Renata Udler Cromberg, Entre fazer um corpo só e estar só com um
Renata Udler Cromberg, Entre fazer um corpo só e estar só com um
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<strong>Entre</strong> <strong>fazer</strong> <strong>um</strong> <strong>corpo</strong> <strong>só</strong> e <strong>estar</strong> <strong>só</strong> <strong>com</strong> <strong>um</strong> <strong>corpo</strong>: a feminilidade dita de<br />
outro modo [1]<br />
<strong>Renata</strong> <strong>Udler</strong> <strong>Cromberg</strong><br />
Res<strong>um</strong>o:<br />
O novo Código Civil (2001) traz <strong>um</strong>a substituição da palavra homem,<br />
referindo-se ao h<strong>um</strong>ano, por pessoa. Tal mudança se deu na esteira da<br />
consolidação da igualdade jurídica entre homem e mulher. Ela traz embutida a<br />
elevação da mulher à categoria de pessoa, já que há não mais que duzentos<br />
anos se discutia ainda se a mulher tinha ou não alma, se era pessoa ou não,<br />
<strong>com</strong> direito a vida própria, vida psíquica própria. Se a igualdade da mulher<br />
<strong>com</strong>o pessoa é <strong>um</strong>a conquista civilizatória, ela não pode, no entanto,<br />
esterilizar o feminino. O que de mais rico tem em se manter à parte a noção de<br />
feminino ou feminilidade, sem equivalência ou igualdade, mas <strong>com</strong>o<br />
diferença, é a possibilidade de que algo escape à explicitação absoluta na<br />
ordem da representação simbólica, seja social, seja de direito. Algo que<br />
questione permanentemente a lógica civilizatória, <strong>com</strong> sua voragem de<br />
ordenação, progresso, linearidade, explicação racional e instr<strong>um</strong>ental de tudo.<br />
Dizer que o <strong>corpo</strong> da mulher não é inteiro é dizer que, na sua sexualidade, ele<br />
não se deixa domar inteiramente pela lógica da linguagem simbólica, não se<br />
deixa representar inteiramente e quem quiser a inteireza de sua manifestação<br />
deve mergulhar n<strong>um</strong>a outra lógica que positive suas sensações, seus líquidos,<br />
suas imagens e o buraco que dá acesso às origens, às forças cósmicas,<br />
mergulho regressivo menos em <strong>um</strong> passado mítico ou em <strong>um</strong> cosmos<br />
mistificado, do que no movimento criativo constante, morte - renascimento,<br />
repetição diferencial, eterno devir.<br />
<strong>Renata</strong> <strong>Udler</strong> <strong>Cromberg</strong> é psicanalista, formada em filosofia e psicologia pela Universidade de São<br />
Paulo. Membro do Departamento de Psicanálise do Instituto Sedes Sapientiae. É autora dos
livros Paranóia (Casa do Psicólogo, São Paulo, 2000) eCena Incestuosa (Casa do Psicólogo, São Paulo,<br />
2001). Escreveu vários ensaios, artigos e resenhas para livros, revistas e jornais, entre os quais, Tornar-se<br />
autora, para o livro Psicanálise, cinema e estéticas de subjetivação (Imago, Rio de Janeiro, 2000)<br />
e Un corps que tombe un corps que se réléve, para o livro Féminilité autrement (PUF, Paris, 1999). É<br />
doutoranda do Departamento de Psicologia Social e do Trabalho do Instituto de Psicologia da USP <strong>com</strong> a<br />
pesquisa O trabalho do amor - Sabina Spielrein e a emergência do conceito de pulsão de morte.<br />
Endereço: Rua Eugênio de Medeiros 168 – casa 3 CEP 05425-000<br />
CORPO:<br />
São Paulo – São Paulo<br />
Tel/fax 38162184 – renatauc@uol.<strong>com</strong>.br<br />
ENTRE FAZER UM CORPO SÓ E ESTAR SÓ COM UM<br />
A FEMINILIDADE DITA DE OUTRO MODO<br />
É sempre se dizendo de outro modo, que a feminilidade pode aparecer.<br />
Deixá-la ser dita, é tomar a vertente criativa da realidade, vertente criadora de<br />
realidade.<br />
A construção do meu ponto de vista sobre o feminino e a feminilidade<br />
esteve sempre pautada por <strong>um</strong>a tentativa de dar positividade ao princípio<br />
feminino, para que ele pudesse sair do seu lugar abismal, de falta absoluta,<br />
expresso, por exemplo, na consagrada expressão de Freud “enigmático<br />
continente negro”. Isso a partir mesmo dos ouvidos inquietos da psicanálise,<br />
que puderam captar, na fala de homens e mulheres, não apenas a<br />
bissexualidade constitutiva, mas a recusa do feminino pelos dois sexos. A<br />
idéia não é se contrapor ao princípio masculino, que tem regido toda a
acionalidade de <strong>um</strong>a sociedade il<strong>um</strong>inista e construtivista, mas tentar <strong>um</strong>a<br />
lenta desconstrução da engrenagem do pensamento ocidental que se mostra<br />
tão emperrada, onde é sempre nas brechas que a feminilidade pode surgir, ou<br />
no indizível, inefável, nomeada <strong>com</strong>o fantasia ou imaginário feminino, n<strong>um</strong>a<br />
espécie de aceitação desvalorizante de algo temido. Em todos os momentos<br />
desta reflexão, que <strong>com</strong>eçou a ganhar expressão escrita em 1989, o caldo<br />
