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expediente<br />
editoras<br />
Adriana Brito adriana@snom.com.br<br />
Patrícia Favalle patricia@snom.com.br<br />
chefe de redação<br />
Ariana Brink ariana@snom.com.br<br />
editores de estilo<br />
Cris Oiwane cris@snom.com.br<br />
Ray Mendel ray@snom.com.br<br />
editor de fotografia<br />
Marcelo Guarnieri foto@snom.com.br<br />
produtora<br />
Helen Pessoa helen@snom.com.br<br />
redação<br />
Sergio Martins redacao@snom.com.br<br />
Daniel Froes daniel@snom.com.br<br />
estagiária<br />
Ana Luisa Linhares<br />
designer visual<br />
Robson Lopes web@snom.com.br<br />
ilustrador<br />
Orpheu Maia<br />
colaboradores<br />
Alfredo de Barros, Ana Pinho, Ana Wainer, Andy<br />
Warhol, Caio Zalc, Camila Coutelo, Carine Dietz,<br />
Daniel Malva, Elite Model, Flávio Melgarejo, Gê<br />
Prado, Jair Luís, Jéssica Lamie, Letícia Santos,<br />
Luisa Azevedo, Marcelo Coutelo, Maurício Cerqueira,<br />
Paulo Fabre, Sandi Dias, Sull Gunther, Ten<br />
Model, Tita Berg<br />
Fotos Nicole Fialdini
www.studiotoro.com
Ilustração: Alfredo de Barros<br />
É tudo sempre tão igual. Será?<br />
Os ponteiros do relógio correm invariavelmente para o mesmo lado, num ritmo inalterado, sem direito<br />
a desvios, paradas ou contrapés. Cada segundo parece sufocar as cobiças e a cada minuto mais<br />
um desejo é sepultado. São assim que as badaladas marcam as horas, compassam os dias e findam os<br />
anos. Nada é contemporâneo, no máximo, inventismo requentado. O que se vê agorinha pipocando<br />
nas passarelas das semanas de moda é o mesmo que já deu pinta em décadas atrás: ombreiras destoantes,<br />
alfaiataria desconstruída, cintura marcada, vazados aqui e acolá, preto sobre branco, branco<br />
sobre preto e um dicionário capaz de denominar centenas de cores idênticas. Se o enredo fashion confunde<br />
com seus tons de cereja, rouge, carmim, rosa intenso, vermelho queimado, ferrugem e rubi, em<br />
passadas paralelas, desalinhadas aos avisos do Cuco, a bossa é nova. Enquanto a maioria dos estilistas<br />
brasucas renega a alta-costura (por medo das agulhadas!), nosso editor de estilo Ray Mendel se joga<br />
de corpo e alma nos moldes alongados e esvoaçantes. A pitada fresh vem com a escolha dos tecidos<br />
e das estampas grafitadas com o melhor da arte marginal. No ponto seguinte, os tesouros privativos<br />
revelam a elegância vista em proporções distintas. Da dona de casa estilosa às garotas de programa e<br />
as candidatas à santa, nos lambuzamos com carne de primeira e depois ancoramos entre as polaroides<br />
de Andy Warhol, o profeta dos quinze minutinhos de fama, as obras contundentes de Basquiat e JGor,<br />
e os caldeirões em ponto de ebulição das saunas. Fim de papo – está aí mais uma edição que veio pra<br />
provar que é possível transformar conceitos sem se refestelar no óbvio.<br />
sans nom
lado a<br />
Por Patrícia Favalle Fotos Banco de imagem<br />
O dia da Santa<br />
Marilyn Monroe admitiu que<br />
passou a maior parte da vida de<br />
joelhos. Luiza, uma inocente<br />
moça do interior de Santa Cata-<br />
rina, tambémador!
