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Revista dependências - Novembro 2007

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Espanha, Carmen Moya<br />

Dep – Quais são as principais prioridades<br />

do Governo Espanhol em matéria de intervenção<br />

em toxico<strong>dependências</strong>?<br />

Cármen Moya (C.M.) – A prioridade fundamental<br />

em matéria de toxico<strong>dependências</strong><br />

consiste em sensibilizar a população, sem a<br />

alarmar, que o problema das drogas persiste,<br />

e que, embora possam ter a percepção<br />

de que está resolvido uma vez que a questão<br />

da insegurança vinculada aos consumos<br />

de heroína de alguns anos atrás e que gerou<br />

muita convulsão no nosso país, felizmente,<br />

já não existe, isso não significa, de forma alguma,<br />

que os consumos de droga tenham<br />

desaparecido, antes pelo contrário. Continuamos<br />

a verificar que, nalgumas substâncias,<br />

temos consumos muito significativos,<br />

alguns dos quais nos colocam a par dos primeiros<br />

países europeus e, como tal, não há<br />

que baixar o alerta mas antes incidir, insisto,<br />

na sensibilização da população e na necessidade<br />

de todos tomarmos medidas no<br />

âmbito da prevenção, em distintos campos<br />

como o educativo, o familiar e dos meios de<br />

comunicação. Isto não significa porém que<br />

não tenhamos que ter em conta a continuidade<br />

do esforço de investimento nos tratamentos,<br />

na reinserção e reabilitação. Outro<br />

âmbito muito importante é a investigação<br />

porque alterações dos consumos e dos perfis<br />

dos consumidores estão em constante<br />

mutação e existem novos grupos populacionais<br />

vulneráveis em relação aos quais temos<br />

que desenvolver estratégias de intervenção<br />

específicas. Mas também no âmbito da sensibilização<br />

e da prevenção, estou convicta<br />

de que se produzem melhores resultados,<br />

quanto mais os programas e acções se basearem<br />

em evidências e estudos científicos.<br />

Como é óbvio, também não podemos descurar<br />

todas aquelas medidas e actuações<br />

que entram no campo da oferta. Refiro-me<br />

ao âmbito policial, quer numa perspectiva<br />

macro, quer micro, no que concerne aos<br />

vendedores de pequena escala mas, sobretudo,<br />

no âmbito escolar e em contextos recreativos.<br />

Dep – Referiu-se a substâncias em relação<br />

às quais Espanha apresenta das mais altas<br />

taxas de consumo da Europa. Sabendo-se<br />

que uma delas é a cocaína, existem respostas<br />

por parte do sistema de saúde para os<br />

utilizadores?<br />

C.M. – Na verdade, embora os consumos de<br />

cocaína sejam dos mais elevados – e desde<br />

que os consumos de heroína perderam<br />

preponderância verificou-se um crescimento<br />

muito significativo do consumo de cocaína,<br />

temos que encarar o problema como<br />

se tratando de policonsumos. A combinação<br />

de álcool com outra substância é muito<br />

frequente. Mas também há que considerar,<br />

em relação à realidade espanhola que, não<br />

obstante apresentar ao nível da população<br />

geral dados elevados relativamente aos consumos<br />

em comparação com outros países<br />

europeus, temos que perceber qual foi o<br />

nosso ponto de partida. Se atentarmos aos<br />

dados de 1999, percebemos que eram ainda<br />

mais altos dos que apresentavam países<br />

como o Reino Unido ou actualmente Itália. E<br />

se falarmos em crescimentos anuais verificamos<br />

que nestes dois países os consumos<br />

cresceram mais do que em Espanha. O que<br />

não quer dizer que não tenhamos números<br />

elevados ou que não devamos fazer um<br />

enorme esforço no sentido de os diminuir.<br />

No entanto, em relação à cocaína, o carácter<br />

mitificado existente em Espanha (mas<br />

também noutros países), enquanto droga<br />

de êxtase e glamour que não correspondem<br />

à realidade, aliado ao facto de sermos<br />

uma porta de entrada na Europa, entre outros<br />

factores, contribuiu para que atingíssemos<br />

níveis de consumo elevados. Isto levou<br />

a que, desde o ano passado, implementássemos<br />

um programa específico de actuação<br />

no âmbito da cocaína. Temos um plano de<br />

acção transversal a todos os âmbitos, desde<br />

a prevenção ao tratamento. E as prioridades<br />

que o Plano Nacional definiu a partir<br />

de <strong>2007</strong> emanam fundamentalmente de actuações<br />

no âmbito da cocaína e, entre diversas<br />

medidas a implementar num horizonte<br />

de quatro anos, teremos, por exemplo, um<br />