cultural, social e político a banhava, bem <strong>com</strong>o <strong>um</strong>a preocupação ética. Mais<br />
pelos impasses, é verdade. Assim, o nazismo, a revisão do nazismo, a guerra<br />
do golfo, o esfacelamento da URSS e a queda do muro de Berlim, o fantasma<br />
da morte rápida pela catástrofe nuclear, o fantasma da morte lenta por<br />
degradação da natureza, o imaginário em torno da morte viral e epidêmica<br />
pela AIDS, a violência sexual incestuosa, a violência sexual na guerra da<br />
Sérvia, filmes recentes, estiveram sempre presentes para tentar relativizar as<br />
crenças fálicas culturais, que moldam a representação do feminino, delinear a<br />
diferença entre ética e moral, desconstruir o totalitarismo de qualquer moral e<br />
construir a ética <strong>com</strong>o invenção singular da vida. (CROMBERG, 1991, 1993,<br />
1994 a e b, 1997, 1999, 2000 a e 2001).<br />
Em alg<strong>um</strong> momento da última década, refleti sobre o sem saída do final de<br />
século, onde o máximo de h<strong>um</strong>anismo levou ao máximo de barbárie, sobre a<br />
necessidade de <strong>um</strong>a refundação da proibição do assassinato do pai e do tabu do incesto,<br />
ou a criação de <strong>um</strong> novo mito fundador. Um novo olhar sobre a mulher e o feminino,<br />
em que ela não seja mero objeto de troca n<strong>um</strong>a sociedade fundada nas alianças do<br />
<strong>com</strong>ércio, na troca de bens, signos e mulheres, poderia ajudar no encontro de <strong>um</strong>a<br />
engrenagem de funcionamento social menos mortífera. Nova racionalidade, positividade<br />
do princípio feminino, luz de br<strong>um</strong>as mais do que foco refletor. Passear sobre<br />
fenômenos extremos, espécie de poeira das estrelas, <strong>um</strong> modo de encontrar <strong>um</strong> novo<br />
caminho que trace <strong>um</strong> diagrama de novas bases simbólicas (CROMBERG, 1994b).<br />
Para minha surpresa, o gancho que me motivou neste redizer não foi<br />
<strong>um</strong>a desconstrução, mas <strong>um</strong>a nova construção simbólica que está<br />
acontecendo, o novo código civil brasileiro, portanto, algo que faz parte de<br />
<strong>um</strong>a nova realidade simbólica e, se acreditamos, <strong>com</strong>o analistas, na via de
mão dupla entre esta e a realidade da fantasia inconsciente, não podemos<br />
ignorar as conseqüências desta mudança, até mesmo para problematizar o que<br />
tiver que ser problematizado. Em matéria na Folha de São<br />
Paulo (05/08/2001), perguntou-se a advogados se o novo Código Civil<br />
representa <strong>um</strong> avanço significativo na legislação. Um grupo de três advogadas<br />
bastante reconhecidas em sua luta pelos direitos da mulher respondeu que sim,<br />
que o projeto do novo Código Civil representa inegável avanço para adequar a<br />
legislação civil à constituição, em especial no que se refere ao princípio de<br />
igualdade entre homens e mulheres já que se estabelece que homens e<br />
mulheres são iguais em direitos e obrigações e que os direitos e deveres<br />
referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela<br />
mulher, que existiam significativos avanços material e simbólico, embora<br />
mantendo alguns conceitos e valores anacrônicos. Vou-me ater a <strong>um</strong> ponto<br />
que chamou minha atenção naquilo que foi apontado <strong>com</strong>o avanço pelas<br />
advogadas. Se o projeto elimina normas discriminatórias de gênero (conceito<br />
que considero bastante problemático, mas que tem <strong>um</strong> valor instr<strong>um</strong>ental<br />
inegável do ponto de vista social e jurídico), introduz expressamente conceitos<br />
<strong>com</strong>o o de direção <strong>com</strong>partilhada, em vez de chefia masculina na sociedade<br />
conjugal; <strong>com</strong>o o de poder familiar <strong>com</strong>partilhado, no lugar da prevalência<br />
paterna no pátrio poder; permite que o homem use o sobrenome da mulher; dá<br />
a guarda do filho a quem tiver melhores condições de criá-lo e substitui o<br />
termo “homem”, quando usado genericamente para se referir ao ser h<strong>um</strong>ano,<br />
pela palavra “pessoa”. É esse uso da palavra pessoa que me chamou a atenção.<br />
Este valor jurídico da pessoa, Fedida (1996) nos apontou: a pessoa<br />
<strong>com</strong>o propriedade h<strong>um</strong>ana civilizada da vida, que progressivamente se impôs<br />
<strong>com</strong>o <strong>um</strong>a conquista da cultura e <strong>com</strong>o <strong>um</strong> progresso no espírito sobre a<br />
barbárie do assassinato. A pessoa <strong>com</strong>o princípio de identidade singular,<br />
assim <strong>com</strong>o de seus direitos inalienáveis, que <strong>com</strong>porta esse corolário<br />
necessário de <strong>um</strong>a renúncia deliberada de todos os atos que
visariamdespossuir o outro daquilo que lhe é reconhecido <strong>com</strong>o mais precioso<br />
