agência de Saúde Pública,<br />

mas sempre com grande independência e<br />

autonomia.<br />

Reestruturar a ENSP de modo a desenvolver<br />

projectos mais eficazes e apoiar mais<br />

as redes nacionais associadas à ENSP/<br />

REPT.<br />

Por último sublinhar a forte vontade da<br />

ENSP/REPT em contribuir para que a Convenção<br />

Quadro sobre o Controlo do Tabaco,<br />

avance e seja um instrumento eficaz para<br />

criar em todos os países aderentes, o último<br />

dos quais foi Angola, legislação que<br />

proteja de forma eficaz as crianças, os jovens<br />

e os não fumadores dos malefícios do<br />

tabaco.


22 | Dependências | Rede Europeia para a Prevenção do Tabagismo reúne em Cascais<br />

Elisabeth Tamang, Presidente da ENSP<br />

Dep – Que importância assume a realização<br />

deste Encontro da ENSP?<br />

E.T. – Habitualmente, realizamos, pelo menos,<br />

um encontro anual da ENSP, o qual<br />

funciona quase como um workshop onde<br />

tentamos alcançar consensos em diferentes<br />

matérias e argumentos e acerca do caminho<br />

que desejamos percorrer. E tudo<br />

isto se reveste de uma enorme importância<br />

para nós. Depois, o facto de se realizar em<br />

Portugal assume igualmente uma importância<br />

muito significativa, na medida em<br />

que pretendemos transmitir um sinal numa<br />

altura em que uma nova lei sobre tabagismo<br />

emerge. Ao mesmo tempo, discutimos<br />

aqui o nosso futuro enquanto rede, no que<br />

respeita a uma intervenção baseada numa<br />

visão estratégica de futuro acerca do controlo<br />

tabágico e à definição de um plano de<br />

acção para levar a cabo esse intento.<br />

Dep – Que papel poderá desempenhar a<br />

ENSP nesta luta anti-tabágica?<br />

E.T. – A ENSP pode funcionar como uma<br />

plataforma de benchmarking entre diversos<br />

países que se situam em diferentes patamares<br />

no que concerne à implementação<br />

de políticas e estratégias nesta área. O que<br />

ajuda a produzir alterações e, ao mesmo<br />

tempo, a aprender com os erros de terceiros<br />

ou com as boas práticas evidenciadas.<br />

Dep – Poderá também funcionar como um<br />

lobby?<br />

E.T. – Na verdade, funciona também como<br />

um lobby, na medida em que nos situamos<br />

num nível europeu, tendo discussões no<br />

seio da Comissão Europeia, mas igualmente<br />

em termos locais, no seio de cada país.<br />

Aliás, creio que constituímos desde logo<br />

um lobby a partir do momento em que precisamos<br />

de aprovar determinada medida<br />

ou de apoiar políticas nacionais, enquanto<br />

coligações.<br />

Dep – Por que será que os vossos interesses,<br />

tal como outros desígnios de saúde<br />

pública nem sempre são coincidentes com<br />

as práticas políticas?<br />

E.T. – Na verdade, aquilo que todos pretendemos<br />

obter é uma sociedade mais saudável<br />

e, por isso, tentamos promover aspectos<br />

relacionados com a saúde pública.<br />

Estou em crer que os políticos também o<br />

pretendem mas também tenho consciência<br />

que estão sujeitos a muitas limitações<br />

e pressões. E, quando falo de pressões, refiro-me,<br />

obviamente, a outros tipos de lobbys,<br />

de foro comercial e industrial. Existem<br />

empresas e grupos industriais que têm<br />

que vender os seus produtos e que usufruem<br />

de um poder muito maior em termos<br />

de lobbying.<br />

Dep – Poderia o panorama mudar se o tabaco<br />

passasse a ser considerado uma droga<br />

ilícita?<br />

E.T. – Seria maravilhoso! Conheço um país<br />

cuja legislação passou a considerar o tabaco<br />

uma substância ilícita para consumo,<br />

o Butão, um reino situado nos Himalaias.<br />

Mas creio que, nos tempos que vivemos,<br />

será muito difícil chegar a esse patamar<br />

que resolveria muitos dos nossos problemas.<br />

Dep – Temos ouvido, durante este encontro,<br />

que um dos desafios definidos para o<br />

futuro consiste numa Europa livre de tabaco.<br />

Não será esse desiderato utópico?<br />

E.T. – Sim, o nosso principal objectivo consiste<br />

numa Europa livre de tabaco. Talvez<br />

não o consigamos alcançar nos próximos<br />

15 anos mas a verdade é que temos que<br />

começar de alguma forma. No momento,<br />

concordo que seja utópico mas não é menos<br />

verdade que estamos habituados a definir<br />

objectivos bastante ambiciosos, um<br />

pouco à imagem do que a OMS faz. E preferimos<br />

definir esse tipo de metas e lutar<br />

arduamente pelas mesmas porque sabemos<br />

que, assim, chegaremos mais longe.<br />

E, mais ainda, todos sabemos que o mundo<br />

pode viver perfeitamente sem tabaco. Não<br />

precisamos de tabaco para termos uma<br />

vida mais feliz, por exemplo.<br />

Dep – Que outros desafios enfrenta a ENSP<br />

no futuro?<br />

E.T. – Gostaríamos de alcançar um nível<br />

que pudéssemos designar como bastante<br />

satisfatório no que concerne às políticas de<br />

controlo e restrição de fumo e de venda de<br />

tabaco, gostaríamos de promover e ajudar<br />

a promover nos diferentes países actividades<br />

abrangentes que ajudassem a adoptar<br />

e implementar políticas sérias de controlo<br />

tabágico e de promoção da saúde pública.<br />

Dep – Será assim tão necessário e eficaz,<br />

como se vai ouvindo neste encontro, reduzir<br />

ou mesmo proibir a oferta na área do<br />

tabaco?<br />

E.T. – Como é sabido, não existem leis que<br />

proíbam a oferta… Agora, as evidências<br />

mostram que, paralelamente a um controlo<br />

da oferta e à protecção da população relativamente<br />

ao fumo passivo, é necessário<br />

educar as pessoas, preferencialmente<br />

desde a infância. Os jovens são propensos<br />

a experimentar e, habitualmente, não<br />

se apercebem dos riscos até se tornarem<br />

dependentes do tabaco. Por isso mesmo, a<br />

educação é necessária mas também precisamos<br />

de viver numa sociedade que torne<br />

a escolha mais saudável a mais fácil, o que<br />

significa necessariamente ter uma lei que<br />

proíba a venda de tabaco a menores, o consumo<br />

em locais de trabalho e em locais públicos,<br />

que aumente os preços…<br />

Dep – Conhece a lei portuguesa que está<br />

prestes a entrar em vigor?<br />

E.T. – Sim, ouvi falar e sei que entrará em<br />

vigor a partir do dia 1 de Janeiro próximo<br />

mas também sei que não consiste numa<br />

completa proibição, nem sequer se assemelha<br />

à lei italiana que implementou restrições<br />

muito sérias ao consumo de tabaco<br />

em restaurantes, bares ou locais de<br />

trabalho. Parece-me que a lei portuguesa<br />

não terá um cariz tão forte e talvez enfrente<br />

alguns problemas relativamente à sua<br />

implementação.


Luke Clancy, ASH Ireland<br />

Dep – Que importância poderá assumir a<br />

realização deste encontro?<br />

L.C. – Creio que se trata de um evento muito<br />

importante para todos nós por duas razões<br />

específicas. Estamos aqui juntos porque<br />

queremos partilhar ideias e existem<br />

grandes vantagens em ouvirmo-nos uns<br />

aos outros porque se revelam aspectos que<br />

não estão escritos em sítio algum. Todos<br />

pensamos saber muito acerca da cessação<br />

tabágica e controlo do tabaco mas existem<br />

muitos aspectos relativamente aos quais<br />

não existe qualquer bibliografia ou outro<br />

tipo de registo. E é apenas através da discussão<br />

entre pares que conseguimos evoluir.<br />

Algo que se obtém através desta partilha<br />

de conhecimento e de práticas. Além<br />

disso, a comunidade de controlo tabágico<br />

de cada país é relativamente pequena mas<br />

quando nos reunimos desta forma adquirimos<br />

outro tipo de visibilidade e de poder.<br />

Dep – Até que ponto estará ainda o tratamento<br />

num nível embrionário?<br />

L.C. – Muita gente diria que nos concentramos<br />

demasiadamente noutros aspec-<br />

Rede Europeia para a Prevenção do Tabagismo reúne em Cascais | Dependências | 23<br />

tos. Relativamente a outras doenças, falamos<br />

sobre tratamento a toda a hora mas,<br />

com efeito, relativamente a esta área não<br />

o fazemos. Talvez a razão tenha a ver com<br />

o facto de se tratar de uma doença com<br />

uma prevalência tão elevada, o que torna<br />

impossível tratar toda a gente. Então, aquilo<br />

que temos que fazer é tentar evitar que<br />

as pessoas comecem a fumar e recorrer a<br />

intervenções que possam ser consideradas<br />

como tratamento. Refiro-me, por exemplo,<br />

ao preço, um dos factores mais importantes<br />

no que concerne à prevenção tabágica<br />

e mais eficazes no que respeita ao impedir<br />

que as pessoas comecem a fumar. Mas<br />

também me parece que não despendemos<br />

o tempo necessário com a cessação<br />

e, na verdade, se entre os fumadores actuais,<br />

ninguém parar de o fazer, não haverá<br />

qualquer diminuição dos casos de cancro<br />

do pulmão nos próximos 25 anos. Então,<br />

é extremamente importante que as pessoas<br />

deixem de fumar e isso significa que os<br />

programas e terapêuticas de cessação têm<br />

que ser melhorados. Mas a verdade é que<br />

as actuais técnicas de cessação não são<br />

muito boas. Existem, e tentamos que sejam<br />

melhoradas mas, talvez por não serem<br />

muito poderosas, não lhes estamos a dar o<br />

tempo e esforço que merecem. E, mais importante<br />

ainda, não são concedidos fundos<br />

para o fazer. As intervenções que temos, o<br />

aumento do preço do tabaco, a proibição<br />

da sua publicidade, o fomento da educação<br />

e a redução do fumo nos locais públicos<br />

são extremamente rentáveis, não custam<br />

muito dinheiro e qualquer país as pode<br />

fazer. Mas a cessação já é custosa e nem<br />

todos o podem fazer. Mas precisamos de<br />

melhores formas para tratar as pessoas e<br />

não podemos esperar muito mais tempo.<br />

Dep – Em que medida será necessária uma<br />

concertação entre os ministérios da educação<br />

e da saúde no sentido de melhor estruturar<br />

estratégias de prevenção e fazer<br />

chegar as mensagens a crianças em mais<br />

tenras idades?<br />

L.C. – Temos que estar inseridos e envolvidos<br />

na sociedade e creio que ainda não é<br />

perfeitamente claro como o devemos fazer.<br />

Repare que as crianças aprendem através<br />

dos pais e, se estes fumam, não importará<br />

muito o que se disser na escola. Concordo<br />

que a educação é uma chave mas a<br />

questão está em saber como, por quem e<br />

onde é administrada. E é necessário demonstrar<br />

como as pessoas são afectadas<br />

pelo tabaco. E esta não é uma doença qualquer<br />

mas uma doença que é fomentada por<br />

uma indústria corrupta, que alcança directa<br />

e emocionalmente o coração de muitas<br />

pessoas, que está preparada para transmitir<br />

mentiras.<br />

Dep – Não será utópico eleger como objectivo<br />

uma Europa livre de tabaco?<br />

L.C. – Não me parece… Eu acredito, apesar<br />

de saber que não acontecerá tão cedo<br />

como desejaríamos. Mas temos que fazer<br />

ver aos nossos jovens que estão a ser corrompidos<br />

e manipulados por uma indústria<br />

sem escrúpulos. E creio que esse instrumento<br />

poderá ser mais convincente do que<br />

dizer-lhes que deverão morrer aos 50 ou 60<br />

anos devido a ataque cardíaco, pois pensarão,<br />

provavelmente, que aos 60 já morreriam<br />

de qualquer forma. Temos que lhes<br />

fazer entender que são manipulados e não<br />

me parece que eles gostem de sentir que o<br />

são. Também temos que perceber de forma<br />

mais clara por que é que as crianças<br />

fumam – 80 por cento das pessoas que fumam<br />

começam antes dos 18. E se é ilegal


24 | Dependências | Rede Europeia para a Prevenção do Tabagismo reúne em Cascais<br />

vender tabaco a menores, como pode isto<br />

acontecer? Claramente, a lei não está a ser<br />

aplicada e, como tal, não pode funcionar. E<br />

se os nossos legisladores forem cada vez<br />

mais sérios acerca destas matérias, creio<br />

que podemos perfeitamente alcançar esse<br />

objectivo.<br />

Dep – Deveria o tabaco passar a ser considerado<br />

uma substância ilícita?<br />

L.C. – O problema é que existe um segmento<br />

da população fumadora tão significativo<br />

que, torná-la actualmente ilícita, não resultaria.<br />

Foi através de um acidente histórico<br />

que se tornou legal mas não a podemos<br />

tornar ilegal de um momento para o<br />

outro, na medida em que muita gente está<br />

dependente. Obviamente, se considerasse<br />

útil essa medida, proibiria o uso de tabaco<br />

até porque o objectivo é eliminá-lo definitivamente.<br />

Agora, podemos constatar que<br />

a morfina, o ópio, a cocaína ou a heroína<br />

eram substâncias legais e são actualmente<br />

ilícitas porque apenas um pequeno segmento<br />

da população as usa. E o mesmo deverá<br />

acabar por acontecer com os cigarros<br />

mas não hoje nem amanhã.<br />

Dep – Como sabe, no próximo dia 1 de Janeiro<br />

entrará em vigor a nova lei portuguesa<br />

sobre tabagismo. O que poderemos<br />

aprender com as experiências irlandesa e<br />

italiana?<br />

L.C. – A nova lei portuguesa representa um<br />

avanço. No entanto, é inadequada, o que<br />

acabará por ser constatado. A nova lei por-<br />

tuguesa baseia-se na lei espanhola e os colegas<br />

espanhóis já demonstraram que a<br />

mesma não funciona, não atinge os objectivos<br />

definidos. Na Irlanda, definimos o quão<br />

importante é proteger as pessoas nos seus<br />

locais de trabalho, algo que consideramos<br />

um direito humano. E assim sendo, não deveria<br />

ser uma questão selectiva. Então, na<br />

Irlanda, definimos que ninguém deve ser<br />

obrigado a respirar o fumo dos outros, seja<br />

no trabalho, em restaurantes, em bares ou<br />

qualquer outro local público e já demonstrámos,<br />

através de avaliações, o impacto<br />

que tal medida produziu no ambiente de<br />

trabalho, que, por exemplo, o ar ficou mais<br />

limpo, que diversos agentes cancerígenos<br />

foram removidos, que os resultados dos<br />

testes respiratórios melhoraram e os sintomas<br />

também. Sabemos igualmente que o<br />

número de ataques cardíacos diminui, algo<br />

que leva algum tempo a demonstrar através<br />

de avaliações mas que faremos com<br />

toda a certeza.<br />

Dep – Até que ponto contribuiu a<br />

implementação da lei irlandesa para uma<br />

diminuição do número de fumadores?<br />

L.C. – Não terá contribuído assim tanto<br />

para a redução do número de fumadores,<br />

até porque não era esse o seu objectivo<br />

fundamental. O seu grande objectivo consiste<br />

em proteger aqueles que não querem<br />

fumar. Talvez tenha tido algum efeito sobre<br />

a prevalência de fumadores e acredito que<br />

contribuirá para atingirmos uma mudança<br />

cultural ao nível dos comportamentos<br />

mas sabemos que estes fenómenos acontecem<br />

de uma forma lenta. Mas também<br />

sabemos que contribuirá para a “desnormalização”<br />

do consumo de cigarros e contribuirá,<br />

a longo prazo, para que menos jovens<br />

comecem a fumar. Actualmente, são<br />

nítidas as motivações dos jovens para fumar,<br />

o que inclui a pressão de pares, o risco<br />

assumido, a sensualidade ou a masculinidade<br />

a que a indústria tabaqueira utiliza<br />

nas suas mensagens como instrumento de<br />

propaganda e chega até a haver jovens que<br />

o fazem porque não pretendem fazer algo<br />

que julgam ser pior, como consumir drogas<br />

ilícitas. Mas diga-me, se souber, qual é a<br />

outra droga que mata mais de 50 por cento<br />

que a usa…<br />

Dep – E quanto à lei italiana?<br />

L.C. – A lei italiana tem resultado num tremendo<br />

sucesso, apesar de não ter sido alvo<br />

de uma tão intensa preparação como aconteceu<br />

noutros países, como a Irlanda em<br />

que tivemos que enfrentar árduas batalhas<br />

e de nos preparar de forma muito significativa.<br />

Em Itália, começaram por definir que<br />

seria permitido fumar se certos standards<br />

de ventilação fossem cumpridos nos locais<br />

públicos ou no trabalho. E todos sabemos<br />

que a ventilação não funciona e o standard<br />

que propuseram era praticamente impossível<br />

de alcançar e, mesmo sendo possível,<br />

acarretaria custos avultadíssimos. Tudo<br />

isto resultou numa proibição construída de<br />

uma forma muito inteligente.


