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as relações de poder no pentecostalismo brasileiro - Ceeduc

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AS RELAÇÕES DE PODER NO<br />

PENTECOSTALISMO BRASILEIRO:<br />

UMA IDENTIDADE FORJADA NO<br />

CALOR DE SUA HISTÓRIA 1<br />

RESUMO<br />

Izabel Cristina Veiga Mello 2<br />

A partir <strong>de</strong> uma releitura histórica e sociológica preten<strong>de</strong>-se verificar como se<br />

estabelecem <strong>as</strong> <strong>relações</strong> <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r <strong>no</strong> <strong>pentecostalismo</strong> br<strong>as</strong>ileiro. Privilegiando<br />

os elementos constitutivos e fatores inter<strong>no</strong>s e exter<strong>no</strong>s que propiciaram sua<br />

organização na forma hierarquizada que ela <strong>as</strong>sume, enfatizando algum<strong>as</strong><br />

análises sociológic<strong>as</strong> d<strong>as</strong> especificida<strong>de</strong>s da estrutura religiosa pentecostal.<br />

Visando o conhecimento e a compreensão <strong>de</strong> sua i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> eclesialinstitucional<br />

que inexoravelmente imbrica-se com seu momento histórico. A<br />

concepção foucaultiana <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r visa lançar luz sobre a temática.<br />

Palavr<strong>as</strong> chave: <strong>relações</strong> <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r, gover<strong>no</strong>, estrutura religiosa pentecostal,<br />

<strong>pentecostalismo</strong>.<br />

1 MELLO, Izabel Cristina Veiga. Uma leitura <strong>de</strong> gênero a partir d<strong>as</strong> <strong>relações</strong> <strong>de</strong><br />

po<strong>de</strong>r <strong>no</strong> <strong>pentecostalismo</strong> br<strong>as</strong>ileiro. 2010. Dissertação (Mestrado) – IEPG, Escola<br />

Superior <strong>de</strong> Teologia, São Leopoldo (RS), p. 46-62; 64-70. Adaptação do original a este<br />

artigo científico.<br />

2 Izabel Cristina Veiga Mello é graduada em Teologia e Mestre em Teologia pela Escola<br />

Superior <strong>de</strong> Teologia (EST). É membro da Igreja Evangélia Assembléia <strong>de</strong> Deus<br />

em Joinville (SC). Atua como coor<strong>de</strong>nadora pedagógica da Faculda<strong>de</strong> Refidim e também<br />

como professora n<strong>as</strong> disciplin<strong>as</strong> <strong>de</strong> Antigo Testamento e Hebraico.


2<br />

Izabel Cristina Veiga Mello<br />

INTRODUÇÃO<br />

O tema <strong>de</strong>ste artigo é o estabelecimento d<strong>as</strong> <strong>relações</strong> <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r <strong>no</strong><br />

<strong>pentecostalismo</strong> br<strong>as</strong>ileiro. Procura-se averiguar como são estabelecid<strong>as</strong><br />

est<strong>as</strong> <strong>relações</strong> na estrutura interna d<strong>as</strong> Assembléi<strong>as</strong> <strong>de</strong> Deus3 , <strong>de</strong>stacando<br />

<strong>as</strong> especificida<strong>de</strong>s do <strong>pentecostalismo</strong> br<strong>as</strong>ileiro. Para tal tarefa, é necessário<br />

explicitar alguns dados históricos e sociológicos do período vivido pelo<br />

<strong>pentecostalismo</strong> <strong>no</strong> Br<strong>as</strong>il, principalmente <strong>no</strong> período que abrange sua<br />

implantação e expansão geográfica. Indubitavelmente, tudo isso contribui<br />

para a formação da i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> d<strong>as</strong> igrej<strong>as</strong> pentecostais. 4 No entanto,<br />

