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Revista dependências - Novembro 2007

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30 | Dependências | Congresso Internacional dos Açores<br />

Nélia Amaral, deputada da Assembleia Legislativa Regional dos Açores<br />

Dep – Quando falamos sobre igualdade de<br />

oportunidades, a que nos referimos concretamente?<br />

N.A. – Na minha opinião, quando falamos em<br />

igualdade de oportunidades, falamos da capacidade<br />

de reconhecermos aos outros os mesmos<br />

direitos que achamos que temos. Para<br />

lhe dar um exemplo, eu como mulher não sinto<br />

necessidade de usufruir de qualquer direito<br />

especial, mas antes a necessidade que as outras<br />

mulheres, os homens, as empresas, o Estado,<br />

as associações e demais entidades com<br />

quem lido, reconheçam e respeitem os meus<br />

direitos enquanto ser humano. É não considerar<br />

que, porque nasci com pele branca, tenho<br />

direitos diferentes daqueles que nasceram com<br />

pele escura ou porque posso usar as pernas para<br />

andar tenho direitos superiores àqueles que<br />

têm que utilizar uma cadeira de rodas ou porque,<br />

lendo com os olhos, tenho direitos diferentes<br />

daqueles que têm que usar os dedos para<br />

ler. Depois, é organizarmos a sociedade e os<br />

serviços de forma a que essas pessoas que têm<br />

essas tais características diferentes tenham garantido<br />

o acesso às oportunidades que o Estado<br />

garante para todos. Se assim fosse não faria<br />

sentido que as nossas escolas continuassem a<br />

estar equipadas com quadro e giz e não com<br />

digitalizadores de voz , impressoras Braille ou<br />

mapas em relevo para as crianças que não vêem<br />

ou não falam. Parto do princípio de que, se<br />

assim acontece, é porque alguém assumiu que<br />

todas as crianças que vão para a escola vêem e<br />

falam, o que por exclusão de partes, pressupõe<br />

que aquelas que não ouvem ou não falam não<br />

têm lugar na escola.<br />

Dep – Até que ponto serão essas constatações<br />

ainda mais evidentes numa região<br />

como os Açores em que a dispersão de um<br />

conjunto de ilhas reduz factores como a<br />

acessibilidade e a mobilidade?<br />

N.A. – Bom, por razões naturais, estamos obrigados<br />

a utilizar o barco ou o avião para nos deslocarmos<br />

de uma ilha para outra (risos) … Mas<br />

creio que o problema fulcral, ao nível das acessibilidades,<br />

no que diz respeito à promoção da<br />

igualdade, não se coloca a esse nível, da deslocação<br />

de uma ilha para outra ou para o exterior<br />

do arquipélago mas antes ao nível dos cidadãos<br />

de cada comunidade, na medida em que podem<br />

ou não aceder aos serviços disponíveis para<br />

toda a gente. A acessibilidade tem de garantir<br />

que todos têm acesso, por exemplo, a subsídios<br />

de desemprego, a uma habitação condigna,<br />

à educação, de todos poderem entrar numa<br />

biblioteca pública. Na minha óptica, o problema<br />

da acessibilidade no âmbito da igualdade<br />

de oportunidades, tem a ver com a garantia de<br />

acesso aos serviços e bens essenciais para que<br />

no quotidiano de todas as pessoas sejam res-<br />

peitados os seus direitos humanos.<br />

Dep – Em que medida poderá a não fixação<br />

da população mais jovem em determinadas<br />

ilhas açorianas, face à falta de respostas<br />

ou soluções de futuro, representar<br />

mais uma barreira ditada pelas tais desigualdades?<br />

N.A. – A questão dos jovens coloca uma dificuldade<br />

e um desafio, sobretudo nas ilhas mais<br />

pequenas, em que temos uma população bastante<br />

envelhecida. É verdade que muitos jovens<br />

partem e que alguns não regressam. Eu gosto<br />

de analisar esse problema sob várias perspectivas.<br />

Por um lado assumo como positivo o facto<br />

de alguns jovens destas ilhas partirem… Eu parti.<br />

A partida, apesar de constituir uma dificuldade,<br />

também se pode afigurar como uma oportunidade,<br />

um abrir de horizontes ditado pela<br />

saída do limite geográfico onde, por acaso, nasceram,<br />

a possibilidade de contacto com outras<br />

experiências, culturas e populações, um desafio<br />

à sua autonomia, é um alargar de fronteiras.<br />

Não devemos condicionar os interesses e as<br />

possibilidades de formação e profissionais dos<br />

jovens só porque nasceram nos Açores. Queira<br />

um jovem açoriano ser astronauta, astrólogo,<br />

físico, ou seja o que for que aqui se afigure<br />

impossível de concretizar – seja ele capaz de<br />

realizar o seu sonho e nós teremos de encontrar<br />

forma de lhe proporcionar as condições para<br />

concretizar esse objectivo. Temos de apoiálo<br />

na prossecução do seu projecto de vida, mesmo<br />

que isso implique a saída dos Açores e mesmo<br />

quando tenhamos consciência de que dificilmente<br />

regressarão. Mas, por outro lado, temos<br />

que continuar a desenvolver aqui possibilidades<br />

de realização pessoal de outros jovens,<br />

com ambições diferentes, que têm outros projectos<br />

de vida, igualmente válidos e que podem<br />

ser desenvolvidos aqui nos Açores. Temos que<br />

