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(a): Maikon Levi Vilar Veiga - Outros Tempos - Uema

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO MARANHÃO<br />

CENTRO DE EDUCAÇÃO, CIÊNCIAS EXATAS E NATURAIS<br />

CURSO DE HISTÓRIA<br />

MAIKON LEVI VILAR VEIGA<br />

A SOCIEDADE LUDOVICENSE NA SEGUNDA METADE DO SÉCULO XIX: Uma<br />

análise sócio-profissional (1850-1888)<br />

São Luís<br />

2006


MAIKON LEVI VILAR VEIGA<br />

A SOCIEDADE LUDOVICENSE NA SEGUNDA METADE DO SÉCULO XIX: Uma<br />

análise sócio-profissional (1850-1888)<br />

Monografia apresentada ao Curso de História da<br />

Universidade Estadual do Maranhão, para<br />

obtenção do grau de Licenciatura em História.<br />

Orientador: Prof. Fábio Monteiro<br />

São Luís<br />

2006


<strong>Veiga</strong>, <strong>Maikon</strong> <strong>Levi</strong> <strong>Vilar</strong><br />

A sociedade ludovicense na segunda metade do século XIX: uma<br />

análise sócio-profissional (1850-1888) / <strong>Maikon</strong> <strong>Levi</strong> <strong>Vilar</strong> <strong>Veiga</strong>. – São<br />

Luís, 2006.<br />

55 f.: il.<br />

Monografia (Graduação em História) – Curso de Historia ,<br />

Universidade Estadual do Maranhão, 2006.<br />

1. São Luís – sociedade. 2. Tipos sociais – análise sócio-profissional.<br />

3. Sociedade ludovicense – século XIX . I. Título.<br />

CDU 981.21 : 316.339.56 (812.1) “1850-1888”


MAIKON LEVI VILAR VEIGA<br />

A SOCIEDADE LUDOVICENSE NA SEGUNDA METADE DO SÉCULO XIX: Uma<br />

Aprovada em: ____/____/____<br />

análise sócio-profissional (1850-1888)<br />

Monografia apresentada ao Curso de História da<br />

Universidade Estadual do Maranhão, para<br />

obtenção do grau de Licenciado em História.<br />

BANCA EXAMINADORA<br />

__________________________________________<br />

Prof. Fábio Monteiro (Orientador)<br />

Universidade Estadual do Maranhão<br />

__________________________________________<br />

Prof. Yuri Michael Pereira Costa<br />

Universidade Estadual do Maranhão<br />

__________________________________________<br />

Profª. Maria de Lourdes Lauande Lacroix<br />

Universidade Estadual do Maranhão


A Deus, a minha família e a todos que<br />

sempre nos apoiaram.<br />

Ao curso de História da UFMA e da UEMA,<br />

pois tive o privilégio de aprender com os<br />

Mestres e Doutores das duas<br />

Universidades.


AGRADECIMENTOS<br />

Primeiramente a Deus por me dar forças e estar sempre do meu lado.<br />

A minha família, que acompanha toda a minha trajetória de vida.<br />

A Universidade Federal do Maranhão, especificamente ao Curso de<br />

História, já que comecei o curso nesta universidade, transferindo-me depois para<br />

UEMA.<br />

abertos.<br />

A Universidade Estadual do Maranhão, por ter me acolhido de braços<br />

Aos professores do curso de História da Ufma, em especial a Antonia<br />

Mota, Wagner Cabral, Telma, Josenildo, Marize e Glória.<br />

Aos professores do curso de História a <strong>Uema</strong>, em special Lourdinha,<br />

Alan, Henrique, Marcelo, Júlia, Ximendes, Elizabeth, Helidaci, meus grandes<br />

incentivadores e mestres.<br />

Aos meus pais Idalina e Pedro, aos meus irmãos, <strong>Veiga</strong>, Viviane, Agmar e<br />

Wagner, pelos incentivos e ajuda de todas as formas. A minha namorada Valéria<br />

pelos incentivos quando pensava em desistir e por tudo o que fez por mim (ela sabe<br />

do que estou falando). A Pandôra, pelos intermináveis latidos, quando precisava<br />

estudar.<br />

Aos amigos da turma 2001.1, da UFMA: Ariel, Amadeu, Christoferson,<br />

Giovanna, Gleidson, Jean Gustavo, Joseane, Jackson, Paulinho, Nágela Simone,<br />

Roberto Portela, Thiagão, Tássio, Zé Ramalho Júnior e Wheriston.<br />

Aos amigos da turma da UEMA: Daniel, Jeane, Salomão, Jhonatan,<br />

Poliana, Marcos Aurélio, Yara, Mardeine, Larissa, Ritinha, Jesiel, Nilson, Arisson.<br />

Ao meu grande amigo de longa data João Ricardo, que sempre me<br />

ajudou quando mais precisava, valeu fera!<br />

A Superintendência de Cultura Popular, onde estagiei por dois anos e ao<br />

seu quadro de funcionários.<br />

Ao professor Fábio, que em sua esplêndida orientação permitiu a<br />

concretização deste trabalho.


“o grande historiador – ou talvez devesse dizer<br />

mais amplamente, o grande pensador – é o<br />

homem que faz a pergunta por quê? Sobre<br />

coisas novas ou em novos contextos.”<br />

Edward Hallet Carr


RESUMO<br />

Faz-se uma análise de como era a sociedade ludovicense entre 1850-1888,<br />

tentando perceber a riqueza de relações cotidianas entre livres, livres pobres,<br />

senhores e escravos. Desconstroe-se argumentos cristalizados pela historiografia<br />

tradicional como o binômio senhor/escravo, que polarizou a sociedade de acordo<br />

com os conceitos da grande lavoura de exportação, seguindo uma análise sócio -<br />

profissional do período.<br />

Palavras-chave: São Luís, sociedade, tipos sociais, tipos profissionais.


ABSTRACT<br />

If wakes an analysis of how was São Luís society between 1850 – 1888, trying to<br />

realize the wealth of quotidian relations among free people, poor people, owners<br />

and slaves. Arguments from traditional historiography are undone like the binomial<br />

owners/slave that polarized society according to the concepts of plantation,<br />

following a socio and professional analysis from the period.<br />

Key-words: São Luís. Society. Socio types. Professional types.


LISTA DE ILUSTRAÇÕES<br />

Tabela 1 – Aulas/Quantidade de alunos .............................................................. 34<br />

Tabela 2 – Oficinas/Quantidades de aprendizes ................................................ 34<br />

Tabela 3 – Profissão/Quantidade de trabalhadores............................................. 35<br />

Quadro 1 – Caricatura/Descrição Pomada.......................................................... 41<br />

Quadro 2 – Caricatura/Descrição Troira.............................................................. 41<br />

Quadro 3 – Caricatura/Descrição segundo Elizabeth.......................................... 43


SUMÁRIO<br />

1 INTRODUÇÃO ........................................................................................ 10<br />

2 O QUE SABEMOS SOBRE NÓS NO XIX? ............................................ 13<br />

3 SÃO LUÍS OITOCENTISTA .................................................................... 21<br />

3.1 Formação da Praia Grande ................................................................... 21<br />

3.2 O Porto.................................................................................................... 23<br />

3.3 A constituição da Feira ......................................................................... 24<br />

3.4 Por detrás dos azulejos......................................................................... 25<br />

4 TIPOS SÓCIO-PROFISSIONAIS DE SÃO LUÍS .................................... 33<br />

4.1 Tipos Profissionais................................................................................ 33<br />

4.2 Tipos sociais.......................................................................................... 38<br />

4.2.1 Escravos urbanos ................................................................................... 39<br />

4.2.2 Os tipos populares .................................................................................. 40<br />

4.2.3 O papel das mulheres ............................................................................. 42<br />

5 CONSIDERACÕES FINAIS .................................................................... 44<br />

REFERÊNCIAS ....................................................................................... 46<br />

LISTA DE JORNAIS ................................................................................ 48<br />

ANEXOS ................................................................................................. 49<br />

1 INTRODUÇÃO


Refletindo-se acerca da São Luís na segunda metade do século XIX,<br />

tendo como ponto de partida a análise da historiografia tradicional, pode-se em um<br />

lampejo inicial supor e pensar que um binômio viveu por aqui de forma polarizada e<br />

desconexa. Em outras palavras, pode-se pensar que os senhores e os escravos<br />

eram os únicos atores sociais que encenavam no palco ludovicense. Quem lê sobre<br />

São Luís, entre 1850-1888, entende a mesma não como um palco, mais sim como<br />

um campo de batalhas entre senhor e escravo, percebendo o primeiro como<br />

opressor e o segundo como oprimindo, esquecendo-se do todo.<br />

No presente trabalho, tentar-se-á tatear até que ponto essa é uma falsa<br />

impressão, através de um retrocesso não ao passado que já foi consumado e já não<br />

pode ser mais remontado, mas, tentando-se perceber elementos que indiquem uma<br />

outra visão do que se tem em São Luís para além de senhores e escravos.<br />

A pesquisa busca analisar se o aclamado binômio desfrutou e conviveu<br />

de uma forma polarizada e totalmente desconexa do restante dos moradores de São<br />

Luís, ou se dividiram experiências que fugiram do contexto do grande sistema<br />

agrário de exportação.<br />

A problemática encontrada na pesquisa, como em qualquer outra, se<br />

relaciona fundamentalmente ao fato do objeto não jorrar como um gêiser em<br />

erupção, tornando-se necessário a utilização de técnicas para a interpretação do<br />

objeto em estudo. Edward Hallet Carr afirmava: “É comum dizer-se que os fatos<br />

falam por si. Naturalmente isso não é verdade. Os fatos falam apenas quando o<br />

historiador os aborda: é ele quem decide quais os fatos que vêm à cena e em que<br />

ordem ou contexto”. 1<br />

A pesquisa utilizou como fonte primária jornais da época 2 , no intuito de<br />

elencar reportagens, matérias, reclamações, avisos, ou até descrições que<br />

abordassem a situação de como se encontrava a sociedade ludovicense na época<br />

1 CARR, Edward Hallet. Que é história? Tradução de Lúcia Maurício de Alverga. 8. ed. Rio de<br />

Janeiro: Paz e Terra, 1982. 189 p. Tradução de: What is History, p. 47.<br />

2 A utilização de jornais como fonte primária é uma importante ferramenta para o cientista social<br />

tentar perceber a seleção de fatos de um determinado período. Entretanto, como abordado pela<br />

historiografia atual, o documento seja ele escrito ou em outro suporte, necessita ser analisado como<br />

uma peça formulada dentro de sua época e meio. Jacques Le Goff assinala que “o documento é<br />

produzido consciente ou inconscientemente pelas sociedades do passado, tanto para impor uma<br />

imagem desse passado, quanto para dizer a verdade”. Nesta perspectiva, a utilização de jornais<br />

como fonte levará esse aspecto em relevância, no intuito de não qualificar o documento como um<br />

dado dotado de imparcialidade. (LE GOFF, 1988, p.54).


da desagregação do sistema escravista. Uma pesquisa bibliográfica e leituras<br />

teóricas pertinentes ao tema foi outra fonte para um maior suporte das<br />

argumentações propostas.<br />

A hipótese levantada então, é a de que no período estudado São Luís<br />

contava com um quadro sócio-profissional bastante diversificado, o que formava<br />

uma teia de relacionamentos muito mais complexa do que um simples jogo de<br />

mocinho e bandido, de senhores x escravos. Na tentativa de sondar essa hipótese,<br />

se pesquisou primordialmente nas fontes primárias relatos no período de 1850 a<br />

1888. A escolha desse recorte histórico não foi aleatória, almeja-se tatear um novo<br />

momento econômico e social no cenário maranhense que se configurava neste<br />

período. No outro pólo, a pesquisa encerra-se em 1888, pois dessa década em<br />

diante novas orientações irão marcar o início de uma nova conjuntura para o objeto<br />

do estudo. A partir de 1888 a escravidão, uma das bases de sustentação do sistema<br />

agrário exportador teve um fim com a Lei Áurea, tendo como conseqüência a<br />

proclamação da república e a modificação das relações inter-pessoais, sociais,<br />

profissionais, etc.<br />

O presente trabalho, não abordará o período pós 1888(apesar de usar<br />

alguns conceitos de 1902), sabe-se que esse momento histórico é uma nova fase,<br />

que requer uma outra pesquisa e, certamente novos métodos de abordagem e<br />

tratamento desse novo recorte histórico.<br />

Gostaria de ressaltar que a escolha por esse tema reflete a minha grande<br />

admiração pelo social e cultural, bem como minha angustia de não ver presente em<br />

nossa historiografia a riqueza do ludovicense enquanto sujeitos e atores sociais, no<br />

período em análise. Ademais meu intuito é demonstrar como o povo merece ter uma<br />

história, que pelo menos se aproxime do real, e que não fique escondida por detrás<br />

da história da desagregação do sistema agrário exportador.<br />

Acredito que a relevância desse trabalho consiste em tentar entender<br />

processos históricos que são analisados somente de dois ângulos: o ponto de vista<br />

dos senhores e o ponto de vista dos escravos. E o povo, ou seja, o restante da<br />

população, não merece uma análise?<br />

A contribuição ao enriquecimento do debate de uma temática tão<br />

importante para a construção da identidade e memória coletiva do Estado e<br />

principalmente de São Luís, traz ao campo de análise, um assunto pouco abordado,<br />

e mostra que a nossa amada História é o campo ideal para conjecturas acerca das


produções do homem.<br />

Nesse sentido, o trabalho está sistematizado de maneira a tratar no<br />

primeiro capítulo das novas abordagens acerca da sociedade Maranhense, no que<br />

se referem aos escravos, senhores, livres e pobres. Após essa análise, se fará no<br />

segundo capítulo uma abordagem da situação e urbanização de São Luís, dando-se<br />

realce ao processo de abandono e falta de conservação da cidade. No último<br />

capítulo será feita uma pequena discussão acerca dos tipos sociais e profissionais<br />

que estão presentes em São Luís no período de 1850-1888, discussão essa que nos<br />

levará a perceber que por entre senhores e escravos também viviam e conviviam um<br />

grande número de profissionais e pessoas de todo tipo.