Pimentel observa:<br />

[...] Não existe i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> estática, pois toda i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> está em<br />

constante mutação exatamente por ser algo não subjetivo, que se<br />

estabelece n<strong>as</strong> <strong>relações</strong> que vão se alterando com o tempo. Por<br />

isso, é mais apropriado falar sobre i<strong>de</strong>ntificação que sobre<br />

i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>. Quando uma pessoa ou grupo se volta apen<strong>as</strong> para o<br />

seu próprio universo, na tentativa <strong>de</strong> <strong>de</strong>finir sua i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>, per<strong>de</strong><br />

o seu tempo ou se per<strong>de</strong>: ao erguer os olhos, percebe que tudo a<br />

sua volta mudou e sua i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> não se encaixa mais naquele<br />

contexto. Só po<strong>de</strong>mos <strong>no</strong>s i<strong>de</strong>ntificar n<strong>as</strong> <strong>relações</strong> que<br />

estabelecemos, isto é, por meio do diálogo. 5<br />

Assim, partindo da riqueza histórica do <strong>pentecostalismo</strong>, incluindo a<br />

espiritualida<strong>de</strong>, a conversão, os exercícios dos dons espirituais, <strong>de</strong>vem<br />

servir <strong>de</strong> alicerce para a construção <strong>de</strong> um diálogo acerca do<br />

estabelecimento d<strong>as</strong> <strong>relações</strong> <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r em sua estrutura. Embora o<br />

3 Compreen<strong>de</strong>-se ser ela a maior expressão numérica do <strong>pentecostalismo</strong>.<br />

4 SÁNCHES, Ana Lígia; PONCE, Osmundo. A mulher na igreja pentecostal: abordagem<br />

inicial à prática religiosa In: GUTIÉRREZ, Benjamim F., CAMPOS, Leonildo<br />

Silveira, (Ed.). Na força do espírito: os pentecostais na América-Latina: um <strong>de</strong>safio às<br />

igrej<strong>as</strong> históric<strong>as</strong>. São Paulo: AIPRAL, 1996. p. 197-203.<br />

5 PIMENTEL, Orivaldo Jr. Quem são os “evangélicos”? In: BOMILCAR, Nelson<br />

(Org). O melhor da espiritualida<strong>de</strong> br<strong>as</strong>ileira. São Paulo: Mundo Cristão, 2005. p.<br />

85.


Azusa – Revista <strong>de</strong> Estudos Pentecostais<br />

<strong>pentecostalismo</strong> tenha se <strong>de</strong>senvolvido qualitativa e quantitativamente,<br />

numa relação <strong>de</strong> troca com a história e cultura br<strong>as</strong>ileira6 , os valores<br />

exarados por ele <strong>de</strong>vem conduzir a uma adoração que resulte, além do<br />

âmbito contemplativo e pessoal, também na esfera prática e comunitária<br />

que tenham repercussões na socieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> qualquer cultura. Como afirma<br />

Campos: “A práxis pentecostal é, portanto, uma ativida<strong>de</strong> social e religiosa,<br />

ativa e lógica”. 7<br />

1 COMO SE ESTABELECEM AS RELAÇÕES DE PODER NO<br />

PENTECOSTALISMO BRASILEIRO<br />

Embora o <strong>pentecostalismo</strong> <strong>no</strong> Br<strong>as</strong>il seja consi<strong>de</strong>rado como fruto dos<br />

movimentos <strong>de</strong> santida<strong>de</strong> do século XIX proveniente dos Estados Unidos,<br />

alguns estudiosos afirmam não ser plausível i<strong>de</strong>ntificá-lo simplesmente<br />

como um movimento pentecostal <strong>no</strong>rte-america<strong>no</strong>. Algum<strong>as</strong> razões que<br />

justificam esta <strong>as</strong>sertiva são: o comportamento da experiência pentecostal<br />

entre os br<strong>as</strong>ileiros <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o seu começo, sua organização ao longo do tempo,<br />

bem como, <strong>as</strong> variantes do <strong>pentecostalismo</strong> br<strong>as</strong>ileiro. 8 Ou seja, a<br />

capacida<strong>de</strong> do <strong>pentecostalismo</strong> se reorganizar sempre que não aten<strong>de</strong> mais<br />

às <strong>de</strong>mand<strong>as</strong> sociais.<br />

É importante ressaltar que o <strong>pentecostalismo</strong>, quando chegou ao Br<strong>as</strong>il,<br />

ainda estava em sua infância, fator prepon<strong>de</strong>rante para a sua autoctonia. 9<br />

6 PASSOS, João Décio. Pentecostais: origem e começo. São Paulo: Paulin<strong>as</strong>, 2005.<br />

(coleção tem<strong>as</strong> do ensi<strong>no</strong> religioso) p. 59-60.<br />