- sua vida - e daquilo que lhe é mais intimamente próprio - sua vida psíquica.<br />
Pessoa, persona, máscara, máscara social, falso-self, estranha percepção do<br />
outro fora do narcisismo. Podemos pensar que a substituição de homem por<br />
pessoa, na esteira da igualdade jurídica entre homem e mulher, traz embutida<br />
a elevação da mulher à categoria de pessoa, já que há não mais que duzentos<br />
anos se discutia ainda se a mulher tinha ou não alma, se era pessoa ou não,<br />
<strong>com</strong> direito a vida própria, vida psíquica própria. Não é pouca coisa esta<br />
mudança, se pensarmos na vulnerabilidade da mulher à fantasia masculina<br />
perverso-paranóica que de fato leva a atos ou falas violentos e tra<strong>um</strong>atizantes<br />
para a mulher, de <strong>um</strong> homem querendo furar, <strong>com</strong> seu pênis ereto, sua barriga<br />
pelo lado de fora, expressão maior da recusa do feminino, enquanto recusa do<br />
buraco feminino, ou a desvalorização deste <strong>com</strong>o <strong>um</strong> lugar mortífero, câmara<br />
mortuária gelada, ataque ao interior do <strong>corpo</strong> feminino pela sua recusa, ou<br />
pela recusa em considerá-lo fonte de vida e criação. Particularmente sensível<br />
que estou a esta fantasia após escrever sobre a paranóia (CROMBERG, 2000)<br />
e a perversão sobre a forma da violência sexual incestuosa (CROMBERG,<br />
2001), não posso deixar de pensar a barreira simbólica que é o uso jurídico do<br />
conceito de pessoa, que corresponde à inibição das ações assassinas até então<br />
provocadas por este outro- hostil, índice de morte, que ameaça pelo simples<br />
fato de sua existência. Já no caso da perversão, <strong>com</strong>o diz Stoller (1975) é<br />
sempre o ódio erotizado que está na sua base, em todas as formas em que se<br />
apresente, a hostilidade, a vingança, o triunfo e a transformação da pessoa em<br />
<strong>um</strong> objeto des<strong>um</strong>anizado. Alguém machucando alguém é o traço principal em<br />
todas as formas de perversão, ainda que seja <strong>com</strong>o reação a <strong>um</strong> tra<strong>um</strong>a, no<br />
sentido de <strong>um</strong> voltar-se para fora para achar <strong>um</strong>a vítima que se adeqüe à<br />
vingança.<br />
No entanto, se a igualdade <strong>com</strong>o pessoa é <strong>um</strong>a conquista civilizatória, ela não<br />
pode esterilizar o feminino. O que de mais rico tem em se manter à parte a noção de
feminino ou feminilidade, sem equivalência ou igualdade, mas <strong>com</strong>o diferença, é a<br />
possibilidade que algo escape à explicitação absoluta na ordem da representação<br />
simbólica, seja social, seja de direito. Algo que questione permanentemente a<br />
lógica civilizatória, <strong>com</strong> sua voragem de ordenação, progresso, linearidade, explicação<br />
racional e instr<strong>um</strong>ental de tudo. Dizer que o <strong>corpo</strong> da mulher não é inteiro é dizer que,<br />
na sua sexualidade, ele não se deixa domar inteiramente pela lógica da linguagem<br />
simbólica, não se deixa representar inteiramente e quem quiser a inteireza de sua<br />
manifestação deve mergulhar n<strong>um</strong>a outra lógica que positive suas sensações, seus<br />
líquidos, suas imagens e o buraco que dá acesso às origens, às forças cósmicas,<br />
mergulho regressivo menos em <strong>um</strong> passado mítico ou em <strong>um</strong> cosmos mistificado, do<br />
que no movimento criativo constante, morte - renascimento, repetição diferencial,<br />
eterno devir. Através de <strong>um</strong>a sexualidade pós-edípica e pós-genital, que não nega o<br />
lugar do <strong>com</strong>plexo de Édipo, nem o do prazer genital, mas <strong>com</strong>põe <strong>com</strong> eles, pode-se<br />
dar <strong>um</strong> lugar singular ao amor e ao <strong>corpo</strong>, permitindo que o fantasma da mãe<br />
fálica, contraface da recusa do feminino, possa ser <strong>com</strong>batido, pela assunção da<br />
positividade da castração da mulher.<br />
A minha construção do feminino passou por alg<strong>um</strong>as escalas as quais nomeio<br />
apenas para me deter no recorte proposto pelo tema. Procurei pensar a diferença entre<br />
identidade feminina e feminilidade. A identidade tem a ver <strong>com</strong> o universo da<br />
representação, <strong>com</strong> o mundo fálico-simbólico, onde a nomeação, as posses egóicas,<br />
permitem <strong>um</strong>a certa estabilização que tem a ver <strong>com</strong> papéis, a manutenção de <strong>um</strong>a<br />
imagem sexual narcísicapara si e para os outros, a partir do se ass<strong>um</strong>ir para si funções<br />
simbólicas. É nesse caminho que a maternidade pode se tornar <strong>um</strong>a espécie de destino<br />
final da identidade feminina. Já a feminilidade é o que dá suporte à identidade, mas<br />