2 O QUE SABEMOS SOBRE NÓS NO XIX ?<br />

Sem dúvidas, o primeiro grande golpe que sofreu o sistema escravista<br />

brasileiro foi a abolição do tráfico internacional de africanos. A partir de 1850, a<br />

economia brasileira, fundada no trabalho escravo, desligou-se do fornecimento<br />

africano. Sem a fonte de renovação dos plantéis, vital para sua sobrevivência, o<br />

escravismo entrou em colapso.<br />

No Maranhão, o escravo esteve presente em grandes quantidades desde<br />

a segunda metade do século XVIII até os anos 80 do século XIX, assim como em<br />

todo o Brasil, era o escravo quem assegurava a economia maranhense. A mão-de-<br />

obra escrava foi tão importante para o Maranhão que a redução de 73.245 peças<br />

para 33.446 entre 1872 e 1887 em razão do tráfico internacional, ajudou na<br />

estagnação da lavoura e do comércio da província. Em 1821, o trabalho escravo<br />

predominava nas atividades agrícolas do Maranhão. ”Entre os trabalhadores desse<br />

setor, 77,7% eram escravos e 22.3% livres. Em 1872, os números havia se invertido,<br />

os homens livres representavam 70,4% e os escravos 39,6% dessa mão-de-obra”. 3<br />

O modelo de colonização do Maranhão foi marcado pela economia<br />

agrário-exportadora, escravista e mercantil, definida, particularmente, a partir da<br />

segunda metade do século XVIII.<br />

Assim, a condição jurídica, livre ou escravo, e o padrão de renda das<br />

pessoas, somadas a elementos da tradição européia do Ocidente, como os<br />

resíduos das relações de suserania e vassalagem, ainda presentes na<br />

mentalidade do colonizador português, imprimiram formalmente, os códigos<br />

das relações sociais no Maranhão. 4<br />

O escravo representava e demonstrava opulência e o alto prestígio social<br />

dos fazendeiros maranhenses, mesmo que para isso eles se endividassem junto aos<br />

vendedores de escravos. Como se pode notar, esse comportamento indica o quanto<br />

estavam presentes no imaginário dessa elite econômica, os resíduos da mentalidade<br />

senhorial do ocidente medieval, caracterizada, em grande parte, pelo desejo de ser<br />

servido e reverenciado por uma larga clientela. “Assim, sendo a condição de ser<br />

senhor, definia-se na tradição nobiliárquica acrescida de um novo elemento: a<br />

3 PEREIRA DO LAGO apud FARIA, Regina Helena Martins de. A transformação dos trabalhos nos trópicos:<br />

propostas e realizações. Recife, 2001. Centro de Filosofia e Ciencias Humanas.Programa de Pós-Graduação em<br />

História. Universidade Federal de Pernanbuco. p. 157<br />

4 PEREIRA, Josenildo de Jesus. Na fronteira do cárcere e do paraíso: um estudo sobre as práticas e resistência<br />

escrava no Maranhão oitocentista. 2001. Dissertação ( mestrado em História Social) – Programa de pós<br />

Graduação em História Política Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2001. p. 32


escravidão” 5 . “Portanto, o escravo para o maranhense representava e significava<br />

honra e dignidade associados ao poder de mando”. 6<br />

Os aspectos demográficos são muito importantes para conhecermos o<br />

grau de importância do escravo para a sociedade maranhense. Já sabemos que na<br />

primeira metade do século XIX o escravo esteve presente em quantidades<br />

superiores aos homens livres, porém na segunda metade do período analisado este<br />

quadro se inverte e teremos, portanto uma maioria de pessoas livres, assim sendo<br />

percebe-se que “no cotidiano da formação escrava maranhense, distinguiam-se os<br />

funcionários públicos, os comerciantes, os lavradores, os trabalhadores: escravos e<br />

libertos, os brancos pobres e os índios”. 7<br />

Deve-se deixar clara a grande importância escrava para a economia e<br />

sociedade maranhense, porém faz-se necessário entender que entre escravos e<br />

demais segmentos sociais estabeleceram-se uma diversificada e complexa rede de<br />

relações. Entre senhores e escravos existiam, particularmente, relações de<br />

dominação, de conflito, mas também de aliança e convivência pacífica. ¨A<br />

experiência cotidiana das relações escravistas transcendiam o discurso jurídico, pois<br />

homens e mulheres, quer fossem brancos, ricos ou pobres, escravos ou livres,<br />

construíram o processo histórico de suas vidas em sociedade¨. 8<br />

Os negros eram vistos como mão de obra potencial para o sistema agrário<br />

exportador, já os livres pobres que para Caio Prado Jr. 9 viviam à margem da<br />

economia agrária exportadora, não podiam se entrosar normalmente no organismo<br />

econômico e social do país, pois eram um elemento desajustado. Segundo Regina<br />

Faria 10 , os homens livres na primeira metade do século XIX eram vistos como inúteis<br />

e perigosos por não estarem inseridos na grande lavoura ou participarem de forma<br />

marginal. Eles ocupavam principalmente a criação de gado e, de acordo com o<br />

secretário de governo de 1840, Domingos José Gonçalves de Magalhães 11 , eram<br />

“homens ociosos”, sem domicílio certo, amantes da vida meio errante, pouco dados<br />

a outros místeres e muito à rapina e à caça.<br />

5<br />

SCHWARTZ, Stuart B. Segredos internos: engenhos e escravos na sociedade colonial. São Paulo:<br />

Companhia das Letras, 1988, p.203-223.<br />

6<br />

RIBEIRO, Jalila. A desagregação do sistema escravista no Maranhão (1850-1888). São Luís: SIOGE, 1989<br />

p.132.<br />

7<br />

PEREIRA, op. cit. p. 36<br />

8<br />

Id. Ibid., p. 45<br />

9<br />

PRADO Jr. Caio. História econômica do Brasil. São Paulo: Brasiliense, 1972. p. 198<br />

10<br />

FARIA op. cit. p.157<br />

11<br />

MAGALHÃES, Domingos José Gonçalves de apud FARIA op. cit. p. 156


De acordo com edição de 14 de fevereiro de 1869 de “O Artista” 12 , pode-<br />

se perceber com riqueza de detalhes a descrição dos livres pobres maranhenses:<br />

São homens ou famílias que não tem suas terras vivem nas alheias,<br />

intrusos ou com licença dos respectivos donos. Há proprietários que tem<br />

centenas de intrusos e não tem meios de os fazerem evacuar. Mas evacuar<br />

para quê? Seria melhor arrendar-lhes terras: mas é que eles não se<br />

sujeitam a um arrendamento e se assinassem algum seria logo necessário<br />

expeli-los por falta de pagamentos, e as coisas ficariam como estão. Quem<br />

não tem uma energia fora do comum não expulsa um desses intrusos por<br />

ter que adquirir um inimigo que tem uma infinidade de meios de fazer mal. O<br />

pior é que de todo modo, quer como amigos quer como inimigos, fazem-se<br />

pesados ao senhor das terras: cortam madeira reservada, colhem-nas<br />

escondidas nas roças, desmancham cercas, quebram porteiras, ligam-se<br />

com escravos, para prejudicarem os senhores, tem laços com escravos<br />

fugidos, avisam-lhes das diligências, amigam-se com as escravas, matam<br />

os animais domésticos, esfaltam os cavalos nos passeios noturnos, animam<br />

os escravos a insubordinação com discursos subversivo,suas mulheres são<br />

parteiras de abortos clandestinos entre as escravas que pretendem subtrair<br />

a escravidão o fruto de seu ventre, andam por detrás dos ranchos dos<br />

escravos abrindo caminhos novos para fins ilícitos, o pretexto de fazerem o<br />

que eles chamam picada de caçador; de maneira que o proprietário não<br />

pode ter em sua casa a ordem que deseja. 13<br />

Ainda em “O Artista”, percebemos entre os livres pobres os que se dizem<br />

lavradores por possuírem roça, embora em terra alheia:<br />

Pescam ou caçam num dia, fazem farinha noutro, trabalham uma hora na<br />

roça em outro e dormem ou passeiam o resto da semana. Andam léguas<br />

para ir cavar num buraco onde sabem que há uma paca ou um tatu, ou para<br />

trazerem uma arroba de frutos silvestres e voltam com seu achado: se a<br />

caça é morta a tiro, avaliam-na no custo da carga da pólvora; se é morta a<br />

facão ou a laço ou se é fruta, tudo é lucro: são dons gratuitos que nada<br />

custaram porque eles não sabem dar valor ao tempo, são pródigos de sua<br />

fortuna.<br />

A liberdade e a ociosidade dos livres pobres, de acordo com o exposto no<br />

jornal “O Artista”, são estereotipadas por não estarem inseridas no contexto da<br />

grande lavoura de exportação; portanto a ociosidade do livre era vista pela elite<br />

agrária como preguiça e falta de valor ao tempo e ainda eram taxados de<br />

vagabundos.<br />

Existia desde a colônia leis que proibiam a vadiagem. O código criminal do<br />

Império determinava pena de prisão com trabalho, por oito e vinte e quatro dias, a<br />

qualquer pessoa que não tivesse uma “ocupação honesta e justa” para o império. O<br />

que seria uma ocupação honesta para o Império?Seria estar na órbita do sistema<br />

agrário de exportação? O modo de vida dos livres pobres não era honesto por não<br />

se enquadrar em tal contexto?<br />

12 Jornal dedicado, principalmente, às artes mecânicas, encontrado na Biblioteca Pública Benedito Leite: “Só<br />

chegamos a ser livres à proporção que nos fazemos industriosos e moraes” (C. B. Dunoyer).<br />

13 O Artista, 14 de fevereiro de 1869 apud FARIA p. 163.


O que deve ser percebido aqui é a preocupação de enquadrar esse<br />

homem livre como fonte de mão-de-obra, pois o Maranhão perdeu boa parte de seus<br />

plantéis de escravos para o sudeste, devido ao tráfico interprovincial. Portanto, de<br />

acordo com o presidente da província em 1874, Augusto Olímpio Gomes de Castro:<br />

