12.04.2013 Views

O humano na vida fraterna

O humano na vida fraterna

O humano na vida fraterna

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

O <strong>humano</strong> <strong>na</strong> <strong>vida</strong> frater<strong>na</strong><br />

O ser <strong>humano</strong> não <strong>na</strong>sce pronto – a pessoa huma<strong>na</strong> vai sofrer a ação e a influência<br />

da cultura e do meio ambiente <strong>na</strong> formação de sua perso<strong>na</strong>lidade.<br />

Introdução<br />

O presente artigo, escrito de forma bem e livre, pretende ser uma modesta contribuição<br />

à imensa legião de Religiosas e Religiosos que hoje encontram alguma dificuldade <strong>na</strong> vivência<br />

de seus relacio<strong>na</strong>mentos fraternos e sororais (com todas as implicâncias daí decorrentes). Não<br />

queremos simplesmente apontar as possíveis deficiências que existem <strong>na</strong>s relações dentro de<br />

nossas instituições, muito embora isto seja inevitável, mas queremos sim, trazer um pouco de<br />

luz àqueles processos que poderiam ser de grande alegria e crescimento para todos nós. Por<br />

ser um texto que ousa trazer à to<strong>na</strong> algumas situações bem concretas de nossa vivência cotidia<strong>na</strong>,<br />

tomamos a liberdade de nos permitir algumas “transgressões científicas” ao longo do<br />

mesmo. Portanto, não espere encontrar <strong>na</strong>s linhas que se seguem, muita fundamentação teórico-científica.<br />

Mais do que citar autores e obras já escritas, com modéstia queremos partilhar<br />

um pouco de nossa experiência prática e concreta no trabalho com a Vida Religiosa Consagrada<br />

no Brasil.<br />

É possível que, ao ler este escrito, se tenha a impressão de um negativismo um tanto<br />

generalizado. Desde já queremos dizer que, embora a constatação de alguns ou vários fatos<br />

possa induzir a este olhar, não é este o nosso modo de pensar a Vida Religiosa Consagrada.<br />

Como em todas as áreas, sempre é mais notório o que não está bem, pois ele é mais passível<br />

de crítica, enquanto o que está bem, ordi<strong>na</strong>riamente não é tão acentuado, exatamente porque<br />

está bem. Como dizia um professor meu, <strong>na</strong> Universidade Gregoria<strong>na</strong>, de Roma: “... sobre as<br />

coisas que estão bem, não precisa falar; portanto, se alguém fala muito sobre o que está bem,<br />

há que se estar atento...”. De todo modo, não queremos ser entendidos como pessimistas frente<br />

ao existir e ao viver da VRC no Brasil; com um olhar de realismo, pensamos poder apontar<br />

para uma possibilidade de sermos ainda melhores em nossos relacio<strong>na</strong>mentos enquanto irmãos<br />

e irmãs que abraçaram um mesmo ideal, a saber, o Reino de Deus.<br />

Somos <strong>humano</strong>s<br />

Sempre que se trata de relacio<strong>na</strong>mentos <strong>humano</strong>s precisamos trazer em causa o pressuposto<br />

básico: somos <strong>humano</strong>s! E entre <strong>humano</strong>s, são normais as tensões decorrentes do<br />

fato de viverem juntos, pois fazem parte de um processo <strong>na</strong>tural, comum a todas as sociedades<br />

e grupos. Aliás, estas tensões sempre hão de acompanhar a convivência de todo indivíduo<br />

dentro de um grupo. Seria ilusão pensarmos um relacio<strong>na</strong>mento <strong>humano</strong> isento de qualquer<br />

possibilidade de tensão. Embora, tensão não necessariamente deva significar uma impossibilidade<br />

de relacio<strong>na</strong>mentos, pois assim como as transformações muitas vezes geram o conflito,<br />

este, desejado ou não, pode ser o impulso para uma mudança.<br />

Relacio<strong>na</strong>mentos podem fazer crescer<br />

Parece que o ser <strong>humano</strong>, quando entra num relacio<strong>na</strong>mento pessoal com alguém, no<br />

fundo, o que ele busca é uma oportunidade de crescimento em todos os aspectos. Compreende-se,<br />

assim, porque certas atitudes são fundamentais para tecermos relacio<strong>na</strong>mentos genui<strong>na</strong>mente<br />