7 CAMPOS, Bernardo. Da reforma protestante à pentecostalida<strong>de</strong> da igreja: <strong>de</strong>bates<br />

sobre o <strong>pentecostalismo</strong> na América latina. São Leopoldo: Si<strong>no</strong>dal: Quito: CLAI,<br />

2002. p. 88.<br />

8 ROLIM, Francisco Cartaxo. Pentecostais <strong>no</strong> Br<strong>as</strong>il: uma interpretação sócio-religiosa.<br />

Petrópolis: Vozes, 1985. p. 61-63.<br />

9 FRESTON, Paul. Breve história do <strong>pentecostalismo</strong> br<strong>as</strong>ileiro. In: ANTONIAZZI,<br />

Alberto et al. Nem anjos nem <strong>de</strong>mônios: interpretações sociológic<strong>as</strong> do <strong>pentecostalismo</strong>.<br />

Petrópolis: Vozes, 1994. p. 72-75.<br />

3


4<br />

Izabel Cristina Veiga Mello<br />

É preciso conhecer <strong>as</strong> marc<strong>as</strong> <strong>de</strong>sta trajetória a fim <strong>de</strong> enten<strong>de</strong>r o<br />

<strong>de</strong>senvolvimento da Igreja Evangélica Assembléia <strong>de</strong> Deus <strong>no</strong> Br<strong>as</strong>il, uma<br />

vez que, a origem e o percurso percorrido pela Assembléia <strong>de</strong> Deus vão<br />

gestar sua i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> eclesial-institucional, como observa Freston, com<br />

um “ethos sueco-<strong>no</strong>r<strong>de</strong>sti<strong>no</strong>”. Uma prática marcada pela centralização em<br />

alguns personagens que exercem o po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> controle <strong>de</strong> maneira um tanto<br />

autoritária e em oposição à cultura letrada. 10<br />

1.1 Breve perfil do <strong>pentecostalismo</strong><br />

A Assembléia <strong>de</strong> Deus foi fundada <strong>no</strong> Br<strong>as</strong>il pelos missionários suecos<br />

Daniel Berg e Gunnar Vingren, ambos batist<strong>as</strong>, em 18 <strong>de</strong> junho <strong>de</strong> 1911 na<br />

cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Belém, capital do Estado do Pará. 11 A aproximação entre os dois<br />

missionários aconteceu durante uma convenção <strong>de</strong> igrej<strong>as</strong> batist<strong>as</strong><br />

reavivad<strong>as</strong>, em Chicago, oc<strong>as</strong>ião em que sentiram o chamado para terr<strong>as</strong><br />

distantes.<br />

Unidos pelo i<strong>de</strong>al missionário, receberam uma mensagem profética<br />

enquanto oravam em companhia <strong>de</strong> um pentecostal sueco chamado Adolfo<br />

Uldin, para irem ao Pará. Após consultarem um mapa souberam, então,<br />

que se tratava <strong>de</strong> um Estado do Br<strong>as</strong>il. 12 Sem apoio financeiro, tomaram o<br />

navio em Nova York em 5 <strong>de</strong> <strong>no</strong>vembro <strong>de</strong> 1910 e aqui chegaram em 19<br />

<strong>de</strong> <strong>no</strong>vembro. Uniram-se a uma igreja batista <strong>de</strong> origem sueca, on<strong>de</strong>, após<br />

haverem aprendido o português, p<strong>as</strong>saram a pregar sobre o pentecostes.<br />

Urge mencionar que os missionários Berg e Vingren eram provenientes<br />

da Suécia em uma época que este país se encontrava estagnado e obrigav<strong>as</strong>e<br />

a exportar gran<strong>de</strong> parte <strong>de</strong> sua população. Conforme Freston, “Mais <strong>de</strong><br />

10 PASSOS, 2005, p. 90-91.<br />

11 HURLBUT, Jesse Lyman. História da igreja cristã. Deerfield: Vida, 1990. p. 231-<br />

35.<br />

12 ANTONIAZZI, 1994. p. 80-81. Veja ainda VINGREN, Ivar. Gunnar Vingren: o<br />

diário do pioneiro. 2. ed. Rio <strong>de</strong> Janeiro : CPAD, 1982. p. 24-26.


