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Sic transit Gloria Mundi - Inteligência

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I N S I G H T<br />

contíguas, a marquesa pode ainda hoje estar magoada,<br />

mas não entediada.<br />

Em seguida me deparo com o que sobrou de um dos<br />

mais importantes políticos do Primeiro Reinado: Manuel<br />

Jacinto Nogueira da Gama, Marquês de Baependi (1765-<br />

1847). Ao transferir seus ossos para o Catumbi, a família<br />

registrou em sua lápide seus predicados: “Conselheiro<br />

de Estado, Senador do Império, Grã-Cruz da Ordem da<br />

Rosa, Dignitário do Cruzeiro, Comendador de São Bento<br />

de Aviz, Marechal de Campo, etc.”. Apadrinhado do<br />

Conde de Linhares, militar, político, intimamente ligado à<br />

Corte de João VI, Nogueira da Gama tornou-se o maior<br />

fazendeiro da província do Rio. Recebeu do rei sesmarias<br />

quilométricas no Vale do Paraíba cujas matas rapidamente<br />

devastou para torná-las fazendas de café, dotando-as de<br />

700 escravos trabalhando a toque de chicote. Parte dos<br />

descendentes dessa escravaria deve residir nas favelas do<br />

entorno, amenizando a saudade que o defunto possa nutrir<br />

de seus antigos domínios.<br />

no final da aleia, ainda localizo, ao lado<br />

direito, o monumento fúnebre do liberal<br />

Zacarias de Góis e Vasconcelos (1815-<br />

1877), autor de Da Natureza e dos Limites<br />

do Poder Moderador, emérito carola liberal que por três<br />

vezes foi primeiro-ministro do Império. Apeado do poder<br />

na célebre crise de 1868, ele caiu cuspindo fogo contra<br />

o Imperador, causticando seus inimigos até a morte.<br />

Rancoroso, se opôs à passagem da Lei do Ventre Livre,<br />

medida que advogara quando estava no poder, alegando<br />

que a proposta não podia ser, como era, objeto do programa<br />

de um gabinete conservador; que assim agindo o<br />

Imperador estava “corrompendo” os partidos. Pior: dizia<br />

que, “alforriados os negros”, chegaria a hora de “alforriar<br />

o branco”, ou seja, livrar a aristocracia escravocrata do<br />

Imperador abolicionista. Embeleza o monumento uma<br />

ampulheta alada em baixo-relevo, que deve, imagino,<br />

aludir ao caráter fugidio da vida (e do poder).<br />

Mais impressionante, porém, é o majestoso mausoléu<br />

do português Manuel Lopes Pereira Baía, comendador<br />

INTELIGÊNCIA<br />

das Ordens da Rosa e de Cristo e Visconde de Meriti<br />

(1787-1860), fabuloso banqueiro e dono de extensas<br />

terras na então bucólica e aprazível Baixada Fluminense.<br />

Há uma enorme pintura na Igreja de São Francisco de<br />

Paula que o retrata com o hábito de irmão da ordem.<br />

O atual Palácio São Joaquim, na Rua da Glória, sede da<br />

Mitra Arquiepiscopal, foi construído justamente no lugar da<br />

residência de Meriti, cujo palacete era conhecido por seu<br />

nome de plebeu: Baía. Depois de sua morte, o palacete<br />

foi adquirido pelo governo imperial para nele instalar o<br />

Ministério dos Negócios Estrangeiros, que ali ficou até<br />

1897, quando passou ao Itamarati. Segundo Wanderley<br />

Pinho, as festas promovidas pelo magnata – as de 15 de<br />

agosto, por exemplo, faziam parte do calendário mundano<br />

da Corte – “deixaram fama”. Tanto assim que, depois de<br />

vendido o palácio, o governo continuou a promover festas<br />

de arromba naquela data. O modo como Pinho descreve a<br />

residência de Meriti nos dias de festa é de deixar no chinelo<br />

qualquer socialite do Edifício Chopin:<br />

“Numerosas as peças, desde o grande salão com<br />

mobília de mogno almofadada de damasco amarelo,<br />

com magnífico lustre, três consolos superpostos de espelhos<br />

e guarnecidos de candelabros, as cortinas brancas<br />

pendendo entre sanefas de damasco igual ao da mobília,<br />

até a sala azul com mobília de jacarandá embutida de<br />

metal, damasco azul nos assentos, nos encostos, nas<br />

portas e janelas, e vários espelhos entre os quais ‘um que<br />

passa por ser o maior de quantos há no Rio de Janeiro’.<br />

E outras três salas ainda mobiliadas diferentemente, para<br />

passeio ou dança, sem falar nos ‘toilettes’, dois para Suas<br />

Majestades Imperiais e um para as senhoras. No ‘jardim<br />

à inglesa todo coberto de estátuas, cercado de gradaria<br />

de ferro’ podiam os fumantes ‘saborear os havanas escutando<br />

a música do batalhão de permanentes e vendo ao<br />

longe a Glória toda ufana com seus transparentes de mil<br />

cores’. Ao lado, a casa dos refrescos e o buffet para onde<br />

se passava por um terraço ladrilhado, coberto de toldo. A<br />

moda daqueles tempos era servir-se a ceia no jardim em<br />

pavilhão especialmente armado, ou numa dependência<br />

a esse fim adaptada. O Meriti, porém, dispunha de largo<br />

outubro •Novembro •Dezembro 2009<br />

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