Francisco George, Director-Geral de Saúde<br />

“Acabo de chegar de uma sessão que juntou<br />

professores e Ministério da Educação para<br />

preparar a entrada em vigor da nova lei, no<br />

próximo dia 1 de Janeiro, altura em que em<br />

todas as escolas onde existem estudantes<br />

com menos de 18 anos será absolutamente<br />

proibido fumar. Estivemos também com<br />

a Direcção Geral da Educação, no âmbito<br />

do desenvolvimento curricular, a trabalhar<br />

com os professores no sentido de criar um<br />

conjunto de comemorações que chamam a<br />

Rede Europeia para a Prevenção do Tabagismo reúne em Cascais | Dependências | 25<br />

atenção dos cidadãos para que sejam cada<br />

vez mais exigentes relativamente ao cumprimento<br />

da lei a partir do próximo ano.<br />

Essa é uma questão de honra que nós, na<br />

Direcção Geral de Saúde, encaramos com<br />

grande seriedade e que terá, seguramente,<br />

consequências se a observação por parte<br />

dos cidadãos for rigorosa. Estou em crer<br />

que iniciativas como esta desenvolvida<br />

aqui em Cascais, tal como aquelas que se<br />

têm sucedido e que não irão parar até ao<br />

final do ano serão extremamente importantes<br />

para alertar a população para a maior<br />

necessidade de estarem bem informados<br />

sobre os aspectos legais, que nem sempre<br />

são simples. Há áreas em que será permitido<br />

fumar e outras em que será proibido<br />

e temos que saber exigir a protecção, sobretudo<br />

em ambientes fechados, de quem<br />

não fuma, uma vez que sabemos que fumar<br />

os cigarros dos outros faz praticamente<br />

tão mal como ser fumador activo. Estamos<br />

portanto envolvidos neste processo com<br />

grande dedicação e esperamos que tudo<br />

corra bem, sabendo porém que termos<br />

que avaliar tudo aquilo que se passará com<br />

grande transparência. Mas, devo reforçar,<br />

iniciativas como esta conferência de im-<br />

prensa promovida pela ENSP, com o auxílio<br />

da autarquia de Cascais são muito importantes<br />

nos processos de informação ao público.<br />

Tenho ainda muito gosto em manifestar<br />

a disponibilidade da Direcção Geral de<br />

Saúde para trabalhar com as autarquias e<br />

o desejo em relação aos colegas da ENSP<br />

de manter no quadro europeu esta troca de<br />

informações e de experiências, absolutamente<br />

fundamental neste processo. Estive<br />

em Dublin, na Irlanda, poucos dias após<br />

a lei ter sido aprovada e o meu homólogo<br />

dizia-me que tinha sido mais fácil do que<br />

tinham pensado. Alguns pensavam que teriam<br />

que enfrentar grandes problemas de<br />

incumprimento e, afinal, o que verificaram<br />

foi que os fumadores, incluindo nos bares,<br />

passaram a fumar fora dos estabelecimentos,<br />

ao ar livre, fomentando-se também ali<br />

uma transição do antigo bar irlandês para<br />

o novo, despoluído e livre de fumo. Vamos<br />

todos ter que prosseguir estas estratégias<br />

e reforço que a ENSP tem aqui em nós uma<br />

manifestação de desejo de colaboração e<br />

também o convite para voltar e participar<br />

no processo de avaliação”.<br />

FICHA TÉCNICA: Propriedade, Redacção e Direcção: News-Coop - Informação e COmunicação, CRL • Rua António Ramalho, 600E - 4460-240 Senhora da Hora Matosinhos • Publicação<br />

periódica mensal registada no ICS com o nº 124 854. Tiragem: 12 000 exemplares • Contactos: 22 9537144 • 91 6899539 • info@dependencias.pt • www.dependencias.pt<br />

• Director: Sérgio Oliveira • Editor: António Sérgio • Produção Gráfica: Ana Oliveira • Impressão: Artes Gráficas Diumaró


26 | Dependências | IV Jornadas da Juventude de Lousada: um evento para os jovens desenhado com os jovens<br />

Concelho mais jovem da União Europeia<br />

constrói o futuro integra(n)do<br />

A Câmara de Lousada promoveu, no passado<br />

dia 9, as IV Jornadas da Juventude. Paralelamente,<br />

à noite decorreu o II Festival da Juventude.<br />

A iniciativa teve o condão de demonstrar<br />

uma vez mais a dinâmica e sentido pragmático<br />

da autarquia de Lousada que, numa<br />

sessão em que se discutiam assuntos muito<br />

sérios, logrou organizar um tipo de seminário<br />

interactivo, com mesas constituídas por profissionais<br />

que, de uma forma ou de outra se<br />

encontram directamente ligados, em diversas<br />

vertentes, ao presente e futuro dos jovens portugueses.<br />

Jovens esses que estiveram mesmo<br />

no centro da discussão mas, desta feita, tomando<br />

parte activa na mesma. Para além da<br />

presença de um presidente de associação de<br />

estudantes de uma escola local, foi congratulante<br />

e inusitada a participação de estudantes<br />

lousadenses que se envolveram de forma<br />

muito activa na discussão das questões que<br />

mais os apoquentam e propuseram mesmo<br />

soluções à plêiade de oradores “adultos”. E<br />

foi muito agradável constatar que, durante toda<br />

a tarde, e em período lectivo, os jovens se<br />

revezavam entre entradas e saídas do auditório<br />

e a escola que frequentam. A sala, essa,<br />

manteve-se sempre cheia: de jovens, de emoções,<br />

inquietações e irreverências muito bem<br />

expostas, como tão bem caracteriza uma nova<br />

geração ainda mais informada dos seus direitos<br />

e que encontra no município de Lousada<br />

um palco quase perfeito em termos de<br />

meios, estruturas, alternativas de lazer, educação,<br />

desporto e cultura e os mais diversos<br />

apoios conjugados numa verdadeira rede social<br />

para a concretização de um plano de vida.<br />

Políticos, desde o Secretário de Estado da Juventude<br />

e do Desporto, Laurentino Dias, Jorge<br />

Magalhães e Cristina Moreira da autarquia de<br />

Lousada, a Governadora Civil do Porto, Isabel<br />

Oneto, representantes da DREN, do Instituto<br />

de Segurança Social do Porto, do IPJ, do IE-<br />

FP, da Escola Superior de Educação do Porto<br />

e ainda da revista Dependências interagiram<br />

com crianças e jovens lousadenses sob o tema<br />

“Acordar para as oportunidades”.<br />

Os trabalhos começaram com sessões de informação<br />

acerca do programa Novas Oportunidades<br />

e da campanha municipal “Escola<br />

para todos e para sempre”, tendo sido divulgados<br />

os serviços disponibilizados pela autarquia<br />

na área da juventude.<br />

A tarde iniciou-se com uma actuação dos alunos<br />

do Conservatório do vale do Sousa, seguindo-se<br />

a assinatura de um protocolo entre<br />

a Câmara de Lousada e a Universidade do<br />

Porto respeitante à Universidade Júnior, a que<br />

a autarquia tem aderido desde há dois anos.<br />

Os trabalhos foram moderados pela Vereadora<br />

do pelouro da Juventude, Dra. Cristina<br />

Moreira. A primeira intervenção relativa<br />

ao tema “A escola como espaço de<br />

promoção do sucesso educativo” esteve<br />

a cargo do Prof. Doutor Luís Rothes, da<br />

Escola Superior de Educação do Porto.<br />

Um outro tema em debate foi “O IPJ como uma<br />

oportunidade”, apresentado por Victor Dias,<br />

Delegado do Instituto Português da Juventude<br />

da Região Norte. A mesa foi ainda constituída<br />

por Vasco Campos, presidente da Associação<br />

de Estudantes, António Leite, Director Regional<br />

Adjunto da Educação do Norte, Pedro Machado,<br />

Vice-Presidente da Câmara Municipal<br />

de Lousada e António Teixeira Marques, Vice-<br />

Reitor da Universidade do Porto.<br />

Seguiu-se um animado debate, com os jovens<br />

a colocarem pertinentes questões, nomeadamente<br />

no que respeita a aspectos relacionados<br />

com as oportunidades profissionais e<br />

a premência da concretização de um percurso<br />

académico superior. O modelo de escola<br />

actual, no que concerne a conteúdos programáticos<br />

e cargas horárias, a necessidades especiais<br />

evidenciadas por alguns formandos,<br />

à criação de um estatuto do estudante foram<br />

questões evidenciadas pelos jovens.<br />

Na mesa seguinte, Serafim Queirós, técnico<br />

dos apoios sócio-educativos da DREN, apresentou<br />

uma prelecção subordinada ao tema<br />

“Querer é Poder”. De forma entusiástica<br />

e muito bem-humorada, demonstrou a sua<br />

grande esperança nesta geração, evidenciando<br />

a força de vontade, o empreendedorismo,<br />

o tal “querer” como ferramenta para<br />

se alcançar os objectivos definidos, o tal “poder”.<br />

À tão propalada falta de oportunidades<br />

que assola os jovens aquando da transição<br />

da vida estudantil para a profissional, Serafim<br />

Queirós contrapôs a emergência de novos<br />

recursos à disposição da juventude, a maior<br />

acessibilidade relativamente ao saber, a cada<br />

vez mais visível igualdade de oportunidades,<br />

mesmo em relação aos cidadãos portadores<br />

de deficiência. Relativamente à forte<br />

competitividade que os afecta diariamente,<br />

Serafim Queirós aconselhou os jovens rumo<br />

à diferenciação ou especialização, ou seja, a<br />

encontrarem factores que os distingam pela<br />

positiva de outros, aquilo para que realmente<br />

dispõem de aptidões inatas ou não e que<br />

poderão aperfeiçoar ainda mais no sentido de<br />

obterem vantagens competitivas numa sociedade<br />

cada vez mais exigente. Sérgio Oliveira,<br />

da revista Dependências socorreu-se da apresentação<br />

de uma história real: a de um menino<br />

pobre, desestruturado familiarmente, com<br />

níveis de concentração baixos na escola provenientes<br />

de uma baixa auto-estima e num estado<br />

depressivo face ao estado de saúde da<br />

mãe. Esse mesmo menino, na altura descriminado<br />

socialmente quer na escola – até pela<br />

sua professora - quer nos grupos de amigos<br />

da mesma idade, porque não vestia bem nem<br />

participava activamente nas aulas, tinha, no<br />

entanto, um dom: o “poder” da aprendizagem<br />

e a vontade de vencer. Quando, afinal, a professora<br />

constatou que o tal menino não fazia<br />

corresponder as suas baixas expectativas às<br />

excelentes notas obtidas nos exames, começou<br />

a vê-lo de outra forma e a tentar ajudá-lo.<br />

Uma história que se traduziria num final feliz,<br />

com contornos de romancismo, que serviu<br />

para, no final, demonstrar algumas desigualdades<br />

e descriminações que podem constituir<br />

factores de risco para futuros desvios<br />

comportamentais. Sérgio Oliveira fez ainda<br />

um périplo pelas <strong>dependências</strong> sem substâncias<br />

psicoactivas para demonstrar que, afinal,<br />

os estímulos externos vivenciados diariamente<br />

pelos jovens, mas também pelos adultos,<br />

deverão ser muito bem filtrados e tratados em<br />

família sob pena de nos tornarmos dependen-


tes de outras substâncias sem que nos apercebamos.<br />

No final da mesa, surgia novo interessante<br />

debate, extremamente participativo.<br />

Para o final estava reservado um dos momentos<br />

altos do dia. Os jovens aguardavam ansiosamente<br />

pela chegada do Secretário de Estado<br />

da Juventude e do Desporto e Laurentino<br />

Dias que, apesar da tarde passada na Assembleia<br />

da República a discutir o Orçamento de<br />

Estado, não defraudou as expectativas. Durante<br />

a tarde, nos intervalos, já era possível<br />

ouvir os jovens combinar questões que gostariam<br />

de ver respondidas pelo membro do<br />

Governo. Acompanharam-no na sessão de encerramento<br />

o Presidente da Câmara Municipal<br />

de Lousada, Jorge Magalhães e, em representação<br />

do Governo Civil do Porto, Miguel Lemos.<br />

Laurentino Dias anunciou o reforço do<br />

investimento do Governo, previsto no actual<br />

Orçamento de Estado, para o apoio à juventude<br />

e a crescente preocupação do Poder Central<br />

nesta faixa populacional, de que constitui<br />

exemplo a pioneira criação de uma Comissão<br />

Parlamentar específica, desafiando ainda a<br />

plateia que reside no concelho mais jovem da<br />

Europa a apostar seriamente na qualificação<br />

académica e anunciando algumas medidas de<br />

apoio destinadas a promover essa aposta.<br />

Festival da Juventude<br />

apresenta grupos locais<br />

O II Festival da Juventude contou com a animação<br />

musical do grupo lousadense GOBB e<br />

Alcatrão. Seguiu-se a actuação dos Fonzie, espectáculos<br />

que decorreram no Pavilhão Municipal.<br />

De acordo com a Vereadora da Juventude<br />

“o Festival apresenta três grupos musicais para<br />

animar a noite, que se pretende muito viva”.<br />

Os jovens usufruíram de uma noite diferente,<br />

de forma gratuita.<br />

Juventude de Lousada em acção<br />

O pelouro da Juventude tem desenvolvido,<br />

através dos diversos serviços existentes<br />

no concelho, inúmeras actividades ao longo<br />

dos tempos, como os Espaços Internet<br />

de Lousada e Torno, Espaço Internet do arquivo<br />

Municipal, Centro Inforjovem, Biblioteca<br />

Municipal, Piscinas Municipais, Pavilhão<br />

Municipal, Complexo Desportivo, Auditório<br />

Municipal e nomeadamente no Espaço AJE.<br />

O Espaço AJE funciona há cerca de dois<br />

anos e é, por excelência, o local onde se realizam<br />

actividades para os jovens e onde funcionam<br />

diversos serviços, entre os quais se<br />

destacam o espaço dedicado às artes e às<br />

Tecnologias da Informação e Comunicação,<br />

Espaço Europa, Gabinete de Apoio à Sexualidade<br />

Juvenil, Gabinete de Apoio ao Investidor,<br />

Gabinete de Apoio Psicológico e Gabinete<br />

de Apoio Social, Banco do Voluntariado<br />

e Sede Conselho Jovem Estudante.<br />

O Espaço AJE conta ainda com uma equipa<br />

de futebol constituída pelos alunos do PIEF –<br />

Plano Integrado de Educação e Formação. Esta<br />

equipa surgiu no seguimento de um convite<br />

efectuado pela autarquia de Póvoa de Varzim,<br />

que organizou o 1.º Encontro Desportivo<br />

das Casas da Juventude do Distrito do Porto.<br />

O Espaço AJE tem sido ainda palco de inúmeras<br />

actividades destinadas como o concurso<br />

de grafites, oficina de doces tradicionais e do<br />

pinheirinho, atelier de pintura e de joalharia.<br />

As acções realizadas para e com os jovens do<br />

concelho vão para além das portas do Espaço<br />

AJE. Assim, os jovens lousadenses têm a<br />

oportunidade de participar anualmente nos<br />

IV Jornadas da Juventude de Lousada: um evento para os jovens desenhado com os jovens | Dependências | 27<br />

Jogos Internacionais da Juventude, Colónias<br />

de Férias em Renteria – Espanha, programa de<br />

Ocupação de tempos Livres, Universidade Júnior,<br />

no Porto, Intercâmbio a Londres que distingue<br />

o melhor aluno de inglês da Escola Secundária<br />

e Olimpíadas da Europa. O AJE Móvel<br />

é uma outra vertente em que a equipa do<br />

Espaço AJE se desloca aos empreendimentos<br />

de habitação social do concelho para desenvolver<br />

actividades com as crianças e jovens.<br />

Desde o início do ano que a Câmara de Lousada,<br />

através do pelouro da Juventude,<br />

tem promovido e apoiado diversos seminários.<br />

Destaque para a participação de jovens<br />

no “Programa Nacional da Juventude<br />

<strong>2007</strong>/2013”, “Questões do Secundário”,<br />

“Sexualidade, Prevenção e Aconselhamento”,<br />

“Europa que Oportunidades”, “Os Desafios<br />

da Actualidade” e “Juventude em Acção”.<br />

O pelouro da Juventude teve ainda participação<br />

na iniciativa referente ao “Comboio<br />

das Novas Oportunidades”, no âmbito das<br />

Novas Oportunidades para Todos, que percorreu<br />

todas as freguesias do concelho.<br />

Um outro projecto em que o pelouro tem trabalhado<br />

é relativo ao programa DICAS (Diversidade,<br />

Inclusão, Complexidade, Autonomia<br />

e Solidariedade). Neste sentido, foram implementadas<br />

as “Férias + Q Divertidas”, onde<br />

os jovens participaram em eventos como<br />

visitas ao jardim Zoológico de Lisboa, gravações<br />

de uma série televisiva e visitas ao património<br />

histórico do concelho, entre outros<br />

O Cartão Jovem Municipal é outro dos serviços<br />

disponibilizados pela autarquia, em colaboração<br />

com a Secretaria de Estado da Juventude<br />

e Desporto e com a Movijovem, através<br />

de descontos em vários estabelecimentos<br />

comerciais do concelho para os aderentes. O<br />

Cartão-jovem Municipal pode ser requisitado<br />

no Espaço AJE e Espaço Internet de Lousada<br />

e Torno.