congresso internacional sobre cocaína a realizar<br />

em Madrid no qual participarão todos<br />

os países europeus e os EUA no sentido<br />

de promover a discussão e partilha de conhecimentos<br />

em relação a aspectos como a<br />

prevenção, novas linhas de tratamento e políticas<br />

que se vão implementando e desenvolvendo<br />

em matéria de cocaína.<br />

Dep – Espanha foi pioneira na administração<br />

de um fármaco antagonista utilizado no<br />

tratamento da dependência de cocaína no<br />

Hospital Vall d’Hebron. Já é possível avaliar<br />

resultados?<br />

C.M. – Ainda não, uma vez que o programa<br />

experimental ainda não foi concluído. No entanto,<br />

o nosso espírito é mesmo esse, trabalhar<br />

em linhas de investigação, identificar<br />

oportunidades e lacunas. As drogas terapêuticas<br />

poderão existir desde que sirvam<br />

para tratar este problema.<br />

Dep – O botellón continua a ser um grave<br />

problema em Espanha?<br />

C.M. – O botellón pode até ser um problema<br />

de ordem pública pelas moléstias que causa<br />

às populações habitantes dos meios onde<br />

se pratica. A mim o que me preocupa é este<br />

tipo de consumo anglo-saxónico por parte<br />

dos jovens, um consumo massivo num curto<br />

período de tempo e concentrado em deter-<br />

Presidência Portuguesa do Conselho da União Europeia | Dependências | 7<br />

minados espaços e os danos que poderão<br />

produzir no futuro.<br />

Dep – Como está a decorrer a implementação<br />

do Plano Nacional Sobre Drogas<br />

em Espanha?<br />

C.M. – A Estratégia Nacional termina no ano<br />

2008 e, a meio do período, em 2004, procedemos<br />

a uma avaliação e concluímos que<br />

em determinadas linhas, as taxas de execução<br />

eram muito satisfatórias e refiro-me,<br />

por exemplo, à oferta de tratamentos. Em<br />

áreas como a prevenção e sensibilização social,<br />

a partir da elaboração de um plano específico,<br />

tentámos reforçar todas aquelas<br />

carências que provinham dos objectivos definidos<br />

na Estratégia Nacional.<br />

Dep – Em Portugal começam a dar-se passos<br />

mais firmes numa área como a redução<br />

de riscos e minimização de danos. Espanha<br />

já tem alguma tradição na implementação<br />

de dispositivos como as salas de consumo<br />

assistido ou a troca de seringas em meio<br />

prisional. Que conselhos poderia dar ao governo<br />

português nesta matéria?<br />

C.M. – Este é um tema delicado e complexo<br />

e, mesmo Espanha, que possui já uma<br />

tradição neste tipo de dispositivos e na<br />

implementação de outros programas – porque<br />

a intervenção em redução de riscos não<br />

se resume à instalação de salas de consumo<br />

ou à troca de seringas – existem por vezes<br />

alguns problemas. Mas creio que há uma<br />

série de factores que tornam estas estruturas<br />

viáveis: primeiro, há que negociar com<br />

o movimento de cidadãos da envolvente em<br />

que se vai criar este tipo de unidades e, por<br />

que não, envolvê-los positivamente nessa tomada<br />

de decisão. Depois, há que optar por<br />

instalações dignas, adequadas e adaptadas<br />

ao tipo de serviço que se pretende prestar.<br />

Por exemplo, estas unidades devem estar<br />

próximas dos locais de consumo e não faz<br />

qualquer sentido que se situem longe dos<br />

mesmos. Pensar no desenho destas unidades<br />

implica desenhá-las em função das necessidades<br />

dos seus destinatários e sempre<br />

numa óptica de reduzir os riscos para a sua<br />

saúde e para a saúde pública. O mesmo<br />

se aplica em relação à implementação dos<br />

programas de troca de seringas em meio<br />

prisional, uma medida corajosa que se traduziu<br />

em resultados muito positivos. Trocar<br />

seringas nas prisões, com tudo o que significava<br />

conceptualmente, foi uma medida<br />

valente e decidida em Espanha e que teve<br />

em conta a evidência científica que nos diz<br />

que existe uma forte relação entre a transmissão<br />

de VIH/Sida e Hepatites e a partilha<br />

de seringas.<br />

Dep – Será possível, face à evolução patenteada<br />

em Espanha nesta matéria, descriminalizar<br />

o tráfico de drogas?<br />

C.M. – Creio que será muito difícil porque<br />

estes temas não têm um âmbito exclusivamente<br />

geográfico ou nacional. O problema<br />

das drogas é multinacional e medidas unilaterais<br />

levadas a cabo por um país não conduzirão<br />

à sua resolução. Despenalizar estas<br />

substâncias seria quase como admitir que<br />

as mesmas teriam deixado de ser nocivas<br />

para a saúde.

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