A instrução pode operar essa reforma salutar, inspirando nas classes<br />

pobres o desejo da propriedade e o amor da família, estímulos poderosos<br />

para combater a dissipação e a ociosidade. Melhorada a educação do povo,<br />

o trabalho será procurado, e a produção aumentará. 14<br />

Como se pode perceber, o modo de vida dos livres pobres passa a não<br />

ser mais aceito em uma sociedade que carece de mão-de-obra e vê nesse pobre um<br />

meio de suprir tal deficiência, com isto tem início uma mudança na posição das elites<br />

em relação aos pobres livres. Gradativamente iam sendo aceitos como homens e<br />

mulheres que podiam ser integrados ao mercado de trabalho, se mudassem<br />

radicalmente o modo de viver.<br />

O engenheiro Miguel Ferreira mostra muito bem como o modo de vida dos<br />

livres pobres era diferente do modelo pautado na subordinação e disciplina imposta<br />

pelo padrão, que se inseria no contexto da grande lavoura de exportação:<br />

Procure um homem para o trabalho: acham-se vinte, o que prova que não<br />

faltam braços no país. Trate-se com qualquer deles, e dirá que é um homem<br />

de bem os direitos; e para o provar refere que tem servido a muitos patrões e<br />

sempre a contento. Depois de uma fastidiosa seca, aí fica o homem<br />

contratado, que o proprietário dava por despachado, mas que parece esperar<br />

ainda por alguma cousa. Afinal depois de muitos rodeios, pede abertamente<br />

o dinheiro adiantado. Se o proprietário adianta, pela maior parte das vezes<br />

fica sem o trabalhador e sem o dinheiro, e se nega o homem de bem se<br />

ofende e por isso não vai trabalhar. Se vai, trabalhar em cada casa 15 dias;<br />

faz uma viagem ao mangue num barco, daí vai tirar pedra em uma pedreira,<br />

na outra semana vai tirar cipó ou buriti para vender na cidade, porque não<br />

quer estar sujeito a patrões, depois se aborrece de andar pelo mato, e vai<br />

pescar; n’outra semana vai para um barco buscar sarnambi ou carregar<br />

pedra. Os proprietários não podem detalhar um serviço para o dia de<br />

amanhã, porque não sabem quantos trabalhadores virão ao serviço, quantos<br />

irão pescar, quantos caçar, quantos dormir etc. 15<br />

De acordo com Regina Faria, para transformar o livre pobre considerado<br />

inútil e perigoso em um trabalhador enquadrado nos padrões desejados pela elite,<br />

muitas estratégias foram sugeridas, mas poucas ações foram realizadas para<br />

implementá-las, apesar das incontáveis queixas de serem um empecilho à<br />

14 GOMES DE CASTRO 1875, p.11 apud FARIA, 2001 p.166<br />

15 FARIA op. cit p.172


“civilização da província”. Tentou-se o ensino agrícola que não vingou, criaram-se<br />

novas leis contra a vadiagem, mas praticamente não foram efetivados.<br />

Devido à seca de 1877 a 1878, o número de pobres livres aumentou muito<br />

no Maranhão por causa dos emigrantes cearenses. Quando a administração da<br />

província ficou ciente do volume de pessoas que estavam chegando, tomou-se<br />

providências para controlar a situação. A presidência da província instruía que os<br />

retirantes fossem empregados preferencialmente em serviços de lavoura, em terras<br />

particulares ou devolutas. Com isso, o governo contribuía para acabar com o<br />

problema da falta de braços no setor e diminuía suas despesas com o sustento dos<br />

retirantes. Ora, para uma província que estava perdendo os braços escravos, a<br />

corrente migratória foi de extrema importância e valia.<br />

O Maranhão conseguiu absorver a grande maioria dos imigrantes e, de<br />

acordo com o Diário do Maranhão nas edições dos dias 14 e 27 de fevereiro de<br />

1879, há indícios de como estava sendo feita essa absorção:<br />

Os emigrantes que foram remetidos para a comissão desta vila (Penalva)<br />

já mudaram de aspecto, estão todos satisfeitos, e são moralizados e<br />

trabalhadores, não tendo havido entre eles a menor desordem.<br />

Dos que para aqui (Brejo) vieram, muitos se ocupam com proveito da<br />

lavoura; preciso é, no entanto que a autoridade evite que outros se<br />

entreguem à vadiagem para não lhes ser imputado o desaparecimento de<br />

rezes e furtos das roçadas. 16<br />

Estariam, portanto, integrados à vida do Maranhão, inclusive aos<br />

trabalhos agrícolas. O aumento na produção de cereais indica que os retirantes<br />

tinham se integrado basicamente como pequenos produtores. A grande lavoura<br />

escravista estava perdendo fôlego. Os livres pobres ganham espaço. Mas as elites<br />

se recusam a admitir que isso estivesse acontecendo. Contudo, não deixava de<br />

perceber a existência do livre pobre como um braço útil e como pequeno produtor<br />

rural. Começaram a aparecer referências que elogiavam os livres pobres como: “...<br />

são em extremo famigerados, dedicados ao trabalho e muitos concorrem para a<br />

prosperidade da lavoura de Monção. São eles os fornecedores de toda a farinha que<br />

se gasta nos engenhos de açúcar, da circunvizinhança”. 17 Como se pode perceber,<br />

o pobre livre na segunda metade do século XIX teve grande importância no contexto<br />

sócio-econômico da época. Eles se relacionaram com escravos e senhores,<br />

enriquecendo a teia de relações sociais maranhense na época da desagregação do<br />

sistema escravista. As relações inter-pessoais: apadrinhamentos, modo de vida,<br />

16 DIÁRIO do Maranhão, 14 e 27 de fevereiro de 1879<br />

17 O Artista, fevereiro, 1881 apud FARIA,


costumes, relações com senhores e escravos, casamentos etc., são temas ainda<br />

pouco trabalhados, merecendo a atenção dos pesquisadores, portanto:<br />

O perfil das relações no Maranhão, não ficou, em nível do cotidiano,<br />

reduzido ao binômio senhor/escravo, pelo contrário, as relações no plano do<br />

cotidiano eram complexas e decorrentes dos resíduos culturais presentes<br />

na memória das pessoas que teciam as relações cotidianas. Além do mais,<br />

os níveis dessas relações, conflito, negociação, solidariedade e violência<br />

variavam em maior ou menor grau, dependendo das circunstâncias em que<br />

pudessem se encontrar os sujeitos sociais. 18<br />

Por entre os largos, as ruas, os becos estreitos e o porto de São Luís, os<br />

escravos recriavam a sua condição social, indicando aspectos de suas<br />

formas de ler e viver o mundo, sugerindo dimensões das maneiras de<br />

viverem a resistência, o amor às intrigas e as maneiras de solucionarem os<br />

seus problemas . 19<br />

O Maranhão oitocentista foi marcado por uma forte religiosidade entre os<br />

componentes das elites. A elite maranhense entre 1850 e 1888 expressava sua<br />

religiosidade nos hábitos de rezar e assistir às missas, e era permeada por um<br />

profundo medo da morte, já que são várias as cartas de liberdade em nome de<br />

santos de devoção dos senhores e do próprio Deus. Um exemplo foi a liberdade<br />

concedida à escrava Raimunda, menor de idade, mulata, por Francisca Antônia<br />

Lima em respeito ao dia em que se celebrava a sagrada morte e paixão de Cristo 20 .<br />

Encomendavam-se inúmeras missas para a salvação das suas almas, de seus pais,<br />

filhos e parentes. O mesmo não se pode falar dos pobres e escravos, pois:<br />

As luzes do cristianismo parecem que ainda não penetravam essas vilas de<br />

tetos de palha e essas choupanas esgarradas em tão vasto território.<br />

Pobres padieiros com nome de igreja, ermas de fieis; apenas aninham as<br />

corujas, morcegos e mais aves noturnas, cujas imundices cobrem o chão<br />

sem assoalho, e até os mesmos altares; um vapor pútrito, como o hálito da<br />

peste se exala do santuário deserto, e tão miserável é o seu aspecto que<br />

parecem monumentos de zombaria ao mais sublime dos sentimentos<br />

humanos [...]. O que se pode esperar de homens não domados por<br />

nenhum freio. 21<br />

Percebe-se, portanto, que a preocupação de salvar a alma era bastante<br />

acentuada no imaginário cristão católico da sociedade maranhense na época, aqui<br />

analisada, mas essas possibilidades estavam diretamente ligadas e articuladas às<br />

condições financeiras dos que em vida, desejavam a salvação por entenderem que<br />

para além do mundo terreno havia o prolongamento da vida, e que esta não podia e<br />

não devia ser carregada de desalentos espirituais.<br />

18 PEREIRA op. cit. p. 49<br />

19 PEREIRA op. cit. p. 63<br />

20 Cartório Celso Coutinho. Livro de Notas n. 25, 1866, apud RIBEIRO op. cit. p. 69<br />

21 MAGALHÃES apud FARIA p. 158


A despeito das convicções que definiam a concepção cristã, que era<br />

dominante quanto a experiência do sagrado, o que vale salientarmos é a<br />

relação intrínseca entre o poder econômico e a fé religiosa herdada da<br />

cultura medieval portuguesa, a qual tecia, uma rede de compromissos<br />

entre o profano e o sagrado, entre a bolsa e a vida, entre o medo e o<br />

mistério. A única mediação deste drama Barroco era o dinheiro, já que<br />

somente ele é que podia pagar pelas inúmeras missas, ou construir igrejas<br />

e capelas, ou pagar honorários de padres.[...]. Os escravos, entretanto, não<br />

participavam diretamente desses atos ritualísticos pois, ao morrerem eram<br />

enterrados no Cemitério da Santa Casa, mas sem a encomenda de sua<br />

alma a Deus. Pelo interior da província, o leito dos rios serviam-lhes como<br />

depósitos de seus corpos, já dilacerados pelos castigos ou fatigados por<br />

rígidas jornadas de trabalho. 22<br />

Como se pode perceber a vida religiosa se mostrava diferenciada nas<br />

várias facetas da sociedade maranhense. Será que podemos falar o mesmo da<br />

própria estrutura social? Será que a análise da estrutura social de livres, pobres e<br />

dos próprios negros do interior do estado pode ser aplicada para São Luís, capital da<br />

província, que passava por um processo de urbanização nunca visto no Maranhão?<br />

As novas figuras que surgiram nesse contexto, dinamizaram ou não o quadro sócio-<br />

profissional e o próprio cotidiano dos ludovicenses? Essas respostas aparentemente<br />

fáceis e por mais banais que sejam, ainda não foram respondidas, pois ficaram<br />

camufladas em meio a um tiroteio da Historiografia: Senhores X Escravos,<br />

opressores X oprimidos. Esse jogo de mocinho e bandido já rendeu bons frutos para<br />

a historiografia, nos deu respostas a muitas dúvidas, porém é muito angustiante não<br />

saber responder com precisão quem foi São Luís para além de senhores e escravos.<br />

Se prestarmos atenção no que Aluísio Azevedo descreve em sua obra “O<br />

Mulato” entenderemos o que foi São Luís entre 1850 e 1888:<br />

[...] A Praça da Alegria apresentava um ar fúnebre...do outro lado da praça<br />

uma preta velha vendia fatos de boi. As crianças nuas...com os ventres<br />

amarelentos e crescidos empinavam papagaio de papel .Um outro branco<br />

levado a necessidade de sair, atravessava a rua. Ao longe para as bandas de<br />

São Pantaleão, ouvia-se apregoar: “Arroz de Veneza! Mangas! Mocajubas!”...<br />

O quitandeiro, assentado sobre o balcão, cochilava... Da praia de Santo<br />

Antonio enchiam toda a cidade de sons invariáveis e monótonos de uma<br />

buzina, anunciando que os pescadores chegavam do mar, para lá<br />

convergiam apressadas e cheias de interesse, as peixeiras, quase todas<br />

negras, muito gordas... A Praia Grande e a Rua da Estrela contrastava com o<br />

resto da cidade. Em todas as direções cruzavam-se esbofados e rubros,<br />

cruzavam-se os negros e os caixeiros em serviço na rua. Os corretores de<br />

escravos examinavam os negros..., os leiloeiros cantavam em voz alta o<br />

preço das mercadorias. 23<br />

A descrição não nos deixa dúvidas da grande gama de atividades<br />

profissionais existentes em São Luís no período analisado. Aluísio fala em<br />

22 PEREIRA op. cit. p. 51<br />

23 AZEVEDO, Aluisio. O Mulato.Rio de Janeiro: Editora Ática, 1986, p.15-16


vendedoras de fatos de boi, quitandeiro, pescadores, peixeiras, caixeiros, corretores<br />

e leiloeiros. Devemos entender aqui que essas atividades não eram atividades só de<br />

negros ou só de brancos. As atividades profissionais de São Luís podem nos fazer<br />

entender por outro ângulo a sociedade ludovicense. As crianças que brincam com a<br />

pipa segundo Azevedo, não demonstram o grande temor que os brancos têm de<br />

rebeliões negras. É difícil de acreditar que elas possam brincar em um campo de<br />

batalha, em meio a senhores e escravos se digladiando, visão esta que ainda<br />

permeia a historiografia maranhense.<br />

A análise sócio-profissional de São Luís nos permitirá montar um<br />

panorama de como era a capital maranhense, esse panorama porém não é um<br />

quadro esquemático fechado. Antes de falar especificamente do quadro profissional<br />

ludovicense é de extrema importância se entender a cidade de São Luís.<br />

24 Id. Ibid. p.186.<br />

No dia seguinte, por todas as ruas da cidade de São Luís do Maranhão, e<br />

nas repartições públicas, na praça do comercio, nos açougues, nas<br />

quitandas, nas salas e nas alcovas, boquejava-se largamente sobre a<br />

misteriosa morte do Dr. Raimundo. Era a ordem do dia. 24


3 SÃO LUÍS OITOCENTISTA<br />

São Luís em meados do século XIX, constituiu-se de três mundos<br />

distintos, porém nem sempre excludentes, tendo em mente que os homens<br />

constroem e tecem suas vidas baseados nas relações sociais e estas, por sua vez,<br />

são compostas de brigas, intrigas, mas também de amor, amizades, solidariedade.<br />