28 | Dependências | Congresso Internacional dos Açores<br />

Igualdade de Oportunidades<br />

para Tod@s<br />

Numa iniciativa promovida pela Secretaria Regional dos Assuntos Sociais do Governo<br />

dos Açores, decorreu, nos passados dias 15 e 16, em Angra do Heroísmo, o Congresso<br />

Internacional dos Açores Igualdade de Oportunidades para Tod@s, integrado nas<br />

iniciativas do Ano Europeu da Igualdade de Oportunidades Para Todos.<br />

Temas como Cidade e Coesão Social, Acolher e Integrar Imigrantes em Portugal,<br />

Acessibilidade e Cidadania, Políticas de Reabilitação na área da Igualdade de<br />

Oportunidades ou a Integração dos que estão de fora da Urbe, para além da<br />

apresentação de boas práticas, dissertações de cariz ético, político e social, reuniram<br />

especialistas provenientes de diversas áreas profissionais na Ilha Terceira. Dependências<br />

marcou presença e entrevistou algumas das individualidades presentes<br />

Rui Marques, Alto-comissário para a Imigração e Diálogo Intercultural<br />

Dep – Durante a sua apresentação, referiu<br />

existirem cerca de 200 milhões de emigrantes<br />

em todo o mundo. Estamos a falar<br />

de pessoas ou de “máquinas de trabalho”?<br />

R.M. – São pessoas. Pessoas marcadas pela<br />

coragem, pela ousadia de, perante condições<br />

difíceis no seu país – pobreza, guerra,<br />

catástrofes naturais – são capazes de<br />

arriscar, de chorar, de ousar e ir à procura<br />

de trabalho. Aquilo que os move é, essencialmente,<br />

a esperança de encontrarem um<br />

futuro melhor para si e para as suas famílias<br />

e, por isso digo muitas vezes com convicção<br />

que são do melhor que a humanidade<br />

tem porque são os homens e as mulheres<br />

que não se conformam, lutam e ambicionam<br />

construir um mundo melhor. Através<br />

do trabalho, prestam um contributo<br />

que beneficia toda a gente e não podem,<br />

no entanto, ser vistos apenas como “braços”<br />

ou “máquinas de trabalho”. São pessoas<br />

importantes, merecem todo o respeito<br />

inerente à dignidade humana e a política<br />

de integração deve ser global, considerando<br />

não só a protecção dos direitos dos trabalhadores<br />

mas também as questões relacionadas<br />

com a habitação, com a saúde,<br />

com a justiça, com a educação, para recebermos<br />

pessoas e não “braços”.<br />

Dep – Muitos deles continuam a ser rotulados<br />

como ilegais. Será legítimo designálos<br />

como tal ou preferível utilizar um eufemismo<br />

e afirmar que estão em situação<br />

irregular?<br />

R.M. – Acontece que, muitas vezes, só no<br />

início do ciclo migratório ou mais à frente<br />

estes homens e mulheres que querem<br />

trabalhar não têm autorização para permanecer<br />

e o fazer num determinado país. E<br />

é isso que é ser imigrante irregular, mas<br />

é um estado, portanto, a pergunta faz to-<br />

do o sentido. Não é uma essência, ou seja,<br />

é um estado que se pode transformar<br />

e basta perceber que metade dos nossos<br />

imigrantes legais de hoje, em Portugal,<br />

já foram imigrantes irregulares e que há<br />

imigrantes que já foram legais e cujo visto<br />

não foi renovado a tempo, tendo, por isso,<br />

entrado numa situação irregular. Mas<br />

estamos a falar numa situação administrativa,<br />

de uma situação legal, concerteza,<br />

mas onde, a meu ver, não se deve centrar a<br />

nossa atenção fundamental. A nossa atenção<br />

deve focar-se, concerteza, na produção<br />

de imigração legal, que quando as pessoas<br />

chegam a Portugal venham munidas das<br />

autorizações necessárias para aqui permanecerem<br />

e trabalhar, pois só assim conseguimos<br />

que os seus direitos sejam protegidos.<br />

Perante o problema da imigração irregular,<br />

é a vulnerabilidade dos próprios imigrantes<br />

que estão nessa circunstância que<br />

pode ser explorada por quem tem poucos<br />

escrúpulos. Mas sempre, e em todas as circunstâncias,<br />

são pessoas.<br />

Dep – Essas pessoas constituem um problema?<br />

R.M. – Não têm sido nem são um problema.<br />

São, como dizia, uma excelente oportunidade,<br />

enquanto contributo, para o desenvolvimento<br />

sustentado e para a coesão<br />

social. Agora, decorrente de algumas circunstâncias<br />

especiais, podem eles próprios<br />

viver grandes problemas e representar um<br />

problema social. Se quiser, por exemplo, a<br />

questão de estes imigrantes agarrarem os<br />

trabalhos que ninguém quer, os trabalhos<br />

sujos, mal pagos e perigosos, faz com que<br />

estes homens e mulheres tenham índices<br />

de sinistralidade laboral muito acima da<br />

média portuguesa. Nesse sentido, temos,<br />

entre imigrantes, um número de vítimas de<br />

acidentes de trabalho e uma gravidade de<br />

casos muito maior, bem como situações de<br />

homens e mulheres imigrantes que trabalhavam<br />

para um determinado sub empreiteiro<br />

que, durante três meses ou quatro,<br />

não paga o salário ou que desaparece, e estas<br />

pessoas, de repente, não têm dinheiro<br />

para viver e ficam sem abrigo. Esse constitui,<br />

evidentemente, um grande problema<br />

mas, sublinho, não é a imigração ou os imigrantes<br />

que constituem o problema mas as<br />

condições sociais, a injustiça gerada e a exploração<br />

de que muitos são vítimas. Esse<br />

sim, é o verdadeiro problema a que a sociedade<br />

tem que fazer face.<br />

Dep – Não constituindo um problema, em<br />

que medida poderão representar uma<br />

ameaça para a coesão nacional?<br />

R.M. – Muito pelo contrário. Basta verificarmos<br />

que os cerca de 4,5 milhões de portugueses<br />

espalhados pelo mundo nunca<br />

ameaçaram a coesão nacional de nenhum<br />

país. Aliás, se olharmos para a nossa identidade<br />

nacional, percebemos que somos<br />

um País feito do cruzamento de muitos povos<br />

e de muitas culturas e esse ciclo há-de<br />

continuar no futuro. Se quiser, estamos a<br />

repetir aquilo que aconteceu ao longo de<br />

oito séculos de história.


Domingos Cunha, Secretário Regional dos Assuntos Sociais<br />

“Nos dias de hoje, marcados indelevelmente<br />

por mudanças constantes nos modos e<br />

nas formas de desenvolvimento das comunidades,<br />

e onde os processos de comunicação<br />

se revelam predominantes no relacionamento<br />

entre entidades e cidadãos,<br />

não podia o Governo dos Açores deixar de<br />

se associar às comemorações do Ano Europeu<br />

da Igualdade de Oportunidades Para<br />

Todos - por uma Sociedade Mais Justa,<br />

promovendo e apoiando iniciativas neste<br />

âmbito.<br />

É nosso objectivo continuar a reforçar as<br />

políticas que visam a promoção da igualdade,<br />

a redução das assimetrias locais e<br />

regionais e, sobretudo, a criação de ferramentas<br />

tendentes à integração de todas as<br />

açorianas e açorianos, eliminando os constrangimentos<br />

ainda existentes e promovendo<br />

o acesso a todas as formas de comunicação<br />

e do conhecimento, onde as novas<br />

tecnologias assumem um papel primordial.<br />

Sendo uma aposta do presente, é, também,<br />

uma aposta de futuro, pois temos<br />

consciência de que só identificando com<br />

clareza os constrangimentos e necessidades<br />

se poderão criar os mecanismos para<br />

os ultrapassar, num constante processo de<br />

inovação, esforço e interacção entre agentes<br />

políticos, empresas e cidadãos.<br />

Os Açores não estão hoje, nem poderiam<br />

estar, imunes aos processos de modernização<br />

e desenvolvimento global, mas é necessário<br />

ter em conta que esses processos<br />

são complexos e podem provocar mecanis-<br />

mos de exclusão, essencialmente junto das<br />

camadas mais vulneráveis da população.<br />

É nossa obrigação perceber que, nos Açores<br />

de hoje, a multiplicidade social e cultural<br />

é uma realidade emergente, contributo<br />

não só do regresso de açorianos à sua terra,<br />

como, também, através dos cidadãos<br />

de diferentes proveniências que, de forma<br />

crescente, têm vindo a optar por viver nestas<br />

ilhas.<br />

Importa, por isso, garantir igualdade de<br />

oportunidades para todos, independentemente<br />

do género, alterar representações<br />

sociais marcadas pela rejeição da diferença,<br />

valorizar a diversidade cultural e fomentar<br />

a tolerância, promovendo uma sociedade<br />

mais coesa.<br />

São estes, aliás, os grandes objectivos do<br />

Ano Europeu para a Igualdade de Oportunidades.<br />

Respondem ao imperativo de transformar<br />

sociedades marcadas por clivagens<br />

sociais, pela origem, pelo nascimento, pela<br />

existência de deficiências físicas ou mentais<br />

e por desigualdades estigmatizadas<br />

pela raça, pela etnia, pela confissão religiosa<br />

ou orientação sexual, ou ainda, outros<br />

factores associados a vários tipos de discriminação<br />

e preconceito.<br />

Pretende-se, pois, lutar por sociedades<br />

mais justas onde o preconceito associado<br />

à diferença não encontre espaço, onde haja<br />

desenvolvimento económico e social mais<br />

profundo e harmonioso, onde se garanta o<br />

acesso à educação, à formação profissional,<br />

ao emprego, aos direitos de cidadania<br />

e a bens e serviços de qualidade necessários<br />

à participação na sociedade.<br />

Só assim se pode prevenir e combater a exclusão<br />

e lutar contra todas as formas de<br />

discriminação, construindo uma sociedade<br />

mais equitativa e coesa.<br />

Neste sentido, as propostas do Governo<br />

dos Açores, através da Secretaria Regional<br />

dos Assuntos Sociais, vêm cimentar e estruturar<br />

a continuidade de uma intervenção<br />

qualificada.<br />

Como medidas e planos de acção a<br />

implementar num futuro próximo quero<br />

apresentar:<br />

- O Plano Regional da Igualdade de Opor-<br />

Congresso Internacional dos Açores | Dependências | 29<br />

tunidades, que se encontra em fase de elaboração;<br />

- A apresentação da Comissão Regional de<br />

Acompanhamento e Avaliação dos Serviços<br />

de Saúde Mental;<br />

- A alteração do paradigma da Comissão<br />

Consultiva Regional para a Defesa dos Direitos<br />

das Mulheres, numa linha de maior<br />

abrangência e onde figurará a Igualdade de<br />

Género como princípio primeiro;<br />

- O aumento da Rede das Casas-Abrigo, na<br />

Região, para um total de 10;<br />

- A construção de dois Centros de Acolhimento,<br />

Formação e Integração Sócio-Laboral<br />

e respectivas unidades móveis para<br />

pessoas sem abrigo;<br />

- A abertura de um Centro de Reabilitação<br />

e Integração Social e Profissional do Recluso;<br />

- A abertura de um Centro de Tratamento<br />

e Formação de Jovens com problemas de<br />

toxicodependência, com idades compreendidas<br />

entre os 12 e os 18 anos.<br />

O Governo dos Açores, ao associar-se a este<br />

Ano Europeu para a Igualdade de Oportunidades<br />

e ao promover este Congresso<br />

Internacional, pretende incrementar uma<br />

reflexão sobre os obstáculos que se colocam<br />

à sociedade açoriana para que se projecte<br />

como uma verdadeira sociedade solidária.<br />

Pretendemos, no âmbito deste Congresso,<br />

abordar os principais níveis em que a igualdade<br />

de oportunidades necessita de ser<br />

aprofundada; identificar os diferentes motivos<br />

da discriminação, desconstruir estereótipos<br />

e identificar lacunas na acção em<br />

prol da igualdade de oportunidades; trocar<br />

informações sobre experiências e boas práticas<br />

contra a discriminação e identificar<br />

medidas e processos de acção.<br />

O Governo dos Açores tem consciência de<br />

que é grande o desafio. Mas tem a certeza<br />

de que, com o envolvimento de todos e<br />

num esforço conjunto da sociedade civil na<br />

afirmação dos valores da diversidade, da<br />

inclusão e da igualdade, trilharemos este<br />

percurso com sucesso”.


