que pretenda entrar. E devo referir ainda que, para quem não está muito preocupado com a pobreza mas não quer é ser incomodado, nomeadamente com os arrumadores, o programa até teve algum sucesso porque está dotado de uma lógica sanitarista e autoritária mas também me parece estranho que o programa tenha cessado e, passados dois dias já venham os responsáveis da autarquia dizer que já se vêem arrumadores de novo na cidade do Porto… Temos é que ter uma resposta muito mais profunda. Dep – Recentemente, ouvimos ainda o Dr. Nuno Melo insurgir-se contra a instalação Francisco Assis | Dependências | 33 Testemunho de um ex-utente do Programa Porto Feliz a residir na Casa de Vila Nova “Fiquei contentíssimo quando a Câmara abandonou o Porto Feliz!” Dep – Como veio parar ao Porto Feliz e à Casa de Vila Nova José Dias (J.D.) - Isto abriu com a Norte Vida. No início fiz as desintoxicações nesta ala, que era fechada, tinha televisor, dormitórios e um local para refeições. Depois, havia uma escola onde funcionava a área de dia, onde tínhamos diversas actividades, fazíamos também aqui muitas reuniões ao ar livre, tínhamos reuniões semanais ou quinzenais, fazíamos actas, portanto, funcionava tudo de forma perfeita. Ocupávamos o tempo de uma maneira que nos fazia sentirmo-nos úteis, a Norte Vida tentava integrar as pessoas na família e na sociedade, conseguiu arranjar emprego para muita gente, casaram-se aqui colegas, portanto, fizeram um trabalho bem feito. Quando o Porto Feliz tomou conta disto as coisas tomaram uma volta de 180 graus… Dep – Porquê? J.D. - A política deles consistia, mais ou menos, em repressão. Dep – Você era arrumador? J.D. - Sim, cheguei a andar a arrumar carros. Dep – É verdade que os técnicos se faziam acompanhar de polícias no sentido de encaminhar os arrumadores para tratamento? J.D. - Não. Ou melhor, há uma parte do que se diz que é verdade, que é o facto de a polícia contactar os arrumadores, agora essa dos técnicos… Posso dizer-lhe que, um certo dia em que nem sequer estava a de dispositivos de redução de riscos como as salas de consumo assistido e a troca de seringas em meio prisional e, ao mesmo tempo, a alegar desigualdades de tratamento por parte do IDT em função das instituições. Não se estará a partidarizar demais estas questões, apesar de não deixarem de constituir decisões políticas? F.A. – O assunto é político e, portanto, o que acho errado é partidarizar-se excessivamente. Concordo inteiramente que o assunto seja tratado em termos políticos percebendo-se que existem estratégias políticas diferentes. Entre o que eu penso e o que pensa o Dr. Nuno Melo vai toda a diferença entre o que arrumar carros, estava apenas no passeio à espera de um colega meu, esse sim estava a arrumar carros, apareceu um polícia municipal que tentou apanhá-lo mas não conseguiu e foi insultado – eles andavam meios pegados… Como não conseguiu apanhá-lo, pegou em mim, meteu-me dentro do carro à força, deu-me logo dois socos, levou-me para a esquadra em Lordelo e queria, à força, que eu assinasse um documento em que admitia que estava a arrumar carros – era uma multa de 60 euros. Eu recusei-me fazêlo porque não correspondia à verdade, fui novamente agredido dentro da esquadra. A coisa ficou por aí… Dep – Mas nessa altura já estava inserido no Programa Porto Feliz? J.D. - Sim, já estava. Dep – E quando foi abordado pelo polícia ele sabia ou tentou saber se estava inserido no Programa? J.D. - Não, de maneira alguma. Eles estiveram sempre à margem dessas ocorrências. Embora tivessem conhecimento da existência do Programa e até sabiam que alguns de nós estavam inseridos, nunca fizeram nada que respeitasse isso. Mas dou-lhe outros exemplos acerca do Programa. Quanto ao tema do VIH, que é um vírus que se transmite através do sangue, toda a gente sabe que a troca de seringas foi uma coisa que fizeram muito bem em implementar. Aqui, com o Porto Feliz, eles só trocavam a seringa se a gente trouxesse uma usada. Muitas vezes, os colegas compravam a droga, a gente não tinha dinheiro mas tínhamos as seringas, já utilizadas, e como só tínhamos uma, essa tinha que dar para dois ou para três porque aqui se negavam a trocar. Uma vez por outra ainda facilitavam mas depois começaram a ser rígidos connosco. Dep – Era alguma equipa de rua que fazia a troca? J.D. - Não, era aqui, na