“Ajoelhou tem que rezar”, avisa a plaquinha enferrujada, pregada num pedaço de parede já embolorada<br />
e malcheirosa da velha igreja de Santa Gema. Se não fosse pelos altares despidos de imagens e pelos<br />
tocos de velas chorosas, quase não existiriam sinais de que ali se encontrava mais uma morada divina.<br />
Nem as cruzes resistiram ao último levante popular, liderado por gente impiedosa, que acusava o pobre<br />
Padre Ferdinando Gonzales de fazer as carolas pagar os pecados de forma nada ortodoxa. As sentenças<br />
proferidas pelo sexagenário homem de cabelos brancos e tez franzida não eram lá muito convencionais<br />
– mas havia quem disputava levar a coça dominical a portas fechadas. Entre as devotas militantes estava<br />
dona Lucinda e sua prole de meninotas endiabradas. A senhorinha bem intencionada fazia questão de<br />
arrastar as filhas para os recônditos celestiais, “sempre impregnadas de pecados impronunciáveis” – dizia<br />
ela, e que só eram confessados diante do santo representante do Criador. Lucinha, Luiza, Lucimar,<br />
Luana e Luzia eram mesmo do balaco, mas nada que as obrigasse a esfolar os joelhos juvenis. E quando<br />
o Padre avistava o quinteto, logo soltava um risinho diabólico. Entre o rebanho, a sua ovelha preferida<br />
era Luiza, moça de olhos languidos, cabelos aparados na altura do queixo e boca rosa-carmim. Era se<br />
aproximar dela para o Padre ser tomado por uma vozinha sem-vergonha: “pega ela”. E lá ia o beato<br />
para o seu quartinho do castigo, com uma vareta na mão e a bíblia noutra. Nem precisava chamar a<br />
aspirante à santinha, ela apressava o passo para mostrar que estava antecipadamente redimida. De cabeça<br />
baixa, ajoelhava-se numa estranha maçaroca e rezava uma, duas, três, dez ave-marias. Deixava as<br />
lágrimas escorrerem pela face e não se atrevia a levantar antes de completar o terço. Padre Ferdinando<br />
mantinha a vigília e só emitia algum som – sempre de desaprovação – quando ouvia “ui e ais” abafados,<br />
vindos da coitadinha que apreciava as poças de sangue formadas ao redor de suas pernocas. Junto do<br />
milho, somavam-se caroços de azeitonas, cacos de vidro e pedras pontiagudas. No entendimento do<br />
tal do Espírito Santo, como justificava o pároco, a “receita da dor” obrigava a culpa a renegar aquele<br />
corpo impuro. A seção de tortura era das mais amaldiçoadas (e temidas) do interior catarinense, razão<br />
pela qual os fiéis fugiram às tantas para os centros espíritas, terreiros de umbanda e candomblé, além<br />
dos bancos evangélicos. “Só mesmo as predestinadas aguentam o fardo”, afirma Gonzales – e Luiza estava<br />
entre as apostas de Deus para seguir os caminhos de Calcutá. Uma santa de alma, que ainda teria<br />
que ralar muito para deixar miss Monroe injuriada de inveja.
lado b<br />
Por Adriana Brito Fotos Daniel Malva<br />
Programas de Garotas
Andorinha, puriba, carcaia, tamanqueira, bagaxa ou canguicha.<br />
Sem levar em conta a denominação – e adaptando-se ao<br />
exotismo semântico –, as putas, de nome e codinome, elevaram<br />
o sexo ao hit das definições pós-culturais<br />
Depois de alguns dias tentando contatar uma acompanhante do site da vez, o M.Class, com o objetivo<br />
de apurar o cotidiano luxuoso da profissão, mudamos a abordagem. Não nos identificaríamos mais<br />
como imprensa. Liguei para *Sueli dizendo ser representante da empresa X, que participaria de uma feira<br />
de negócios em São Paulo, em busca de uma pessoa que pudesse escoltar um executivo de fora da<br />
cidade durante o evento e no jantar de confraternização que fecharia a noite. Curiosa, porém desconfiada,<br />
a jovem de 24 anos fez inúmeras perguntas antes de fechar o orçamento: como soubera do nome<br />