30 | Dependências | Congresso Internacional dos Açores<br />

Nélia Amaral, deputada da Assembleia Legislativa Regional dos Açores<br />

Dep – Quando falamos sobre igualdade de<br />

oportunidades, a que nos referimos concretamente?<br />

N.A. – Na minha opinião, quando falamos em<br />

igualdade de oportunidades, falamos da capacidade<br />

de reconhecermos aos outros os mesmos<br />

direitos que achamos que temos. Para<br />

lhe dar um exemplo, eu como mulher não sinto<br />

necessidade de usufruir de qualquer direito<br />

especial, mas antes a necessidade que as outras<br />

mulheres, os homens, as empresas, o Estado,<br />

as associações e demais entidades com<br />

quem lido, reconheçam e respeitem os meus<br />

direitos enquanto ser humano. É não considerar<br />

que, porque nasci com pele branca, tenho<br />

direitos diferentes daqueles que nasceram com<br />

pele escura ou porque posso usar as pernas para<br />

andar tenho direitos superiores àqueles que<br />

têm que utilizar uma cadeira de rodas ou porque,<br />

lendo com os olhos, tenho direitos diferentes<br />

daqueles que têm que usar os dedos para<br />

ler. Depois, é organizarmos a sociedade e os<br />

serviços de forma a que essas pessoas que têm<br />

essas tais características diferentes tenham garantido<br />

o acesso às oportunidades que o Estado<br />

garante para todos. Se assim fosse não faria<br />

sentido que as nossas escolas continuassem a<br />

estar equipadas com quadro e giz e não com<br />

digitalizadores de voz , impressoras Braille ou<br />

mapas em relevo para as crianças que não vêem<br />

ou não falam. Parto do princípio de que, se<br />

assim acontece, é porque alguém assumiu que<br />

todas as crianças que vão para a escola vêem e<br />

falam, o que por exclusão de partes, pressupõe<br />

que aquelas que não ouvem ou não falam não<br />

têm lugar na escola.<br />

Dep – Até que ponto serão essas constatações<br />

ainda mais evidentes numa região<br />

como os Açores em que a dispersão de um<br />

conjunto de ilhas reduz factores como a<br />

acessibilidade e a mobilidade?<br />

N.A. – Bom, por razões naturais, estamos obrigados<br />

a utilizar o barco ou o avião para nos deslocarmos<br />

de uma ilha para outra (risos) … Mas<br />

creio que o problema fulcral, ao nível das acessibilidades,<br />

no que diz respeito à promoção da<br />

igualdade, não se coloca a esse nível, da deslocação<br />

de uma ilha para outra ou para o exterior<br />

do arquipélago mas antes ao nível dos cidadãos<br />

de cada comunidade, na medida em que podem<br />

ou não aceder aos serviços disponíveis para<br />

toda a gente. A acessibilidade tem de garantir<br />

que todos têm acesso, por exemplo, a subsídios<br />

de desemprego, a uma habitação condigna,<br />

à educação, de todos poderem entrar numa<br />

biblioteca pública. Na minha óptica, o problema<br />

da acessibilidade no âmbito da igualdade<br />

de oportunidades, tem a ver com a garantia de<br />

acesso aos serviços e bens essenciais para que<br />

no quotidiano de todas as pessoas sejam res-<br />

peitados os seus direitos humanos.<br />

Dep – Em que medida poderá a não fixação<br />

da população mais jovem em determinadas<br />

ilhas açorianas, face à falta de respostas<br />

ou soluções de futuro, representar<br />

mais uma barreira ditada pelas tais desigualdades?<br />

N.A. – A questão dos jovens coloca uma dificuldade<br />

e um desafio, sobretudo nas ilhas mais<br />

pequenas, em que temos uma população bastante<br />

envelhecida. É verdade que muitos jovens<br />

partem e que alguns não regressam. Eu gosto<br />

de analisar esse problema sob várias perspectivas.<br />

Por um lado assumo como positivo o facto<br />

de alguns jovens destas ilhas partirem… Eu parti.<br />

A partida, apesar de constituir uma dificuldade,<br />

também se pode afigurar como uma oportunidade,<br />

um abrir de horizontes ditado pela<br />

saída do limite geográfico onde, por acaso, nasceram,<br />

a possibilidade de contacto com outras<br />

experiências, culturas e populações, um desafio<br />

à sua autonomia, é um alargar de fronteiras.<br />

Não devemos condicionar os interesses e as<br />

possibilidades de formação e profissionais dos<br />

jovens só porque nasceram nos Açores. Queira<br />

um jovem açoriano ser astronauta, astrólogo,<br />

físico, ou seja o que for que aqui se afigure<br />

impossível de concretizar – seja ele capaz de<br />

realizar o seu sonho e nós teremos de encontrar<br />

forma de lhe proporcionar as condições para<br />

concretizar esse objectivo. Temos de apoiálo<br />

na prossecução do seu projecto de vida, mesmo<br />

que isso implique a saída dos Açores e mesmo<br />

quando tenhamos consciência de que dificilmente<br />

regressarão. Mas, por outro lado, temos<br />

que continuar a desenvolver aqui possibilidades<br />

de realização pessoal de outros jovens,<br />

com ambições diferentes, que têm outros projectos<br />

de vida, igualmente válidos e que podem<br />

ser desenvolvidos aqui nos Açores. Temos que<br />

dar continuidade a incentivos ao empreendedorismo,<br />

por exemplo, temos que ser criativos e<br />

proporcionar outras oportunidades de ocupação<br />

profissional, que não as tradicionais dentro<br />

da nossa comunidade. Falando, uma vez mais,<br />

nas tecnologias da comunicação, nada impede<br />

que um jovem que reside nos Açores, faça, por<br />

exemplo, traduções de português para inglês<br />

para uma empresa alemã sedeada em Nova<br />

Iorque. Há que estudar essas novas possibilidades<br />

de trabalho uma vez que temos hoje mecanismos<br />

que fazem com que os limites físicos do<br />

nosso arquipélago fiquem mais atenuados face<br />

à existência dessa rede de telecomunicações e<br />

do processo de globalização que, se por um lado,<br />

acarreta efeitos negativos, também representa<br />

vantagens que convém explorar.<br />

Dep – A imigração poderá ser encarada como<br />

uma oportunidade ou uma ameaça para<br />

os açorianos?<br />

N.A. – Eu creio que a imigração deve ser encarada<br />

como uma vantagem. Nós, açorianos, tivemos,<br />

durante muito tempo, um fluxo migratório<br />

muito acentuado para os EUA e para o Brasil.<br />

Dificilmente, se encontrará nos Açores uma<br />

família que não tenha um familiar, mais ou menos<br />

afastado na Nova Inglaterra, na Califórnia<br />

ou em São Paulo. Somos uma população que<br />

sente na pele o que representa estar longe da<br />

sua terra, numa país diferente, com uma língua<br />

e cultura diferentes. Não quero com isto dizer<br />

que tenham sido eliminadas as dificuldades de<br />

integração dos emigrantes que hoje chegam<br />

aos Açores, mas julgo que esta experiência colectiva<br />

contribui para que nos consigamos organizar<br />

e perceber que estas pessoas que chegam,<br />

na sua diversidade trazem uma mais-valia<br />

no que respeita ao enriquecimento cultural um<br />

contributo em relação ao nosso desenvolvimento<br />

social e económico.<br />

Dep – Tendo em conta as dificuldades inerentes<br />

à dispersão geográfica de um arquipélago<br />

e às barreiras daí resultantes, que<br />

tipo de medidas têm sido levadas a cabo<br />

pela assembleia Legislativa Regional?<br />

N.A. – Têm sido tomadas várias medidas.<br />

Ocorrem-me algumas, por exemplo, no âmbito<br />

da educação e da saúde, áreas consideradas<br />

fundamentais. Na área da saúde, uma medida<br />

tomada consistiu em possibilitar a deslocação<br />

de especialistas, financiada pelo Governo Regional,<br />

às diferentes ilhas, rentabilizando assim<br />

os recursos humanos e evitando a deslocação<br />

dos doentes em situação fragilizada, de dependência<br />

ou até de crise. A região dispõe ainda de<br />

apoios para a deslocação dos doentes, tendo<br />

sido criado um centro de acolhimento para doentes<br />

deslocados em Lisboa, precisamente para<br />

colmatar essa necessidade de, mesmo em<br />

ilhas que dispõem de hospital, alguém ter que<br />

se deslocar ao continente. A nossa rede escolar<br />

está organizada por forma a que, em cada concelho<br />

e em cada ilha, haja estruturas para dar<br />

resposta à estabilidade da escolaridade obrigatória.<br />

Sei que isto pode parecer óbvio mas, se<br />

pensarmos que numa ilha dos Açores existem<br />

menos de 500 habitantes, pode imaginar-se<br />

quantos alunos existem e o investimento necessário<br />

para se garantir esse objectivo. Nos transportes<br />

aéreos foi criada a taxa de residente para<br />

que as pessoas que residem nos Açores beneficiem<br />

de uma taxa inferior e assim possam<br />

colmatar essa dispersão geográfica…<br />

Dep – Que avaliação faz, enquanto deputada,<br />

do trabalho desenvolvido, ao longo dos<br />

últimos anos, pelo Governo Regional em<br />

prol dos Açores?<br />

N.A. – Estou obviamente satisfeita mas, se por<br />

um lado, creio que temos que olhar para trás<br />

e reconhecer o percurso que já foi efectuado,<br />

também temos que constatar que muito existe<br />

ainda por fazer. E, com cada etapa que vamos<br />

conseguindo alcançar, devemos estabelecer<br />

um objectivo novo, no sentido de chegarmos<br />

cada vez mais longe.<br />

Dep – E o que falta então fazer?<br />

N.A. – Falando sobretudo em termos de política<br />

social, a área a que mais me dedico, diria<br />

que se fez na região um grande investimento na<br />

construção de infra-estruturas, quer de hospitais,<br />

quer de centros de saúde, quer de lares de<br />

idosos, creches, jardins de infância ou escolas.<br />

E a esse nível, as estruturas de que estamos dotados,<br />

não nos envergonham em nenhum local<br />

do país ou do mundo. Creio que agora teremos<br />

que deslocar o investimento mais para a promoção<br />

da qualidade. Fazer mais formação de<br />

recursos humanos em áreas específicas, preocuparmo-nos<br />

mais com a qualidade dos serviços<br />

que prestamos, fazer monitorizações e<br />

manter registos para que possamos alterar o<br />

que for necessário ou até replicar boas práticas.<br />

Creio que o desafio seguinte passa, inevitavelmente,<br />

por uma aposta cada vez mais consistente<br />

na qualidade.


Francisco Valadão, Secretário Regional Adjunto dos Assuntos Sociais<br />

Dep – Chegado ao final o congresso, terá<br />

aqui nascido o devido espaço para a igualdade<br />

de oportunidades?<br />

F.V. – Chegámos ao fim do congresso mas<br />

estamos num contínuo começo, ou seja, isto<br />

não corresponde propriamente a um início<br />

uma vez que existe um trabalho feito<br />

muito anteriormente e o congresso representa<br />

um momento de pausa para recuperar<br />

conceitos e práticas, para ganhar forças,<br />

para nos confrontarmos e perspectivarmos<br />

a igualdade de oportunidades.<br />

Dep – A diversidade é uma marca que resulta<br />

deste evento. Para além da multiplicidade<br />

de técnicos e profissionais oriundos<br />

de muitas áreas, também foi agradável<br />

verificar a grande adesão por parte da<br />

comunidade académica…<br />

F.V. – Quando pensámos o congresso, fizemo-lo<br />

na tentativa de dar luz com os princípios<br />

e iluminá-los com boas práticas. E<br />

nesse sentido, tentámos diversificar as boas<br />

práticas da região e de regiões periféricas,<br />

bem como os princípios orientadores<br />

dos painéis que pensámos. A disponibilidade<br />

dos académicos foi também fantástica.<br />

Dep – Quando fala em igualdade de oportunidades<br />

para todos também pensa na criação<br />

de respostas para jovens ilhéus que,<br />

não raras vezes, procuram essas mesmas<br />

oportunidades fora dos Açores?<br />

F.V. – A região não é propriamente auto-suficiente<br />

mas há uma política por parte do<br />

Governo Regional que tem desenvolvido<br />

programas nesse sentido para o emprego,<br />

para a formação profissional com o intuito<br />

de sensibilizar ainda mais uma população<br />

que, por vezes, fica de fora, para que<br />

a comunidade vá ao encontro dessa população,<br />

para que tenham também os canais<br />

de acesso àquilo que mais desejam.<br />

Congresso Internacional dos Açores | Dependências | 31<br />

Dep – O que poderá significar a presença<br />

no congresso de uma representação do<br />

sector político, nomeadamente, de algumas<br />

deputadas?<br />

F.V. – As deputadas aqui presentes são<br />

afectas à área dos assuntos sociais e manifestam<br />

a preocupação de acompanhar os<br />

ritmos em termos de pensamentos, de reflexão<br />

e orientações. É de louvar esta presença<br />

contínua, física e participativa.<br />

Dep – As associações presentes também<br />

foram objecto de formação nesta área?<br />

F.V. – Sobretudo quem esteve aqui, porque<br />

foram muitos técnicos novos de<br />

instituições, ONGs e outras organizações,<br />

traz-nos uma renovada esperança.<br />

É, acima de tudo, um público que<br />

aposta, que tem esperança, que quer<br />

experimentar de novo, encontra-se para<br />

reflectir. Creio que as propostas<br />

aqui deixadas irão permitir essa contínua<br />

reflexão nos seus passos, quando<br />

se confrontarem com os outros colegas<br />

que porventura não tenham vindo,<br />

quando se confrontarem com outros<br />

colegas que participaram no encontro…<br />

Estou em crer que o congresso<br />

irá ser um ponto de referência para<br />

as reflexões.<br />

Portugal foi distinguido com o segundo lugar, num estudo co-financiado pela União<br />

Europeia para os programas INTI de acções preparatórias para a inclusão de cidadãos de<br />

países terceiros e levado a cabo pelo Conselho Britânico e o Grupo de Políticas Migratórias.<br />

O estudo, MIPEX, avalia as políticas destinadas a integrar as populações migrantes nos<br />

25 Estados-Membros, recorrendo a mais de 140 indicadores políticos que traçam uma<br />

radiografia acerca das oportunidades concedidas por cada Estado a estes imigrantes.<br />

Governo Regional assina acordo com<br />

AIPA para estudo sobre situação dos<br />

imigrantes nos Açores<br />

A Direcção Regional do Trabalho assinou,<br />

na passada semana, com a Associação<br />

dos Imigrantes dos Açores (AIPA), um<br />

protocolo de colaboração destinado à<br />

elaboração de um diagnóstico da situação<br />

laboral dos imigrantes na Região e a apurar<br />

as suas expectativas e necessidades de<br />

formação profissional.


32 | Dependências | Distrital do PS Porto visita Casa de Vila Nova e exige saber o que a autarquia pretende fazer<br />

“A Câmara do Porto não se pode<br />

demitir das suas responsabilidades”<br />

Dep – Que motivos o levaram a visitar este<br />

dispositivo e a reunir com os responsáveis<br />

pela Delegação Regional do Norte do IDT?<br />

F.A. - Tivemos uma reunião de trabalho com a<br />

Direcção Regional do IDT na passada semana<br />

e acordámos realizar uma visita a este centro,<br />

justamente para tomarmos conhecimento in<br />

loco da situação. Mas a questão fundamental<br />

que se coloca é a seguinte: amanhã há reunião<br />

da Câmara Municipal do Porto e tenciono<br />

colocar uma questão que consiste em saber<br />

como pretende a Câmara Municipal assumir<br />

as suas responsabilidades na questão do combate<br />

à toxicodependência. Como é sabido, a<br />

CM Porto decidiu, unilateralmente, romper<br />

o contrato que esteve na base do Programa<br />

Porto Feliz. Estavam em curso negociações<br />

com o IDT, que tinha apresentado uma série<br />

de propostas à CMP, essas propostas foram<br />

inicialmente aceites pelos técnicos do Programa<br />

Porto Feliz e, mais tarde, por decisão<br />

política da Câmara e, creio eu, do Presidente<br />

da Câmara, romperam unilateralmente todo<br />

esse processo negocial. A Câmara está pois,<br />

sem qualquer projecto ou programa a este<br />

nível para a cidade. É preciso que o Dr. Rui<br />

Rio diga ao executivo e à cidade o que pretende<br />

fazer. Qual é a sua orientação, qual é o<br />

seu projecto, qual é a forma como a Câmara<br />

pretende assumir as suas responsabilidades<br />

neste processo. É inaceitável que se vitimize<br />

e demita das suas responsabilidades. Face<br />

a esta polémica em torno do Porto Feliz, vou<br />

também propor ao Dr. Rui Rio que aceite a realização<br />

de uma auditoria externa ao Programa.<br />

Nunca se fez uma auditoria externa a este<br />

programa que tinha um cunho experimental e<br />

é preciso saber o que correu bem e o que correu<br />

mal. A par disso, também me pareceria<br />

interessante que fosse possível contrapor publicamente<br />

os argumentos dos responsáveis<br />

pelo Programa Porto Feliz com os argumentos<br />

do IDT. Eu falei com o IDT nestes últimos<br />

dois dias e verifiquei que os argumentos que<br />

apresenta são muito sérios e rigorosos. Em<br />

primeiro lugar, é preciso que qualquer programa<br />

municipal esteja integrado num programa<br />

mais genérico de tratamento do fenómeno da<br />

toxicodependência, o que não acontecia com<br />

o Porto Feliz. Era um programa relativamente<br />

exterior ao conjunto de programas a levar<br />

a cabo sob a superintendência do IDT neste<br />

âmbito. E se há área em que as coisas só têm<br />

sucesso a prazo se forem tratadas de forma<br />

integrada, é precisamente esta. Depois, há<br />

um outro argumento, não de somenos importância,<br />

que tem a ver com os custos. O Estado<br />

português não está em condições de estar a<br />

financiar exageradamente um determinado<br />

programa tendo como consequência um sub<br />

financiamento de outros. Os cidadãos são todos<br />

iguais. E o custo do Programa Porto Feliz<br />

era muito elevado, o que até se poderia compreender,<br />

durante algum tempo, admitindo<br />

que o Programa tinha um cunho experimental<br />

mas que não pode ser percebido como um<br />

custo permanente estrutural.<br />

Propomos, em primeiro lugar, que a CMP retome,<br />

de imediato, o diálogo com o IDT. Questionei<br />

os responsáveis do IDT sobre o que se<br />

faz nas outras câmaras da Área Metropolitana<br />

do Porto de Matosinhos, Gaia e Gondomar,<br />

três câmaras com orientações políticas diversas<br />

e a resposta que obtive foi no sentido<br />

da existência de um trabalho em articulação<br />

com o IDT, envolvendo as várias associações e<br />

IPSS que estão a trabalhar neste sector e que<br />

as coisas correm bem. É isso que a CMP tem<br />

que fazer. Aliás, em relação à questão da auditoria<br />

externa, é caso para perguntar por que<br />

é que o Dr. Rui Rio, que está sempre a falar<br />

em rigor e transparência, tem tanto medo da<br />

realização de uma auditoria externa ao Porto<br />

Feliz. Tem medo que se divulguem os custos<br />

reais do Programa? Tem medo que se faça<br />

uma avaliação rigorosa dos seus efeitos reais?<br />

O Dr. Rui Rio passa a vida a dizer que quase<br />

toda a Europa estava prestes a render-se a<br />

este Programa mas, na verdade, não conheço<br />

nenhuma cidade europeia que se tenha rendido<br />

ao Programa. E esta é a maioria municipal<br />

que conheço no País inteiro mais claramente<br />

vinculada à direita desde o ponto de vista do<br />

tratamento das questões sociais e culturais.<br />

Dep – Considera que o Dr. Rui Rio mentiu<br />

quando afirmou que o Programa foi avaliado<br />

por uma universidade do Porto?<br />

F.A. – O Programa foi avaliado por pessoas<br />

que nele participavam, as mesmas pessoas<br />

que tinham avaliado o programa anterior e<br />

tinham achado que o mesmo era excelente.<br />

Eu não ponho em causa a seriedade individual<br />

dessas pessoas mas é evidente que são pessoas<br />

envolvidas no processo e elas próprias<br />

deveriam ter tido o cuidado de não participar<br />

nessa avaliação, que está ferida de morte no<br />

que diz respeito à sua credibilidade, independentemente<br />

da qualidade profissional dessas<br />

pessoas.<br />

Dep – O Dr. Rui Rio insurgiu-se ainda contra<br />

o facto de a Associação Ares do Pinhal,<br />

sedeada em Lisboa, estar a receber fundos<br />

públicos e de ter existido um alegado favorecimento<br />

pelo facto de o Dr. Nuno Miguel<br />

presidir essa mesma instituição, sendo um<br />

quadro do IDT…<br />

F.A. – Isso é falso… E, aliás, eventuais erros<br />

que até fossem cometidos em Lisboa não deveriam<br />

servir nunca para explicar erros aqui<br />

no Porto. Além do mais, pelo que percebi, o<br />

número de utentes atendidos por essa associação<br />

em Lisboa é muitíssimo maior do que<br />

o número de utentes do Porto Feliz, tem um<br />

custo per capita muito inferior e essa associação<br />

trabalha em articulação e dentro das<br />

regras estabelecidas pelo IDT. Neste sector,<br />

havendo um programa que não trabalhe<br />

em articulação com outros projectos, tem<br />

consequências catastróficas do ponto de vista<br />

do tratamento efectivo da toxicodependência.<br />

E, se quisermos, também poderemos ir ver<br />

quem são as pessoas que trabalham no Porto<br />

Feliz e que ligações têm com a maioria municipal…<br />

mas essa não é uma discussão em


que pretenda entrar. E devo referir ainda que,<br />

para quem não está muito preocupado com<br />

a pobreza mas não quer é ser incomodado,<br />

nomeadamente com os arrumadores, o programa<br />

até teve algum sucesso porque está<br />

dotado de uma lógica sanitarista e autoritária<br />

mas também me parece estranho que o programa<br />

tenha cessado e, passados dois dias<br />

já venham os responsáveis da autarquia dizer<br />

que já se vêem arrumadores de novo na cidade<br />

do Porto… Temos é que ter uma resposta<br />

muito mais profunda.<br />

Dep – Recentemente, ouvimos ainda o Dr.<br />

Nuno Melo insurgir-se contra a instalação<br />

Francisco Assis | Dependências | 33<br />

Testemunho de um ex-utente do Programa Porto Feliz a residir na Casa de Vila Nova<br />