Azusa – Revista <strong>de</strong> Estudos Pentecostais<br />

um milhão <strong>de</strong> suecos emigraram para os Estados Unidos entre 1870 e<br />

1920”. 13 Portanto, estes pentecostais suecos, ao invés <strong>de</strong> portarem uma<br />

postura <strong>de</strong> ousadia <strong>de</strong> conquistadores, tinham na verda<strong>de</strong> uma postura <strong>de</strong><br />

sofrimento, martírio e marginalização cultural. Freston faz também uma<br />

importante observação quanto a formação da i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> da Assembléia <strong>de</strong><br />

Deus <strong>no</strong> Br<strong>as</strong>il, resultante <strong>de</strong>stes fatores:<br />

[...] a AD foi produto do esforço missionário <strong>de</strong> um grupo peque<strong>no</strong><br />

e marginalizado <strong>de</strong> um país ainda relativamente pobre. Os<br />

missionários não tiveram condições <strong>de</strong> inundar a igreja com<br />

dinheiro, criando instituições po<strong>de</strong>ros<strong>as</strong> que permanecessem n<strong>as</strong><br />

su<strong>as</strong> própri<strong>as</strong> mãos ou que se torn<strong>as</strong>sem palco <strong>de</strong> brig<strong>as</strong> intern<strong>as</strong>.<br />

Forçosamente, su<strong>as</strong> vid<strong>as</strong> pessoais foram marcad<strong>as</strong> pela<br />

simplicida<strong>de</strong>, um exemplo que ajudou a primeira geração <strong>de</strong> lí<strong>de</strong>res<br />

br<strong>as</strong>ileiros a ligar pouco para a <strong>as</strong>censão econômica. Assim o ethos<br />

da AD evitou um aburguesamento precoce que antecip<strong>as</strong>se <strong>as</strong><br />

condições oferecid<strong>as</strong> pela própria socieda<strong>de</strong> br<strong>as</strong>ileira aos membros<br />

da igreja. 14<br />

Em 8 <strong>de</strong> junho <strong>de</strong> 1911, Celina Albuquerque, membro da igreja, recebe<br />

o pentecostes, em seguida com mais <strong>de</strong>ze<strong>no</strong>ve irmãos, são expulsos da<br />

igreja batista, vindo a fundar em 18 <strong>de</strong> junho <strong>de</strong> 1911 a Missão <strong>de</strong> Fé<br />

Apostólica que em 1918 p<strong>as</strong>sa a se chamar Assembléia <strong>de</strong> Deus.<br />

Em termos <strong>de</strong> expansão geográfica, o crescimento <strong>no</strong>tável alcançado<br />

pela Assembléia <strong>de</strong> Deus <strong>de</strong>veu-se, principalmente, ao refluxo <strong>de</strong> migrantes<br />

<strong>no</strong>r<strong>de</strong>sti<strong>no</strong>s que se <strong>de</strong>siludiram com a crise do ciclo da borracha e o fluxo <strong>de</strong><br />

migrantes <strong>no</strong>rtist<strong>as</strong> e <strong>no</strong>r<strong>de</strong>sti<strong>no</strong>s para o su<strong>de</strong>ste do país. Em 1920 a Assembléia<br />

<strong>de</strong> Deus estava estabelecida em <strong>no</strong>ve estados, sendo três <strong>no</strong> <strong>no</strong>rte e seis <strong>no</strong><br />

<strong>no</strong>r<strong>de</strong>ste. Já em 1931 estava presente praticamente em todo o país, em quatro<br />

estados do <strong>no</strong>rte, <strong>no</strong>ve do <strong>no</strong>r<strong>de</strong>ste, quatro do su<strong>de</strong>ste e três do sul.<br />

É <strong>no</strong>tório que durante algum tempo <strong>as</strong> Assembléi<strong>as</strong> <strong>de</strong> Deus foram<br />

solitári<strong>as</strong> na aceitação da doutrina pentecostal e constituíam uma mi<strong>no</strong>ria<br />

13 ANTONIAZZI, 1994, p. 76.<br />

14 ANTONIAZZI, 1994, p. 79.<br />

5


6<br />

Izabel Cristina Veiga Mello<br />

cruelmente perseguida, <strong>no</strong> entanto, o <strong>de</strong>slocamento dos subúrbios e<br />

fazend<strong>as</strong> para o centro d<strong>as</strong> gran<strong>de</strong>s cida<strong>de</strong>s mudou este quadro. 15 A<br />