nunca perde de vista o devir pulsional que aponta para valores sexuais em constante<br />
transformação, reimaginarização, ressensualização e reerotização. Valores sexuais que<br />
não são investimentos morais, mas sim intensidades, o que lhes dá o caráter de<br />
investimentos afetivos que diagramam <strong>um</strong>a ética <strong>com</strong>o invenção singular da vida (<br />
CROMBERG, 1993).<br />
Fiz alg<strong>um</strong>as considerações em torno dos vários estágios da potência orgástica da<br />
mulher, expressa n<strong>um</strong> continu<strong>um</strong>, que justifica sensorial e afetivamente para a mulher<br />
seu cotidiano dadivoso de cuidados: o clitoridiano, o clitoridiano vulvar, o vaginal, o<br />
útero anexial e em especial o do ponto de Graftenberg (o ponto G), zona <strong>corpo</strong>ral no<br />
interior do <strong>corpo</strong> das mulheres, rede de vasos sanguíneos das glândulas parauretrais e<br />
seus dutos, de terminações nervosas e do tecido que circunda o colo da bexiga. A
minha hipótese é de que o ponto G, enquanto zona erógena, é <strong>um</strong>a criação anatômica<br />
virtual, que depende do desbravamento psíquico, da limpeza da chaminé, para se<br />
atualizar e liberar o <strong>corpo</strong> da prisão do recalque (e, portanto, do inconsciente recalcado<br />
regido pela lógica fálica) e de ser apenas matriz para o Ego. Não mais <strong>um</strong>a concepção<br />
do biológico <strong>com</strong>o suporte do psíquico, mas do psíquico <strong>com</strong>o suporte de <strong>um</strong>a realidade<br />
biológica que não é <strong>um</strong> sintoma ou <strong>um</strong>a doença.<br />
Passei então a pensar o espaço psíquico que dá suporte para a vivência da<br />
sexualidade pós - edípica e pós - genital, consciente da força poderosa que o conflito<br />
psíquico pode exercer contra o acesso a <strong>um</strong>a vivência sexual mais plena. Sem<br />
desconsiderar o importante papel da transferência do erotismo oral e anal no gozo<br />
feminino, privilegiei a transferência do erotismo uretral apontando que <strong>um</strong>a inibição do<br />
mesmo, possível pela integração da homossexualidade primária, deve <strong>estar</strong> presente<br />
para acesso ao gozo sexual em homens e mulheres. Outra questão que se coloca, no<br />
campo psicanalítico, é a possibilidade de apresentação ou representação inconsciente do<br />
interior do <strong>corpo</strong> feminino, particularmente do ponto G. Foi então que tentei focar a<br />
questão do <strong>corpo</strong> em psicanálise, através de <strong>um</strong> recorte que pensa as difíceis questões<br />
que se colocam no momento crítico da instalação do conflito edípico, por volta dos três<br />
anos, em relação ao destino da identificação <strong>com</strong> o <strong>corpo</strong> da mãe, que leva a <strong>um</strong>a<br />
representação do <strong>corpo</strong> materno realizada de maneira diferente para o menino e a<br />
menina.<br />
O CORPO E O CONFLITO EDÍPICO<br />
Conhecemos os efeitos <strong>com</strong>plicados para o processo de subjetivação quando a<br />
identificação <strong>com</strong> o <strong>corpo</strong> materno não pode ser digerida e surgem, nos seus efeitos de<br />
melancolia, homossexualidade, efeitos histéricos anoréxicos, doenças graves, no <strong>corpo</strong>,<br />
psicose e suicídio. A necessária pulverização do <strong>corpo</strong> materno, que deve ser feita, sob<br />
o efeito da interdição do incesto, para destacamento narcísico, leva a <strong>um</strong>a representação<br />
do <strong>corpo</strong> fragmentado da mãe em montagens surrealistas. No entanto, se ela facilita o<br />
destacamento, dificulta o acesso posterior, na vida sexual adulta, em termos de<br />
caminhos psíquicos, ao gozo sexual que ultrapassa o fálico, que supõe de maneira<br />
diferencial para os dois sexos <strong>um</strong>a sensibilização sensorial, imagética e representacional<br />
do interior do <strong>corpo</strong> feminino.<br />
A separação psíquica e <strong>corpo</strong>ral da mãe se dá n<strong>um</strong> processo <strong>com</strong>plexo, lento e<br />
doloroso de idas e vindas. No menino, o afastamento do <strong>corpo</strong> da mãe se dá pela<br />
mediação identificatória <strong>com</strong> o pai imaginarizado<strong>com</strong>o alguém que lhe permite <strong>um</strong>a<br />
vivência homossexual primária, que possibilita o acesso a <strong>um</strong>a imagem do <strong>corpo</strong>
masculino e <strong>um</strong>a valorização narcísica de seu pênis em princípio exibicionista, já que<br />
isso é necessário para sustentar este corte <strong>com</strong> o <strong>corpo</strong> da mãe. Espada em riste, o herói<br />
está sempre pronto a cortar o excesso de carinho materno que se torna ameaçador, pois a<br />
separação é recente, a exibir sua força em contenda <strong>com</strong> seus rivais que, ao mesmo<br />