“Fiquei contentíssimo quando a Câmara abandonou o Porto Feliz!”<br />

Dep – Como veio parar ao Porto Feliz e à<br />

Casa de Vila Nova<br />

José Dias (J.D.) - Isto abriu com a Norte<br />

Vida. No início fiz as desintoxicações nesta<br />

ala, que era fechada, tinha televisor, dormitórios<br />

e um local para refeições. Depois,<br />

havia uma escola onde funcionava a área<br />

de dia, onde tínhamos diversas actividades,<br />

fazíamos também aqui muitas reuniões ao<br />

ar livre, tínhamos reuniões semanais ou<br />

quinzenais, fazíamos actas, portanto, funcionava<br />

tudo de forma perfeita. Ocupávamos<br />

o tempo de uma maneira que nos fazia<br />

sentirmo-nos úteis, a Norte Vida tentava<br />

integrar as pessoas na família e na sociedade,<br />

conseguiu arranjar emprego para muita<br />

gente, casaram-se aqui colegas, portanto,<br />

fizeram um trabalho bem feito. Quando o<br />

Porto Feliz tomou conta disto as coisas tomaram<br />

uma volta de 180 graus…<br />

Dep – Porquê?<br />

J.D. - A política deles consistia, mais ou<br />

menos, em repressão.<br />

Dep – Você era arrumador?<br />

J.D. - Sim, cheguei a andar a arrumar carros.<br />

Dep – É verdade que os técnicos se faziam<br />

acompanhar de polícias no sentido de encaminhar<br />

os arrumadores para tratamento?<br />

J.D. - Não. Ou melhor, há uma parte do<br />

que se diz que é verdade, que é o facto de<br />

a polícia contactar os arrumadores, agora<br />

essa dos técnicos… Posso dizer-lhe que,<br />

um certo dia em que nem sequer estava a<br />

de dispositivos de redução de riscos como<br />

as salas de consumo assistido e a troca de<br />

seringas em meio prisional e, ao mesmo tempo,<br />

a alegar desigualdades de tratamento por<br />

parte do IDT em função das instituições. Não<br />

se estará a partidarizar demais estas questões,<br />

apesar de não deixarem de constituir<br />

decisões políticas?<br />

F.A. – O assunto é político e, portanto, o que<br />

acho errado é partidarizar-se excessivamente.<br />

Concordo inteiramente que o assunto seja<br />

tratado em termos políticos percebendo-se<br />

que existem estratégias políticas diferentes.<br />

Entre o que eu penso e o que pensa o Dr.<br />

Nuno Melo vai toda a diferença entre o que<br />

arrumar carros, estava apenas no passeio à<br />

espera de um colega meu, esse sim estava<br />

a arrumar carros, apareceu um polícia municipal<br />

que tentou apanhá-lo mas não conseguiu<br />

e foi insultado – eles andavam meios<br />

pegados… Como não conseguiu apanhá-lo,<br />

pegou em mim, meteu-me dentro do carro<br />

à força, deu-me logo dois socos, levou-me<br />

para a esquadra em Lordelo e queria, à força,<br />

que eu assinasse um documento em que<br />

admitia que estava a arrumar carros – era<br />

uma multa de 60 euros. Eu recusei-me fazêlo<br />

porque não correspondia à verdade, fui<br />

novamente agredido dentro da esquadra. A<br />

coisa ficou por aí…<br />

Dep – Mas nessa altura já estava inserido no<br />

Programa Porto Feliz?<br />

J.D. - Sim, já estava.<br />

Dep – E quando foi abordado pelo polícia ele<br />

sabia ou tentou saber se estava inserido no<br />

Programa?<br />

J.D. - Não, de maneira alguma. Eles estiveram<br />

sempre à margem dessas ocorrências.<br />

Embora tivessem conhecimento da existência<br />

do Programa e até sabiam que alguns de<br />

nós estavam inseridos, nunca fizeram nada<br />

que respeitasse isso. Mas dou-lhe outros<br />

exemplos acerca do Programa. Quanto ao<br />

tema do VIH, que é um vírus que se transmite<br />

através do sangue, toda a gente sabe<br />

que a troca de seringas foi uma coisa que<br />

fizeram muito bem em implementar. Aqui,<br />

com o Porto Feliz, eles só trocavam a seringa<br />

se a gente trouxesse uma usada. Muitas<br />

vezes, os colegas compravam a droga, a<br />

gente não tinha dinheiro mas tínhamos as<br />

seringas, já utilizadas, e como só tínhamos<br />

uma, essa tinha que dar para dois ou para<br />

três porque aqui se negavam a trocar. Uma<br />

vez por outra ainda facilitavam mas depois<br />

começaram a ser rígidos connosco.<br />

Dep – Era alguma equipa de rua que fazia a<br />

troca?<br />

J.D. - Não, era aqui, na Casa de Vila Nova.<br />

Havia aqui uma equipa de rua da Norte Vida,<br />

entretanto começaram a ir para outros locais<br />

mais problemáticos como o Aleixo. Mas, até<br />

mesmo em relação à alimentação, quando<br />

isto passou para o Porto Feliz, começou a ser<br />

degradada, serviam-nos em chávenas e copos<br />

partidos, pratos “esbotenados”, tudo facto-<br />

pensa um homem da esquerda democrática<br />

e o que pensa um homem da direita conservadora<br />

e, portanto, nenhum de nós estará à<br />

espera que o outro pense da mesma forma<br />

que nós. O que me parece é que o Dr. Rui<br />

Rio ainda ultrapassa muito o Dr. Nuno Melo<br />

à direita nestas questões, revelando uma estrutura<br />

mental muito autoritária, muito protofascista,<br />

o que acaba por ter uma expressão<br />

ao nível destes programas na área social<br />

imbuída destes princípios: totalitarismo, um<br />

certo sanitarismo e um voluntarismo que até<br />

pode ser bem intencionado mas que acaba<br />

por, associado a estas ideias anteriores, ter<br />

consequências terríveis.<br />

res de risco… Lembro-me que quando isto<br />

estava a cargo da Norte Vida, as pessoas<br />

que trabalhavam na cozinha usavam toucas,<br />

luvas e utensílios apropriados. Quando<br />

passou para o Porto Feliz, as funcionárias<br />

pegavam nalguma comida com as mãos<br />

e sem protecção, a comida era constantemente<br />

servida fria, a gente reclamava mas<br />

não servia de nada e, quando reclamávamos<br />

mais que a conta, mandavam-nos de<br />

castigo. E isso, para quem está a recuperar<br />

é muito mau. Quem estava aqui a dormir<br />

ficava logo sem dormida, sem alimentação<br />

e ia outra vez para a droga. Nós éramos<br />

descriminados pelos próprios técnicos.<br />

Dep – Conhece mais alguém que tenha<br />

sido alvo dessa política repressora e de<br />

agressões policiais?<br />

J.D. – Sim, conheço. Tem aqui aqui muita<br />

gente à sua beira com quem pode falar. Estes<br />

meus colegas já passaram todos pelo<br />

mesmo que eu.<br />

Dep – Alguma vez tentaram queixar-se a<br />

alguém das agressões perpetradas pelos<br />

polícias municipais de que dizem ter sido<br />

alvos?<br />

J.D. – Sim, às vezes chegávamos aqui e<br />

queixávamo-nos aos técnicos mas não<br />

adiantava nada… Cheguei a recolher aqui<br />

assinaturas – também fui sempre uma<br />

pedra no sapato para os responsáveis do<br />

Porto Feliz porque, no fundo, era um pouco<br />

o porta-voz das pessoas que estavam aqui<br />

– fui à Deco apresentar uma queixa relativa<br />

à alimentação e à falta de higiene – na<br />

cozinha, por exemplo, tínhamos um contentor<br />

de lixo à beira da comida, às sanitas<br />

constantemente entupidas, à falta de papel<br />

higiénico e de sabão, aos chuveiros danificados…<br />

Dep – Presumo que tenha ficado satisfeito<br />

quando a Câmara Municipal entregou a<br />

chave da Casa de Vila Nova, abandonando<br />

ao mesmo tempo o Programa Porto Feliz…<br />

J.D. – Fiquei contentíssimo quando soube<br />

que a Câmara abandonou o Porto Feliz!<br />

Acho que é uma grande oportunidade para<br />

as coisas melhorarem. Só espero que agora<br />

tudo volte a ser como era na altura em<br />

que a Norte Vida tomava conta disto.


34 | Dependências | Serviço de Doenças Infecciosas do Hospital Joaquim Urbano<br />

10º Encontro Nacional de<br />

Actualização em Infecciologia<br />

A cidade do Porto acolheu, de 17 a 19 de Outubro, o 10º Encontro Nacional de<br />

Actualização em Infecciologia, um evento organizado pelo Serviço de Doenças<br />

Infecciosas do Hospital Joaquim Urbano. Dependências apresenta resumos de dois dos<br />

vários estudos apresentados<br />

Terapêutica Anti-Retrovírica administrada<br />

directamente (DAART) com Metadona em<br />

doentes infectados por VIH<br />

A. Horta¹, J. Méndez¹, E. Gonzalez¹, C. Recalde², O. Fortes², N. Pires¹, J. Faria¹, R.<br />

Cruz², C. Rodrigues¹, R. Rocha¹, S. Ribeiro¹, S. Carvalho¹, M. Duarte¹, S. Veloso¹, V. Coelho¹,<br />

L. Feijó², C. Costa², L. Silvano², S. Judite¹, R. Sarmento-Castro¹.<br />

1 - Serviço de Doenças Infecciosas – HJU<br />

2 - CAT, Porto<br />

Objectivo: Avaliar a eficácia de DAART e metadona no tratamento de<br />

toxicodependentes activos de drogas por via endovenosa (IVDUs) infectados<br />

por VIH.<br />

Métodos: Entre Jan 2001 e Maio 2006, 422 IVDUs activos infectados<br />

por VIH foram incluídos num estudo prospectivo. 211 doentes tomaram<br />

HAART e metadona sob observação directa, diariamente no Hospital,<br />

com o suporte regular de uma equipa multidisciplinar. Os doentes<br />

do grupo controlo (n=211) auto-administraram HAART.<br />

Resultados: As características basais de ambos os grupos eram de<br />

um modo geral similares. A comparação dos resultados entre os grupos<br />

revelou: - a adesão à terapêutica foi melhor no grupo em estudo<br />

(85,3% vs 37,4%, p


Seminário Nova Geração de Respostas Sociais: O 3º Incluído | Dependências | 35<br />

Menos pobreza<br />

com o 3º Incluído<br />

O Dia Internacional para a Erradicação da Pobreza foi<br />

vivido de forma diferente no Porto. Através de uma<br />

organização conjunta entre a Fundação Filos, APDES,<br />

Norte Vida, e Benéfica e Previdente, o dia resultou num<br />

exercício de reflexão traduzido no seminário Nova Geração<br />

de Respostas Sociais: O 3º Incluído.<br />

O seminário O 3º Incluído apresentou a<br />

configuração de um tríptico estruturado<br />

em torno de práticas alicerçadas na ideia<br />

de comunidade de partilha, de discursos<br />

que abordam a utilidade social dos espaços<br />

urbanos degradados e, por fim, de<br />

projectos arquitectónicos para esses lugares<br />

que emergem de modelos participativos.<br />

Um exercício de reflexão entre os discursos<br />

das Ciências Sociais sobre os fenómenos<br />

da exclusão social e as formações<br />

discursivas da Arquitectura e do Desenho<br />

Urbano. O ponto de partida é a abordagem<br />

à Cidade como palco privilegiado para o<br />

exercício da cidadania, interessando sobretudo<br />

os espaços urbanos degradados<br />

que se constituem como vazio ao remeterem<br />

para uma dupla ausência: a de uso –<br />

habitabilidade, e a de sentido – ausência<br />

de significância social. São espaços que<br />

parecem, de acordo com os organizadores,<br />

“estar para ali”, lugares expectantes<br />

do interesse público. O vazio a que estes<br />

espaços aludem constituiu-se num potencial<br />

de requalificação e renovação, numa<br />

condição de possibilidade para a construção<br />

de outras formas de ver e desenhar o<br />

espaço urbano, materializando-os enquanto<br />

lugares possíveis.<br />

A ausência de cidade é espelhada também<br />

por um outro vazio que remete para ausência<br />

de equipamentos que entrem em sintonia<br />

com uma nova geração de respostas sociais.<br />

Se existe algum contributo possível<br />

deste seminário, prosseguem os autores,<br />

para a territorialização das políticas sociais,<br />

este reside na inclusão de um elemento terceiro<br />

– o Outro Excluído da centralidade do<br />

poder, da definição das estratégias e da<br />

apropriação dos espaços. O Terceiro Excluído<br />

é também uma metáfora da marginalidade<br />

em que o sector do mercado social vive.<br />

Finalizam os autores, referindo que conceber<br />

uma nova geração de respostas sociais<br />

mais não é do que construir lugares<br />

habitáveis.<br />

Um exercício de reflexão entre os<br />

discursos das Ciências Sociais sobre<br />

os fenómenos da exclusão social<br />

e as formações discursivas da<br />

Arquitectura e do Desenho Urbano<br />

Quanto ao programa, o seminário contou<br />

diversas mesas divididas por temáticas:<br />

As Práticas contou com prelecções de Paula<br />

Caramelo, da BragaHabit – Enquadrando<br />

Residências Partilhadas; Os Discursos<br />

contou com apresentações de Cláudia Rodrigues<br />

– (A inevitabilidade) de aproximação<br />

entre os Saberes Formais e os Saberes<br />

Contextuais na abordagem à Urbanização<br />

e Urbanidades; e Inês Guedes – Sociedade,<br />

Espaço Colectivo e Arquitectura;<br />

Por fim, foram apresentados projectos arquitectónicos<br />

realizados por três equipas<br />

da nova geração de arquitectos, que propõem<br />

uma nova geração de equipamentos<br />

sociais – Paulo Moreira. Da autoria<br />

de a.oficina foi apresentado o Centro de<br />

Acolhimento para Toxicodependentes; a<br />

TENT4 apresentou o Centro de Abrigo para<br />

Toxicodependentes; enquanto Brandão<br />

e Costa Lima apresentou Residências Partilhadas<br />

para Idosos. Seguiu-se um debate<br />

entre os prelectores e a plateia.