dela, o local do encontro e o que eu queria dizer com “escoltar”, entre outras coisas. Dúvidas dirimidas,<br />
o valor apresentado foi de R$ 1.300 por seis horas de trabalho. Caso o compromisso fosse reduzido<br />
para algo em torno de uma hora e meia, o total cairia para R$ 300. Sueli e a M.Class, agência-catálogo<br />
via internet, não são exatamente uma novidade no universo corporativo da prostituição; contudo, em<br />
razão do homicídio do empresário Marcos Kitano Matsunaga, ocorrido em 19 de maio de 2012, novas<br />
folhas desse diário rubro-rosa foram reveladas.<br />
Na investigação da polícia ficou claro, por exemplo, que Elize e Natália, respectivamente esposa e<br />
amante de Marcos, possuíam perfis nesse endereço e que fora através deles que a relação do trio<br />
tomou corpo. Em 2004, Elize era conhecida como Kelly – “loirinha carinhosa”. Já Natália teria topado<br />
tirar sua página do ar recentemente, tornando-se exclusiva por uma mesada de R$ 27 mil. Longe das<br />
esquinas que marginalizam a atividade, as garotas luxueux de programa mostram-se empreendedoras<br />
audaciosas e marqueteiras de mão cheia.<br />
Boa parte delas tem nível superior completo, produzem teasers fotográficos de qualidade semelhan-<br />
te aos das grandes publicações masculinas, são poliglotas e<br />
possuem ideias modernas de administração. Tamanha mudança<br />
no paradigma mais antigo do mundo virou tema da<br />
série O Negócio, anunciada pelo canal HBO no último dia<br />
11 e ainda sem data para chegar às telinhas. Com 13 episódios,<br />
a atração filmada pela Mixer mostrará como vivem três<br />
meninas que atendem somente homens milionários – numa<br />
coincidência infeliz, como o próprio Matsunaga. Alguém dúvida<br />
da audiência?<br />
Geni e o Zepelim<br />
Levantamento do sociólogo Sudhir Venkatesh (Universidade<br />
Columbia, nos Estados Unidos), publicado pela Wired, constatou<br />
que as redes sociais se tornaram o campo de atuação<br />
preferido de quem está na batalha. No estudo Como Ferramentas<br />
Tecnológicas Transformaram o Negócio do Sexo em<br />
Nova York soube-se que no ano de 2008, 25% das expertises<br />
atingiram seu público-alvo através do Facebook e 61% por<br />
meio do Craigslist, um dos classificados virtuais mais procurados<br />
pelos norte-americanos. Em entrevista à Karin Hueck,<br />
da Superinteressante, Venkatesh afirmou que o Facebook<br />
seria convertido “ainda em 2011, no maior serviço de prostituição<br />
online do mundo”.<br />
Vem dançar comigo<br />
Voltando ao quadrante high-tech, Altino Machado, do Blog<br />
da Amazônia, noticiou que a Associação de Prostitutas do<br />
Estado do Pará (Gempac) organizou o Puta Dei, em homenagem<br />
ao Dia Internacional da Prostituta, comemorado no<br />
dia 2 de junho. Conta a história que, em 1975, mais de cem<br />
moças ocuparam a Igreja de Saint-Nizier, na cidade francesa<br />
de Lyon, para protestar contra os excessos policiais cometidos<br />
à época. Diante do movimento decretou-se que a data<br />
marcaria a luta pelo reconhecimento da categoria e pelos<br />
direitos trabalhistas. No Brasil, o ex-deputado federal Fernando<br />
Gabeira apresentou o Projeto de Lei nº 98, de 2003,<br />
ainda em tramitação no Congresso Nacional, “que reconhece<br />
a existência de serviços de natureza sexual e dá algum direito<br />
a quem os fornece”. A Rede de Prostitutas lembra também<br />
que o Ministério do Trabalho já admite o ofício como<br />
profissão na Classificação Brasileira de Ocupações (CBO).<br />
Saiba mais:<br />
www.redeprostitutas.org.br; www.beijodarua.com.br; www.<br />
mclass.com.br e www.camara.gov.br e<br />
www.gabeira.com.br<br />
* Sueli é nome fictício.