tempo, são parceiros homossexuais, enquanto adia o desejo de acesso a <strong>um</strong>a princesa<br />
que seria <strong>um</strong> tranqüilizador substituto do amor materno para quem, enfim, ele poderia<br />
transferir seus desejos heterossexuais. Em nossa cultura, <strong>com</strong>o aponta Stoller (1975), o<br />
que define a masculinidade para o pior e para o melhor é o quanto <strong>com</strong>pletamente<br />
alguém demonstra ter se livrado da necessidade da simbiose <strong>com</strong> a mãe. Assim, a<br />
angústia da simbiose é a barreira erguida contra a tendência de regredir à fusão <strong>com</strong> a<br />
mãe, que tem <strong>um</strong>a função normalizante essencial. E assim, a transformação da mãe<br />
n<strong>um</strong>a bruxa odiada visa facilitar o processo de desidentificação <strong>com</strong> seu <strong>corpo</strong>, pois,<br />
sem esta barreira, a feminilidade persistiria, a situação edípica não seria percebida <strong>com</strong>o<br />
<strong>um</strong> conflito, o conhecimento do <strong>corpo</strong> da mãe <strong>com</strong>o <strong>um</strong> objeto separado e desejado, raiz<br />
da futura heterossexualidade, não se desenvolveria e a masculinidade não se instalaria.<br />
Um dos aspectos da angústia de penetração no homem está ligado à fantasmática<br />
em relação ao gozo feminino. A raiva do roubo do gozo aparece em analisandos<br />
homens, muitas vezes ligada ao temor de ser sugado até o esvaziamento total de si, do<br />
qual não haveria recuperação, ou <strong>com</strong>o desejo de roubar para si a capacidade libidinosa<br />
<strong>com</strong> a vida que se considera mais ampla que a sua ou pelo roubo do<br />
gozo masturbatóriosolitário e da organização de <strong>um</strong> mundo dependente <strong>só</strong> dele, ou<br />
temor de <strong>um</strong>a intimidade prazerosa, que pode ser perdida, se aparecerem suas<br />
vulnerabilidades, portanto, temor da separação. Há também <strong>um</strong> <strong>com</strong>ponente masoquista<br />
forte presente na raiva: se a mulher aceita a penetração e goza <strong>com</strong> ela, então ele tem<br />
que sair de dentro dela, pois sua baixa auto-estima proporcional a seu narcisismo<br />
exacerbado rebaixa-a por tê-lo aceito.<br />
Para que o afastamento do <strong>corpo</strong> da mãe se dê na menina, é<br />
preciso imaginarizar o pai <strong>com</strong>o aquele que outorga o filho à filha-menina, <strong>com</strong> o<br />
consentimento da mãe, filho simbólico, puro jogo, enquanto vai-se tomando consciência<br />
do adiamento do ter <strong>um</strong> filho de outro homem/marido que não o pai; é esta a fase que<br />
vai dando acesso à sublimação e simbolização e à aproximação do <strong>corpo</strong> da mãe <strong>com</strong>o<br />
separado, <strong>com</strong>o <strong>corpo</strong> de mulher semelhante que se valoriza e que se quer ser igual, ter<br />
o mesmo destino, apoiado na integração da homossexualidade primária que lhe<br />
permitirá ser a mãe, enquanto acesso, agora no seu <strong>corpo</strong>, a sua magia sexual. Quando a<br />
mãe não pode aceitar o jogo edípico da menina, não pode enfrentar todos os
movimentos apaixonados de amor e ódio que o antecedem, a identificação se dá no<br />
ódio, na disputa. Uma das razões pelas quais a mãe não pode aceitar este jogo é quando<br />
o pai o leva a sério, <strong>com</strong> <strong>um</strong> investimento libidinal totalitário no lugar de pai, em<br />
detrimento do de homem-parceiro amoroso e sexual. A conseqüência é <strong>um</strong>a disputa-<br />
confusão narcísica muito grande, <strong>com</strong>o mostram para mim as falas de casos de abuso<br />
sexual que eu analisei em pesquisa psicanalítica sobre o tema do abuso sexual, em<br />
especial o incestuoso (CROMBERG, 2001). Elas me levaram a refletir sobre a relação<br />
da fantasia heterossexual da menina e a sedução paterna. A menina não deixa de seduzir<br />
o pai ou seu substituto, ela demanda ao pai que agüente o seu amor, sua sedução, para<br />
poder lhe dar amor e coisas boas, sem a decepcionar, amando-a sexualmente de volta.<br />
Pede que o pai agüente seu amor, se seduza por ela, banque o seu percurso de menina a<br />
mulher, mas não viole a lei do incesto, ao se auto-interditar. Nesse percurso, passa pela<br />
fantasia do assassinato do pai. Usa-se o pai e joga-se fora o que não serve mais,<br />
absorvendo após mastigação a sua função de distanciador da mãe e de acesso a <strong>um</strong><br />
recorte do próprio <strong>corpo</strong>, do próprio eu em acesso ao mundo social e simbólico.<br />
Permanece a ligação terna e simbólica ao próprio pai. Pois senão, assistimos à formação<br />
do núcleo destrutivo <strong>com</strong>posto da degustação histérico-melancólica do próprio pai,<br />
apego eterno a este primeiro amor heterossexual da menina e, porque não, homossexual<br />