36 | Dependências | Jorge Negreiros em entrevista<br />

“A investigação em toxico<strong>dependências</strong><br />

é já um dado adquirido em Portugal”<br />

É professor na Faculdade de Psicologia e Ciências<br />

Sociais da Universidade do Porto e responsável pela<br />

orientação de alguns dos trabalhos que constituem uma<br />

fasquia muito significativa da produção de conhecimento<br />

científico que se vai gerando em Portugal em matéria<br />

de toxico<strong>dependências</strong>. Jorge Negreiros considera<br />

mesmo muito positivo o que se tem feito no nosso<br />

País em matéria de investigação nesta área, quer no<br />

domínio biológico, quer na vertente psicossocial, algo<br />

que poderá resultar num cada vez maior enriquecimento<br />

das intervenções. Assim o queira o sector político,<br />

responsável pela definição de estratégias e acções…<br />

Dep – Como vai a investigação em português<br />

em matéria de toxico<strong>dependências</strong>?<br />

Jorge Negreiros (J.N.) – Creio que a investigação<br />

nesta área já é um dado adquirido.<br />

Já existe um conjunto de investigadores<br />

que se dedicam ao tema das drogas e<br />

da toxicodependência em várias universidades,<br />

em diferentes domínios, quer no biológico,<br />

quer no psicossocial. Penso que existe,<br />

neste momento, uma massa cinzenta, crítica,<br />

centrada na investigação sobre drogas e<br />

toxicodependência, como se pode, aliás, verificar<br />

pela nossa produção científica regular<br />

nesta área, que abarca já os domínios da intervenção<br />

e da investigação pura.<br />

Dep – Esta Universidade é responsável por<br />

uma grande fasquia do que se vai produzindo<br />

no país…<br />

J.N. – Não sei se é uma grande fasquia mas,<br />

historicamente, talvez tenhamos sido uma<br />

das primeiras universidades a debruçar-se<br />

sobre este fenómeno, há mais de 20 anos<br />

atrás. Desde essa altura, também mantivemos<br />

sempre presente esta área de investigação<br />

nos nossos interesses, até mesmo ao<br />

nível do novo plano de estudos adequado<br />

ao Processo de Bolonha, com uma disciplina<br />

consagrada especificamente à intervenção<br />

em toxicodependência, designada intervenção<br />

nos comportamentos aditivos. Não<br />

me parece muito frequente no panorama<br />

das universidades portuguesas existir uma<br />

unidade curricular especificamente centrada<br />

na formação de psicólogos para a intervenção<br />

na toxicodependência. E em estâncias<br />

internacionais coloca-se cada vez mais<br />

a necessidade de dotar os profissionais de<br />

competências específicas para intervir nesta<br />

área. Esta disciplina abarca genericamente<br />

as questões da prevenção, do tratamento e<br />

da reinserção. Digamos que foi um percurso<br />

longo que procuramos manter e dinamizar,<br />

quer ao nível da docência, quer ao nível da<br />

investigação. E como temos agora um mestrado<br />

integrado, há um certo número de alunos<br />

que, todos os anos, vão produzir teses de<br />

mestrado na área das toxico<strong>dependências</strong>.<br />

Dep – Ao nível dessa produção científica,<br />

quantos trabalhos saem, em média, por<br />

ano, desta Universidade?<br />

J.N. – É difícil falar nesses termos porque<br />

nós tivemos até agora mestrados que não<br />

estavam incluídos no plano de estudos normal.<br />

A partir deste ano temos um plano de<br />

estudos que prevê que o aluno possa aceder<br />

ao título de mestre e poderemos então dizer,<br />

de forma mais rigorosa, dos mestrados<br />

concluídos na Faculdade de Psicologia e Ciências<br />

da Educação da Universidade do Porto,<br />

qual é a percentagem que versa o tema<br />

das toxico<strong>dependências</strong>. Prevejo que nunca<br />

menos que três ou quatro mestrados por<br />

ano serão centrados no tema das drogas e<br />

da toxicodependência. Este ano, temos duas


estudantes a tratar a questão da avaliação<br />

do tratamento da toxicodependência nas diferentes<br />

estruturas, na sequência de uma<br />

solicitação que acolhemos por parte do CAT<br />

de Matosinhos. O objectivo consiste em procurar<br />

saber como se pode desenvolver um<br />

modelo e um instrumento que permita avaliar<br />

a eficácia dos tratamentos. Na medida<br />

do possível, penso que as teses nesta área<br />

devem estar sensíveis àquilo que são as necessidades<br />

da própria comunidade de profissionais.<br />

Dep – Que contributos poderá dar a psicologia<br />

do comportamento desviante para<br />

a definição de estratégias relativamente<br />

às três áreas de intervenção em<br />

toxico<strong>dependências</strong>?<br />

J.N. – Posso, talvez, dizer-lhe algumas coisas<br />

que fizemos ou estamos a fazer nessas<br />

áreas. Nós temos um Centro de Investigação<br />

em Psicologia do Comportamento Desviante<br />

e Saúde, financiado pela Fundação da Ciência<br />

e Tecnologia e organizámos o funcionamento<br />

desse centro seguindo três linhas de<br />

investigação, uma das quais é designada por<br />

drogas e comportamentos aditivos. Nesta linha,<br />

desenvolvemos investigações subordinadas<br />

à preocupação essencial de contribuir<br />

para a explicação do fenómeno, dos factores<br />

de risco quer de natureza psicológica,<br />

quer biológica, quer psicossocial e alguns<br />

projectos que, ou terminaram recentemente,<br />

ou que estão ainda a decorrer, abarcam<br />

temas como a biologia dos comportamentos<br />

aditivos, a investigação psicológica nas drogas,<br />

trabalhos na área da epidemiologia que<br />

visam diagnósticos de situação, padrões de<br />

consumo e prevalências e que são, muitas<br />

vezes, solicitados por autarquias, e a questão<br />

dos comportamentos de risco e da percepção<br />

do mesmo. Acabámos recentemente<br />

um estudo que aborda a percepção do risco<br />

por parte dos consumidores de drogas por<br />

via injectável.<br />

Dep – Quais são as principais conclusões<br />

desse estudo?<br />

J.N. – A conclusão talvez mais preocupante<br />

sob o ponto de vista social e das implicações<br />

Prevenção, Redução de Riscos, Tratamento e Reinserção em Portugal<br />

Dep – Que análise faz do trabalho desenvolvido<br />

em Portugal em matéria de prevenção?<br />

J.N. - A prevenção tem sido uma das áreas<br />

que tem registado maiores flutuações em<br />

termos das políticas e do investimento que<br />

se faz nas mesmas. Não existe uma linha<br />

de continuidade mas momentos em que se<br />

fala mais de prevenção seguidos de fases<br />

de desinvestimento, que creio ser aquela<br />

que atravessamos actualmente.<br />

Dep – Que análise lhe merece o facto de a<br />

redução de riscos ter passado para a área<br />

de missão da prevenção, no que concerne<br />

à estratégia emanada pelo IDT?<br />

J.N. – Acho bem. Creio que do ponto de vista<br />

teórico e conceptual, essa associação<br />

está bem feita.<br />

Dep – E quanto à área da redução de riscos,<br />

será o panorama mais positivo?<br />

J.N. – Neste momento, reconhece-se que a<br />

que tem para a saúde foi a constatação de<br />

que, nesse estudo, os toxicodependentes seropositivos<br />

são aqueles que tomam menos<br />

precauções, quer do ponto de vista do seu<br />

comportamento sexual, quer do ponto de<br />

vista do comportamento do uso de drogas.<br />

Fizemos várias comparações relativas aos<br />

comportamentos de risco junto de injectores<br />

seropositivos e seronegativos e concluímos,<br />

de forma consistente que os seropositivos<br />

têm tendência a adoptar comportamentos<br />

que têm como consequência a propagação<br />

de doenças infecciosas num muito maior<br />

grau que os seronegativos, o que coloca um<br />

problema complicado em termos de intervenção<br />

e mesmo de eleger como grupo alvo<br />

da intervenção, nomeadamente de equipas<br />

de rua, esses toxicodependentes seropositivos.<br />

Aliás, no âmbito desse estudo, começou<br />

por fazer-se um conjunto de entrevistas<br />

em zonas problemáticas da cidade e depois<br />

procedeu-se a uma análise de conteúdo das<br />

mesmas no sentido de tentar apreender como<br />

é que os toxicodependentes vêem a questão<br />

do risco e que percepção têm do mesmo<br />

e das questões relacionadas com a transmissão<br />

de doenças infecciosas e constatámos<br />

que havia algumas posições caracterizadas<br />

por um grande egoísmo e por uma grande<br />

indiferença em relação aos danos que certos<br />

comportamentos podiam provocar a terceiros.<br />

Estamos a falar de grupos muito vulneráveis,<br />

com grandes fragilidades psicológicas<br />

e sociais, de situações de desespero<br />

que, como explorámos, podem contribuir<br />

para essas posições de indiferença que se<br />

instalam nesses grupos.<br />

Dep – O Professor, que tem orientado a produção<br />

de inúmeras teses nesta área, em<br />

que medida considera que o conhecimento<br />

resultante das mesmas é posteriormente<br />

aplicado em função da absorção pelo mercado<br />

de trabalho desses formandos e da liberdade<br />

concedida aos mesmos para poderem<br />

beneficiar a comunidade com base nas<br />

evidências científicas produzidas?<br />

J.N. – Essa é uma questão muito interessante,<br />

que tem a ver com a validade social da<br />

investigação e com a possibilidade de esse<br />

redução de riscos é uma das áreas importantes<br />

em intervenção na toxicodependência.<br />

Mas esse reconhecimento deveria ser<br />

acompanhado da necessidade de se investir<br />

na prevenção.<br />

Dep – Agrada-lhe que se comece a ponderar<br />

a implementação de determinados<br />

dispositivos e programas, como as salas<br />

de consumo assistido e a troca de seringas<br />

em meio prisional ou pensa que já vêm<br />

tarde?<br />

J.N. – Acredito que essas medidas poderão<br />

ter o seu lugar mas não serão essas as<br />

medidas que terão um impacto significativo<br />

na toxicodependência.<br />

Dep – Até que ponto serão igualmente<br />

questões demasiadamente partidarizadas<br />

e transformadas em armas de arremesso<br />

entre os diferentes quadrantes políticos?<br />

J.N. – São questões muito ideológicas e<br />

medidas, infelizmente, disputadas, apoia-<br />

Jorge Negreiros em entrevista | Dependências | 37<br />

saber que se vai adquirindo nesta área ser<br />

posto ao serviço da comunidade…<br />

Dep – Antes de mais, existe um mercado de<br />

trabalho suficiente para absorver estes formandos?<br />

J.N. – Quando falamos sobre investigação,<br />

estamos perante alunos que já têm, por norma,<br />

colocação no mercado de trabalho. Se<br />

falamos numa tese de mestrado ou de doutoramento,<br />

estamos, em princípio, perante<br />

profissionais que, ou trabalham nas estruturas<br />

de intervenção nas toxico<strong>dependências</strong><br />

ou no ensino superior. Portanto, desse ponto<br />

de vista, creio que existe um efeito multiplicador<br />

das aprendizagens e dos avanços que<br />

resultam da produção científica. Evidentemente,<br />

face à existência de tantas instituições,<br />

alguns poderão afirmar que as suas<br />

competências poderiam ser melhor aproveitadas<br />

mas isso já cai num campo um pouco<br />

subjectivo. O facto é que, quando alguém<br />

conclui uma tese e vai ou continua a trabalhar<br />

numa instituição, adquire um conjunto<br />

de competências que poderá colocar ao<br />

serviço da mesma e que irão, concerteza,<br />

melhorar a qualidade da intervenção. Outra<br />

questão reside em saber o que irá acontecer<br />

aos nossos diplomados. Mas aí, a situação<br />

não é brilhante, como não o é em qualquer<br />

outra área em que existem licenciados em<br />

Portugal. E a área da psicologia e das ciências<br />

sociais é das mais afectadas pelo desemprego.<br />

das ou condenadas consoante o quadrante<br />

político e ideológico em que as pessoas se<br />

situam, o que é lamentável. O critério para<br />

aferir a qualidade dessas medidas devia<br />

ser sempre o critério científico, da sua eficácia,<br />

da sua avaliação.<br />

Dep – E quanto ao tratamento?<br />

J.N. – Relativamente ao tratamento, acho<br />

que terá que existir uma grande reconversão,<br />

adaptada aos novos consumos, aos<br />

novos perfis – que já não são novos apesar<br />

de se ter convencionado designá-los assim.<br />

Creio que as estruturas de tratamento terão<br />

que proceder a uma avaliação do que<br />

têm feito até agora e da medida em que o<br />

que estão a fazer serve ou não a população<br />

a que se destinam.<br />

Dep – Finalmente, a área da reinserção…<br />

J.N. – Creio que não haverá muito para dizer…


38 | Dependências | Alunos, professores e funcionários da Escola Secundária Dr. António Carvalho de Figueiredo publicam revista há um ano<br />

Um projecto pedagógico<br />

com muito Impacto<br />

Há cerca de um ano surgia, na Escola Secundária<br />

Dr. António Carvalho de Figueiredo, em Loures um<br />

projecto muito peculiar e pioneiro, dinamizado por uma<br />

professora, Fátima Manso que, de imediato, motivou a<br />

adesão de um grupo de estudantes. Dotada de um cariz<br />

pedagógico e de um sentido muito prático, a Impacto<br />

corresponde a um espaço em forma de revista, onde os<br />

alunos da escola publicam artigos e outros trabalhos<br />

desenvolvidos no âmbito dos conteúdos programáticos<br />

do seu curso mas igualmente um fórum aberto à<br />

participação de professores e outros funcionários. Uma<br />

vertente prática que, unanimemente, consideram uma<br />

preciosa ferramenta de aprendizagem e de mobilização. E<br />

é vê-los preparar e discutir a edição seguinte, a receber<br />

pedidos de colaboração, a seleccionar conteúdos, enfim,<br />

a exercer na plenitude e de forma interactiva o papel de<br />

agentes activos no seu próprio processo de formação.<br />

Dependências esteve com o grupo e promoveu, em<br />

entrevista, a realização de um género de fórum que aqui<br />

transcrevemos<br />

Dep – O que é concretamente e como surgiu<br />

a Impacto?<br />

Ana Margarida – A Impacto nasceu no ano<br />

passado, graças à Professora Fátima que<br />

lançou a ideia. Nós, como gostamos de escrever,<br />

aderimos de imediato e, passado um<br />

ano, acho que valeu a pena. O trabalho aumentou<br />

e creio que a qualidade da revista<br />

também cresceu. No fundo, a Impacto corresponde<br />

a uma recolha de textos elaborados<br />

por todos os alunos da escola, professores<br />

e funcionários que pretendam participar.<br />

Dep – Como foi fazer o primeiro número da<br />

Impacto?<br />

Patrícia – Foi uma experiência boa. Confesso<br />

que não estávamos à espera. Numa aula,<br />

a Professora Fátima perguntou-nos o que<br />

acharíamos de publicar o trabalho que tínhamos<br />

feito e nós ficámos entusiasmadas. Quisemos<br />

logo saber em que se baseava a revista<br />

e, a partir daí, começámos a produzir<br />

textos e a publicá-los.<br />

Dep – Que temáticas são desenvolvidas nos<br />

trabalhos que vocês publicam?<br />

Catarina – Creio que é um pouco de tudo. Resulta<br />

muito dos trabalhos de casa porque são<br />

associados a uma matéria que damos. Por<br />

exemplo, quando versamos matéria lírica, há<br />

alunos que, por iniciativa própria, escrevem<br />

poemas e, se a Professora gosta, solicita a<br />

publicação na Impacto. O mesmo em relação<br />

a crónicas e outras matérias que são leccionadas.<br />

Mas tanto podem surgir na Impacto<br />

trabalhos pedidos pela Professora como outros<br />

surgidos a partir da nossa própria iniciativa,<br />

quando vemos alguma notícia que gostaríamos<br />

de comentar ou quando pretendemos<br />

dar a nossa opinião sobre determinado<br />

assunto. Podemos escrever uma crónica, um<br />

artigo de opinião… Mas existem outras abordagens,<br />

ao nível da matemática, da história e<br />

de outras áreas.<br />

Dep – Que impacto pretendem alcançar com<br />

este projecto?<br />

Catarina – Pretendemos que os outros também<br />

aprendam com as coisas que escrevemos,<br />

pretendemos partilhar conhecimentos<br />

que nos foram transmitidos e fomentar um<br />

espaço aberto à participação de todos.<br />

Dep – Que objectivo perseguia quando decidiu<br />

criar a Impacto?<br />

Professora Fátima – O objectivo fundamental<br />

consistiu em divulgar os trabalhos deles,<br />

as suas apetências, e interessá-los nos tempos<br />

mortos. A Impacto acaba por ser também<br />

uma ferramenta pedagógica e repare<br />

que há um grupo de jovens que “puxei” para<br />

a revista porque tinham dificuldades em<br />

Português. Achei que o corrigir, o ir à procura,<br />

o ler a ver se serve, o colocar as vírgulas<br />

– aspectos em relação aos quais há aqui<br />

espaço – seriam bons exercícios no sentido


Alunos, professores e funcionários da Escola Secundária Dr. António Carvalho de Figueiredo publicam revista há um ano | Dependências | 39<br />

de superar essas mesmas dificuldades de<br />

aprendizagem.<br />

Dep – Qual é a periodicidade da Impacto?<br />

Professora Fátima – Como isto não é nada<br />

fácil, fazemos uma por período. Gostaria de<br />

poder fazer uma por mês mas, humanamente,<br />

é impossível.<br />

Dep – Que avaliação faz do trabalho produzido?<br />

Professora Fátima – É muito bom! Cada vez<br />

há mais jovens a pedirem para publicar, mesmo<br />

sem a nossa solicitação, eles processam<br />

muitos textos. Começámos com 14 páginas,<br />

passámos a 16 e hoje já vamos em 30. E os<br />

resultados, em termos de aprendizagem,<br />

também são muito significativos em alguns<br />

alunos.<br />

Dep – Quem são os destinatários das vossas<br />

mensagens?<br />

Patrícia – Os destinatários são, no fundo, todas<br />

as pessoas da escola e calculo que os<br />

próprios familiares que, por curiosidade,<br />

também gostam de ver aquilo que escrevemos.<br />

Normalmente, quando estamos perto<br />

de lançar uma edição, as pessoas questionam<br />

sobre quando estará disponível.<br />

Dep – Vocês sentem que é mais fácil aprender<br />

os conteúdos programáticos que são<br />

leccionados a partir da redacção de artigos<br />

na Impacto?<br />

Ana Margarida – Sim, sem dúvida. Aliás, a<br />

Professora Fátima lecciona à grande maioria<br />

dos alunos que participam na Impacto e tudo<br />

aquilo que damos nas aulas aplicamos e<br />

vamos exercitando através de trabalhos que<br />

sabemos que vão ter um espaço próprio para<br />

serem tornados públicos, o que nos dá outro<br />

tipo de motivação.