ürbe<br />
Por Ana Pinho Fotos Andy Warhol
Identidade Revelada<br />
Uma câmera na mão e pronto – está tudo<br />
lá! Andy Warhol registrou rostos famosos<br />
e outros nem tanto durante décadas<br />
“Eu achava que os jovens tinham mais problemas que os velhos, e esperava poder envelhecer<br />
para não ter mais todos aqueles problemas. Aí olhei em volta e percebi que todo mundo que<br />
parecia jovem tinha problemas de jovens, e que todo mundo que parecia velho tinha problemas<br />
de velhos. Os problemas ‘de velho’ me pareciam mais fáceis que os problemas ‘de jovens’.<br />
Então decidi deixar meu cabelo grisalho para que ninguém soubesse a minha idade. Assim eu<br />
pareceria mais jovem pra eles, ao invés de quão velho eles pensavam que eu era.” Foi esse o<br />
raciocínio de Andy Warhol aos 23 anos, quão tingiu as madeixas pela primeira vez.<br />
Nascido em 1928 e formado em design pelo que é hoje a prestigiosa Universidade Carnegie<br />
Mellon, no estado da Pensilvânia, nos Estados Unidos, Warhol foi sem dúvida o artista plástico<br />
mais famoso do século 20. Suas serigrafias, que incluem Marilyn Monroe, a lata de sopa<br />
Campbell’s e Mao Tse Tung são parte do pop art, movimento que visualmente encanta as<br />
crianças e que todo adulto já ouviu falar.<br />
Warhol era um ser com uma “curiosidade onívora”, como define sua biografia oficial. Onívora<br />
porque não se limitava aos quadros, mas dedicava-se a todos os meios de multimídia da época:<br />
áudio, vídeo e foto. Documentava seus afazeres com um gravador e uma câmera, e depois<br />
montava vernissages em que as pessoas se estapeavam para entrar. Criou um mundo glamouroso,<br />
uma espécie de era, formada pelo seu estúdio, The Factory, seu clube favorito, Studio 54,<br />
e suas polaroides. Em exposição no Museu de Imagem e Som (MIS), de São Paulo, até 24 de<br />
junho de 2012, estão 300 pequenos retratos de pessoas de amigos e colegas de festa que passaram<br />
por sua vida desde 1970 até sua morte, há 25 anos. São cliques de uma época de exageros<br />
(evidente pela maquiagem) e de um mundo diverso, que mistura princesas e travestis.<br />
Algumas das polaroides expostas foram escolhidas como base para as serigrafias (vide Debbie
Harry e Diane von Furstenberg),<br />
mas a maioria simplesmente juntou-se<br />
ao legado hiperativo de<br />
Warhol.<br />
São uma pequena parte de uma<br />
vasta coleção, quando comparadas<br />
às 28 mil fotos recentemente<br />
doadas pela Fundação Andy Warhol<br />
para museus e outros espaços<br />
pelo mundo. Então o que faz<br />
dessas três centenas de pequeninas<br />
imagens algo importante?<br />
Nos anos 1960, o artista previu:<br />
“No futuro, todos serão famosos<br />
por 15 minutos”. Bingo! Pouco<br />
mais de uma década depois, porém,<br />
reformulou: “Essa fala me<br />
entedia. Não a uso mais. Minha<br />
nova frase é: ‘em 15 minutos, todos<br />
serão famosos’”. A internet<br />
e seus pupilos, as (muitas) redes<br />
sociais, provaram que ele estava<br />
certo de novo. Vive-se numa<br />
época linkada pelo conceito de<br />
sociedade de Warhol, que envolvia<br />
beleza, poder, dinheiro, fama<br />
e pequenas coisas comuns entre<br />
todos, como beber uma Coca-<br />
-Cola gelada no final da tarde.<br />
É bem verdade que nem todos os<br />
personagens de seus insights expostos<br />
no MIS sobreviveram ao<br />
teste do tempo como celebs. Alguns<br />
não passam de nomes que<br />
você acha que já leu em algum<br />
lugar. Outros, claro, continuam<br />
lendários, a exemplo de Mick<br />
Jagger, Muhammad Ali, Debbie<br />
Harry, Pelé, Liza Minelli e Sylvester<br />
Stallone. Mas diante das lentes<br />
do norte-americano, há um<br />
microcosmos que os unifica. Ele<br />
emprestou sua luz para garantir<br />
aos outros, pelo menos naquele<br />
contexto, uma nova rodada de<br />
fama. Uma última ironia de um<br />
crítico às avessas do culto à celebridade.