Assembléia <strong>de</strong> Deus tor<strong>no</strong>u-se urbana expandindo-se do <strong>no</strong>rte/<strong>no</strong>r<strong>de</strong>ste<br />

para o su<strong>de</strong>ste, principalmente para o Rio <strong>de</strong> Janeiro. Os migrantes traziam<br />

consigo coragem, a fé pentecostal e sua Bíblia. O <strong>pentecostalismo</strong>, por<br />

sua vez, conferia a estes migrantes recém-urbanizados <strong>no</strong>vos valores para<br />

começar uma <strong>no</strong>va vida e sentido para ela, e isto, propiciava meios para<br />

uma efetiva inserção na socieda<strong>de</strong> urbana. 16<br />

Nos a<strong>no</strong>s 70 já existe uma geração urbana <strong>de</strong> pentecostais,<br />

alfabetizados, vivendo melhor e, consequentemente, exigindo algum<strong>as</strong><br />

mudanç<strong>as</strong> <strong>no</strong> <strong>pentecostalismo</strong>. 17<br />

1.2 A primeira Convenção Geral<br />

A primeira Convenção Geral d<strong>as</strong> Assembléi<strong>as</strong> <strong>de</strong> Deus <strong>no</strong> Br<strong>as</strong>il,<br />

reunião <strong>de</strong> âmbito nacional18 foi realizada em Natal <strong>de</strong> 5 a 10 <strong>de</strong><br />

15 HURLBUT, 1990, p. 231-35.<br />

16 SIEPIERSKI, Paulo Donizéti. Mutações <strong>no</strong> protestantismo br<strong>as</strong>ileiro: o surgimento do<br />

pós-<strong>pentecostalismo</strong>. In: DREHER, Martin N (org.). 500 a<strong>no</strong>s <strong>de</strong> Br<strong>as</strong>il e igreja na América<br />

Meridional. Porto Alegre: EST, 2002. p. 400-415.<br />

17 DREHER, 2002, p. 414-415.<br />

18 O primeiro encontro reunindo os obreiros da Assembléia <strong>de</strong> Deus <strong>no</strong> Br<strong>as</strong>il ocorreu<br />

em 1921, na Vila São Luiz, localizada <strong>no</strong> município <strong>de</strong> Igarapé-Açu, <strong>no</strong> Pará. Essa<br />

reunião histórica é mencionada pelo missionário Samuel Nyström durante a Semana<br />

Bíblica <strong>de</strong> 1941, realizada em Porto Alegre. O encontro aconteceu na c<strong>as</strong>a do lí<strong>de</strong>r da<br />

Assembléia <strong>de</strong> Deus em Vila São Luiz, o p<strong>as</strong>tor João Pereira <strong>de</strong> Queiroz, que estava<br />

ali qu<strong>as</strong>e <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o princípio daquela igreja, n<strong>as</strong>cida em 1915. Estavam reunidos nesse<br />

primeiro encontro histórico o missionário Samuel Nyström, que dirigiu a reunião, e os<br />

p<strong>as</strong>tores Isidoro Filho, primeiro a ser consagrado p<strong>as</strong>tor pelos missionários; Luiz Higi<strong>no</strong><br />

<strong>de</strong> Souza Filho, Almeida Sobrinho, João Pereira Queiroz, José Felinto, Ma<strong>no</strong>el Zuca,<br />

Ma<strong>no</strong>el César e Pedro Traja<strong>no</strong>. O principal <strong>as</strong>sunto tratado parece ter sido a evangelização,<br />

o esclarecimento <strong>de</strong> pequen<strong>as</strong> dúvid<strong>as</strong> teológic<strong>as</strong> e o andamento dos trabalhos.<br />

Porém, a história da Convenção geral, começa mesmo em 1929. DANIEL, 2004,<br />

p. 19-22.


