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Coisa nossa<br />
Marcia Zarur<br />
Jornalista<br />
Mané Garrincha,<br />
esse é o nome “Nem<br />
Como boa can<strong>da</strong>nga, tenho raízes<br />
profun<strong>da</strong>s finca<strong>da</strong>s em Brasília. Costumo<br />
brincar que não há ninguém mais<br />
brasiliense do que quem nasce no hospital<br />
<strong>da</strong> L-2 Sul. Pois bem, amo a ci<strong>da</strong>de<br />
e não a troco por nenhum lugar do<br />
mundo... Brasília conjuga vantagens<br />
dos grandes centros<br />
com pita<strong>da</strong>s <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> do<br />
interior, estas ca<strong>da</strong> vez<br />
mais escassas, é ver<strong>da</strong>de.<br />
Mas para quem se<br />
apressar em citar as mazelas<br />
do trânsito, a violência<br />
crescente e o caos<br />
<strong>da</strong> saúde, eu rebato chamando<br />
a atenção para o<br />
nosso céu, o nosso verde<br />
e a nossa arquitetura<br />
inigualável.<br />
O Céu, dizem, é o Mar<br />
de Brasília e a escala sabiamente<br />
determina<strong>da</strong> por<br />
Lúcio Costa nos garante<br />
um horizonte sem fim. O<br />
verde está por to<strong>da</strong> parte,<br />
e temos a honra de abrigar<br />
um dos maiores parques<br />
urbanos do mundo.<br />
E a arquitetura?! Bem, esta<br />
dispensa comentários pois<br />
continua sendo o auge <strong>da</strong><br />
vanguar<strong>da</strong>, mesmo meio século depois!<br />
No aniversário de 50 anos <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de<br />
mergulhei em suas histórias para uma série<br />
de reportagens para o DFTV. Pude sentir a<br />
aridez do cerrado e a poeira vermelha dos<br />
primeiros tempos, passeei pelo campus de<br />
uma UnB idealiza<strong>da</strong> por Darcy, tomei um<br />
café com JK no Catetinho e surpreendi a<br />
retina com a originali<strong>da</strong>de dos prédios de<br />
Niemeyer. Uma viagem guia<strong>da</strong> pelas lembranças<br />
de pioneiros...<br />
E o que seria de nós sem memória? Minhas<br />
lembranças de infância me trazem a<br />
ci<strong>da</strong>de tranqüila, com passeios pela Esplana<strong>da</strong><br />
onde a maior diversão era escalar a cú-<br />
pula do Senado. E observando as construções<br />
do Eixo Monumental me chamavam a<br />
atenção os cabos do Centro de Convenções<br />
e a grande arquibanca<strong>da</strong> em concreto do<br />
Mané Garrincha.<br />
Pela falta de tradição futebolística de<br />
Brasília, o estádio passou a fazer parte <strong>da</strong><br />
minha vi<strong>da</strong> adolescente no último show <strong>da</strong><br />
Legião Urbana na ci<strong>da</strong>de no fim <strong>da</strong> déca<strong>da</strong><br />
de 80. Mas a figura do grande craque Mané<br />
Garrincha me foi apresenta<strong>da</strong> bem antes,<br />
e não pelos lances inesquecíveis, mas pela<br />
imensa arquibanca<strong>da</strong> de concreto contrastando<br />
com o céu azul.<br />
Hoje a arquibanca<strong>da</strong> não existe mais.<br />
Foi destruí<strong>da</strong> para <strong>da</strong>r lugar ao imponente<br />
Estádio Nacional. É certo que para abrigar<br />
um mundial precisávamos desta mu<strong>da</strong>nça.<br />
Mas era mesmo necessário mu<strong>da</strong>r o nome<br />
do estádio e deixar o Mané lá no fim, como<br />
se fosse um acessório dispensável?<br />
Em maio de 2011, <strong>da</strong>ta marca<strong>da</strong> para a<br />
tudo<br />
que é torto<br />
é errado.<br />
Veja as pernas<br />
do Garrincha<br />
e as árvores<br />
do cerrado.”<br />
Nicolas Behr<br />
demolição do antigo estádio, duas tentativas<br />
de implosão com tonela<strong>da</strong>s de dinamite<br />
falharam e a arquibanca<strong>da</strong> seguiu de pé.<br />
Um fiasco televisionado para o mundo todo.<br />
Não deixei de pensar que talvez Garrincha<br />
tivesse feito mais um dos seus desconcertantes<br />
dribles, deixando os adversários sem<br />
chão.<br />
O novo estádio já é quase uma reali<strong>da</strong>de.<br />
Tudo indica que deve ficar pronto a<br />
tempo, deve ficar belo e deve ser uma construção<br />
verde. Brasília, sem dúvi<strong>da</strong>, marcou<br />
muitos gols. Mas o gênio <strong>da</strong>s pernas tortas,<br />
que encheu o país de alegrias, merecia<br />
continuar sendo reverenciado – pelo menos<br />
no nome do estádio <strong>da</strong> capital do país.<br />
<strong>Revista</strong> Entre Lagos | Edição 73 | FEV/2012 | 5