Casa de Vila Nova. Havia aqui uma equipa de rua da Norte Vida, entretanto começaram a ir para outros locais mais problemáticos como o Aleixo. Mas, até mesmo em relação à alimentação, quando isto passou para o Porto Feliz, começou a ser degradada, serviam-nos em chávenas e copos partidos, pratos “esbotenados”, tudo facto- pensa um homem da esquerda democrática e o que pensa um homem da direita conservadora e, portanto, nenhum de nós estará à espera que o outro pense da mesma forma que nós. O que me parece é que o Dr. Rui Rio ainda ultrapassa muito o Dr. Nuno Melo à direita nestas questões, revelando uma estrutura mental muito autoritária, muito protofascista, o que acaba por ter uma expressão ao nível destes programas na área social imbuída destes princípios: totalitarismo, um certo sanitarismo e um voluntarismo que até pode ser bem intencionado mas que acaba por, associado a estas ideias anteriores, ter consequências terríveis. res de risco… Lembro-me que quando isto estava a cargo da Norte Vida, as pessoas que trabalhavam na cozinha usavam toucas, luvas e utensílios apropriados. Quando passou para o Porto Feliz, as funcionárias pegavam nalguma comida com as mãos e sem protecção, a comida era constantemente servida fria, a gente reclamava mas não servia de nada e, quando reclamávamos mais que a conta, mandavam-nos de castigo. E isso, para quem está a recuperar é muito mau. Quem estava aqui a dormir ficava logo sem dormida, sem alimentação e ia outra vez para a droga. Nós éramos descriminados pelos próprios técnicos. Dep – Conhece mais alguém que tenha sido alvo dessa política repressora e de agressões policiais? J.D. – Sim, conheço. Tem aqui aqui muita gente à sua beira com quem pode falar. Estes meus colegas já passaram todos pelo mesmo que eu. Dep – Alguma vez tentaram queixar-se a alguém das agressões perpetradas pelos polícias municipais de que dizem ter sido alvos? J.D. – Sim, às vezes chegávamos aqui e queixávamo-nos aos técnicos mas não adiantava nada… Cheguei a recolher aqui assinaturas – também fui sempre uma pedra no sapato para os responsáveis do Porto Feliz porque, no fundo, era um pouco o porta-voz das pessoas que estavam aqui – fui à Deco apresentar uma queixa relativa à alimentação e à falta de higiene – na cozinha, por exemplo, tínhamos um contentor de lixo à beira da comida, às sanitas constantemente entupidas, à falta de papel higiénico e de sabão, aos chuveiros danificados… Dep – Presumo que tenha ficado satisfeito quando a Câmara Municipal entregou a chave da Casa de Vila Nova, abandonando ao mesmo tempo o Programa Porto Feliz… J.D. – Fiquei contentíssimo quando soube que a Câmara abandonou o Porto Feliz! Acho que é uma grande oportunidade para as coisas melhorarem. Só espero que agora tudo volte a ser como era na altura em que a Norte Vida tomava conta disto.
34 | Dependências | Serviço de Doenças Infecciosas do Hospital Joaquim Urbano 10º Encontro Nacional de Actualização em Infecciologia A cidade do Porto acolheu, de 17 a 19 de Outubro, o 10º Encontro Nacional de Actualização em Infecciologia, um evento organizado pelo Serviço de Doenças Infecciosas do Hospital Joaquim Urbano. Dependências apresenta resumos de dois dos vários estudos apresentados Terapêutica Anti-Retrovírica administrada directamente (DAART) com Metadona em doentes infectados por VIH A. Horta¹, J. Méndez¹, E. Gonzalez¹, C. Recalde², O. Fortes², N. Pires¹, J. Faria¹, R. Cruz², C. Rodrigues¹, R. Rocha¹, S. Ribeiro¹, S. Carvalho¹, M. Duarte¹, S. Veloso¹, V. Coelho¹, L. Feijó², C. Costa², L. Silvano², S. Judite¹, R. Sarmento-Castro¹. 1 - Serviço de Doenças Infecciosas – HJU 2 - CAT, Porto Objectivo: Avaliar a eficácia de DAART e metadona no tratamento de toxicodependentes activos de drogas por via endovenosa (IVDUs) infectados por VIH. Métodos: Entre Jan 2001 e Maio 2006, 422 IVDUs activos infectados por VIH foram incluídos num estudo prospectivo. 211 doentes tomaram HAART e metadona sob observação directa, diariamente no Hospital, com o suporte regular de uma equipa multidisciplinar. Os doentes do grupo controlo (n=211) auto-administraram HAART. Resultados: As características basais de ambos os grupos eram de um modo geral similares. A comparação dos resultados entre os grupos revelou: - a adesão à terapêutica foi melhor no grupo em estudo (85,3% vs 37,4%, p