De um lado impregnada com os ares de progresso temos a elite urbana de São Luís<br />

que adotou e tentou reproduzir nos trópicos ares de vida européia, principalmente<br />

francesa, todavia por razões diversas, que vão desde o clima, passando pelo baixo<br />

grau de escolaridade e chegando até uma das bases de sustentação do sistema: a<br />

escravidão, a tentativa de civilização acabou sendo uma caricatura do modelo ideal.<br />

Por outro lado esse mesmo espaço urbano era ocupado pela sociabilidade escrava,<br />

por suas formas de ler e ver o mundo. Nesse emaranhado de atores encontrava-se<br />

também os pobres livres, as pessoas de pequenas posses, em outras palavras,<br />

aqueles que por não se enquadrarem no contexto da grande lavoura de exportação<br />

ficaram à margem da sociedade e eram taxados de vadios.<br />

3.1 Formação da Praia Grande<br />

Em São Luís, o Bairro da Praia Grande 25 despontou como o local onde<br />

muitas edificações foram construídas principalmente no decorrer do século XIX, com<br />

a expansão da cidade.<br />

Deve-se ressaltar que a organização urbana da Praia Grande 26 , com seus<br />

grandes casarões denota os reflexos do crescimento econômico aferido pelo<br />

Maranhão durante a segunda metade do século XVIII e decorrer das primeiras<br />

décadas do século XIX. A iniciativa dos proprietários de estabelecimentos, que<br />

25 A denominação do bairro com Praia Grande, teve origem de acordo com Carlos de Lima, “na<br />

chamada Praia Grande, isto é, o espaço que medeia, mais ou menos, do atual Shopping Cidadão até<br />

o final da Rua do Trapiche, em contraposição à Praia Pequena, ou Praia da Trindade, na altura da<br />

Rua do Ribeirão (também conhecida como Praia do Caju) e Praia de Santo Antônio, em direção à<br />

antiga Estação da Estrada de Ferro S. Luís - Teresina, hoje Gerência de Segurança Púbica” (LIMA,<br />

2002, p. 23).<br />

26 O bairro em seu princípio, era cercado de juçarais e olhos d’água, sendo constantemente alagado<br />

no período chuvoso. “A Praia Grande era, pois, todo o terreno desde a travessa Boa Ventura (Fluvial)<br />

até a rua do Trapiche, onde despontavam vários olhos d’água sob frondosos juçarais, recebendo as<br />

enxurradas vindas da rua do Giz, um tremendo lamaçal tornado impraticável, duas vezes ao dia, nas<br />

marés crescentes, para o transporte das mercadorias recebidas do interior, quando toda a<br />

comunicação por São Luís se fazia por mar” (Ibid., p.24).


construíram e moldaram com seus vistosos casarões azulejados, a imponência de<br />

uma época onde “a sociedade passou a requintar-se, através de melhorias urbanas<br />

e de suas habitações.” 27<br />

A área compreendida pelo centro histórico e em especial a Praia Grande,<br />

teve até o início do século XX, uma importância vital para a cidade de São Luís,<br />

constatando-se que nesse logradouro, estava situada uma vasta parte do comércio,<br />

em virtude da volumosa passagem de mercadorias e produtos carregados e<br />

descarregados no Porto localizado neste logradouro. O local também despontava<br />

como preferido na fixação de residências de comerciantes enriquecidos e<br />

afidalgados.<br />

A área antes cheia de alagados e pântanos, aos poucos, começou com a<br />

chegada dos estabelecimentos e novos moradores a ganhar novos ares com a<br />

modificação da paisagem física. Essas mudanças que se processavam na área são<br />

confirmadas por Viveiros, “aterrou os pântanos, secou os olhos d’água , roçou os<br />

manguezais, beneficiou-se com dezenas e dezenas de braças de cais, dotando-lhe<br />

de trapiches [...] e cobrindo-o de sobradões, de ombreiras, de cantarias, de janelas,<br />

de grades de ferro e revestidos de azulejos”. 28<br />

Com as mudanças na paisagem natural da área, removendo-se os<br />

empecilhos às construções, começou-se o processo de organização espacial das<br />

edificações que constituíram o conjunto arquitetônico.<br />

O comércio, que se alojou naquele setor foi elemento canalizador das<br />

condições materiais para o desenvolvimento do centro histórico, com o investimento<br />

de capitais na melhoria da área.<br />

A atração de famílias que começaram a fixar residência também foi outro<br />

fator importante, na medida em que as autoridades públicas tiveram que prover -<br />

mesmo com todas as debilidades existentes - esses moradores com serviços, como<br />

calçamento das ruas e abastecimento de água.<br />

Uma forma típica de utilização dos casarões no período se dava em forma<br />

27 GOMES, Geovana Carneiro Rocha. Praia Grande: o surgimento do bairro, o porto, a feira e sua<br />

decadência econômica. 1998. 43 f. Monografia (Graduação em História) Universidade Federal do<br />

Maranhão, São Luís, 1998, p. 19<br />

28 VIVEIROS, Jerônimo José de. História do Comércio do Maranhão (1612 – 1615). São Luís:<br />

Associação Comercial, 1954. p. 144


de comércio na parte térrea e moradia nos pavimentos superiores, havendo também<br />

construções, cuja habitação era unicamente utilizada como moradia.<br />

[...] o bairro da Praia Grande continuou abrigando comerciantes abastados,<br />

que ali construíram seus imponentes casarões. Os primeiros pisos dessas<br />

edificações sediavam estabelecimentos comerciais, enquanto os andares<br />

superiores serviam de residência aos seus proprietários. 29<br />

Os elementos que colaboraram para a consolidação e vocação comercial<br />

deste distrito da cidade são: a constituição da Feira, do Porto e a própria localização<br />

geográfica (dentro do perímetro original de surgimento da cidade).<br />

3.2 O Porto<br />

O porto da Praia Grande serviu como alavanca para as atividades<br />

econômicas não só de São Luis, como do Maranhão, pois do mesmo ocorria a<br />

partida e chegada de mercadorias que impulsionavam as transações comerciais. “O<br />

porto vai ser o grande corredor de escoamento para aquele comércio emergente, e<br />

em função deste surge o primeiro bairro comercial de São Luís”. 30<br />

São Luís muito lucrava por ser o único porto exportador, acumulando uma<br />

função essencial dentro da dinâmica econômica do Estado. A passagem das<br />

mercadorias exportadas e importadas trouxe um volume de capital que possibilitou a<br />

criação e manutenção de um estilo de vida mais requintado para um segmento de<br />

seus moradores.<br />

Mesmo com as mudanças processadas na economia no decorrer do<br />

século XIX, como o início do ciclo da cana de açúcar que deslocou o eixo econômico<br />

mais para o interior do Estado, São Luís continuava a ser o elo da cadeia comercial.<br />

São Luís, a capital, nada perderia; muito pelo contrário, único porto<br />

exportador, desenvolveu-se e enriqueceu-se ainda mais - os seus<br />

sobradões, de sacadas de ferro, de umbrais de cantaria, cujos azulejos<br />

reverberavam ao sol, aumentaram em número. 31<br />

O porto era o grande responsável pela articulação do Maranhão dentro do<br />

comércio exportador de produtos agrícolas. A produção de algodão, cana de açúcar<br />

29 NOGUEIRA JÚNIOR, Francisco Domingos Bezerra. Praia Grande: tesouro cultural, patrimônio da<br />

humanidade. 2001. 65 f. Monografia (Graduação em História) Universidade Federal do Maranhão,<br />

São Luís, 2001, p. 18<br />

30 PEREIRA, Lana Lourdes. Praia Grande: uma história de resistência. 1997. 65 f. Monografia<br />

(Graduação em História) Universidade Estadual do Maranhão, São Luís, 1997, p.13<br />

31 MEIRELES, Mário Martins. História do Maranhão. 2. ed. São Luís: Fundação Cultural do<br />

Maranhão, 1980, p. 297


e arroz que constituíram produtos essenciais à economia maranhense no decorrer<br />

dos séculos XVIII e XIX - cada um dentro de um determinado momento - teve seu<br />

escoadouro no porto de São Luís.<br />

O porto apesar de largamente utilizado, possuía problemas de ordem<br />

estrutural com “bancos de areia; canal de ziguezague; a grande amplitude das<br />

marés, o que só permitia o atracamento na maré alta; e cais pequeno”. 32<br />

A despeito desses problemas o porto era um elemento fundamental para o<br />

desenvolvimento da cidade e consequentemente, foi um fator que canalizou<br />

condições materiais para o surgimento do padrão arquitetônico dos grandes<br />

sobrados, muitos revestidos com azulejos importados, dinamizando com isso a vida<br />

em sociedade.<br />

3.3 A constituição da Feira<br />

A formação da feira na Praia Grande 33 foi outro elemento que fomentou a<br />

circulação de moeda na área e serviu de local para venda de víveres indispensáveis<br />

à população.<br />

A constituição da feira nos moldes que chegou aos dias atuais, remonta<br />

ao século XIX, quando se sentiu a necessidade da construção de um local que<br />

pudesse melhor acomodar a venda de gêneros alimentícios na cidade, pois com o<br />

desaparecimento das barracas 34 da Praia Grande, tornou-se mais complicado a<br />

aquisição de alimentos.<br />

Na tentativa de sanar as dificuldades da população nesse sentido, foi<br />

dado início em 1855 a construção da Casa da Praça cuja obra só foi terminada em<br />

1862, pela Companhia Confiança Maranhense. “A Casa da Praça era um conjunto<br />

arquitetônico à semelhança de um quadrilátero, tendo no centro de cada uma de<br />

suas alas, um portão que dava acesso a um jardim interno”. 35 A construção da Casa<br />

32 GOMES op. Cit. p.24<br />

33 Para um melhor estudo sobre a formação da feira da Praia Grande, recomenda-se a leitura da<br />

obra Feira da Praia Grande, de José Ribamar Sousa dos Reis.<br />

34 As barracas da Praia Grande foram planejadas no início do século XIX para a guarda e venda de<br />

gêneros alimentícios da população de São Luís. “Finalmente em 1805, feitos os aterros e um cais,<br />

áreas foram concedidas aos comerciantes para erigirem casas a fim de formar uma praça regular, de<br />

40 braças, onde se estabeleceriam as barracas” (LIMA, 2002, p. 24) Essas barracas organizadas<br />

para suprir as necessidades de guarda e venda de alimentos, deu origem ao que se denominou Casa<br />

das Tulhas ou Celeiro Público.<br />

35 REIS, José Ribamar Sousa dos. Feira da Praia Grande. São Luís: Augusta, 1982., p. 99


da Praça (atual Feira da Praia Grande) foi um elemento de muita serventia para a<br />

dinamização da área do núcleo inicial de formação da cidade.<br />

3.4 Por detrás dos azulejos.<br />

São Luís desenvolveu-se como já aludido, a partir de um núcleo inicial, a<br />

Praia Grande. Esse núcleo foi sempre a parte mais importante comercialmente e<br />

que recebeu primeiramente os melhoramentos urbanos. Assim é que essa área<br />

central da cidade foi o alvo principal das transformações modernizantes e<br />

organização urbana. Esse momento coincide com a segunda fase do<br />

desenvolvimento econômico do Maranhão, meados do século XIX à crise do final do<br />

século 36 , quando se verificou uma diversificação do capital mercantil e a gênese de<br />

um setor de serviços, principalmente na capital. Tais serviços foram sempre de uso<br />

restrito e contemplaram apenas as áreas nobres da cidade, como a Praia Grande e<br />

os bairros centrais.<br />

A cidade de São Luís na metade do século XIX, era formada por três<br />

freguesias urbanas: a de Nossa Senhora da Vitória, Nossa Senhora da Conceição e<br />

São João Batista. A cidade ao expandir o seu núcleo urbano, aumentou o seu<br />

número de ruas, edifícios e população, necessitando também de uma maior<br />

demanda de serviços públicos. Segundo Raimundo Palhano 37 os anos de 1850 a<br />

1870 foram caracterizados pelo surgimento e desenvolvimento dos serviços<br />

públicos, momento também onde as cidades brasileiras, principalmente as capitais<br />

encontravam-se em fase inicial de urbanização, sendo o estado o principal vetor<br />

desse processo. Nesse sentido o poder publico elaborou medidas visando melhorar<br />

o aspecto urbano de São Luís. O Código de Posturas de 1866 foi um instrumento<br />

dessa tentativa. Nota-se no Código de Posturas a preocupação com as aparências<br />

das ruas de São Luís buscando minimizar características do meio rural. A rua passa<br />

a ser um lugar de intensa movimentação, daí a preocupação com carruagens,<br />

carroças junto de animais e pedestres. Além da aparência das ruas também era<br />

preocupação do Código de Posturas o comércio, o vestir, e até os vícios como o<br />

fumo e a bebida.<br />

36 REIS, Flávio Antonio Moura. Grupos políticos e a estrutura oligárquica no Maranhão (1850-<br />

1930). Campinas: Universidade Estadual de Campinas, 1992.<br />

37 PALHANO, Raimundo nonato Silva. A produção da coisa Pública: serviços e cidadania na<br />

primeira república – ludovicence. São Luís: IPES, 1988, p 155.