Azusa – Revista <strong>de</strong> Estudos Pentecostais<br />

setembro <strong>de</strong> 1930 em caráter <strong>de</strong> urgência e constitui-se fato<br />

importantíssimo e <strong>de</strong>terminante para a história do <strong>pentecostalismo</strong><br />

br<strong>as</strong>ileiro. 19 O conhecimento <strong>de</strong>ss<strong>as</strong> Convenções Gerais possibilita<br />

acompanhar a mo<strong>de</strong>lagem que a Assembléia <strong>de</strong> Deus <strong>no</strong> Br<strong>as</strong>il foi<br />

adquirindo <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 1930 até a atualida<strong>de</strong>. Conforme afirma Costa<br />

Júnior: “Enten<strong>de</strong>r a i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> <strong>as</strong>sembleiana p<strong>as</strong>sa inexoravelmente<br />

por conhecer a história e a importância da CGADB [...]”. 20 Acrescenta<br />

ainda:<br />

[...] mesmo que o leitor não simpatize com algum<strong>as</strong> <strong>de</strong>cisões que<br />

convenções gerais do p<strong>as</strong>sado tomaram, é preciso consi<strong>de</strong>rar o<br />

contexto histórico <strong>de</strong>ss<strong>as</strong> resoluções, além <strong>de</strong> reconhecer a<br />

importância <strong>de</strong> todos esses encontros, inclusive porque alguns <strong>de</strong>les<br />

acabaram, em certos c<strong>as</strong>os, influenciando na formação da igreja<br />

evangélica <strong>no</strong> país, como muitos lí<strong>de</strong>res <strong>de</strong> outr<strong>as</strong> <strong>de</strong><strong>no</strong>minações<br />

reconhecem hoje. 21<br />

É interessante observar que os primeiros p<strong>as</strong>sos para a realização<br />

<strong>de</strong>ssa reunião foram dados em 1929, e a iniciativa partiu dos p<strong>as</strong>tores<br />

br<strong>as</strong>ileiros d<strong>as</strong> regiões Norte e Nor<strong>de</strong>ste, sendo eles os i<strong>de</strong>alizadores<br />

da Primeira Convenção Geral d<strong>as</strong> Assembléi<strong>as</strong> <strong>de</strong> Deus <strong>no</strong> Br<strong>as</strong>il. Isto<br />

porque, até 1930, eram os missionários suecos que li<strong>de</strong>ravam ou<br />

supervisionavam tod<strong>as</strong> <strong>as</strong> Assembléi<strong>as</strong> <strong>de</strong> Deus <strong>no</strong> país. Nenhum<br />

trabalho aberto pelos missionários havia recebido auto<strong>no</strong>mia, mesmo<br />

sendo boa parte d<strong>as</strong> igrej<strong>as</strong> do Norte e Nor<strong>de</strong>ste dirigid<strong>as</strong> por p<strong>as</strong>tores<br />

nacionais.<br />

Os missionários suecos já haviam tomado conhecimento da proposta<br />

dos obreiros nacionais. Inclusive durante a Conferência Pentecostal <strong>de</strong><br />

19 DANIEL, Sil<strong>as</strong>. História da convenção geral d<strong>as</strong> Assembléi<strong>as</strong> <strong>de</strong> Deus <strong>no</strong> Br<strong>as</strong>il:<br />

os principais lí<strong>de</strong>res, <strong>de</strong>bates e resoluções do órgão que moldou a face do movimento<br />

pentecostal br<strong>as</strong>ileiro. Rio <strong>de</strong> Janeiro: CPAD, 2004, p. 23.<br />

20 COSTA JÚNIOR, José Wellington. A importância <strong>de</strong> se conhecer a História da<br />

CGADB In: DANIEL, 2004, p. 11.<br />

21 DANIEL, 2004, p. 11-12.<br />

7


8<br />

Izabel Cristina Veiga Mello<br />

1929, em Recife, ocorrida oito meses <strong>de</strong>pois do encontro preliminar dos<br />

obreiros nacionais e haviam conversado entre si em busca <strong>de</strong> uma solução<br />

harmoniosa. 22<br />

Assim, com o propósito <strong>de</strong> manter a i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> e a unida<strong>de</strong><br />

doutrinária da Assembléia <strong>de</strong> Deus, e resolver questões <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m<br />

interna e externa, a primeira Convenção Geral reuniu a maioria dos<br />

p<strong>as</strong>tores nacionais e todos os missionários suecos para juntos<br />