na sua versão o menino da menina ama o papai que dá acesso ao pênis que <strong>um</strong> dia terá<br />
para ser igual a ele. O pai fica inscrito psiquicamente <strong>com</strong>o morto, paralítico, castrado,<br />
impotente, doente, barreira contra a homossexualidade e a confusão.<br />
A mãe também é imaginarizada pela criança <strong>com</strong>o aquela que sustenta a queda<br />
do <strong>corpo</strong> no simbólico. Posição difícil para mãe. Para que esta possa se investir em<br />
aparar a queda da saída do <strong>corpo</strong> da mãe, em <strong>um</strong> desdobramento, ela tem que simbolizar<br />
<strong>com</strong>o presente para si, n<strong>um</strong> primeiro momento, as aquisições do eu da menina ofertado<br />
à mãe (parece-me que é este o sentido do cocô, esta primeira produção visível do <strong>corpo</strong>,<br />
primeiro pequeno separável de si, que simboliza mais <strong>um</strong>a vez sua separação do <strong>corpo</strong><br />
da mãe <strong>com</strong>o intermediário, objeto de troca). Este é o paradoxo envolvido nas<br />
<strong>com</strong>plicadas passagens da predominância da fase anal à fase genital infantil.<br />
É aliviante colocar a mãe <strong>com</strong> o pai para poder encontrar a mãe no exterior aparando a<br />
queda, cúmplice no acesso às diferenças sexuais e à simbolização da saída do <strong>corpo</strong><br />
materno e da diferença sexual. Se a mãe se prende a <strong>um</strong> controle onipotente, se a mãe<br />
não abre mão da preocupação materna primária, que foi essencial n<strong>um</strong>a fase de<br />
dependência absoluta, se a mãe usa o filho <strong>com</strong>o objeto fálico de <strong>com</strong>pletudenarcísica,
então ela não está mais do lado do homem em sua sexualidade, aberta para a plena<br />
vivência da sua feminilidade no acesso ao gozo.<br />
Apesar de seu valor estruturador e da multiplicidade de caminhos que apresenta,<br />
o momento Édipo-castração pode ser superado no sentido de permitir o acesso a<br />
trajetórias libidinais que escapam do pai-mãe, virtualidades afetivas e intensivas<br />
apoiadas em marcas inconscientes que dão suporte à criação de <strong>um</strong> <strong>corpo</strong> que escapa às<br />
lógicas bissexual, narcísica, edípica e da castração, e que permite a vivência do gozo.<br />
UM CORPO QUE CAI...<br />
Se através da vertigem, da tontura e do desmaio, vemos a queda do <strong>corpo</strong><br />
aparecer sintomaticamente na histeria, é também através da queda do investimento no<br />
<strong>corpo</strong> <strong>com</strong>o fálico que se pode mergulhar na positividade do <strong>corpo</strong> feminino.<br />
A construção da imagem <strong>corpo</strong>ral feminina e o valor da feminilidade estão<br />
profundamente atrelados ao <strong>corpo</strong> da mãe e à representação da sua sexualidade. A<br />
passagem do desejo de posse do <strong>corpo</strong> da mãe para o desejo de ser a mãe, enquanto<br />
identificação <strong>com</strong> seu <strong>corpo</strong>, traz a inquietação de <strong>com</strong>o <strong>com</strong>por a diferença em <strong>um</strong><br />
magma <strong>com</strong><strong>um</strong> que freqüentemente leva à identificação fusional. Qual é, pois, o sentido<br />
que a interdição do incesto tem para a menina e a mulher? Encontrei na obra de<br />
Françoise Héritier (1994) <strong>um</strong> remanejamento da teoria sobre o tabu do incesto que me<br />
pareceu muito rico <strong>com</strong>o embasamento, respostas possíveis para<br />
estas problematizações. Ela postula que a concepção do tabu do incesto que <strong>estar</strong>ia na<br />
base do nascimento da cultura, enquanto economia de troca de bens e de mulheres,<br />
explicita apenas <strong>um</strong>a das possibilidades da existência do tabu, a que diz respeito às<br />
razões masculinas. A interdição do incesto tem <strong>um</strong> sentido diferente para a menina e<br />
para a mulher. É necessário alargar a noção de incesto para integrar todos os aspectos<br />
conhecidos (entre irmãos, homossexual, por <strong>um</strong> parceiro <strong>com</strong><strong>um</strong> interposto). É a<br />
interdição do incesto entre mãe e filha, que ela nomeia de incesto do segundo tipo, que<br />
está na base de todas as outras proibições incestuosas já que seu fantasma é o motor<br />
maior de nosso imaginário social. A forma fundadora do incesto é aquela da relação<br />
mãe - filha porque além da identidade de gênero, há o fato físico da reprodução da<br />
mesma forma na mesma matriz. A matriz e o que dela sai são idênticos, o mesmo se<br />
passando <strong>com</strong> a identidade de duas irmãs, <strong>com</strong>o o princípio das bonecas russas. “Se há a<br />
fusão e o amor materno tomados no sentido que unem a mãe à filha e não a filha à mãe,<br />
elas podem tomar o aspecto desaprovador da vida em duplo interposta e manipulada<br />
para este fim”(p.353).