Os serviços de iluminação, transporte, limpeza e abastecimento faziam<br />

parte das necessidades de uma cidade em expansão. A iluminação pública na<br />

primeira metade do século XIX era feita através de candeeiros à base de azeite, que<br />

além de deficientes abrangia apenas a região central da cidade e de acordo com<br />

Vieira Filho 38 , os lampiões viviam sujos eram poucos e mal conservados. Percebem-<br />

se as mudanças no sistema de iluminação na passagem de o Mulato onde Azevedo<br />

nos relata:<br />

Também dizia mal da iluminação a gás;... Dantes os escravos tinham o que<br />

fazer! Mal serviam o jantar iam aprontar e acender os candeeiros deitar-lhes<br />

novo azeite e coloca-los no seu lugar... E hoje? É só chegar o palitinho de<br />

fogo à bruxaria do bico de gás e [...] cala-se na pândega! Já não há tarefa! 39<br />

A implantação da iluminação pública em São Luís data de 1863, além de<br />

demonstrar sérios problemas, contemplou principalmente os bairros centrais<br />

habitados pelas classes mais abastardas.<br />

Com relação ao abastecimento de água potável, este era um problema<br />

crônico em São Luís. O fornecimento era dependente da venda por parte de alguns<br />

proprietários de poços nos arredores da cidade; dentre esses comerciantes de água<br />

destacou-se a figura de Ana Jansen, comerciante e latifundiária da capital. A água<br />

servida a uma parcela da população de São Luís, era de péssima qualidade e<br />

segundo relatos temos que: “A água que se vende atualmente é péssima<br />

principalmente a que vem do Sítio do Sr. Comendador Vasconcelos, que é bastante<br />

salobra” 40 . Apesar de tais referenciais terem um grau de confiabilidade pouco<br />

significativa, já que tal depoimento foi encontrado em um jornal de esquerda da<br />

época, e possivelmente utiliza-se do problema da água para afetar politicamente o<br />

comendador, deve-se encarar o problema de água potável em São Luís como real.<br />

Em 1856, o governo da província concedeu o privilégio da venda de água,<br />

por sessenta anos, para a companhia de água do Rio Anil. Esta deveria canalizar<br />

água do Anil para a população da cidade. Essa Companhia não obteve sucesso e<br />

terminou sendo incorporada, em 1875, pela Companhia de Águas de São Luís, que<br />

funcionou até 1920.<br />

Essas Companhias não conseguiram satisfazer minimamente a<br />

população, pois além da precariedade e os altos preços dos serviços prestados, o<br />

38<br />

VIEIRA FILHO, Domingos. Breve História das ruas e pacas de São Luís. 2. ed. Maranhão, 1971<br />

p. 16.<br />

39<br />

AZEVEDO, Aluísio op. cit. p.71<br />

40<br />

Jornal Para Todos, 28 de setembro de 1877, ano 1, nº. 26


número de pessoas que usufruíam era restrito, principalmente, a elite local que<br />

podia pagar. A população pobre em sua maioria usava as bicas, chafarizes e fontes<br />

públicas.<br />

A limitação do acesso à água potável contribuía decisivamente para o<br />

problema de insalubridade, que era agravado dentre outros fatores pelo precário<br />

sistema de esgotos. Os dejetos deveriam ser despejados no mar, mas não era<br />

pouca as vezes que a população usava para isso um terreno vazio, ou mesmo a rua.<br />

Outro item fundamental para a salubridade das cidades é a limpeza<br />

pública. Contudo, esse serviço nunca foi uma prioridade para o Estado, ao contrário<br />

foi sempre assunto secundário. Ainda assim, nos locais onde se fazia a coleta, era<br />

usado o cofo de palha como depósito de lixo, deixado nas portas das casas. A<br />

limpeza pública era precária e realizada por método primitivo. As condições gerais<br />

de asseio da cidade eram as piores possíveis, pois como afirma Palhano “as artérias<br />

da capital eram comumente invadidas por lamas, excrementos de animais, restos de<br />

vegetais e de sobras de todas as espécies, lançadas pela população. 41 Segundo<br />

Vieira Filho:<br />

Os garis da época eram os ventos, o “ vento amigo” que Oliveira Viana<br />

chamou acertadamente de “ grande higienista da cidade” e a água das<br />

grossas chuvas que lavam as ruas de São Luís, escoando-se rapidamente<br />

por causa das ladeiras que tornavam pitoresco esse abençoado burgo[...]. 42<br />

As precárias condições de salubridade facilitavam a proliferação de<br />

doenças como a varíola, sarampo, gripe, hepatite, disenterias e outras sendo<br />

comum os surtos epidêmicos, como os de varíola relatados por Marques:<br />

A varíola de vez em quando reaparece, e sempre fazendo muitas vitimas,<br />

como aconteceu na capital nos anos de 1837 a 1838, de 1854 de 1867 a<br />

1868 e de 1870 a 1871 aqui na capital sendo as três primeiras mortíferas,<br />

especialmente a de 1854, e as outras mais benignas. 43<br />

Essas doenças atingiram a população em geral, porém as camadas<br />

populares, principalmente os escravos, devido o difícil acesso dos melhoramentos<br />

urbanos, eram os que mais sofriam com a precária salubridade da cidade, o que<br />

ocasionava um grande número de mortes.<br />

No que diz respeito aos serviços públicos, observa-se que apesar de<br />

algumas melhorias, como por exemplo, a iluminação a gás e uma série de contratos<br />

41 PALHANO op. cit.p. 236<br />

42 VIEIRA FILHO op. cit. p. 21<br />

43 MARQUES, Augusto César. Dicionário histórico e geográfico da província do Maranhão. Rio<br />

de Janeiro: Fon-Fon e Seleta, 1870, p. 486.


para abastecer a cidade de água encanada, foram medidas precárias e limitadas,<br />

que não chegou a satisfazer a demanda geral, beneficiando e privilegiando apenas<br />

as elites econômicas e políticas e os bairros centrais da capital.<br />

Percebe-se que São Luís, mesmo passando por uma grave crise<br />

econômica, buscava manter a todo custo a aparência e o status. Nessa cidade onde<br />

o projeto modernizante da elite burguesa foi malogrado, onde os serviços de infra-<br />

estrutura urbana não contemplaram a maioria da população e onde os aportes<br />

civilizatórios não puderam realizar mais do que um arremendo daquilo que acontecia<br />

na Europa existia muitas formas de sociabilidade que se entrelaçavam e formava<br />

uma diversificada e complexa rede de convivência, onde seus atores: os escravos, a<br />

população pobre, os “vadios” tinham seus modos de vida duramente recriminado e<br />

reprimido até mesmo pelo Estado.<br />

O que deve ser entendido é que mesmo tendo sua forma de viver<br />

reprimida, o popular enquanto sujeitos vivenciaram a realidade de São Luís, e de<br />

alguma forma se apropriam dela e a re-inventam, portanto o Estado através do seu<br />

aparelho repressor tolheu o direito dos mais pobres e negros de viverem segundo<br />

seus princípios, porém o povo está sempre presente quando tudo acontece, é<br />

testemunha ocular do crime, é através dele que a notícia se espalha, o popular é o<br />

registro de tudo o que acontece na cidade.<br />

A polícia, órgão repressor estatal é por excelência o instrumento de<br />

manutenção da ordem do Estado, e é responsável pela segurança pública dos<br />

cidadãos, porém é comum se encontrar nos jornais da segunda metade do século<br />

XIX denúncias sobre o precário funcionamento da polícia, assim como apresentam<br />

queixas da população revoltada com a ineficiência da mesma e com seus tumultos<br />

causados por seus agentes.<br />

Com relação à estrutura de funcionamento da polícia, o jornal O Binóculo,<br />

traz uma nota intitulada: Obra Prima da Natureza, que diz o seguinte:<br />

44 O Binóculo, 27 de novembro de 1888.<br />

A obra mais importante que tem o nosso governo, é a cadeia do Cutim!<br />

Ah!... essa obra sim senhor : as portas desse suntuoso edifício são<br />

engrenadas com fortes e grossíssimas pindobas, o telhado coberto com o<br />

mesmo objeto, o destacamento que guarda essa – obra prima da natureza<br />

– e os pobres inocentes que por infelicidade tiveram a infelicidade de lá cair,<br />

é composta de no máximo seis praças, três desses estão diariamente<br />

licenciadas, das três que ficam em serviço, uma vai tirar palmito para o<br />

cavalinho do Sr. Subdelegado; a outra vai tirar caranguejos para nós comer,<br />

a última fica dormindo na fresca sombra dum arvoredo que tem defronte.<br />

Quanto aos presos nada sabemos. 44


“Ainda com relação aos péssimos serviços prestados pela polícia e o<br />

número muito reduzido de soldados, o Jornal Para Todos denuncia os transtornos<br />

causados pelos agentes dizendo:” No incêndio que houve na madrugada do dia oito<br />

apresentou-se “UM” soldado do 5º batalhão uniformemente fardado de roupas de<br />

dormir” 45 .Através desses relatos percebe-se um total despreparo da polícia militar<br />

comprovadas pelo número muito pequeno de soldados e pela postura dos policiais<br />

frente não somente a população, mas principalmente a seus superiores, que por<br />

sinal, a toda hora encontramos nos jornais, referências elogiosas a esses que<br />

comandavam um “ batalhãozinho” de pessoas despreparadas.<br />

Honras de Major: Ao Sr. Capitão do segundo batalhão da guarda nacional<br />

desta província João Pedro Alves de Barros foram concedidas as honras de<br />

major.<br />

Promoção – Foi promovido a coronel graduado o Sr. Tenente-coronel do<br />

corpo de engenheiros João Victor Vieira da Silva. 46<br />

Aqui se pode afirmar que a real preocupação da polícia além de reprimir<br />

os que não se enquadravam em uma cidade urbana, era promover pessoas que não<br />

cumpriam suas obrigações enquanto comandantes do órgão protetor da população.<br />

Enquanto a população sofre e reclama dos serviços da polícia, percebe-se um<br />

descomprometimento do alto escalão para com os ludovicences.<br />

Se a polícia não tinha compromisso para com a população, a população<br />

não confiava e nem acreditava na polícia, pois como a mesma pouco cumpria com<br />

os seus deveres, os ludovicences procuravam dar o famoso jeitinho brasileiro 47<br />

quando eram vítimas de roubo, valendo até apelar para os jornais, como percebe-se<br />

no seguinte aviso:<br />

AVISO: Tendo os ladrões penetrado hotem à noute, em casa de morada de<br />

baixo assignada, à rua de S. Pantaleão, chácara contígua ao<br />

estabelecimento comercial do sr. Bernardo e fronteira ao do sr. Manoel dos<br />

Reis Gomes, e d’ahi roubando uma saleira de prata com logares para sete<br />

vidros, seis galinhas e mais a quantia de 4,3000 reis, em cobre, que se<br />

achava dentro de uma das gavetas do guarda-louças; - pede a pessoa a<br />

quem o mesmo saleiro for offerecido, especialmente aos senhores ourives,<br />

o favor de apprehendel o e entrega-o a abaixo assignada, visto ser-lhe<br />

impossível obter as galinhas e a importância subtraída.<br />

Rosa Emília Rodrigues Branco Pereira. 48<br />

Como já foi dito a policia estava preocupada era com os vadios, vadiagem<br />

esta, que era considerada própria dos desocupados, ou seja, dos não engajados no<br />