<strong>humano</strong>s e saudáveis, como afeto, ternura, delicadeza, compreensão, ajuda, acolhida,<br />

aceitação, caridade e assim por diante. Compreende-se também que tais relacio<strong>na</strong>mentos<br />

exigem investimento de atitudes e de tempo a fim de que se propiciem condições para tanto. E<br />

então teremos ambientes onde verdadeiramente acolhemos e somos acolhidos, amamos e<br />

somos amados, valorizamos e somos valorizados.<br />

Construir relacio<strong>na</strong>mentos a partir do <strong>humano</strong>.<br />

Um dos perigos que corremos nos nossos relacio<strong>na</strong>mentos de religiosos é o de nos relacio<strong>na</strong>rmos<br />

muito mais a partir do institucio<strong>na</strong>l do que a partir do <strong>humano</strong>. Muitos de nós te-


mos alguns momentos comunitários que são instituídos (recreios comunitários, por exemplo),<br />

mas o fazemos muito mais para cumprir a norma institucio<strong>na</strong>l do que pelo prazer e pela alegria<br />

de estarmos juntos, numa relação afetuosa e frater<strong>na</strong>. No fundo, não poucas vezes, quereríamos<br />

estar longe dali... mesmo porque fica difícil estarmos juntos nestes momentos de recreação<br />

quando fora daí nos tratamos com frieza e relativa indiferença. Os momentos instituídos<br />

precisam ser a continuação do vivido de cada um e da própria comunidade. E se estes forem<br />

meramente formais, aqueles também o serão, forçosamente.<br />

Nesta mesma direção devem-se a<strong>na</strong>lisar ainda os relacio<strong>na</strong>mentos que passam pelo<br />

viés da autoridade. Se alguém tende a se relacio<strong>na</strong>r com os demais a partir de seu “posto de<br />

comando”, de seu “cargo”, certamente não gerará relacio<strong>na</strong>mentos afetuosos e calorosos o<br />

suficiente para que se crie um clima de harmonia, cuidado mútuo e fraternidade. E, talvez, o<br />

mais pernicioso nisso tudo é que se faz tudo com “as bênçãos” dos documentos que regem<br />

nossa convivência, pois, como querem muitos, isso é viver a obediência. Ora, quando alguém<br />

se faz forte pelo cargo que ocupa, não está ajudando ninguém a viver seu voto de obediência,<br />

mas está constrangendo os outros a se submeterem. Obediência implica liberdade, leveza,<br />

serenidade, alegria... e isso o nosso voto livremente assumido deve provocar em cada um.<br />

Neste sentido, o papel do coorde<strong>na</strong>dor/a da comunidade é fundamental. Ele deve ser o<br />

fomentador das relações que ajudem a todos <strong>na</strong> sua caminhada de crescimento. Ele precisa<br />

ser aquele que, por primeiro, deve prover para que o ambiente comunitário seja um local de<br />

acolhida e de convivência de irmãos/irmãs <strong>na</strong> mesma opção de <strong>vida</strong>. Por isso, mais do que<br />

coorde<strong>na</strong>dor/a, ele é chamado a ser o animador/a. Animador/a é aquele que anima, que dá<br />

<strong>vida</strong>, que estimula, que propõe, provoca e desafia. E isto exige certa capacidade, não ape<strong>na</strong>s<br />

“méritos por tempo de serviço prestados à Congregação”! E, quem sabe, uma maior rotati<strong>vida</strong>de<br />

no exercício deste serviço entre os irmãos/imãs pudesse ser de grande ajuda, dado que o<br />

diferente sempre pensa de outro jeito e pode trazer novos desafios!<br />

De outro lado, o difícil é perceber quando as pessoas tentam construir relacio<strong>na</strong>mentos<br />

não a partir do <strong>humano</strong>, como seria de se esperar, mas a partir do ‘’poder e da autoridade’’1 de<br />

que foram constituídas, uma vez que a relação que não envolve a nossa real estrutura interior,<br />

não atinge a partilha de nosso caráter, desejos e crenças. Antes, tais relacio<strong>na</strong>mentos certamente<br />

