Revista dependências - Novembro 2007
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28 | Dependências | Congresso Internacional dos Açores<br />
Igualdade de Oportunidades<br />
para Tod@s<br />
Numa iniciativa promovida pela Secretaria Regional dos Assuntos Sociais do Governo<br />
dos Açores, decorreu, nos passados dias 15 e 16, em Angra do Heroísmo, o Congresso<br />
Internacional dos Açores Igualdade de Oportunidades para Tod@s, integrado nas<br />
iniciativas do Ano Europeu da Igualdade de Oportunidades Para Todos.<br />
Temas como Cidade e Coesão Social, Acolher e Integrar Imigrantes em Portugal,<br />
Acessibilidade e Cidadania, Políticas de Reabilitação na área da Igualdade de<br />
Oportunidades ou a Integração dos que estão de fora da Urbe, para além da<br />
apresentação de boas práticas, dissertações de cariz ético, político e social, reuniram<br />
especialistas provenientes de diversas áreas profissionais na Ilha Terceira. Dependências<br />
marcou presença e entrevistou algumas das individualidades presentes<br />
Rui Marques, Alto-comissário para a Imigração e Diálogo Intercultural<br />
Dep – Durante a sua apresentação, referiu<br />
existirem cerca de 200 milhões de emigrantes<br />
em todo o mundo. Estamos a falar<br />
de pessoas ou de “máquinas de trabalho”?<br />
R.M. – São pessoas. Pessoas marcadas pela<br />
coragem, pela ousadia de, perante condições<br />
difíceis no seu país – pobreza, guerra,<br />
catástrofes naturais – são capazes de<br />
arriscar, de chorar, de ousar e ir à procura<br />
de trabalho. Aquilo que os move é, essencialmente,<br />
a esperança de encontrarem um<br />
futuro melhor para si e para as suas famílias<br />
e, por isso digo muitas vezes com convicção<br />
que são do melhor que a humanidade<br />
tem porque são os homens e as mulheres<br />
que não se conformam, lutam e ambicionam<br />
construir um mundo melhor. Através<br />
do trabalho, prestam um contributo<br />
que beneficia toda a gente e não podem,<br />
no entanto, ser vistos apenas como “braços”<br />
ou “máquinas de trabalho”. São pessoas<br />
importantes, merecem todo o respeito<br />
inerente à dignidade humana e a política<br />
de integração deve ser global, considerando<br />
não só a protecção dos direitos dos trabalhadores<br />
mas também as questões relacionadas<br />
com a habitação, com a saúde,<br />
com a justiça, com a educação, para recebermos<br />
pessoas e não “braços”.<br />
Dep – Muitos deles continuam a ser rotulados<br />
como ilegais. Será legítimo designálos<br />
como tal ou preferível utilizar um eufemismo<br />
e afirmar que estão em situação<br />
irregular?<br />
R.M. – Acontece que, muitas vezes, só no<br />
início do ciclo migratório ou mais à frente<br />
estes homens e mulheres que querem<br />
trabalhar não têm autorização para permanecer<br />
e o fazer num determinado país. E<br />
é isso que é ser imigrante irregular, mas<br />
é um estado, portanto, a pergunta faz to-<br />
do o sentido. Não é uma essência, ou seja,<br />
é um estado que se pode transformar<br />
e basta perceber que metade dos nossos<br />
imigrantes legais de hoje, em Portugal,<br />
já foram imigrantes irregulares e que há<br />
imigrantes que já foram legais e cujo visto<br />
não foi renovado a tempo, tendo, por isso,<br />
entrado numa situação irregular. Mas<br />
estamos a falar numa situação administrativa,<br />
de uma situação legal, concerteza,<br />
mas onde, a meu ver, não se deve centrar a<br />
nossa atenção fundamental. A nossa atenção<br />
deve focar-se, concerteza, na produção<br />
de imigração legal, que quando as pessoas<br />
chegam a Portugal venham munidas das<br />
autorizações necessárias para aqui permanecerem<br />
e trabalhar, pois só assim conseguimos<br />
que os seus direitos sejam protegidos.<br />
Perante o problema da imigração irregular,<br />
é a vulnerabilidade dos próprios imigrantes<br />
que estão nessa circunstância que<br />
pode ser explorada por quem tem poucos<br />
escrúpulos. Mas sempre, e em todas as circunstâncias,<br />
são pessoas.<br />
Dep – Essas pessoas constituem um problema?<br />
R.M. – Não têm sido nem são um problema.<br />
São, como dizia, uma excelente oportunidade,<br />
enquanto contributo, para o desenvolvimento<br />
sustentado e para a coesão<br />
social. Agora, decorrente de algumas circunstâncias<br />
especiais, podem eles próprios<br />
viver grandes problemas e representar um<br />
problema social. Se quiser, por exemplo, a<br />
questão de estes imigrantes agarrarem os<br />
trabalhos que ninguém quer, os trabalhos<br />
sujos, mal pagos e perigosos, faz com que<br />
estes homens e mulheres tenham índices<br />
de sinistralidade laboral muito acima da<br />
média portuguesa. Nesse sentido, temos,<br />
entre imigrantes, um número de vítimas de<br />
acidentes de trabalho e uma gravidade de<br />
casos muito maior, bem como situações de<br />
homens e mulheres imigrantes que trabalhavam<br />
para um determinado sub empreiteiro<br />
que, durante três meses ou quatro,<br />
não paga o salário ou que desaparece, e estas<br />
pessoas, de repente, não têm dinheiro<br />
para viver e ficam sem abrigo. Esse constitui,<br />
evidentemente, um grande problema<br />
mas, sublinho, não é a imigração ou os imigrantes<br />
que constituem o problema mas as<br />
condições sociais, a injustiça gerada e a exploração<br />
de que muitos são vítimas. Esse<br />
sim, é o verdadeiro problema a que a sociedade<br />
tem que fazer face.<br />
Dep – Não constituindo um problema, em<br />
que medida poderão representar uma<br />
ameaça para a coesão nacional?<br />
R.M. – Muito pelo contrário. Basta verificarmos<br />
que os cerca de 4,5 milhões de portugueses<br />
espalhados pelo mundo nunca<br />
ameaçaram a coesão nacional de nenhum<br />
país. Aliás, se olharmos para a nossa identidade<br />
nacional, percebemos que somos<br />
um País feito do cruzamento de muitos povos<br />
e de muitas culturas e esse ciclo há-de<br />
continuar no futuro. Se quiser, estamos a<br />
repetir aquilo que aconteceu ao longo de<br />
oito séculos de história.