“O espantoso é que o que a natureza estabelece, em seus<br />
mecanismos mais secretos e mais recentemente identificados <strong>com</strong><br />
esta discriminação ideal da forma e da matéria, confundidos no<br />
sexo feminino: de saída, todos os fetos são femininos e, metade<br />
deles, se sairão masculinos sob o efeito de <strong>um</strong> hormônio. Não que a<br />
natureza entranhe <strong>com</strong> ela o fantasma, mas os fantasmas <strong>só</strong> se<br />
criam a partir dos obstáculos do pensamento autônomos, massivos,<br />
impossíveis de deslocar ou de contornar que são a diferença de<br />
sexos, a reprodução sexuada e o conjunto gestação, gravidez e<br />
aleitamento”(p.353).<br />
Além disso, através de <strong>um</strong> fascinante trabalho etnológico, descobre as ligações<br />
entre os líquidos e fluidos dos <strong>corpo</strong>s masculinos e femininos e suas ricas e diversas<br />
representações na base das mais variadas interdições em várias culturas, mostrando que:<br />
“...o critério fundamental do incesto é o de colocar em<br />
contato h<strong>um</strong>ores idênticos. Ele coloca em jogo o que há de mais<br />
fundamental nas sociedades h<strong>um</strong>anas, a maneira <strong>com</strong>o elas<br />
constroem suas categorias do idêntico e do diferente. Esta oposição<br />
do idêntico e do diferente é primeira, porque ela está fundada na<br />
linguagem do parentesco, sobre aquilo que o <strong>corpo</strong> h<strong>um</strong>ano tem de<br />
mais irredutível: a diferença dos sexos. Tema arcaico, que<br />
subentende toda a produção intelectual, encontra-se ele no coração<br />
de todo discurso científico e de todo o sistema popular de<br />
representações. Dele deriva a problemática do mesmo e do outro,<br />
do <strong>um</strong> e do múltiplo e do contínuo e do descontínuo. Quando o<br />
acúmulo de idêntico engendra maus efeitos, ele será interditado e<br />
serão buscadas as justaposições ou <strong>com</strong>binações entre elementos<br />
classificados <strong>com</strong>o de natureza diferente. O acúmulo de idêntico
será ao contrário buscado nas sociedades ou nas situações<br />
particulares onde produzirá bons efeitos ” (p.11-2).<br />
UM CORPO QUE SE ERGUE<br />
Poder se deixar tomar pelo feminino, a imersão na passividade originária, o<br />
reconhecimento da dependência absoluta <strong>com</strong> relação à mãe e de sua capacidade de se<br />
preocupar inteiramente conosco nos tempos dos primórdios constituem <strong>um</strong>a etapa nem<br />
sempre atingida por adultos, o que contribui para o medo da mulher.<br />
As atualíssimas bandeiras do movimento feminista na era do pós-feminismo,<br />
do enpowerment da mulher e da sustentação da auto-estima, parecem <strong>estar</strong> tateando<br />
menos em direção a <strong>um</strong>a disputa de poder <strong>com</strong> os homens e mais na assunção da<br />
positividade de seu <strong>corpo</strong> para si, sustentáculo indispensável a <strong>um</strong> ego que possa se<br />
inserir à sua maneira e <strong>com</strong> toda legitimidade no mundo simbólico, em toda a sua<br />
extensão, sem mandar para longe a sua feminilidade ou a possibilidade de relação <strong>com</strong> o<br />
homem. Com Héritier, e não <strong>só</strong> <strong>com</strong> ela, talvez possamos pensar que é no excesso que<br />
está o mortífero; a pulsão de morte, enquanto tendência à identidade totalitária ou ao<br />
totalitarismo da diferença, já que em ambos os casos, apaga-se a possibilidade de<br />
relação, temos o império do mesmo. A apologia do individualismo mercadológico tem-<br />
nos mostrado bem, o que é <strong>um</strong>a mesmice do diferente, que toma o outro <strong>com</strong>o fetiche,<br />
bem contrária à multiplicidade que <strong>com</strong>põe o singular e que abre à relação entre<br />
singularidades.<br />
Este império do mesmo ganha expressão recente <strong>com</strong> esta nova invenção<br />
científica que é a criação de clones. Ela suscita as fantasias as mais inquietantes sobre o<br />
duplo imortal. No primeiro impacto, ficamos todos <strong>um</strong> pouco <strong>com</strong>o o paciente<br />
esquizofrênico de nossa colega Paula Francisquetti, que disse que era “bom esta estória<br />
de clone, pois assim a mulher não tinha a dor do parto”. A duplicação de si<br />