passarão por vários filtros reguladores que estabelecem os limites de atitudes, falas,<br />

etc., o que ocasio<strong>na</strong>rá uma interação aparente, inconstante e, via de regra, durável enquanto<br />

alguma afinidade existir.<br />

A grande deficiência que se constata, neste sentido, é que nenhuma pessoa pode se<br />

construir (edificar) enquanto ser <strong>humano</strong> se lhe forem negadas as condições básicas necessárias<br />

de se sentir protegida, acolhida, amada e especialmente cuidada. Segundo Boff, L. (2000),<br />

cuidar é atuar sobre o poder de existir, é possibilitar a libertação das capacidades de cada ser<br />

<strong>humano</strong> para existir, para viver, é, definitivamente, uma forma de promover a <strong>vida</strong>. No entanto,<br />

representa mais que um momento de atenção. Cuidar é, <strong>na</strong> realidade, uma atitude de atenção,<br />

zelo, preocupação, ocupação, responsabilização e de envolvimento afetivo com o outro. É uma<br />

relação que envolve a totalidade da pessoa, em sua realidade psicossomática. Quando estes<br />

pressupostos vitais não estão presentes, a falta de humanidade é perceptível <strong>na</strong> insensibilidade<br />

em relação aos outros aumentando assim a possibilidade de termos pessoas sofridas, com<br />

o coração muitas vezes cheio de intrigas, preconceitos, relações perturbadas com quem as<br />

cercam e sem brilho em seu existir. E então, dizemos que estas pessoas não vivem, ape<strong>na</strong>s<br />

vegetam.<br />

1 O jeito de sentir e de viver o poder e a autoridade nos tempos atuais tem encontrado transformações<br />

tanto <strong>na</strong> Igreja como <strong>na</strong> sociedade. Talvez isso se deva, entre tantas outras coisas, reflexão, e a tomada<br />

de consciência da valorização da pessoa huma<strong>na</strong>, dotada de dons intelectuais, afetivos e espirituais e<br />

dos instrumentos que ajudam a vivê‐la; de um modo diferente e menos individualista de se conceber a<br />

pertença, partilha e missão no seguimento.


Amizade e Fraternidade<br />

É também de se ter em mente outra coisa. Amizade e fraternidade são fundamentalmente<br />

diferentes. Não se excluem, mas não se supõem! Entre amigos as coisas <strong>na</strong>turalmente<br />

brotam... É fácil ser afetuoso, terno, delicado e compreensivo com quem a gente quer bem.<br />

Numa amizade não é preciso muito esforço para ter determi<strong>na</strong>das atitudes, pois elas surgem<br />

espontaneamente pelo simples fato de que somos amigos.<br />

Já, numa fraternidade, que não implica necessariamente numa amizade (embora ela<br />

possa existir ou possa vir a existir), tais atitudes não brotam <strong>na</strong>turalmente. Enquanto a amizade<br />

é um sentimento que <strong>na</strong>sce por si, a fraternidade é uma escolha que se faz livremente, a partir<br />

de alguns elementos que nos são comuns: vocação, ideais evangélicos, carisma, vontade de<br />

viver os mesmos valores... Portanto, numa fraternidade não se espera que as coisas aconteçam<br />

espontaneamente, senão que se deve buscar conscientemente o que se quer construir.<br />

Assim, numa comunidade, provavelmente teremos de fazer algum esforço para sermos mais<br />

delicados uns com os outros, mais atenciosos, mais cuidadosos, mais ternos, mais doces <strong>na</strong>s<br />

nossas palavras, gestos e atitudes... coisas que, numa amizade, não requerem esforço consciente!<br />