40 | Dependências | Relatório OEDT<br />

OEDT publica<br />

Relatório Anual <strong>2007</strong><br />

Mensagens positivas do Relatório sobre a evolução do<br />

fenómeno da droga na UE ensombradas pela elevada taxa<br />

de mortalidade relacionada com a droga e pelo consumo<br />

crescente de cocaína<br />

Após mais de uma década de crescimento,<br />

o consumo de droga na Europa poderá estar<br />

a entrar numa fase mais estável, afirma<br />

a agência da UE de informação sobre droga<br />

(OEDT). Não só existem sinais de que o<br />

consumo de heroína e o consumo de droga<br />

injectada se tornaram, em geral, menos comuns,<br />

como os dados mais recentes sugerem<br />

que os níveis de consumo de cannabis<br />

poderão estar a estabilizar, após um período<br />

de crescimento constante. No entanto,<br />

as mensagens positivas são ensombradas<br />

pela elevada mortalidade relacionada<br />

com o consumo de droga e com o aumento<br />

do consumo de cocaína. Estas afirmações<br />

surgiram no passado dia 22, dia em que a<br />

agência lançou em Bruxelas o seu Relatório<br />

Anual <strong>2007</strong> sobre a evolução do fenómeno<br />

da droga na Europa.<br />

Cannabis: Estabilização do consumo e sinais<br />

de diminuição da sua popularidade<br />

entre os jovens. Porém, o consumo intensivo<br />

de cannabis causa preocupações com<br />

a saúde — é possível que cerca de 3 milhões<br />

de pessoas a consumam diariamente<br />

ou quase diariamente.<br />

Cocaína: Estimativas voltam a subir. Cerca<br />

de 4,5 milhões de europeus afirmam<br />

ter consumido esta droga no último ano.<br />

Recorde de apreensões de cocaína na Europa:<br />

107 toneladas em 2005, um aumento<br />

superior a 45% em relação às quantidades<br />

apreendidas em 2004.<br />

VIH: Avaliação globalmente positiva, mas<br />

os 3 500 novos casos de infecção registados<br />

entre os consumidores de droga injectada<br />

em 2005 realçam a necessidade<br />

de prosseguir os esforços. Um número de<br />

consumidores de droga injectada que poderá<br />

chegar a 200 000 vive com o VIH.<br />

Cerca de 1 milhão vive com o VHC, a “epidemia<br />

oculta da Europa”.<br />

Mortes: A Europa corre o risco de não conseguir<br />

atingir os objectivos de redução das<br />

mortes relacionadas com o consumo de<br />

droga. Ocorrem entre 7 000 e 8 000 mortes<br />

por overdose anualmente, sem que,<br />

nos dados mais recentes, seja visível qualquer<br />

tendência para uma diminuição.<br />

Estabilização do consumo de cannabis, sinais<br />

de diminuição da sua popularidade<br />

entre os jovens.<br />

Quase um quarto da população adulta da<br />

UE — cerca de 70 milhões de pessoas entre<br />

os 15 e os 64 anos — experimentou a<br />

cannabis em algum momento das suas vidas,<br />

e cerca de 7% — 23 milhões — consumiram-na<br />

no último ano. No entanto, apesar<br />

de a cannabis continuar a ser a droga ilegal<br />

mais consumida na Europa, e de o seu consumo<br />

ser historicamente elevado, os dados<br />

relativos às novas tendências suscitam “um<br />

optimismo prudente”, afirma o relatório.<br />

Depois da escalada do consumo de cannabis<br />

registada na década de 1990, e de aumentos<br />

mais ligeiros a partir do ano 2000, os<br />

últimos dados sugerem que este consumo<br />

está presentemente a estabilizar ou a baixar,<br />

sobretudo nos países com uma prevalência<br />

elevada. Além disso, em alguns Estados-Membros,<br />

há sinais de que, nas faixas<br />

etárias mais jovens, a popularidade desta<br />

droga poderá estar a diminuir.<br />

Segundo o relatório hoje publicado, 13%<br />

dos jovens europeus (15–34 anos), em média,<br />

consumiram cannabis no último ano.<br />

As taxas mais elevadas são referidas pela<br />

Espanha (20%), a República Checa (19,3%),<br />

a França (16,7%), a Itália (16,5%) e o Reino<br />

Unido (16,3%) (dados de inquéritos nacionais).<br />

Nos países com percentagens mais<br />

elevadas, os dados sobre as tendências recentes<br />

mostram que essas taxas estabilizaram<br />

ou começam a diminuir em Espanha e<br />

que baixaram cerca de 3 a 4 pontos percentuais<br />

na República Checa, França e Reino<br />

Unido. Além disso, os dados relativos aos<br />

países com taxas de consumo intermédias<br />

revelam uma estabilização na Dinamarca e<br />

nos Países Baixos, e níveis decrescentes na<br />

Alemanha.<br />

Entre os consumidores de cannabis mais jovens<br />

(16–24 anos) do Reino Unido, o consumo<br />

no último ano diminuiu de 28,2% em<br />

1998 para 21,4% em 2006, sugerindo que<br />

a droga perdeu popularidade nesta faixa<br />

etária, e, segundo o inquérito escolar espanhol,<br />

o consumo no último ano entre os jovens<br />

de 14–18 anos baixou de 36,6% em<br />

2004 para 29,8% em 2006.<br />

Embora os níveis de consumo de cannabis<br />

ainda pareçam estar a aumentar entre os<br />

jovens adultos da Hungria, da Eslováquia<br />

e da Noruega, esses aumentos são, na sua<br />

maioria, pequenos e geralmente menos vincados<br />

nas estimativas mais recentes. A excepção<br />

é a Itália, país onde as taxas de consumo<br />

de cannabis no último ano, nesta faixa<br />

etária, aumentaram de 12,8% em 2003<br />

para 16,5% em 2005 (Figura GPS-4).<br />

Atenções viram-se para o consumo intensivo<br />

de cannabis<br />

Apenas uma percentagem relativamente<br />

pequena de consumidores de cannabis afirma<br />

consumir esta droga de forma regular<br />

e intensiva, o que ainda assim representa<br />

“um número significativo de indivíduos”,<br />

afirma o relatório. O OEDT estima que cerca<br />

de um quinto (18%) dos 70 milhões de<br />

adultos (15–64 anos) que já experimentaram<br />

cannabis referiu consumi-la no último<br />

mês — mais de 13 milhões de europeus.<br />

Além disso, estima-se que 1% dos adultos<br />

europeus — cerca de 3 milhões de pessoas<br />

— poderá estar a consumir esta droga diariamente,<br />

ou quase diariamente. As taxas<br />

de prevalência são geralmente mais elevadas<br />

nas faixas etárias mais jovens, em especial<br />

entre os jovens do sexo masculino.<br />

O Presidente do Conselho de Administração<br />

do OEDT, Marcel Reimen, declara: “Ainda<br />

que possamos estar animados com o fim


da escalada do consumo de cannabis, devemos<br />

dar agora atenção à melhoria da monitorização,<br />

em toda a Europa, dos padrões<br />

de consumo mais intensivos. A agência já<br />

está a desenvolver, em colaboração com<br />

os Estados-Membros, novos métodos para<br />

comunicar informações sobre esta questão<br />

específica e para aperfeiçoar as suas estimativas.<br />

É essencial compreender de que<br />

modo e por que razão os consumidores de<br />

cannabis podem desenvolver problemas, a<br />

fim de planear as respostas e avaliar o impacto<br />

que a droga ilegal mais consumida na<br />

Europa poderá ter sobre a saúde”.<br />

Entre 1999 e 2005, o número de europeus<br />

que procuraram tratamento devido ao consumo<br />

problemático de cannabis quase triplicou,<br />

embora esta tendência ascendente<br />

pareça estar a estabilizar. Neste período,<br />

os novos pedidos de tratamento por esse<br />

motivo aumentaram de 15 439 para 43<br />

677 utentes, e em 2005, mais de um quarto<br />

(29%) dos pedidos de tratamento estavam<br />

relacionados com a cannabis.<br />

Ainda não se sabe até que ponto esta procura<br />

crescente resulta de um aumento do<br />

consumo intensivo, e das necessidades de<br />

tratamento subsequentes. Outros factores<br />

também poderão ser importantes, como o<br />

maior número de encaminhamentos do sistema<br />

judicial, a melhoria do sistema de notificação,<br />

ou a abertura de novos serviços<br />

específicos de tratamento para a cannabis.<br />

“A situação europeia em matéria de cannabis<br />

também é complicada por factores relacionados<br />

com o mercado”, refere o relatório.<br />

Mais de metade dos Estados-Membros da<br />

União Europeia refere algum tipo de produção<br />

interna de cannabis. Essa cannabis de<br />

produção caseira pode ter uma potência relativamente<br />

elevada, mas é mais difícil de<br />

detectar do que a variedade importada e<br />

menos susceptível de ser apreendida visto<br />

ter de percorrer rotas mais curtas. A análise<br />

do mercado da cannabis será uma das prioridades<br />

da agência em 2008.<br />

Actualmente, estão a ser desenvolvidas intervenções<br />

inovadoras na Europa, para responder<br />

às necessidades, muito diferentes,<br />

dos consumidores ocasionais, regulares e<br />

intensivos de cannabis (apesar de grande<br />

parte da investigação neste domínio continuar<br />

a ser americana ou australiana). Essas<br />

intervenções incluem intervenções baseadas<br />

na Internet, as quais permitem que<br />

os consumidores avaliem os seus padrões<br />

de consumo, e mensagens de telemóvel para<br />

os informar e aconselhar. Quase metade<br />

dos Estados- Membros da UE (13 países)<br />

já afirma dispor de centros de tratamento<br />

especializados para consumidores problemáticos<br />

de cannabis.<br />

Estimativas mais recentes mostram que o<br />

consumo de cocaína está novamente a crescer<br />

Cerca de 4,5 milhões de europeus (15–64<br />

anos) poderão ter consumido cocaína no último<br />

ano, afirma o OEDT, revendo a estimativa<br />

de 3,5 milhões de adultos que tinha apresentado<br />

no Relatório Anual de 2006.<br />

Segundo o novo relatório, “a tendência geral<br />

para a estabilização descrita no último<br />

ano também é posta em causa pelos novos<br />

dados (europeus), que apontam para um aumento<br />

global do consumo”.<br />

Não obstante a grande variação entre pa-<br />

íses, os novos dados confirmam a posição<br />

da cocaína como droga estimulante preferida<br />

na Europa e como segunda droga ilegal<br />

mais consumida, a seguir à cannabis — e à<br />

frente do ecstasy e das anfetaminas. O OEDT<br />

estima que cerca de 12 milhões de europeus<br />

— 4% dos adultos — já experimentaram cocaína.<br />

Aproximadamente 2 milhões consumiram-na<br />

no último mês; mais do dobro da<br />

estimativa relativa ao ecstasy.<br />

Entre os jovens adultos (15–34 anos), o consumo<br />

de cocaína no último ano aumentou na<br />

maioria dos países que comunicaram dados<br />

de inquérito recentes, embora os aumentos<br />

registados nos países com taxas de prevalência<br />

mais elevadas — a Espanha e o Reino<br />

Unido — tenham sido relativamente pequenos,<br />

sugerindo que a prevalência poderá estar<br />

a estabilizar. A Dinamarca e a Itália comunicaram<br />

aumentos acentuados<br />

Impacto da cocaína na saúde pública<br />

Um indício da forma como o consumo de<br />

cocaína está a afectar a saúde pública é<br />

o aumento da procura de tratamento relacionado<br />

com o consumo desta droga. Em<br />

2005, quase um quarto (22%) dos novos<br />

pedidos de tratamento na Europa estava relacionado<br />

com o consumo de cocaína: um<br />

total de 33 027 utentes, para apenas 12<br />

633 em 1999. A Espanha e os Países Baixos<br />

referem percentagens elevadas de consumidores<br />

de cocaína entre os utentes dos<br />

serviços de tratamento. Estes países também<br />

são responsáveis pela maioria das referências<br />

ao tratamento por consumo de<br />

cocaína na Europa. Segundo o relatório, os<br />

serviços de tratamento são confrontados<br />

com a necessidade de oferecer tratamento<br />

a um vasto espectro de utentes: consumidores<br />

bem integrados socialmente, que<br />

consomem cocaína em conjunto com álcool<br />

ou outras drogas; consumidores problemáticos<br />

de opiáceos, que injectam cocaína<br />

juntamente com heroína, e um pequeno número<br />

de consumidores de cocaína crack altamente<br />

marginalizados.<br />

Em 2005 registaram-se cerca de 400 mortes<br />

relacionadas com o consumo de cocaína,<br />

na Europa, mas as consequências deste<br />

consumo para a saúde não são, muitas<br />

vezes, devidamente detectadas pelos siste-<br />

Relatório OEDT | Dependências | 41<br />

mas de notificação existentes. Este tema é<br />

objecto de especial atenção no Tema específico<br />

“Cocaína e cocaína crack: um problema<br />

de saúde pública que se agrava”.<br />

Quantidade recorde de cocaína apreendida<br />

Outros factores apontam igualmente para<br />

uma tendência crescente no consumo de<br />

cocaína, “confirmando a importância cada<br />

vez maior da cocaína no fenómeno da<br />

droga europeu”, adianta o relatório. Tanto<br />

o número de apreensões de cocaína como<br />

as quantidades apreendidas aumentaram<br />

na Europa entre 2000 e 2005.<br />

Em 2005, registaram-se, segundo as estimativas,<br />

70 000 apreensões de cocaína,<br />

equivalentes à quantidade recorde de 107<br />

toneladas, uma quantidade mais de 45%<br />

superior à que foi apreendida em 2004.<br />

A Península Ibérica continua a ser o principal<br />

ponto de entrada da cocaína na Europa,<br />

com um nítido aumento das apreensões<br />

e das quantidades apreendidas em<br />

Espanha e Portugal. A Espanha foi responsável<br />

por cerca de metade do número<br />

total de apreensões e pelo maior volume<br />

apreendido (48,44 toneladas em 2005,<br />

comparativamente a 33,1 toneladas em<br />

2004). Portugal, por seu turno, ultrapassou<br />

os Países Baixos como país com a segunda<br />

maior quantidade de droga apreendida<br />

(18,1 toneladas em 2005, para apenas<br />

7,4 toneladas em 2004).<br />

A maior parte da cocaína apreendida na<br />

Europa provém directamente da América<br />

do Sul ou é expedida através da América<br />

Central e das Caraíbas, estando os países<br />

da África Ocidental a ser crescentemente<br />

utilizados como rotas de trânsito. A UE<br />

responde à alteração das rotas de tráfico<br />

através de um reforço da coordenação<br />

e da cooperação entre os Estados-Membros.<br />

Um exemplo disto é a criação, em<br />

Portugal, em<br />

Setembro de <strong>2007</strong>, do Centro de Análises e<br />

Operações contra o Narcotráfico Marítimo<br />

(MAOC-N), que resulta da colaboração entre<br />

sete Estados-Membros da UE (Espanha, Irlanda,<br />

França, Itália, Países Baixos, Portugal<br />

e Reino Unido) e que conta com a participação<br />

da Europol.<br />

As infracções relacionadas com a cocaína


42 | Dependências | Relatório OEDT<br />

aumentaram no período de 2000–2005 em<br />

todos os países europeus com excepção da<br />

Alemanha, onde o seu número se manteve<br />

relativamente estável. A média da UE aumentou<br />

62% neste período.<br />

VIH: avaliação globalmente positiva, embora<br />

se tenham verificado cerca de 3 500 novas<br />

infecções entre os CDI em 2005<br />

Em 2005, a taxa de transmissão do VIH entre<br />

os consumidores de droga injectada (CDI)<br />

era baixa na maioria dos Estados-Membros da<br />

União Europeia. Este panorama positivo pode<br />

ser entendido no contexto da maior disponibilidade<br />

de medidas de prevenção, tratamento<br />

e redução dos danos, bem como da menor<br />

popularidade do consumo de droga injectada<br />

em alguns países. Com a expansão dos serviços,<br />

a epidemia de VIH que antes se observava<br />

na Europa parece ter sido, em grande medida,<br />

evitada.<br />

O relatório observa: “A situação existente na<br />

Estónia, Letónia e Lituânia continua a ser preocupante,<br />

mas também neste caso a maioria<br />

dos dados recentes aponta para uma diminuição<br />

relativa dos novos casos de infecção”. Em<br />

resultado dos menores índices de transmissão,<br />

é provável que o peso global das infecções<br />

resultantes do consumo de droga injectada<br />

esteja a diminuir, sobretudo nas zonas<br />

onde a prevalência tem sido elevada. Portugal<br />

regista o mais elevado índice de transmissão<br />

de VIH nos CDI, de entre os países da União<br />

Europeia com dados disponíveis (cerca de 850<br />

novas infecções diagnosticadas em 2005).<br />

Embora o consumo de droga injectada tenha<br />

perdido importância como via de transmissão<br />

do VIH, o OEDT estima que, em 2005, ainda<br />