mesmo, partenogênica, através do material genético e o implante em <strong>um</strong> útero que, no<br />
caso da matriz masculina, seria apenas <strong>um</strong> container, suscita as mais arcaicas<br />
fantasias narcísicas do autoengendramento, da recusa do papel do casal e da sexualidade<br />
na reprodução e nos perguntamos, se caso analisássemos <strong>um</strong> clone, <strong>com</strong>o ficaria a<br />
fantasia originária do casal primitivo, por exemplo. Este clone nos inquieta, pois, talvez,<br />
toque muito de perto este narcisismo primário indestrutível, raiz da fúria destrutiva que<br />
Freud apontou no Mal <strong>estar</strong> da cultura (1929). Narcisismo este que temos que<br />
continuamente nos des<strong>fazer</strong> para permitir a reinvenção constante da heterossexualidade,<br />
da relação <strong>com</strong> o outro, do desejo pelo outro na assunção de nosso desamparo originário
e dependência relativa do outro, sempre presente, intersubjetividade constituinte do<br />
processo de h<strong>um</strong>anização. Seguramente, não é <strong>só</strong> genética, mas também psiquicamente<br />
que o clone será <strong>um</strong>a mutação do h<strong>um</strong>ano. Novos desafios para o pensamento<br />
psicanalítico, que a nossa época traz, entre tantos outros.<br />
Quando <strong>um</strong>a mulher tem acesso ao feminino em si, não teme ser usada <strong>com</strong>o<br />
objeto sexual. Aliás, esta questão não se coloca assim para ela, pois o parceiro sexual é<br />
sempre investido de alg<strong>um</strong>a espécie de amor, por alg<strong>um</strong> bem que ele lhe fez. Se <strong>um</strong><br />
homem aceita que a mulher possa conduzir o jogo sexual, se ele a aborda sem<br />
condescendência, <strong>com</strong>o Freud colocou nos Três ensaios para <strong>um</strong>a teoria sexual (1905),<br />
<strong>com</strong> a sua pulsão de apreensão do objeto, cuja agressividade muscular <strong>só</strong> se torna<br />
perversa, sádica, se a serviço do poder e do domínio total do outro e não mais pulsão de<br />
apreensão, de domínio do objeto para penetração. Penetração esta que se dá <strong>com</strong><br />
acolhimento total da sua feminilidade, abrindo-se para sua sexualidade de mulher,<br />
porque ele tem <strong>um</strong>a percepção profunda do formidável potencial feminino, podendo,<br />
antes, acolhê-lo em si. A vivência sexual não desejada na mulher gera representações de<br />
ataque e destruição contra si ou contra o outro. Pois o feminino, para ambos os sexos,<br />
implica n<strong>um</strong> dar-se que quer envolver o outro na suaestrangeiridade. Positivado, então,<br />
permite o deixar-se usar <strong>com</strong>o objeto e o poder usar o outro <strong>com</strong>o objeto, que se torna<br />
parte de si. Ob- ject<strong>um</strong>, ser colocado para fora de si, devir-presença.<br />
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FÉDIDA, P. O esquecimento do assassinato em psicanálise. In: O sítio<br />
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FREUD, S. (1905) Tres ensayos para<br />
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HÉRITIER, F. Les deux soeurs et leur mere. Paris, Odile Jacob, 1994.<br />
STOLLER, R. (1975) Perversion: the erotic form of hatred. New York,<br />
American Psychiatric Press, 1986.<br />
DECLARAÇÃO DE CESSÃO DE DIREITOS AUTORAIS<br />
Eu, <strong>Renata</strong> <strong>Udler</strong> <strong>Cromberg</strong>, autora do trabalho intitulado, <strong>Entre</strong> <strong>fazer</strong> <strong>um</strong> <strong>corpo</strong> <strong>só</strong> e <strong>estar</strong> <strong>só</strong> <strong>com</strong> <strong>um</strong><br />
<strong>corpo</strong>: a feminilidade dita de outro modo o qual submeto à apreciação da Comissão Organizadora do<br />
II Congresso Internacional de Psicopatologia Fundamental e VIII Congresso Brasileiro de Psicopatologia<br />
Fundamental, concordo que os direitos autorais a eles referentes se tornem propriedade exclusiva da<br />
Associação Universitária de Pesquisa em Psicopatologia Fundamental -AUPPF, sendo vedada qualquer<br />
reprodução total ou parcial, em qualquer outra parte ou meio de divulgação impressa ou virtual sem que a<br />
prévia e necessária autorização seja solicitada por escrito e obtida junto à AUPPF.<br />
Atenciosamente,<br />
<strong>Renata</strong> <strong>Udler</strong> <strong>Cromberg</strong>