art<br />
Por Daniel Froes Fotos Paulo Fabre<br />
Basquiat, Basquiat!<br />
Quando Jean-Michel Basquiat, afro-americano, nova-iorquino, de<br />
nome francês e ascendência latina, tinha 17 anos, sabia muito bem que<br />
poderia se tornar um artista de sucesso. O primeiro passo para isso foi<br />
transformar as ruas de Manhattan numa galeria a céu aberto
Filho de pai haitiano, Gerard Jean-Baptiste Basquiat, ex-ministro do interior em seu país e proprietário<br />
de um grande escritório de contabilidade, e de mãe porto-riquenha, Mathilde Andrada, Basquiat começou<br />
a rabiscar caricaturas e cópias de personagens de desenhos animados muito cedo. O mais velho<br />
de três irmãos mantinha os olhos focados no mundo das artes. Aos seis anos, matriculado na Escola de<br />
Arte para jovens do Museu do Brooklin, nos Estados Unidos, um dos seus programas favoritos era frequentar<br />
os salões do Museu de Arte Moderna (MoMA), em Manhattan, cuja carteirinha de sócio-mirim<br />
custava a sair do bolso de sua jaqueta.<br />
Após o divórcio dos pais, o rapaz se mudou com a mãe e as duas irmãs para Porto Rico, onde viveu de<br />
1974 a 1976. Foi a primeira vez que o jovem teve contato com suas raízes latino-americanas. No retorno<br />
às terras do Tio Sam, já às vésperas da maioridade, Basquiat sofreu para se enquadrar nas normas das<br />
escolas convencionais. Para driblar a situação, Mathilde decidiu matriculá-lo na Edward R. Murrow High<br />
School, o que não o impediu de abandonar os livros um ano antes de concluir o ensino secundário,<br />
época em que saiu de casa para ir morar nas ruas com amigos e viver da venda de camisetas e cartões<br />
postais pintados à mão.<br />
No asfalto de Manhattan, Basquiat conheceu o designer gráfico Al Diaz, de quem se tornou amigo e<br />
cocriador da assinatura de grafites nas paredes dos prédios abandonados e nos metrôs da city: SAMO<br />
ou SAMO Shit, abreviatura de Same old Shit (em tradução livre: “essa merda de sempre”). Rapidamente<br />
seu talento despertou a atenção das pessoas e da imprensa. Aos poucos, Basquiat, fã de hip-hop, jazz,<br />
baseball, boxe, poesia francesa, Leonardo da Vinci e do modernismo, virou uma celebridade instantânea,<br />
com aparições em programas de TV e até como protagonista do longa-metragem Downtown 81<br />
– baseado em sua história.<br />
Famoso e com telas procuradíssimas por marchands de Nova Iorque, Zurique, Tóquio, Roma e Los Angeles,<br />
Basquiat, no início dos anos 1980, já era visto com frequência ao lado de pintores como Julian<br />
Shnabel, David Salle e Andy Warhol –inventor da pop art – que, além de amigo pessoal, converteu-se<br />
num tipo de mecenas do jovem, proporcionando-lhe moradia, materiais para trabalhar e ajuda na divulgação<br />
do seu portfólio. Paralelo a isso, o mais novo protegido de Andy aposentou de vez o projeto<br />
SAMO e resolveu enterrá-lo literalmente através da inscrição: “SAMO is dead” ou “SAMO morreu”.<br />
Em 1985, o artista de dreadlocks e retrato bem acabado de uma metamorfose ambulante, viciado em<br />
idas e vindas, e com aversão a “merda de sempre” posou para a capa do caderno de artes do The New<br />
York Times Magazine, que trouxe um especial sobre sua carreira. A publicação repercutiu no mundo<br />
todo. Basquiat, que namorava a desconhecida cantora Madona, escancarava ali as portas do sucesso<br />
internacional, alcançando o posto de primeiro pintor negro norte-americano a ganhar prestígio além-<br />
-mares. Contudo, o seu auge coincidiu com o mergulho nas drogas.<br />
Basquiat afogou-se no consumo compulsivo de “speedball”, coquetel que combina porções de cocaína<br />
e injeções de heroína. A morte do amigo mais próximo e protetor, Andy Warhol, em 1987, desestabilizou<br />