45 Jornal Para Todos, 13 de julho de 1877.<br />

46 A Actualidade, 14 de agosto de 1869.<br />

47 Ver HOLANDA, Sérgio Buarque de. Raízes do Brasil<br />

48 Pacotilha, 13 de maio de 1888.


mercado formal de trabalho, o ócio era característico da vadiagem portanto:<br />

na rua do Ribeirão, canto com a rua da Saavedra, reúne-se todas as noites<br />

umas abelhas perigosas, que sem respeitar a moral pública, larga de<br />

ROUPA À PROA mil palavrões cabeludos. Eis os nomes das primeiras que<br />

sobresahem, Benedita, Filomena e a celebre Joana, negrinha de pá virada,<br />

que tantas vezes tem visitado os raios da cadeia pública. Melhor se tornaria<br />

a comédia se o sr. Subdelegado do 3º distrito expedisse ordem para ser<br />

liquidado esse cortiço, que tanto mal tem causado àqueles moradores. 49<br />

Esse é um exemplo típico normalmente classificado como vadiagem pela boa<br />

sociedade do período, que além das denúncias ainda enumeravam muitas outras<br />

atitudes como definidoras de vadiagem, para as mulheres sobressaem alguns<br />

adjetivos mais comuns como rueiras, escandalosas, “alegres”, etc. No caso dos<br />

homens temos: boêmio, notívago, gatuno e ébrio.<br />

Os “Vadios” eram perseguidos e não tinham o direito de reclamar dos<br />

serviços da polícia, entretanto os moradores dos bairros centrais de São Luís<br />

sempre estavam cobrando da polícia atitudes para com os desordeiros e<br />

vagabundos, é o que se percebe na edição do jornal Pacotilha de 01 de junho de<br />

1888.<br />

Alerta policia???<br />

Pedimos ao sr. chefe de polícia, que não se esqueça de mandar patrulhar a<br />

rua de S. Pantaleão, com especialidade ao conto da de S. Thiago, que é<br />

onde junta-se constantemente grande número de vadios e desordeiros!<br />

Nesse lugar da-se sempre cousas do arco da velha, constantemente apitase,<br />

não aparece um soldado, como sempre: ora, isso não tem geito; é<br />

preciso andarem mais activos com a lei; não é essa a primeira reclamação<br />

que temos feito.<br />

Os moradores da rua S. Pantaleão. 50<br />

Deve-se entender o conceito de vadiagem dentro do discurso para a<br />

transformação do trabalho na província do Maranhão, pois com a decadência e crise<br />

do sistema agrário exportador no Maranhão, as pessoas que antes não eram nem<br />

lembradas enquanto seres humanos e aqui estamos falando dos pobres e negros,<br />

passam a ser vista como mão de obra potencial, porém, para isso elas deveriam se<br />

enquadrar em uma urbanização almejada pela elite, devendo para isso modificar o<br />

seu modo de viver:<br />

49 O BINÓCULO, 27 de novembro de 1887.<br />

50 PACOTILHA, 01 de junho de 1888<br />

51 O PAIZ, 29 de maio de 1888.<br />

[...] Ainda está tudo por fazer, para que possa organizar regularmente o<br />

trabalho, é preciso antes de tudo criar o trabalhador porque não existe entre<br />

nós”.<br />

[...] Entretanto não posso deixar de reconhecer que é geralmente dotada de<br />

boa índole, faltando somente educá-la e chama-la ao trabalho... 51


Mesmo quando os livres pobres passaram a ser vistos como mão de obra<br />

potencial, os discursos preconceituosos para com esse tipo de trabalhador<br />

continuaram a ser usados:<br />

Ninguém é capaz de conseguir trabalho dessa gente. Muitas vezes o<br />

proprietário vai convidar trabalhadores prometendo-lhes pagamento pontual<br />

e boa alimentação; exigem logo adiantamento dos jornais, alegando que<br />

precisam comprar uma calça ou camisa, os que obtém o abono nunca mais<br />

aparecem para o não pagar e os que não obtêm tornam este pretexto para<br />

não ir ao trabalho, porque não podem ir sem roupa para fora de casa. 52<br />

Indubitavelmente o modo de vida dos pobres livres passa a não ser mais<br />

aceitável em uma cidade em processo de urbanização, assim as vacarias e tudo o<br />

que lembrasse o meio rural foi proibida nos bairros centrais de São Luís pelo Código<br />

de Posturas, porém, os tipos sociais e os tipos profissionais que permeiam esse<br />

universo não somente de livres pobres, mais de toda uma gente que construiu suas<br />

vidas em sociedade, reconstroem o cotidiano de São Luís mostrando o que os<br />

ludovicences faziam, quem eles eram e como viviam.O popular é muito importante<br />

para se entender a cidade de São Luís da segunda metade do século XIX.<br />

Deve-se levar em consideração três critérios para se entender a<br />

sociedade maranhense da primeira metade do século XIX. O critério da cor; o<br />

critério econômico e o critério jurídico, ou seja, ser ou não ser dono de escravo. A<br />

sociedade maranhense segundo Faria 53 se tornou mais complexa na segunda<br />

metade do século XIX devido à interrupção do tráfico de africanos, a emigração<br />

nordestina, a desagregação do escravismo, a miscigenação e outros fatores que<br />

contribuíram para diversificar os tipos físicos e os papeis sociais. Assim sendo:<br />

Com o passar do tempo, a instalação em seu núcleo urbano de diversos<br />

negociantes, lojistas e quitandeiros de toda origem, portugueses,<br />

brasileiros, ingleses e franceses conferiu a São Luís a condição de “cidade<br />

comercial” e a quarta cidade brasileira em importância econômica. Nesse<br />

processo, por volta de 1861, São Luís já possuía mais ou menos uns 36<br />

negociantes com escritório situado na Rua do Trapiche, do Egyto, Formosa,<br />

dos Barbeiros, da Estrele e do giz, no Largo do Carmo, 04 armazéns de<br />

madeira de construção civil e naval; 05 mercados de lojas livres; 03 agentes<br />

de leilões; 158 quitandas; 59 armazéns de mantimentos secos de todas as<br />

qualidades, frutas e aves. Os seguimentos médios e ricos da cidade ainda<br />

podiam contar com uma larga oferta de serviços de modista, retratista,<br />

relojoeiros, arquitetos, ourives e outros. 54<br />

Nesse sentido a busca da compreensão do cotidiano da cidade de São<br />

52 O PAIZ, 29 de maio de 1888.<br />

53 FARIA op. cit. p. 60<br />

54 PEREIRA, op. cit. P. 57


Luís, perpassa e está permeada dos hábitos desses sujeitos que modificaram e<br />

transformaram a estrutura social da capital, portanto:<br />

Os quitandeiros maranhenses, foram co-responsáveis pelo movimento<br />

transformador, foram, com absoluta convicção, representantes de vetores<br />

sociais específicos, que, se dominados, não emergiram do mocambo e/ou<br />

da senzala, pois participando da organização, da reprodução, e da<br />

transformação sociais, configuravam a habitação inclusive da meia-parede,<br />

da meia-morada, da parede-e-meia etc. 55<br />

55 CORRÊA, Rossini. Formação Social do Maranhão: o presente de uma arqueologia.São Luís,<br />

Sioge, 1993, p.89


4 TIPOS SÓCIO-PROFISSIONAIS DE SÃO LUÍS<br />

O povo, bem como as funções que exercem dentro de uma sociedade, ou<br />

seja, suas profissões podem muito, mostrar como foi uma determinada sociedade e<br />

como ela se organizava. Entender o profissional e atrelado a ele o sujeito enquanto<br />

ator social é sem dúvidas entender a alma de uma sociedade.<br />

4.1 Tipos Profissionais<br />

No decorrer do século XIX, principalmente na segunda metade, a<br />

estrutura social maranhense tornou-se mais complexa com o surgimento dos<br />

seguimentos médios formados, em grande parte, de funcionários públicos, cujo<br />

número foi aumentado com a complexidade do aparelho do Estado; de pequenos<br />

comerciantes, de profissionais liberais e, ainda, de padres e literatos. Aumentou<br />

também sensivelmente a população dos homens livres destituídos de qualquer<br />

fortuna. Pensando nisso é que o ensino de ofício foi efetivamente promovido, no<br />

Maranhão, através da fundação, em 1842, da Casa dos Educandos Artífices.<br />

era:<br />

Segundo Maria do Socorro Cabral, a finalidade desse estabelecimento<br />

1º - desviar da carreira dos vícios, dezenas de moços que não tendo de que<br />

viverem, nem quem promova sua educação crescem ao desamparo e<br />

tornam-se inúteis e pesados a sociedade;<br />

2º - animar as artes e oferecer à capital e à província trabalhadores e<br />

artífices que tanto necessita. 56<br />

Na década de 50 continuou a casa dos educandos em considerável ritmo<br />

de crescimento. Nesse período, introduziram-se mais algumas matérias de estudo,<br />

criaram-se outras oficinas e foi aumentado o número de educandos.<br />

Em 1855 existiam, no estabelecimento, 137 educandos e as aulas e as<br />

oficinas, tinham para Cabral, os respectivos números:<br />

56 CABRAL, Maria do Socorro Coelho. Política e Educação no Maranhão. São Luís: Sioge, 1984,<br />

p.55


Tabela 1 – Aulas/Quantidade de alunos<br />

Fonte: Maria do Socorro Cabral (1984, p.57)<br />

Tabela 2 – Oficinas/Quantidades de aprendizes<br />

Fonte: Maria do Socorro Cabral (1984, p.57)<br />

A Casa dos Educandos, em 1855, era considerada como um dos<br />

melhores empreendimentos educacionais do país, no campo do ensino de ofícios,<br />

em 1873 a Casa contava com 300 alunos, freqüentando oito diferentes oficinas que<br />

existiam em tal estabelecimento: gravura, marcenaria, alfaiataria, sapataria,<br />

carpintaria, pedreiro, serralheria e ferraria. Havia além dessas oficinas, aulas de<br />

primeiras letras, gramática aplicada, de desenho, de música e de instrumentos de<br />

sopro e de corda.<br />

AULAS QUANTIDADE DE ALUNOS<br />

Primeiras Letras 137<br />

Escultura e Desenho Aplicado às Artes 8<br />

Geometria e Mecânica aplicada às Artes<br />

e noções gerais de aritmética e álgebra<br />

6<br />

Música e instrumentos de corda 10<br />

Música e instrumentos bélicos 28<br />

OFICINAS QUANTIDADE DE APRENDIZES<br />

Alfaiate 25<br />

Sapateiro 20<br />

Pedreiro 16<br />

Carpinteiro 10<br />

Charuteiro 25<br />

A partir dessa época, a Casa dos Educandos passa a apresentar sinais<br />

de declínio, houve uma redução em 1874 do número de alunos, caindo para apenas<br />

100, o número de oficinas também caiu para apenas quatro. A Casa fechou suas<br />

portas com a proclamação da república em 13 de dezembro de 1889.<br />

O serviço dos Artífices era muito importante em uma sociedade urbana<br />

como a de São Luís da segunda metade do século XIX, é comum se encontrar nos<br />

folhetins da época, histórias que demonstram a importância dos seus serviços, como


exemplo tem a seguinte que diz: “Sapatos muito largos: ... Espere, vou dizer-lhe o<br />

que é [...] Deve ser um sapateiro que mandei chamar... é o sapateiro da senhora<br />

Morbais”. 57<br />

Segundo Pereira do Lago 58 em 1821 as profissões acima citadas estavam<br />

distribuídas da seguinte forma, em toda a província:<br />

Profissão Quantidade de livres<br />

exercendo<br />

Quantidade de<br />

Escravos exercendo<br />

Alfaiates 61 96 157<br />

Caldeireiros 4 1 5<br />

Carpinteiros 86 183 269<br />

Carpinteiro de Machado 96 42 138<br />

Calafates 80 38 118<br />

Espingardeiros 5 3 8<br />

Ferreiros 37 23 60<br />

Funileiros 2 1 3<br />

Marceneiros 30 27 57<br />

Ourives 49 11 60<br />

Pedreiros e Carteiros 404 608 1012<br />

Pintores 10 5 15<br />

Sapateiros 92 143 235<br />

Seleiros 4 1 5<br />

Tanoeiros 4 6 10<br />

Tabela 3 – Profissão/Quantidade de trabalhadores<br />

Fonte: Pereira do Lago (2001, p. 121 à 123)<br />

Total<br />

De acordo com os dados percebe-se que das quinze profissões<br />

apresentadas, dez eram exercidas pela maioria de livres, enquanto apenas cinco a<br />

maioria era de escravos. Não se encontrou dados que pudesse nos dar um<br />

panorama da segunda metade do século em análise, porém chegou-se a uma<br />

conclusão que essas profissões passaram em sua grande maioria a ser exercidas<br />