foi responsável por cerca de 3 500 novos casos<br />

de VIH diagnosticados na União Europeia.<br />

Este valor pode ser baixo em termos históricos,<br />

mas constitui, mesmo assim, um importante<br />

problema de saúde pública. O relatório<br />

informa que entre 100 000 e 200 000 pessoas<br />

que já consumiram droga injectada estão<br />

presentemente infectadas com o VIH.<br />

O vírus da hepatite C (VHC) tem, todavia,<br />

maior prevalência entre os CDI da UE do que<br />

o VIH e está distribuído de forma mais regular.<br />

O OEDT estima que cerca de 1 milhão de pessoas<br />

que alguma vez consumiram droga injectada<br />

estão infectadas com o VHC. Os estudos<br />

realizados no período de 2004–2005 revelaram<br />

níveis globalmente elevados de prevalência<br />

do VHC, confirmados pelo facto de a maioria<br />

dos países (17) ter mencionado índices superiores<br />

a 60% em pelo menos um grupo de<br />

consumidores de droga injectada estudados.<br />

Em contraste com o visível êxito obtido na prevenção<br />

da infecção pelo VIH, os serviços de<br />

prevenção e redução dos danos parecem estar<br />

a ter menor impacto no VHC, a “epidemia<br />

oculta da Europa”.<br />

Europa corre o risco de não atingir objectivos<br />

de redução das mortes relacionadas<br />

com o consumo de droga<br />

A overdose é uma importante causa de mortalidade<br />

evitável entre os jovens europeus,<br />

assegura o OEDT.<br />

Contudo, os dados europeus mais recentes<br />

mostram que os níveis de mortalidade relacionada<br />

com o consumo de droga são historicamente<br />

elevados e já não estão a baixar,<br />

mostrando claramente a necessidade de os<br />

decisores políticos dedicarem mais atenção<br />

a este problema. A redução das mortes relacionadas<br />

com o consumo de droga é um<br />

objectivo específico do actual Plano de acção<br />

em matéria de luta contra a droga da UE<br />

(2005–2008).<br />

O OEDT estima que tenham ocorrido entre<br />

7 000 e 8 000 mortes relacionadas com o<br />

consumo de droga na UE e na Noruega em<br />

2005, na sua maioria associadas ao consumo<br />

de opiáceos. Em vários países, a mortalidade<br />

registou aumentos recentes, que foram<br />

superiores a 30% na Grécia (2003–2005),<br />

Áustria (2002–2005), Portugal (2003–2005)<br />

e Finlândia (2002–2004).<br />

As mortes relacionadas com o consumo de<br />

droga na UE e na Noruega diminuíram 6%<br />

em 2001, 14% em 2002 e 5% em 2003 (Capítulo<br />

8, Figura 13), no seguimento dos fortes<br />

aumentos ocorridos na década de 1980 e inícios<br />

da de 1990, e dos aumentos contínuos<br />

do final da década de 1990 até 2000. No Relatório<br />

Anual do ano passado foi mencionado<br />

que a significativa tendência descendente da<br />

mortalidade entre 2000 e 2003 estava a oscilar,<br />

após um pequeno aumento das mortes<br />

relacionadas com o consumo de droga entre<br />

2003 e 2004.<br />

A escalada do consumo de heroína e de dro-<br />

ga injectada foi a causa provável dos aumentos<br />

anteriores do número de mortes, mas<br />

tal não se verifica neste momento, em que o<br />

consumo de heroína parece ter estabilizado<br />

na maioria dos países europeus. “É urgentemente<br />

necessário investigar por que razão a<br />

mortalidade relacionada com o consumo de<br />

droga permanece tão elevada”, afirma o Director<br />

do OEDT, Wolfgang Götz. Entre os factores<br />

de risco que poderão estar a contribuir<br />

para o problema, incluem-se o maior policonsumo<br />

de droga pelos consumidores de opiáceos<br />

e um aumento da disponibilidade da<br />

heroína.<br />

Estima-se que em 2006 foram produzidas 6<br />

610 toneladas de ópio — 92% no Afeganistão.<br />

A produção potencial de heroína a nível mundial<br />

foi estimada em 606 toneladas em 2006<br />

(472 toneladas no ano anterior) (UNODC,<br />

<strong>2007</strong>). Embora o impacto desta produção recorde<br />

de ópio ainda não seja visível nos valores<br />

relativos ao consumo de heroína europeu,<br />

o relatório adverte: “A sustentabilidade da situação,<br />

em geral estável ou em melhoria, que<br />

se observa no consumo de heroína na Europa,<br />

é posta em causa pela crescente produção<br />

de ópio no Afeganistão”.<br />

A investigação mostra que o tratamento de<br />

substituição reduz o risco de overdose fatal,<br />

mas todos os anos são notificadas algumas<br />

mortes associadas ao abuso de medicamentos<br />

de substituição. A presença do opiáceo<br />

sintético metadona, juntamente com outras<br />

substâncias psicoactivas, é mencionada por<br />

vários países numa percentagem apreciável<br />

das mortes relacionadas com o consumo de<br />

droga. O acompanhamento destas mortes e<br />

das circunstâncias que as rodeiam pode fornecer<br />

informações essenciais para melhorar<br />

os programas de substituição e para delinear<br />

as iniciativas de prevenção e redução dos danos.<br />

Entre as medidas que podem contribuir<br />

para reduzir as mortes e a mortalidade relacionadas<br />

com o consumo de droga, figuram<br />

as seguintes: um acesso mais fácil ao tratamento;<br />

estratégias de redução dos riscos para<br />

os consumidores de droga que saiam da<br />

prisão; formação em primeiros socorros para<br />

os consumidores de droga sobre o modo<br />

como devem reagir em caso de emergência;<br />

e formação do pessoal dos serviços de tratamento<br />

sobre o modo de enfrentar os riscos<br />

do policonsumo de droga. Segundo o relatório,<br />

porém: “A Europa ainda não dispõe de<br />

uma abordagem global à prevenção das overdoses”.<br />

Wolfgang Götz conclui: “Mais de 7<br />

000 vidas perdidas por ano é um sinal irrefutável<br />

de que não estamos a fazer o que devíamos<br />

em matéria de prevenção das overdoses<br />

na Europa. Fizemos grandes progressos no<br />

que respeita à redução do VIH entre os consumidores<br />

de droga. Temos agora de promover<br />

acções igualmente eficazes para reduzir<br />

as mortes relacionadas com o consumo de<br />

droga. Isso exigirá inovação, determinação e<br />

visão, e em última análise, que os decisores<br />

políticos se comprometam a investir em programas<br />

de redução das overdoses”.<br />

Informações sobre todos os produtos, serviços<br />

e eventos ligados ao Relatório Anual,<br />

bem como links aos mesmos estarão disponíveis<br />

em: http://www.emcdda.europa.eu/<br />

events/<strong>2007</strong>/annualreport.cfm


Relações entre a UE e a Rússia<br />

Agências de informação sobre a droga da UE<br />

e da Rússia assinam acordo em Mafra<br />

A União Europeia e a Federação da Rússia irão<br />

proceder no futuro a uma troca de informação<br />

mais sistemática no domínio da droga graças<br />

a um acordo assinado no passado dia 26 de<br />

Outubro entre o Observatório Europeu da Droga<br />

e da Toxicodependência (OEDT), com sede<br />

em Lisboa, e o Serviço Federal da Federação da<br />

Rússia para o controlo do tráfico de estupefacientes<br />

(FDCS). O Memorando de Entendimento<br />

foi assinado à margem da Cimeira UE–Rússia<br />

que teve lugar em Mafra no contexto da Presidência<br />

portuguesa da UE. Os signatários foram<br />

o Director do OEDT, Wolfgang Götz e o Director<br />

do FDCS, Viktor Cherkesov.<br />

O Presidente da Federação da Rússia, Vladimir<br />

Putin, o Presidente da Comissão Europeia, José<br />

Manuel<br />

Durão Barroso, o Alto Representante da UE para<br />

a Política Externa e de Segurança Comum<br />

Javier<br />

Solana e o Primeiro-Ministro de Portugal, José<br />

Sócrates estiveram presentes na cerimónia de<br />

assinatura<br />

do acordo.<br />

O novo acordo permitirá uma troca de informação<br />

e de conhecimentos especializados numa<br />

série de áreas, tais como:<br />

• Consumo e tráfico de drogas ilícitas nos Estados-Membros<br />

da UE e na Federação da Rússia;<br />

• Novos tipos de drogas e tendências emergentes<br />

no que se refere ao consumo de drogas;<br />

• Tecnologias utilizadas na produção de drogas<br />

ilícitas;<br />

• Métodos emergentes de tráfico;<br />

• Medidas legislativas e administrativas para reduzir<br />

o consumo ilícito de drogas; e<br />

• Prevenção do crime relacionado com as drogas.<br />

O Memorando de Entendimento é o resultado<br />

de conversações bilaterais que tiveram início<br />

em Lisboa em<br />

2004, e de subsequentes sessões de trabalho<br />

realizadas entre o OEDT e o FDCS no decurso<br />

de 2006, em<br />

Moscovo (Janeiro de 2006), e Lisboa (Setembro<br />

de 2006).<br />

Entre outros, o Memorando de Entendimento<br />

prevê:<br />

Cidades Saudáveis e a aplicação da nova legislação<br />

sobre o Tabaco<br />

Com a entrada em vigor da nova legislação (a partir<br />

de 1 de Janeiro de 2008) que visa a protecção<br />

dos cidadãos da exposição involuntária ao fumo<br />

do tabaco e medidas de redução da procura relacionadas<br />

com a dependência e a cessação do seu<br />

consumo, colocam-se questões pertinentes e específicas<br />

nos ambientes urbanos onde é hábito fumar.<br />

No contexto do protocolo de colaboração entre a<br />

Rede Portuguesa de Cidades Saudáveis e a Escola<br />

Nacional de Saúde Pública - Universidade Nova<br />

de Lisboa (projecto i-TPC), será promovido no dia<br />

13 de Dezembro, entre as 9:30h e as 13:00 horas,<br />

no Auditório (1 A 31) da ENSP-UNL, um encontro<br />

que tem como objectivo contribuir para um<br />

maior esclarecimento sobre esta legislação e sobretudo<br />

a forma como a mesma poderá ser potenciada<br />

no contexto da promoção da saúde das pessoas<br />

tendo como exemplo a abordagem das Cidades<br />

Saudáveis.<br />

Este encontro contará com a participação da investigadora<br />

e professora Doutora Kimber Ritcher<br />

da Universidade do Kansas, igualmente membro<br />

da Comissão de Planeamento da Cidade de<br />

Lecompton por nomeação do Presidente da Câ-<br />

mara que tem entre outras responsabilidades a<br />

implementação de ambientes urbanos sem tabaco.<br />

Co-fundadora da “Kansas Alliance of Health Advocates”<br />

a sua experiência no desenvolvimento de<br />

parcerias de base comunitária tem favorecido, em<br />

vários contextos, o desenvolvimento de políticas<br />

públicas focalizando a saúde comunitária, bem como<br />

estratégias de promoção da saúde no âmbito<br />

das <strong>dependências</strong> tais como o tabagismo.<br />

É objectivo informar os participantes da existência<br />

da Rede Portuguesa de Cidades Saudáveis<br />

(RPCS), bem como divulgar o trabalho que os municípios<br />

membros desenvolvem no contexto de actividades<br />

de prevenção e cessação tabágica.<br />

A organização solicita a divulgação deste encontro<br />

junto dos profissionais da sua autarquia bem como<br />

de contactos de referência no vosso município,<br />

para que possamos ter uma sessão participada. A<br />

realização deste encontro constitui uma oportunidade<br />

para todos os profissionais que trabalham na<br />

promoção da saúde, com especial enfoque na problemática<br />

do tabagismo. Investir na sua divulgação<br />

possibilitará a formação de profissionais que<br />

no terreno desenvolverão uma intervenção mais informada<br />

e esclarecida.<br />

O Meu Filho, as Drogas e Eu já tem edição portuguesa<br />

A obra O Meu Filho, as Drogas e Eu, da autoria de José A. García del Castillo, acaba de ser lançada em<br />

Portugal. O grande êxito que este verdadeiro manual de prevenção familiar conquistou em Espanha,<br />

país Natal de um autor com vasta obra publicada na área das <strong>dependências</strong>, levou mesmo o IDT a<br />

apoiar a edição, recentemente apresentada em Lisboa.<br />

Uma das figuras presentes na Livraria Betrand, aquando da apresentação do livro, foi João Goulão<br />

que reconheceu que “a associação do IDT a esta edição, embora de uma forma perfeitamente simbólica,<br />

pretende reconhecer a importância que este livro pode ter numa tarefa tão vital como a prevenção<br />

dos consumos de substâncias psicoactivas”. O Presidente do CD do IDT salientou ainda tratar-se<br />

de “um privilégio encontrar aqui o autor, um amigo de longa data, com quem tenho cruzado nestas<br />

lides das intervenções relacionadas com as drogas e as toxico<strong>dependências</strong> e confesso que me sinto<br />

fascinado pela identificação que espontaneamente sinto entre as posições que o ouço defender e<br />

aquilo que eu próprio sinto e defendo na minha actuação”.<br />

Quanto à obra propriamente dita, João Goulão explicou que, “apesar de lhe reconhecer todo o mérito,<br />

não quis assumir sozinho a responsabilidade de associar o IDT à edição. Por isso, fi-la apreciar por<br />

técnicos de prevenção do serviço que foram unânimes no reconhecimento da qualidade que a obra<br />

tem” acrescentando que “poderá, naturalmente, ser um auxiliar para os técnicos mas é, sobretudo,<br />

uma obra destinada a famílias”.<br />

<strong>Revista</strong> de Imprensa | Dependências | 43<br />

• O desenvolvimento e a melhoria de indicadores<br />

comuns para avaliar a situação da droga;<br />

• A participação de peritos do FDCS em reuniões<br />

do OEDT e vice-versa;<br />

• Acesso mútuo a informações estatísticas e troca<br />

de resultados de investigações científicas; e<br />

• Formação, desenvolvimento de capacidades, e<br />

intercâmbio de programas, planos e práticas.<br />

Comentando o Memorando de Entendimento,<br />

Wolfgang Götz afirmou: “A Federação da Rússia<br />

é o país vizinho da UE de maiores dimensões,<br />

na sequência do Alargamento de 2004.<br />

A expansão das nossas fronteiras comuns comporta<br />

desafios igualmente comuns e abre oportunidades<br />

de cooperação. Entre estes desafios,<br />

encontram-se o consumo de drogas e as suas<br />

consequências para a saúde, o tráfico de droga<br />

e actividades ilegais com ela relacionadas.<br />

É com entusiasmo que encaramos o estreitamento<br />

de relações com o FDCS, sobretudo pela<br />

oportunidade que nos dá de aprofundarmos o<br />

nosso conhecimento mútuo sobre um conjunto<br />

vasto de assuntos que caracterizam problemas<br />

comuns na área da droga”.<br />

Distrital portuense do<br />

Bloco de Esquerda em<br />

alerta… 3 mil vivem nas<br />

ruas portuenses<br />

O Porto é o distrito com maior número de sem<br />

abrigos de toda a União Europeia. 3 mil pessoas<br />

vivem na rua.<br />

O Bloco de Esquerda está a desenvolver no distrito<br />

do Porto uma campanha de sensibilização para<br />

este problema.<br />

O BE visitou o Albergue Nocturno do Porto e desde<br />

já manifesta o seu agradecimento pelo clima<br />

de abertura e transparência manifestada pela Direcção<br />

da Associação dos Albergues Nocturnos<br />

do Porto.<br />

Salientamos ainda o facto do Albergue, para além<br />

de alimentação e guarida, prestar um apoio integrado<br />

na área da saúde, assistência social e psíquica<br />

aos sem abrigo que procuram a instituição.<br />

Destacamos também as grandes dificuldades<br />

com que a instituição se debate.<br />

Com a crise económica e social - desde há 3 anos<br />

a esta parte - o número de necessitados aumentou<br />

mas diminuiu o número de dadores e o montante<br />

das dádivas, sendo altamente insuficiente o<br />

apoio prestado pela segurança social (cerca de<br />

50% das despesas).<br />

A equipa técnica precisa de reforço urgente, assim<br />

como o voluntariado. Um projecto de construção<br />

de um centro de apoio/hospital de retaguarda para<br />

doentes toxicodependentes com sida, em fase<br />

terminal, aguarda suporte financeiro.<br />

Os despedimentos, a crise têxtil, a desestruturação<br />

de famílias e vidas, a toxicodependência, a tuberculose,<br />

o alcoolismo e a sida, fazem desta população<br />

a mais carenciada dos carenciados.<br />

Calculamos em cerca de 3 mil os sem abrigo no<br />

distrito. No entanto a oferta de camas pouco passa<br />

da centena. Este é o exemplo máximo de demissão<br />

do Estado, da insensibilidade e das políticas<br />

do governo e também da autarquia do Porto.

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