de vez o virtuose. Estremecido pela dor da perda, Basquiat, um ano após o falecimento do criador<br />
da famosa série de latas de sopa Campbells, é vítima de overdose. Ele tinha fatídicos 27 anos... Chamada<br />
pelos especialistas de “primitivismo intelectualizado”, corrente neoexpressionista, a arte de Jean<br />
Basquiat é inspirada na cultura africana e nas situações vivenciadas por ele durante a sua curta vida –<br />
recheada de personagens esqueléticos, rostos macabros e apavorados, carros policiais, ícones negros<br />
da música e do boxe e cenas da vida urbana, retratados sempre em telas grandes, com miscelânea de<br />
colagens, pinceladas caóticas, cores intensas e escrituras quase indecifráveis.<br />
Depois de Basquiat, o que revigora?<br />
Em Terra de Palmeiras, onde canta o sabiá, JGor, nascido no interior paulista como José Roberto Ferreira<br />
Júnior, parece respirar a arte extremada e sem limites desse mesmo Basquiat em seus grafites. Menu<br />
de técnicas que se acomodam desordenadamente ao que está à disposição, das portas de aço e papel<br />
corrugado retirados do lixo até os painéis de madeira, JGor preserva e maximiza em tudo o que toca<br />
os riscos meticulosamente tramados com giz de cera, tinta a óleo, caneta hidrocor, esmalte sintético e<br />
spray.<br />
O cotidiano, o comum e o invisível são as matérias-primas de sua arte quase brutalista. Carros, pessoas,<br />
muros, periferias e assuntos médicos sacados de sua rotina nada tradicional são reinventados em<br />
imagens denominadas de “Grávida”, “Rosto” e “Feto”, elementos facilmente encontrados na produção<br />
que tomou forma na década seguinte a morte de Basquiat. JGor é um desses artistas complexos, ainda<br />
pouco compreendidos e explorados, mas deliciosamente talentoso. Sabe somar criatividade aos casualismos<br />
transformadores. E é desse emaranhado de informações que a sua máxima acabou no liquidificador<br />
à Lavoisier (estampada matreiramente nas linhas robustas da peça). Eis a arte em seu estado<br />
mais latente.<br />
www.jgor.com.br
prato feito<br />
Por Caio Zalc Fotos Jair Luís
Minha vaca de estimação<br />
Uma narrativa de<br />
amor incondicional<br />
entre Gabriela e<br />
Lucy, sua linda va-<br />
quinha caramelo
A história de Gabriela não é nada convencional. Tudo que uma garotinha de seis anos espera nessa<br />
idade é um cachorro para chamar de seu. Pelo menos, era o que seu núcleo de amigas sonhava em ter.<br />
E assim foi para Camila, Julia e Débora, suas BFFs. Mas no lugar do tão esperado cão serelepe, os pais<br />
de Gabi compraram um bezerro fofo.<br />
Num primeiro momento, ela estranhou o animal, afinal, ele não corria atrás de bolas e muito menos<br />
latia. Que injustiça! “Eu quero um cãozinho, já!”, esbravejava. E não é que as coisas mudaram? Demorou<br />
uma semana até a criança se apaixonar frivolamente pelo quadrúpede. Lucy, como Gabi a batizou, era<br />
superdócil. Gostava de carinho na barriga e fazia manha quando não ganhava um mimo extra. Elas se<br />
tornaram companheiras inseparáveis. Todos os dias, depois da escola, Gabriela almoçava no contra pé<br />
para brincar com sua folete de tom caramelo.<br />
Até que um dia aconteceu algo estranho: Gabriela havia acabado de completar oito anos e, mesmo<br />
assim, cumpriu com o acordo diário – engoliu a comida rapidamente e foi em direção à sua melhor<br />
amiga, para poderem passar o tempo juntas. Mas Lucy não estava no jardim. “Onde será que ela se escondeu?”,<br />
perguntou. “Lucy? Lucy? LUCY?”, gritou.<br />
“Calma”, disse o pai. “Ela está na casa dos fundos.” A garota nem se deu ao trabalho de responder, correu<br />
em direção ao recinto. Chegando lá, percebeu que Lucy tinha tubos pregados nas tetas. Estavam<br />
tentando sugar o leite da pobre vaquinha. Mera ilusão; o animal não deixa de ser um mamífero tradicional.<br />