57 Jornal Para todos, 1º de agosto de 1877.<br />

58 LAGO, Antonio Bernardino Pereira do.Estatística histórico-geográfico da Província do<br />

Maranhão.São Paulo, Siciliano, 2001, p. 121 a 123.


por pessoas livres, levando-se em consideração a saída de uma grande quantidade<br />

de negros para o sudeste do país, devido o tráfico interprovincial e principalmente<br />

devido a criação da Casa dos Educandos que passou a formar livres nessas<br />

profissões.<br />

Além dessas profissões, iremos encontrar ainda muitas outras em São<br />

Luis. Dentro do funcionalismo público temos que: “O empregado público mais antigo<br />

de toda esta província, que ainda se acha no exercício de seu emprego, é o Sr.<br />

Tenente Coronel João Joaquim Belfort Sabino” 59 . O funcionalismo público pode ser<br />

encarado como um novo seguimento em São Luís, pois surgiu com o aumento da<br />

complexidade do aparelho estatal. Sem entrar na questão de quando se passou a<br />

confundir o público e o privado, em São Luís no período analisado era comum<br />

encontrar depoimentos nos jornais do tipo: “Um conhecido empregado público, que<br />

enriqueceu no exercício de suas funções, foi ultimamente demitido em conseqüência<br />

de sérias desconfianças a seu respeito”. 60<br />

Os bairros centrais de São Luís urbanizaram-se, porém as áreas mais<br />

afastadas mantiveram características tipicamente rurais, portanto não podemos<br />

esquecer da presença de pequenos agricultores e criadores de gado, tendo em vista<br />

que:<br />

Além das peras da Maioba, tem uma quinta do Caminho Grande, uma<br />

maçãeira com duas lindas maçãs. Não tarda que teremos também pecegos<br />

produzidos na ilha...<br />

[...] Onze pessoas, ao todo, comerão da pêra maranhense que foi vendida<br />

no bazar de Santo Antonio. 61<br />

Agricultores, pequenos criadores de gado, pescadores são profissões que<br />

prestavam importante papel na sociedade ludovicence, pois estavam inseridos no<br />

cotidiano popular e segundo Azevedo: “Da praia de Santo Antonio enchiam toda a<br />

cidade de sons invariáveis e monótonos de uma buzina, anunciando que os<br />

pescadores chegavam do mar, para lá convergiam apressadas e cheias de<br />

interesse, as peixeiras, quase todas negras, muito gordas”. 62 Em outras palavras, os<br />

pescadores oferecendo seus serviços para a população, dinamizavam o comércio, o<br />

convívio, o contato e a própria vida do ludovicence.<br />

O número de profissionais liberais também aumentou. Encontraremos<br />

59 Jornal Para todos, 13 de julho de 1877<br />

60 Jornal Para todos, 24 de março de 1878<br />

61 Jornal Para todos, 13 de julho de 1877<br />

62 AZEVEDO op. cit. p.15-16


professores, médicos, advogados, etc. Para se ter uma idéia dessa evolução, basta<br />

perceber que em 1838 só existiam apenas duas escolas públicas primárias na<br />

capital, enquanto em 1860 encontraremos nove escolas desse tipo com 541 alunos,<br />

isso sem levar em conta as escolas agrícolas e a própria Casa dos Educandos que<br />

possuía um quadro de 137 professores. Além disso, os jornais sempre faziam<br />

menção a esses profissionais: “Quem passa a noite pela Rua do Sol, nas<br />

proximidades do quartel, admira e louva a dedicação do Sr. Roberto Moreira no<br />

ensino de escripturação mercantil e contabilidade”. 63<br />

O Jornal Para todos, A Actualidade, bem como A Pacotilha, mostra a<br />

importância e influencia dos literatos, escritores, médicos e advogados em São Luís:<br />

-Honramos hoje a primeiras página do Jornal Para Todos com o retrato do<br />

talentoso maranhense Marcelino Augusto de Lima Baratta, auctor da<br />

mimosa coleção de poesias, recentemente publicadas sob o título de<br />

Miragens. 64<br />

- Noticiamos a chegada à cidade de um dos mais ilustres escriptores<br />

maranhenses, o sympatico Sr. José Pereira da Silva Coqueiro. 65<br />

- Consultório Médico – O Sr. Dr. Augusto Teixeira Belfort Roxo tendo<br />

saltado da Europa acaba de abrir o seu escriptório de consultas médica –<br />

cirúrgicas em casa de sua residência rua Grande nº 17. 66<br />

- Dr. Nina Rodrigues – Médico Operador – Dá consultas das 7 às 9 horas<br />

da manhã na casa da sua residência a rua do Sol nº 17, onde recebe<br />

chamadas a qualquer hora do dia e da noite. 67<br />

- Oculista – O Dr. Correia Bittencourt, oculista residente na corte, ex chefe<br />

de clínica de moléstia dos olhos dos gabinetes dos Drs. Wecker e Panas<br />

em Paris, e do professor Hirschberg, em Berlim, de passagem por essa<br />

cidade, demora-se algum tempo no exercício de sua<br />

especialidade.Consultório e residência, à luz do Quebra Costas nº 11( em<br />

faca da pharmacia Abreu), Consultas das 8 da manhã às 12. Grátis aos<br />

pobres. 68<br />

Como se percebe, esses médicos, advogados e literatos, estudavam na<br />

Europa tendo uma formação diferenciada de outras profissões. Foi explícito e hoje é<br />

bem nítido, que houve um relacionamento do senhoriato com a intelectualidade,<br />

houve um complemento funcional de interesses, no Maranhão e bem mais em São<br />

Luís. “No Maranhão, o crescimento material (infra-estrutura) provocou a<br />

conseqüência correlata do florescimento cultural. Isto é, o senhoriato de agricultores<br />

e comerciantes, necessitando parlamentar, foi procriador de sua intelectualidade.” 69<br />

Em outras palavras, havia um casamento, sem divorcio, de senhores e<br />

63 Jornal Para todos, 13 de julho de 1877.<br />

64 Jornal Para todos, 1º de agosto de 1877.<br />

65 Jornal Para todos, 28 de setembro de 1877.<br />

66 A Actualidade, 11 de maio de 1869.<br />

67 A pacotilha, 13 de maio de 1888.<br />

68 A pacotilha, 13 de maio de 1888.<br />

69 CORRÊA, op. cit. p.116


intelectuais na sociedade maranhense, portanto:<br />

O labirinto social do grupo maranhense estruturou-se no imperialismo dos<br />

intelectuais, escondendo o crescimento econômico de agricultores,<br />

pecuaristas e comerciantes.<br />

[...] Da funcionalidade recíproca, de senhores e intelectuais, resultam, no<br />

mínimo, a organização do trabalho e a consciência oficial, subestruturas<br />

essenciais da totalidade da estrutura social. 70<br />

Deve-se entender também é que dentro desse grupo de “grandes”,<br />

grandes agricultores; grandes pecuaristas e grandes comerciantes, também<br />

existiram os “pequenos” comerciantes e agricultores. Os quitandeiros também são<br />

atores sociais do cotidiano de são Luís, não sendo menos importantes para a<br />

sociedade, somente porque produziam e vendiam em menor quantidade ou porque<br />

possuíam um grau de instrução menos elevado, deve-se pensar o quitandeiro como<br />

um agente difusor e propagador de relacionamentos, pois, em seu estabelecimento<br />

se dava convívios de toda ordem, e foram principalmente a partir das quitandas que<br />

as notícias, picuinhas ou não se espalhavam.<br />

Essa grande e complexa rede de profissionais encontrada na São Luís da<br />

segunda metade do século XIX, (aqui se deve deixar claro que sem dúvidas<br />

existiram outros tipos de profissionais não citados e tratados na análise) nos permite<br />

ampliar a visão e perceber uma infinidade de possibilidades de convívio, de<br />

relacionamentos, essa diversidade profissional tece uma teia de convivência para<br />

além de senhores e escravos e nos abre um enorme leque de possibilidades para se<br />

pensar São Luís de um outro ângulo, a partir do povo, entendendo povo como todo<br />

ser humano que viveu esse período estando na órbita do sistema agrário exportador<br />

ou não.<br />

4.2 Tipos sociais<br />

Como se sabe, os tipos populares são o registro de tudo o que acontece<br />

na cidade, é através dele que a notícia se espalha. Ele é testemunha ocular seja de<br />

um crime, seja de um adultério, portanto sabendo de sua existência estaremos<br />

cientes da existência de uma rede de relacionamentos que vai além do binômio<br />

senhor/escravo.<br />

70 Id. Ibid. p. 122


4.2.1 Escravos urbanos<br />

O cotidiano da cidade de São Luís foi fortemente marcado pela presença<br />

dos escravos nas casas e nas ruas. O ambiente urbano possibilitou uma maior<br />

liberdade de movimentos dos cativos, levando em consideração que eles exerciam<br />

várias funções nas ruas, o que também proporcionou um maior contato com outros<br />

segmentos sociais, criando novas teias de relacionamentos.<br />

O trabalho no ambiente urbano era diversificado. Alguns escravos<br />

trabalhavam na casa senhorial, outros eram alugados e outros eram de ganho. Os<br />

escravos domésticos trabalhavam em serviços relacionados a casa: cozinhavam,<br />

lavavam, passavam, cuidavam do jardim, esse tipo de escravo tinham uma relação<br />

mais próximas com seus senhores e geralmente andavam mais bem vestidos.<br />

A locação de escravos fazia parte do dia-a-dia da cidade. Os escravos<br />

eram alugados para os mais variados tipos de serviços: serventes, padeiros, oleiro,<br />

ama de leite, cozinheira, doceira, alfaiate, sapateiro, etc.<br />

O escravo de ganho era aquele que trabalhavam nas ruas negociando os<br />

seus serviços. Seus senhores estipulavam uma quantia a ser-lhes entregue no final<br />

do dia ou da semana, se o escravo faltasse com o compromisso era castigado. O<br />

escravo além de entregar a quantia estipulada ao senhor, deveria com o excedente<br />

pagar seu sustento. Muitos escravos de ganho moravam separados de seus<br />

senhores, em quartos alugados.<br />

A vigilância sobre esses escravos era mais difícil, mesmo com a presença<br />

da polícia, pois era nas ruas que os escravos recriavam suas formas de ver e ler o<br />

mundo e:<br />

Por entre os largos, as ruas, os becos estreitos e o porto de São Luís, os<br />

escravos recriavam a sua condição social, indicando aspectos de suas<br />

formas de ler e viver o mundo, sugerindo dimensões das maneiras de<br />

viverem a resistência, o amor às intrigas e as maneiras de solucionarem os<br />

seus problemas. 71<br />

O ambiente urbano deu uma dinâmica ao sistema escravocrata. As várias<br />

modalidades de trabalho, doméstico, aluguel e de ganho; a maior mobilidade<br />

escrava, o grande contingente de escravos e liberto, o que facilitava as fugas, as<br />

novas formas de vigilância e as formas encontradas pelo escravo para exercerem<br />

sua subjetividade: batuques, fugas, crimes, cumplicidade, são fatores que<br />

71 PEREIRA op. cit. p. 63


compunham o cotidiano escravo na cidade.<br />

4.2.2. Alguns tipos populares<br />

Deve-se perceber e entender o popular como um agente difusor de<br />

preservação da memória de um povo, ele é sem dúvidas um registro de tudo o que<br />

acontece em uma cidade, portanto entender o popular é conhecer o lugar onde ele<br />

viveu.<br />

Pesquisando em jornais da época em análise (1850-1888), encontrou-se<br />

diversas caricaturas de tipos populares, porém sem nenhuma descrição. Na<br />

pesquisa também tivemos contato com jornais que não estão dentro do período<br />

analisado (1902 - Jornal Os Novos), onde foram encontradas descrições de tipos<br />

populares que se enquadram perfeitamente nas caricaturas. Sabe-se que o<br />

historiador não deve comparar coisas e épocas diferentes, porém, apesar dos<br />

jornais estarem em contextos diferentes (Antes e depois da escravidão), estão muito<br />

próximos quando se estuda o social pois para Jacques le Goff “o processo mental<br />

se estuda no longo período dos séculos” 72 , e ao descrever um personagem histórico<br />

sem dúvidas se trabalha com a mente, portanto a descrição de tipos populares em<br />