Assim, ser fraterno exige de cada um algum esforço continuado a fim de que se construa<br />

um ambiente caloroso e acolhedor para que todos se sintam bem <strong>na</strong> busca do mesmo<br />

ideal.<br />

A Vida Religiosa Consagrada é feita de pessoas<br />

A VRC é constituída por pessoas normais, com toda a potencialidade que lhes é própria,<br />

mas também com seus limites. Ela não se faz de pessoas perfeitas. Todas, em princípio,<br />

estão tomadas da mais pura intenção de viver em plenitude sua consagração com todas as<br />

suas implicâncias, embora nem sempre o consigam. Mais ainda, somos pessoas, huma<strong>na</strong>s,<br />

dotados de uma <strong>na</strong>tureza comum a todos, mas com uma história pessoal muito particular. Assim,<br />

a convivência huma<strong>na</strong> como um todo é entrelaçada por contrastes e conflitos devidos às<br />

diferenças individuais, seja por temperamento, pontos de vista, modos de pensar e até por<br />

gostos.<br />

Entretanto, mesmo sendo um grupo de pessoas que se unem para caminhar juntas,<br />

com o desejo de uma profunda vivência da fé cristã, colocando-se junto com os irmãos a serviço<br />

do Reino, formam uma comunidade muito diversificada, ao mesmo tempo unida e separada<br />

por tantas culturas e situações particulares de cada um, que refletem uma parte muito grande<br />

da riqueza da humanidade, à qual os religiosos/as, presentes em tantos lugares, pertencem.<br />

Além disso, todos esforçam-se por viver “segundo o Evangelho”, por servir ao Senhor e aos<br />

irmãos <strong>na</strong> solidariedade, <strong>na</strong> verdade, no respeito e no verdadeiro querer-se bem.<br />

Ainda que todos sejamos testemunhas de muitas relações comunitárias profundas, calorosas<br />

e que são geradoras da verdadeira <strong>vida</strong> e testemunham ao mundo a beleza e a profundidade<br />

da consagração, nós todos também sabemos quanto melhores poderiam ser nossos<br />

relacio<strong>na</strong>mentos entre religiosos/as se estivéssemos dispostos a nos acolher com um pouco<br />

mais de delicadeza e de ternura... Parece que o fato de estarmos juntos numa mesma comunidade<br />

ameaça nos levar a uma <strong>vida</strong> rotineira em que, gestos tão comuns entre pessoas que são<br />

(pelo menos) educadas nos são literalmente “roubados”. Temos então um grupo de pessoas<br />

que convivem sob um mesmo teto, que rezam juntos, que fazem as refeições em comum, que<br />

assistem TV <strong>na</strong> mesma sala, mas que correm o risco de se tor<strong>na</strong>r incapazes de expressar o<br />

mais característico do ser <strong>humano</strong>: sua delicadeza presente em seus gestos, atitudes e palavras.<br />

O papel do prazer <strong>na</strong> Vida Frater<strong>na</strong><br />

Uma das razões que poderia nos ajudar a entender esta condição, talvez esteja <strong>na</strong><br />

nossa compreensão errônea (ou limitante) do termo prazer. Em vários momentos, estando<br />

entre grupos de religiosos/as, temos perguntado à queima roupa, qual é a primeira palavra ou


ideia que vem em mente dos presentes quando mencio<strong>na</strong>da a palavra “prazer”? É impressio<strong>na</strong>nte<br />

que, <strong>na</strong> quase totalidade dos casos, duas palavras sempre aparecem, nesta sequência:<br />

sexo e pecado. Isto quer dizer então que, quando falamos de prazer, ipso facto nos remetemos<br />

ao prazer derivado da nossa genitalidade e, consequentemente, como somos religiosos, já nos<br />

deparamos com a situação de pecado. E aqui, infelizmente, dá-se uma identificação, tomandose<br />

a parte pelo todo: prazer = sexo = pecado. Então, prazer = pecado. Portanto, como religiosos,<br />

não podemos sentir prazer, pois isto é pecado!<br />

É uma pe<strong>na</strong> que seja assim, pois reduzir o prazer desta forma não nos ajuda em <strong>na</strong>da.<br />