Se não está grávida, não dá leite. “Então vamos emprenhar o bicho, mulher”, ouviu atrás da porta.<br />
Gabriela não dormiu bem a noite. O que estavam fazendo com seu bicho de estimação? Ela era sua ou<br />
era mais um projeto de seu pai? Ninguém pensou em questioná-la se estava de acordo com isso tudo.<br />
A garota esperta tomou uma decisão: “Vou falar com meu pai e convencê-lo a deixar a minha Lucy em<br />
paz”.<br />
No dia seguinte, já era tarde demais quando Gabriela chegou da escola, pois já haviam cruzado Lucy.<br />
A garota ficou brava. Esperneou. Chorou. Respirou fundo. E finalmente entendeu o ciclo da natureza.<br />
Os nove meses passaram rápido. Gabriela acordou mais cedo para se preparar para o parto de Lucy. E<br />
novamente o destino lhe pregou uma peça. O lindo bezerrinho viera ao mundo morto. “Por que D-us?”<br />
Lucy definitivamente não merecia isso.<br />
Apesar de Gabriela ter aprendido a viver com esse infortúnio, Lucy não estava bem. Ela era uma vaca<br />
inteligente, havia percebido a situação. Talvez ela não soubesse o que havia acontecido com o bebê,<br />
mas sabia que ele não estava ao lado dela como deveria. Mesmo assim estava entubada; se saísse leite<br />
de suas unhas, teriam colocado um cano lá também...<br />
Nenhum adulto se deu conta de que a vaquinha estava deprê. Por mais que a garota alarmasse, eles<br />
não davam ouvidos. Só queriam saber de tirar leite, leite e mais leite. Lucy não comia mais. Começou<br />
a emagrecer: um, dois, cinco, dez quilos. Ela não dava mais leite. As costelas estavam aparentes e seu<br />
humor refletia na menina, que, agora com dez anos, também não sorria mais.<br />
Certo dia, Gabriela mentiu para os pais e não foi para a escola. Preferiu ficar ao lado da amiga, que nem<br />
mais levantar conseguia. Acabou adormecendo ao lado dela, sem querer. Que azar. Logo no dia em<br />
que o pai havia contratado o seu Sebastião para abater a vaca. “Sebastião, meu caro, mate a vaca agora<br />
mesmo. Se esperarmos alguns dias, não sobrará carne para a picanha de domingo.”<br />
Seu Sebastião estava acostumado com a situação. Não precisava mais de cerimônias. Por isso, entrou<br />
com a pistola e, sem acender a luz da casa dos fundos, mirou-a na cabeça da vaca adormecida e atirou.<br />
Ouviu-se um grito. Grito de misericórdia. Mas já não adiantava nada. Gabriela e Lucy haviam morrido<br />
juntas pelo mesmo tiro. Viraram picanha do mesmo saco.
Zona de Luxo<br />
moda<br />
Fotos Julia Rodrigues<br />
Styling e edição de estilo Camila<br />
Coutelo, Cristiano Oiwane e Ray<br />
Mendel
O inverno é a temporada ideal para circular por aí a bordo de<br />
elegantes peças sacadas da alta-costura. Longe da caretice que<br />
o termo remete, os longos despontam com cortes fluídos, estampas<br />
moderninhas e acessórios badalados. Para compor o visual,<br />
vale até misturar elementos equestres e da cultura punk, como os<br />
coturnos e o cinto corselet.<br />
Agradecimentos: Elite Model e Marcelo Guarnieri<br />
Modelos: Jéssica Lamie (Elite Model) e Marcelo Coutelo<br />
Vestido de organza devorê, RAY MENDEL, cinto corselet e botas, CORI, gargantilha equestre,<br />
CAMILA KLEIN, meia-calça, TRIFIL, pulseira ACERVO
Vestido de cetim grafitado, RAY<br />
MENDEL, cinto corselet, CORI,<br />
pulseira, anel e coturnos, ACERVO
Vestido de tule plissado, RAY<br />
MENDEL, colar e brincos, CA-<br />
MILA KLEIN, cinto corselet e<br />
botas, CORI, e pulseira, ACERVO
Vestido de penas, LANÇA PER-<br />
FUME, colar, CAMILA KLEIN,<br />
meia-calça, TRIFIL, botas, CORI,<br />
e cinto, ACERVO
ensaio<br />
Fotos Gê Prado Edição de Moda Ana Wainer<br />
Garagens Urbanas<br />
Camisa e calça, MU-<br />
LHER ELÁSTICA,<br />
sapatos, SCHUTZ, lenço,<br />
LOUIS VUITTON, colar<br />
e pulseiras, ACERVO.