1902 dificilmente modificou-se em relação a segunda metade do século XIX.<br />

Astolfo Marques 73 descreve no jornal Os Novos de 1902 alguns tipos<br />

populares comuns na São Luís da época.<br />

Um tipo interessante descrito por Marques é o Pomada. Negro “fidalgo”,<br />

metido a poeta. Ou como nos fala Marques:<br />

“É negro, ele mesmo o reconhece, mas não um negro aí qualquer. Negros<br />

há-os de duas qualidades, negro lítico e negro positívia.Negro positívia é<br />

aquele que rouba o alheio contra a vontade do dono.Dessa categoria ele<br />

não é, nem será.Negro lítico é aquele que é sério e que goza da estima de<br />

todas as pessoas de bem. É essa categoria a que ele pertence.” 74<br />

O que se percebe, além do tom preconceituoso típico da época presente<br />

na descrição, é que a descrição do Pomada é de 1902, esse termo não foi<br />

encontrado nos jornais da segunda metade do século XIX, porém é bastante<br />

semelhante e se aproxima muito das caricaturas encontradas em 1877 no Jornal<br />

Para Todos, assim temos:<br />

72 LE GOFF op. cit<br />

73 Jornalista Maranhense<br />

74 Tipos Populares: O Pomada Os novos, agosto de 1902


CARICATURA- 1877 DESCRIÇÃO DE MARQUES-1902<br />

Quadro 1 – Caricatura/Descrição Pomada<br />

Outro tipo popular descrito por Marques é o Troira. Orador, músico<br />

dramaturgo e muito apreciado nas rodas sociais, tem uma voz firme e sonora que<br />

causa assombro e inveja.<br />

Quadro 2 – Caricatura/Descrição Troira<br />

Pomada - Negro lítico é aquele que é<br />

sério e que goza da estima de todas as<br />

pessoas de bem. É essa categoria a que<br />

ele pertence.<br />

CARICATURA – 1877 DESCRIÇÃO DE MARQUES -1902<br />

Estatura regular, muito magro, bigode<br />

bem torcido e suissas pouco espesses,<br />

de ar sempre alegre e presenteiro.<br />

Não foram encontradas mais nenhuma descrição no Jornal Os Novos de<br />

1902, porém foram encontradas no Jornal para Todos de 1877 muitas outras


caricaturas que podem ser vistas em anexo.<br />

4.2.3 O Papel das Mulheres<br />

A mulher permaneceu sem história durante um longo período. Atualmente<br />

encontram-se alguns estudos acerca do tema, porém, muito pouco para abarcar o<br />

leque de abrangência deste tema. Mulheres negras; pobre; livres; ricas, pode-se<br />

abordar o assunto de vários ângulos. Elizabeth Sousa Abrantes em um artigo<br />

intitulado A educação feminina em São Luís – século XIX, citando o jornal O Século,<br />

retrata a vida da mulher da seguinte forma:<br />

Até aos 8 anos só trata de brinquedos; dos 8 aos 10 já gosta de<br />

cumprimentos nos bailes; dos 10 aos 13 já gosta de ler e copia versos; dos<br />

13 aos 15 lê o folhetim do jornal e escreve às amigas comentando os bailes;<br />

dos 15 aos 18 tem confidentes, lê romances, discute modas...; aos 19 fixa a<br />

escolha e principia a falar em história; aos 20 fala de economia e casa-se;<br />

dos 20 aos 25 aparece em todos os bailes...; aos 26 tem um filho, que não<br />

amamenta , mas a quem adora...; aos 30 fala em questões científicas e lê o<br />

jornal...; aos 40 trata de política...; aos 50 tem um confessor...; nos 60<br />

brinca com os netos, reza o terço no rosário e ensina remédios e<br />

comezinhas. 75<br />

Como se pode notar esse era um retrato da mulher de classe média e<br />

elevada, onde sua educação principalmente na primeira metade do século XIX, era<br />

uma educação doméstica e orientada para o casamento. Já as mulheres negras<br />

como é sabido não tinham educação, pois eram consideradas unicamente como<br />

objetos, a mulher livre e pobre por não poder desempenhar atividades unicamente<br />

do lar e na maioria das vezes fugiam a moral da união legítima através do<br />

casamento, não eram bem vistas em uma sociedade rígida e patriarcal.<br />

Durante a primeira metade do século XIX a mulher vivia exclusivamente<br />

para a casa e família. Assim sendo:<br />

È incalculável a ação da mulher na família. Se o homem é o chefe, e a<br />

cabeça, a mulher é o coração. Ao primeiro toca a razão que manifesta a<br />

sabedoria e felicidade, e a segunda o sentimento, que inspira uma e produz<br />

a outra. Se ela encanta e duplica por suas virtudes a existência do esposo,<br />

que torrente de benefícios não derrama sobre os seus filhos...Senhora dos<br />

corações, a mulher é o mais forte laço de família. 76<br />

Já na segunda metade do século em análise, devido o incremento da<br />

sociedade e da vida urbana houve uma ruptura com o confinamento doméstico.<br />

75 COSTA, Wagner Cabral da (org). História do Maranhão: novos estudos.São Luís, Edufma, 2004.<br />

p.145<br />

76 Id. Ibid p.148


Nesse período abriu duas instituições de ensino dedicadas a educação de meninas<br />

desvalidas: o Recolhimento de Nossa Senhora da Anunciação e Remédios e o asilo<br />

de Santa Tereza. Nessas instituições as meninas aprendiam doutrina cristã; deveres<br />

morais; leitura; princípios gerais de gramática; escrita; aritmética; frações; trabalhos<br />

de agulha; economia doméstica; como cozinhar; lavar; engomar; etc. A partir dos<br />

anos 50 do século XIX São Luís contava com várias escolas privadas para a<br />

educação feminina, além das já citadas instituições para meninas desvalidas.<br />

Segundo Elizabeth:<br />

Nos espaços públicos de convivência social das elites, as jovens deveriam<br />

apresentar novas prendas relacionadas as etiquetas sociais, com maneiras<br />

recatadas e elegantes de se apresentar em público, exigindo<br />

conhecimentos de arte, falando uma língua estrangeira, de preferência o<br />

francês.Esses conhecimentos seriam obtidos nos colégios femininos, que<br />

procuraram adequar seus programas para atender esse tipo de educação. 77<br />

Portanto na segunda metade do século XIX a mulher passa a ser vista não como<br />

simplesmente a rainha do lar, ela agora deve se instruir de modo que possa dessa<br />

forma ensinar os filhos a portasse diante de uma sociedade que adorava imitar os<br />

padrões europeus de sociabilidade. Portanto:<br />

A análise da educação feminina em São Luís revelou sua correspondência<br />

com valores e ideários feminino da sociedade, sendo a instrução intelectual<br />

um componente essencial de uma educação voltada para moldar a mulher<br />

em seu papel de mãe, missão que necessitava, além de uma sólida<br />

educação doméstica e religiosa, uma instrução intelectual que a habilitasse<br />

a ser educadora dos seus filhos, a mulher em que o homem pudesse<br />

encontrar não só a mãe carinhosa... senão também a companheira de seu<br />

espírito. 78<br />

Quadro 3 – Caricatura/Descrição segundo Elizabeth<br />

77 Id. Ibid p.164<br />

78 Id. Ibid p.170<br />

CARICATURA – 1877 DESCRIÇÃO SEGUNDO ELIZABETH<br />

Pura; sóbria; devota; cheia de<br />

superstições; mãe; rainha do lar;<br />

religiosa e que passa a ter uma<br />

educação intelectual.


5 CONSIDERAÇÕES FINAIS<br />

O presente trabalho teve como meta a análise em um determinado<br />

período histórico (1850 - 1888) da sociedade de São Luís, tentando percebê-la de<br />

um outro ângulo, analisando-a para além de senhores e escravos.<br />

Para a construção deste objetivo, a pesquisa buscou evidenciar a<br />

diversidade social e profissional ludovicense, tentando não montar um quadro<br />

esquemático de como era a sociedade da capital maranhense, mais sim mostrar o<br />

diferente. Sabemos da importância do negro para toda sociedade brasileira,<br />

queremos tornar pública também a importância de outros segmentos sociais.<br />

O que ficou evidenciado após a análise e interpretação das fontes foi que<br />

São Luís na segunda metade do século XIX foi muito rica em agentes sociais e<br />

profissionais. Infelizmente a maior parte desses agentes ainda permanecem<br />

calados, ficando sem história dentro da historiografia maranhense, portanto cabe<br />

aos historiadores reviverem e desmistificarem essa história.<br />

Na busca pela análise e interpretação dos processos históricos que<br />

perpassam o período analisado, algumas dificuldades foram detectadas; como o<br />

pouco material encontrado nas fontes primárias, devido não existir na época o<br />

instrumental teórico acerca da importância da preservação do material produzido<br />

(como por exemplo, a preservação de jornais, etc.) para futuras gerações. Muito<br />

material se perdeu ao longo do tempo e outra grande quantidade se perde na<br />

Biblioteca Pública Benedito Leite, principalmente pela utilização inadequada dos<br />

mesmos.<br />

Uma outra dificuldade, bem maior que a já aludida, foi a pequena<br />

produção historiográfica sobre o tema de análise. A maioria dos trabalhos desse<br />

período aborda ou o negro como foco principal ou a desagregação do regime<br />

escravista dando uma abordagem econômica.<br />

Atrelados a esses fatores mencionados, a complexidade solicitada pela<br />

pesquisa – como em qualquer outra – foi um fator para a finalização do recorte<br />

histórico em 1888. Quando se fazia necessário um recorte bem maior para uma<br />

análise em âmbito mais aprofundado do objeto. Entretanto, como o fim do período<br />

escravista trouxe novos rumos para o Brasil, achou-se melhor trabalhar o social de<br />

São Luís antes do fim da escravidão. Pretendemos expandir o recorte histórico no<br />

intuito de analisar os desdobramentos do fim da escravidão para a sociedade


maranhense em um futuro projeto de pós-graduação. Portanto, a pesquisa não<br />

expira com o término deste trabalho monográfico, apenas mais uma pedra foi<br />

colocada no alicerce, para se entender os processos atuantes sobre o objeto.<br />

Uma nova pesquisa nasce não simplesmente na busca de mostrar a<br />

importância de outros segmentos sociais, mas agora analisar como uma sociedade<br />

tão rica sócio-profissionalmente falando se organizava, pensava, tecia suas vidas,<br />

enfim como era realmente o cotidiano de São Luís antes e depois da desagregação<br />

do sistema escravista.<br />

A primeira pedra colocada no alicerce foi mostrar e comprovar primeiro a<br />

existência de outros segmentos sociais e segundo explicar sua importância e valor<br />

na história de São Luís, resta-nos agora seguir a pesquisa para conhecer as<br />

relações sociais maranhense, não somente entre escravos e senhores, mais sim<br />

entre todos que realmente fizeram parte de nossa história, e que como vimos ao<br />

longo da narrativa são muitos e com uma real importância.


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Tradução de André Teles. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001. 159 p. Tradução de:<br />

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porto, a feira e sua decadência econômica. 1998. 43 f. Monografia (Graduação<br />

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VIVEIROS, Jerônimo José de. História do Comércio do Maranhão (1612 – 1615).<br />

São Luís: Associação Comercial, 1954.


LISTA DE JORNAIS PESQUISADOS<br />

JORNAL PARA TODOS, São Luís, ano de 1877.<br />

JORNAL A ACTUALIDADE, São Luís, ano de 1869.<br />

JORNAL A PACOTILHA, São Luís, ano de 1888.<br />

JORNAL OS NOVOS, São Luís, ano de1902.<br />

JORNAL O BINÓCULO, São Luís, ano de 1887.<br />

JORNAL O PAÍZ, São Luís, ano de 1888.


ANEXOS


ANEXO A - Caricaturas encontradas no Jornal Para Todos


ANEXO B - Caricaturas encontradas no Jornal Para Todos


ANEXO C - Caricatura encontradas em Cidade Brodio: Um estudo da vadiagem em<br />

São Luís na Virada do Século XX.


ANEXO D - Caricatura encontradas em Cidade Brodio: Um estudo da vadiagem em<br />

São Luís na Virada do Século XX.


ANEXO E - Caricatura encontradas em Cidade Brodio: Um estudo da vadiagem em<br />

São Luís na Virada do Século XX.


ANEXO F - Caricatura encontradas no Jornal Para Todos

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