Todos sabemos que, sob nenhuma hipótese, ninguém consegue sobreviver sadio emocio<strong>na</strong>lmente<br />

sem a dimensão do prazer em sua <strong>vida</strong>. Naturalmente, falo aqui dos prazeres que nos<br />

são lícitos e sadios dentro da nossa escolha de <strong>vida</strong>2.<br />

Negar o prazer sadio faz com que uma pessoa vá perdendo sua sensibilidade e aos<br />

poucos vá literalmente embrutecendo. Pessoas que não se permitem o prazer são pessoas<br />

profundamente amargas, desgostosas e, o que é pior, insensíveis. É quando nos permitimos os<br />

prazeres sadios que a <strong>vida</strong> nos oferece que mantemos aguçada a nossa sensibilidade. E só<br />

então nos tor<strong>na</strong>mos verdadeiramente <strong>humano</strong>s. Talvez isto possa explicar algumas coisas<br />

entre nós, apesar da escolha de vivermos em comunidade!<br />

Pessoalmente tenho dificuldade de acreditar numa <strong>vida</strong> consagrada sadia e testemunhante<br />

que se pauta exclusivamente sobre a doação, a entrega, o sacrifício, a renúncia, a mortificação,<br />

a oração e o trabalho, excluindo por completo a dimensão do prazer. Tal não pode<br />

gerar <strong>vida</strong> em plenitude, como requer o Evangelho.<br />

Seriedade e Santidade<br />

Há também outra ideia restritiva que circula entre nós, fruto talvez da nossa formação3.<br />

É a redução do trinômio “santidade = seriedade = trabalho”. No fundo, santidade normalmente<br />

nos é apresentada como sinônimo de seriedade e de trabalho. Obviamente, nesta conceituação<br />

elementos como a dimensão do lazer e do lúdico ficam necessariamente de fora. Não está<br />

em questão se devemos ou não trabalhar, e muito menos se devemos ou não ser sérios! Não é<br />

este o ponto. O que está em questão é a visível negação da necessidade do lazer e do lado<br />

lúdico da <strong>vida</strong>, como fatores de equilíbrio emocio<strong>na</strong>l das pessoas. Da nossa experiência musical<br />

todos sabemos que uma corda do violão, quando continuamente esticada ao seu máximo,<br />

<strong>na</strong>lgum momento vai se romper! Claro, dirá alguém, mas se ela ficar muito frouxa também não<br />

produzirá o som que lhe deve ser próprio. Concordamos. Mas queremos lembrar que, sempre<br />

há um ponto de afi<strong>na</strong>ção. Quando se atinge este ponto de afi<strong>na</strong>ção, no violão, se podem extrair<br />

sons maravilhosos e agradáveis à sensibilidade auditiva huma<strong>na</strong>. As cordas, quando frouxas<br />

demais, não permitirão os acordes musicais que delas se pode tirar; mas quando estiverem<br />

esticadas demais elas se romperão!<br />

Assim somos nós também. Quando tentamos levar a <strong>vida</strong> a sério demais, além do que<br />

ela é certamente estaremos prestes a romper com ela. Doenças psicossomáticas, depressão,<br />

2 Não sou eu quem vai determi<strong>na</strong>r quais são os prazeres que se adéquam à nossa escolha de <strong>vida</strong>, mas a<br />

título de curiosidade pense‐se no prazer de saborear um bom prato, uma boa bebida, ler um bom livro,<br />

assistir a um bom filme, assistir a um teatro, ouvir uma boa música, ir a um concerto musical, gastar<br />

algum tempo conversando amenidades com alguém que eu gosto tomar um bom chimarrão ou um<br />

cafezinho com alguém que me é agradável, cultivar meu hobby, jogar cartas, etc... Naturalmente, tudo<br />

isto, dentro dos limites que todos nós sabemos quais são.<br />

3 Não quero ser injusto, pois tenho consciência de que, tudo o que somos hoje, é fruto da formação que<br />

recebemos, que, embora com seus limites, a bem da verdade, nos colocou de pé e nos dá sustento em<br />

nossa caminhada até hoje. Quem nos ajudou neste processo o fez, com a mais pura consciência de estar<br />

fazendo bem e o seu melhor, com as ferramentas de que dispunha então.


perda de sentido, sensação de vazio e inutilidade, para mencio<strong>na</strong>r alguns sintomas, são a expressão<br />

concreta desta ruptura. Neste sentido, sem dú<strong>vida</strong> alguma se faz necessária a busca<br />

de novas formas de enfrentamento da realidade atual que levem a uma melhor qualidade de<br />

<strong>vida</strong> 4 com o consequente alívio do stress no trabalho diário.<br />