“resolverem cert<strong>as</strong> questões que se pren<strong>de</strong>m ao progresso e harmonia<br />

da causa do Senhor”. 23<br />

Secretariando <strong>as</strong> sessões da primeira Convenção Geral, alternaramse,<br />

os p<strong>as</strong>tores Ma<strong>no</strong>el Leão e Ma<strong>no</strong>el Hygi<strong>no</strong> <strong>de</strong> Souza. O conteúdo<br />

d<strong>as</strong> at<strong>as</strong> produzid<strong>as</strong> na primeira Convenção Geral é <strong>de</strong>sconhecido, visto<br />

que est<strong>as</strong> se per<strong>de</strong>ram, <strong>no</strong> entanto, o teor d<strong>as</strong> reuniões é conhecido,<br />

<strong>de</strong>vido aos registros dos p<strong>as</strong>tores Francisco Gonzaga e Lewi Pethrus,<br />

lí<strong>de</strong>r da Igreja Filadélfia <strong>de</strong> Estocolmo, Suécia, que enviou os<br />

missionários suecos ao Br<strong>as</strong>il, após a chegada <strong>de</strong> Gunnar Vingren e<br />

Daniel Berg, em 1910. A pauta da primeira Convenção abordava quatro<br />

tem<strong>as</strong>:<br />

1. O relatório do trabalho realizado pelos missionários;<br />

2. A <strong>no</strong>va direção do trabalho pentecostal do Norte e Nor<strong>de</strong>ste;<br />

3. A circulação dos jornais Boa Semente e O Som Alegre;<br />

4. O trabalho femini<strong>no</strong> na igreja. 24<br />

Até 1930, o lí<strong>de</strong>r natural dos missionários era o p<strong>as</strong>tor Gunnar Vingren,<br />

que, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 1924, li<strong>de</strong>rava a Assembléia <strong>de</strong> Deus <strong>no</strong> Rio <strong>de</strong> Janeiro, então<br />

capital do Br<strong>as</strong>il. Na ausência <strong>de</strong> Vingren, Samuel Nyström, também<br />

22 DANIEL, 2004, p. 28.<br />

23 ARAÚJO, 2007, p. 209.<br />

24 ARAÚJO, 2007, p. 209. Ainda ALMEIDA, 1982, p.30.


Azusa – Revista <strong>de</strong> Estudos Pentecostais<br />

missionário sueco que veio ao Br<strong>as</strong>il em 18 <strong>de</strong> agosto <strong>de</strong> 1916, era quem<br />

exercia a li<strong>de</strong>rança nacional. Samuel Nyström p<strong>as</strong>toreava a Assembléia <strong>de</strong><br />

Deus em Belém do Pará. 25<br />

Durante os trinta a<strong>no</strong>s em que trabalhou <strong>no</strong> Br<strong>as</strong>il, Nyström ajudou a<br />

lançar e consolidar os fundamentos doutrinários d<strong>as</strong> Assembléi<strong>as</strong> <strong>de</strong> Deus<br />

<strong>no</strong> Br<strong>as</strong>il e exercia gran<strong>de</strong> li<strong>de</strong>rança espiritual e eclesiástica entre os<br />

missionários e os p<strong>as</strong>tores nacionais. 26<br />

Então, na Convenção Geral d<strong>as</strong> Assembléi<strong>as</strong> <strong>de</strong> Deus em 1930 os<br />

trabalhos <strong>no</strong> Norte e Nor<strong>de</strong>ste que pertenciam à missão sueca foram<br />

entregues às igrej<strong>as</strong> br<strong>as</strong>ileir<strong>as</strong>. A presença do p<strong>as</strong>tor Lewi Pethrus parece<br />

ter sido fundamental para tal <strong>de</strong>cisão. Segundo Daniel, os relatos <strong>de</strong><br />

Pethrus publicados na revista pentecostal sueca Evangelii Haröld27 afirma<br />

que os missionários suecos viram na proposta dos obreiros nacionais a<br />

vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> Deus, pois sentiam-se tocados pelo Espírito Santo, já havia<br />

algum tempo, para se <strong>de</strong>dicarem à abertura <strong>de</strong> <strong>no</strong>vos trabalhos <strong>no</strong> Sul e<br />

