O Filme “Passion” de Mel Gibson diante da - Centro de Estudos ...
O Filme “Passion” de Mel Gibson diante da - Centro de Estudos ...
O Filme “Passion” de Mel Gibson diante da - Centro de Estudos ...
You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
<strong>Centro</strong> <strong>de</strong> <strong>Estudos</strong> Anglicanos<br />
Trata-se mais <strong>de</strong> uma versão dogmática conservadora <strong>da</strong> paixão que é<br />
enfeita<strong>da</strong> com elementos históricos e culturais buscando <strong>da</strong>r credibili<strong>da</strong><strong>de</strong> a esse<br />
imaginário tradicional. Os comentários positivos sobre o filme mostram que há<br />
pessoas que se i<strong>de</strong>ntificam melhor com um Cristo “celebri<strong>da</strong><strong>de</strong>” que morre com<br />
extrema violência do que com um lí<strong>de</strong>r pacifista e pouco conhecido que sofre o<br />
mesmo que muitos outros antes <strong>de</strong>le e <strong>de</strong>pois <strong>de</strong>le. Há mais dificul<strong>da</strong><strong>de</strong> em aceitar<br />
que Jesus, na sua época e para seus algozes romanos, não passou <strong>de</strong> mais um dos<br />
milhares <strong>de</strong> crucificados. É mais provável, do ponto <strong>de</strong> vista histórico, que a<br />
notorie<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong> paixão <strong>de</strong> Jesus tenha sido consegui<strong>da</strong> mais tar<strong>de</strong> pelo testemunho<br />
aguerrido e constante <strong>de</strong> milhares <strong>de</strong> seguidores e mártires do que pelo impacto<br />
causado no momento <strong>da</strong> sua morte, como preten<strong>de</strong> mostrar o filme. A Cruz nos<br />
Evangelhos parece-se mais a uma semente pequena joga<strong>da</strong> na terra do que com uma<br />
bomba atômica. Mesmo que a Cruz seja acompanha<strong>da</strong> por alguns sinais (como o<br />
rasgar do véu do tabernáculo que guar<strong>da</strong>va a arca no Templo e as trevas) eles não<br />
racharam o Templo ao meio e ju<strong>da</strong>ísmo continuou tranqüilamente a viver sua fé. Os<br />
primeiros cristãos freqüentavam assiduamente o Templo <strong>de</strong> Jerusalém seguindo as<br />
leis do ju<strong>da</strong>ísmo (At 2,46; 3,1; 5,20.42).<br />
O anti-semitismo do qual <strong>“Passion”</strong> e <strong>Gibson</strong> são acusados não parece<br />
acontecer <strong>de</strong> forma intencional. O que há, como mostramos no comentário sobre as<br />
autori<strong>da</strong><strong>de</strong>s ju<strong>da</strong>icas e romanas, é um tratamento quase apolítico <strong>da</strong> paixão que, na<br />
sua miopia, esquece o que foi o Império Romano na Palestina, seus massacres e a<br />
<strong>de</strong>rra<strong>de</strong>ira <strong>de</strong>struição do Templo em 70 d.C. O <strong>de</strong>sequilíbrio <strong>de</strong>ste tratamento<br />
sobrecarrega as tintas nas autori<strong>da</strong><strong>de</strong>s ju<strong>da</strong>icas e absolve <strong>de</strong> forma exagera<strong>da</strong> as<br />
autori<strong>da</strong><strong>de</strong>s romanas. Na ver<strong>da</strong><strong>de</strong>, to<strong>da</strong>s as autori<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>da</strong> época entravam na<br />
classificação usa<strong>da</strong> pelas primeiras comuni<strong>da</strong><strong>de</strong>s segundo as quais Jesus teria dito:<br />
“sabeis que os que são consi<strong>de</strong>rados governadores dos povos têm-nos sob seu<br />
domínio, e sobre eles os seus maiorais exercem autori<strong>da</strong><strong>de</strong>. Mas entre vós não é<br />
assim; pelo contrário, quem quiser tornar-se gran<strong>de</strong> entre vós, será esse o que vos<br />
sirva” (Marcos 10,42-43). Enfim, a paixão <strong>de</strong> Jesus <strong>de</strong>nuncia a forma como to<strong>da</strong>s as<br />
autori<strong>da</strong><strong>de</strong>s religiosas e políticas exerciam o po<strong>de</strong>r e mostra que não se podia ter<br />
nenhuma esperança numa salvação vin<strong>da</strong> <strong>de</strong>las. A proposta <strong>de</strong> Cristo, através <strong>da</strong><br />
Cruz, é <strong>de</strong> um novo po<strong>de</strong>r, o po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> ver<strong>da</strong><strong>de</strong> e justiça que se constrói através do<br />
amar e do servir.<br />
Ain<strong>da</strong> caberiam outras observações pois comentar um filme sobre a Paixão <strong>de</strong><br />
Cristo requer revisar uma gran<strong>de</strong> quanti<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>da</strong>dos documentais e históricos. O<br />
gran<strong>de</strong> mérito <strong>de</strong>ste filme é chamar a atenção <strong>de</strong> muita gente.<br />
As incongruências entre o filme <strong>de</strong> <strong>Gibson</strong>, os textos dos Evangelhos e as<br />
possibili<strong>da</strong><strong>de</strong>s históricas, não são maiores que em muitos outros filmes do gênero. De<br />
fato não po<strong>de</strong>mos esperar que um filme reproduza to<strong>da</strong> a pesquisa bíblica e histórica<br />
sobre Jesus, sem contar as inúmeras discordâncias religiosas ao respeito. O<br />
importante é que <strong>de</strong>spertou novamente o interesse e a i<strong>de</strong>ntificação popular em<br />
relação a essa figura que tanto marcou a história <strong>da</strong> civilização oci<strong>de</strong>ntal.<br />
14<br />
Arquivo <strong>de</strong> Textos – Diversos