O Cuidado de si<br />

Portanto, o lazer precisa ser incorporado em nossa vivência de consagrados. É ele que<br />

nos dá o justo equilíbrio entre o FAZER e o SER, que tanto buscamos. De outro lado, sabermos<br />

brincar com a <strong>vida</strong>, mesmo quando estamos em meio a alguma dificuldade, é um dos si<strong>na</strong>is<br />

característicos de saúde mental e de equilíbrio das pessoas. Não se trata de sermos sempre<br />

feito “bobos alegres”, mas trata-se de sabermos levar a <strong>vida</strong> um pouco mais <strong>na</strong> brincadeira.<br />

Como dizia alguém: “a <strong>vida</strong> é ape<strong>na</strong>s séria; ela não é muito séria”!<br />

Pois bem, quer parecer-nos que, estes aspectos acima nos ajudam a entender porque<br />

temos algumas dificuldades bem específicas nos nossos relacio<strong>na</strong>mentos <strong>humano</strong>s, especialmente<br />

entre consagrados. Na verdade, fica muito difícil relacio<strong>na</strong>rmo-nos harmoniosamente<br />

quando estas dimensões ficam excluídas do nosso viver. Nós não somos máqui<strong>na</strong>s, somos<br />

seres <strong>humano</strong>s normais. Não podemos nos esquecer de que antes de sermos consagrados/as,<br />

somos homens/mulheres normais, com todas as características e demandas próprias da condição<br />

huma<strong>na</strong>. O fato de sermos consagrados não nos tolhe <strong>na</strong>da (graças a Deus que é assim)<br />

do que é próprio do ser <strong>humano</strong>. Portanto, não há sentido numa consagração que negue o que<br />

faz parte da dimensão huma<strong>na</strong>, fixando-se ape<strong>na</strong>s no que é específico da Vida Religiosa. Aliás,<br />

não se pode crer numa Vida Religiosa que não se permite viver o que é próprio do ser <strong>humano</strong>;<br />

tal seria uma alie<strong>na</strong>ção e uma aberração. E Deus, certamente conde<strong>na</strong> esta atitude,<br />

pois é a negação explícita do que Ele mesmo criou com tanto carinho.<br />

Concluindo<br />

Será que, se nós nos permitíssemos vivenciar um pouco mais livremente estas dimensões,<br />

entre nós não haveria mais fraternidade, mais compreensão, mais maturidade, mais<br />

comprometimento e, até, quem sabe, mais gente querendo seguir o Mestre, como nós?<br />

Talvez seja algo a ser mais profundamente refletido. Não nos esqueçamos de que é o<br />

nosso testemunho o maior divulgador de nossa identidade enquanto religiosos.<br />

Para Refletir:<br />

1. Como cada um/a de nós vive <strong>na</strong> comunidade a dimensão do cuidado?<br />

2. O que precisamos diminuir/modificar/acrescentar para construirmos um ambiente<br />

mais fraterno e gerar mais qualidade de <strong>vida</strong> entre nós?<br />

Ir. Maria de Fátima Morais, ASCJ<br />

Pe. Adalto Luiz Chitoli<strong>na</strong>, SCJ<br />

Referencias Bibliográficas<br />

BOFF, L. Saber cuidar: ética do <strong>humano</strong> e compaixão pela terra. 7. ed. Petrópolis: Vozes,<br />

2000.<br />

FLECK, Marcelo Pio de Almeida. O instrumento de avaliação de qualidade de <strong>vida</strong> da<br />

Organização Mundial da Saúde (WHOQOL-100): características e perspectivas. Ciênc. saúde<br />

coletiva [online]. 2000, vol.5, n.1, pp. 33-38.<br />

4 A OMS, em sua Divisão de Saúde Mental (WHOQOL), definiu qualidade de <strong>vida</strong> como “a percepção do<br />

indivíduo de sua posição <strong>na</strong> <strong>vida</strong> no contexto da cultura e sistema de valores nos quais ele vive e em<br />

relação aos seus objetivos, expectativas, padrões e preocupações” (WHOQOL GROUP, 1998) – versão<br />

em português dos instrumentos de avaliação de qualidade de <strong>vida</strong>.

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!