dar continuidade a incentivos ao empreendedorismo,<br />

por exemplo, temos que ser criativos e<br />

proporcionar outras oportunidades de ocupação<br />

profissional, que não as tradicionais dentro<br />

da nossa comunidade. Falando, uma vez mais,<br />

nas tecnologias da comunicação, nada impede<br />

que um jovem que reside nos Açores, faça, por<br />

exemplo, traduções de português para inglês<br />

para uma empresa alemã sedeada em Nova<br />

Iorque. Há que estudar essas novas possibilidades<br />

de trabalho uma vez que temos hoje mecanismos<br />

que fazem com que os limites físicos do<br />

nosso arquipélago fiquem mais atenuados face<br />

à existência dessa rede de telecomunicações e<br />

do processo de globalização que, se por um lado,<br />

acarreta efeitos negativos, também representa<br />

vantagens que convém explorar.<br />

Dep – A imigração poderá ser encarada como<br />

uma oportunidade ou uma ameaça para<br />

os açorianos?<br />

N.A. – Eu creio que a imigração deve ser encarada<br />

como uma vantagem. Nós, açorianos, tivemos,<br />

durante muito tempo, um fluxo migratório<br />

muito acentuado para os EUA e para o Brasil.<br />

Dificilmente, se encontrará nos Açores uma<br />

família que não tenha um familiar, mais ou menos<br />

afastado na Nova Inglaterra, na Califórnia<br />

ou em São Paulo. Somos uma população que<br />

sente na pele o que representa estar longe da<br />

sua terra, numa país diferente, com uma língua<br />

e cultura diferentes. Não quero com isto dizer<br />

que tenham sido eliminadas as dificuldades de<br />

integração dos emigrantes que hoje chegam<br />

aos Açores, mas julgo que esta experiência colectiva<br />

contribui para que nos consigamos organizar<br />

e perceber que estas pessoas que chegam,<br />

na sua diversidade trazem uma mais-valia<br />

no que respeita ao enriquecimento cultural um<br />

contributo em relação ao nosso desenvolvimento<br />

social e económico.<br />

Dep – Tendo em conta as dificuldades inerentes<br />

à dispersão geográfica de um arquipélago<br />

e às barreiras daí resultantes, que<br />

tipo de medidas têm sido levadas a cabo<br />

pela assembleia Legislativa Regional?<br />

N.A. – Têm sido tomadas várias medidas.<br />

Ocorrem-me algumas, por exemplo, no âmbito<br />

da educação e da saúde, áreas consideradas<br />

fundamentais. Na área da saúde, uma medida<br />

tomada consistiu em possibilitar a deslocação<br />

de especialistas, financiada pelo Governo Regional,<br />

às diferentes ilhas, rentabilizando assim<br />

os recursos humanos e evitando a deslocação<br />

dos doentes em situação fragilizada, de dependência<br />

ou até de crise. A região dispõe ainda de<br />

apoios para a deslocação dos doentes, tendo<br />

sido criado um centro de acolhimento para doentes<br />

deslocados em Lisboa, precisamente para<br />

colmatar essa necessidade de, mesmo em<br />

ilhas que dispõem de hospital, alguém ter que<br />

se deslocar ao continente. A nossa rede escolar<br />

está organizada por forma a que, em cada concelho<br />

e em cada ilha, haja estruturas para dar<br />

resposta à estabilidade da escolaridade obrigatória.<br />

Sei que isto pode parecer óbvio mas, se<br />

pensarmos que numa ilha dos Açores existem<br />

menos de 500 habitantes, pode imaginar-se<br />

quantos alunos existem e o investimento necessário<br />

para se garantir esse objectivo. Nos transportes<br />

aéreos foi criada a taxa de residente para<br />

que as pessoas que residem nos Açores beneficiem<br />

de uma taxa inferior e assim possam<br />

colmatar essa dispersão geográfica…<br />

Dep – Que avaliação faz, enquanto deputada,<br />

do trabalho desenvolvido, ao longo dos<br />

últimos anos, pelo Governo Regional em<br />

prol dos Açores?<br />

N.A. – Estou obviamente satisfeita mas, se por<br />

um lado, creio que temos que olhar para trás<br />

e reconhecer o percurso que já foi efectuado,<br />

também temos que constatar que muito existe<br />

ainda por fazer. E, com cada etapa que vamos<br />

conseguindo alcançar, devemos estabelecer<br />

um objectivo novo, no sentido de chegarmos<br />

cada vez mais longe.<br />

Dep – E o que falta então fazer?<br />

N.A. – Falando sobretudo em termos de política<br />

social, a área a que mais me dedico, diria<br />

que se fez na região um grande investimento na<br />

construção de infra-estruturas, quer de hospitais,<br />

quer de centros de saúde, quer de lares de<br />

idosos, creches, jardins de infância ou escolas.<br />

E a esse nível, as estruturas de que estamos dotados,<br />

não nos envergonham em nenhum local<br />

do país ou do mundo. Creio que agora teremos<br />

que deslocar o investimento mais para a promoção<br />

da qualidade. Fazer mais formação de<br />

recursos humanos em áreas específicas, preocuparmo-nos<br />

mais com a qualidade dos serviços<br />

que prestamos, fazer monitorizações e<br />

manter registos para que possamos alterar o<br />

que for necessário ou até replicar boas práticas.<br />

Creio que o desafio seguinte passa, inevitavelmente,<br />

por uma aposta cada vez mais consistente<br />

na qualidade.

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