Há tempos a moda se tornou uma série<br />
de adjetivos comuns, para não dizer vulgar.<br />
Do ato compulsivo e sistemático de<br />
se vestir à (falta de) originalidade, existem<br />
centenas de degraus e quase nenhuma<br />
luz no fim do túnel. Enquanto o fast<br />
fashion invade as araras dos grandes<br />
magazines e o “glam” se transforma em<br />
sinônimo de chique, a haute-couture é<br />
confinada em apequenados metros quadrados,<br />
recheados de referências e de<br />
muita personalidade. São nesses cubículos<br />
superpoderosos que o cinza discorre<br />
suas porções acetinadas, a liga da cinta<br />
adentra o modelito e o pijama desfila<br />
como o fino da bossa. Um must.<br />
Vestido e calça, ambos<br />
ANIMALE, estola e sapatos,<br />
ACERVO, pulseiras,<br />
SAAD
Kimono, JOGÊ, pulseira, GA-<br />
LIBARDY, óculos, ABSURDA,<br />
e sapatos, TOP SHOP
Body, FERNANDA<br />
YAMAMOTO,<br />
botas, CORELLO
Macacão, ANI-<br />
MALE, pérolas,<br />
ACERVO
Camiseta, BILLABONG,<br />
cinta liga e luvas, ACERVO,<br />
e meias, LUPO
ta liga, sutiã e luvas,<br />
ACERVO, e meias, LUPO
Vestido, PATRÍCIA BONAL-<br />
DI, colar, ACERVO, sapatos,<br />
TOP SHOP
Direção de Arte: Luisa Azevedo<br />
Produção Executiva: Letícia Santos<br />
Beleza: Maurício Cerqueira<br />
Assistente de foto: Flavio Melgarejo<br />
Modelo: Carine Dietz/ Ten Model<br />
Realização: Agência 3xt – Three Times Trouble
tour<br />
Por Sergio Martins Ilustração Alfredo de Barros<br />
Pulp Fiction: sexo<br />
acima dos 40ºC<br />
Que tal mergulhar entre ursos, caçar na<br />
companhia de Barbies e beliscar franguinhos<br />
ao lado de bacanas do high society?
Esqueça absolutamente tudo aquilo que já lhe contaram sobre as acaloradas<br />
saunas – elas são ainda mais interessantes quando visitadas em plena luz do<br />
dia. Se ao cair da noite, todos os gatos são pardos, no acender das luzes, eles<br />
ostentam bem mais do que os fumegantes olhos castanhos. Antes de sair<br />
por aí derretendo sob o vapor escaldante desses recintos, a dica é conversar<br />
com frequentadores de todas “as espécies”, assim, dá para eleger o dia da<br />
caça ou do caçador, claro! Nas rodas recheadas de ursos, aqueles seres fofos<br />
e peludinhos, descobri, por exemplo, que eles adoram exibir as corpulências<br />
nas piscininhas, batizadas ironicamente de “sopão”. Já o público despido de<br />
células adiposas prefere manter os ossos encobertos pela privacidade dos panos<br />
felpudos (é um truque de ilusão de ótica). Não é de se estranhar que esses<br />
predadores se sentem nos degraus mais altos das miniarquibancadas que<br />
rodeiam o sopão, prontos para abocanhar um gordo bem resolvido. A turma<br />
apelidada de “Barbie” circula pelos ambientes superaquecidos com bíceps,<br />
tríceps e outros “eps” à mostra. Eles a-m-a-m encarar os olhares invejosos dos<br />
frangotes, se contorcem de medo com os gordalhões em banho-maria e vão<br />
à lona quando paquerados por outros sarados. Os tiozões (alguns, pais de família<br />
renomados) também dão pinta entre um vaporzinho e outro – e aí se um<br />
rapazola recém-saído da puberdade der trela... Mas nem todos os lances das<br />
escadas estão tomados por essa curiosa fauna que habita o mundinho, também<br />
há espaço para gente (blasé) que está ali unicamente para suar. Faço vista<br />
grossa. Para mim, sauna é sinônimo de sexo casual e fervilhante. Por sinal,<br />
aqui cabe uma explicação exatamente sobre a origem dessas casas que promovem<br />
o suadouro coletivo: trata-se de uma invenção adaptada das termas<br />
romanas destinadas aos banhos públicos, e que existe desde o século 5 a.C.<br />
Num mesmo endereço é possível zanzar entre o amadeirado seco, com forte<br />
cheiro de eucalipto, as disputadas duchas turcas e os balneários revestidos de<br />
azulejos e que transitam na casa dos 50ºC. Antes da imersão final, a comprovação:<br />
é o lugar perfeito para a convivência entre pessoas do mesmo sexo – e<br />
todas com as respectivas genitálias a postos! Só podia dar no que deu.<br />
*www.flickr.com/photos/brandsitter