Su<strong>de</strong>ste do país.<br />

A proposta dos missionários apresentada aos obreiros nacionais na<br />

oc<strong>as</strong>ião, era <strong>de</strong> que o trabalho missionário realizado <strong>no</strong>s Estados do<br />

Amazon<strong>as</strong>, Pará, Maranhão, Rio Gran<strong>de</strong> do Norte, Paraíba e Pernambuco,<br />

on<strong>de</strong> já havia cerca <strong>de</strong> mil membros e cento e sessenta igrej<strong>as</strong>, <strong>de</strong>veria ser<br />

entregue inteiramente aos obreiros nacionais.<br />

25 Ao lado <strong>de</strong> Gunnar Vingren e Daniel Berg, Samuel Nyström aparece como fundador<br />

da Assembléia <strong>de</strong> Deus <strong>de</strong> Belém, <strong>no</strong> seu primeiro Estatuto, registrado em 4 <strong>de</strong> janeiro<br />

<strong>de</strong> 1918, e comprador da residência <strong>de</strong> José Batista <strong>de</strong> Carvalho, na Travessa 9 <strong>de</strong> janeiro<br />

75, on<strong>de</strong> funcio<strong>no</strong>u o primeiro templo da igreja, a partir <strong>de</strong> 8 <strong>de</strong> <strong>no</strong>vembro <strong>de</strong> 1914.<br />

ARAÚJO, 2007, p. 509.<br />

26 Samuel Nyström esteve à frente da Convenção Geral d<strong>as</strong> Assembléi<strong>as</strong> <strong>de</strong> Deus por<br />

<strong>no</strong>ve gestões (1933, 1934, 1936, 1938, 1939, 1941, 1943, 1946 e 1948) ARAÚJO,<br />

2007. p. 510-511.<br />

27 Os relatos foram transcritos em parte <strong>de</strong>ntro da obra “O Diário do Pioneiro”.<br />

9


10<br />

Izabel Cristina Veiga Mello<br />

Até o dia 1 <strong>de</strong> julho <strong>de</strong> 1931 todos os templos e locais <strong>de</strong> reuniões<br />

que pertenciam à Missão <strong>de</strong>veriam ser entregues, sem nenhum custo, às<br />

respectiv<strong>as</strong> igrej<strong>as</strong> locais br<strong>as</strong>ileir<strong>as</strong>.<br />

A <strong>de</strong>claração oficial da primeira Convenção Geral on<strong>de</strong> a transferência<br />

dos trabalhos do Norte e Nor<strong>de</strong>ste p<strong>as</strong>saram às mão dos obreiros br<strong>as</strong>ileiros<br />

é datada <strong>de</strong> 15 <strong>de</strong> setembro <strong>de</strong> 1930. 28<br />

1.3 As profund<strong>as</strong> mudanç<strong>as</strong> na década <strong>de</strong> 30 que marcaram o<br />

<strong>pentecostalismo</strong><br />

A expansão inicial d<strong>as</strong> Assembléi<strong>as</strong> <strong>de</strong> Deus foi mo<strong>de</strong>rada. Nos<br />

primeiros quinze a<strong>no</strong>s limitou-se praticamente ao Norte e Nor<strong>de</strong>ste, on<strong>de</strong><br />

a oposição católica e a <strong>de</strong>pendência social <strong>de</strong> boa parte da população não<br />

eram favoráveis à mudança <strong>de</strong> religião. 29 É imprescindível ater-se ao<br />

contexto histórico da época, em que o Br<strong>as</strong>il p<strong>as</strong>sava pelo período d<strong>as</strong><br />

oligarqui<strong>as</strong> e consolidação do po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> Getúlio Varg<strong>as</strong>, o que vai trazer<br />

<strong>as</strong>sim um forte sentido <strong>de</strong> partriarcalismo à <strong>de</strong><strong>no</strong>minação.<br />

Em 1930, quando Getúlio Varg<strong>as</strong> iniciou seu gover<strong>no</strong>, a<br />

população do país era <strong>de</strong> 37 milhões <strong>de</strong> habitantes, aproximadamente,<br />

dos quais 70% viviam na área rural. Ao longo dos quinze a<strong>no</strong>s em<br />

que ele manteve o po<strong>de</strong>r n<strong>as</strong> su<strong>as</strong> mãos, o Br<strong>as</strong>il teve du<strong>as</strong><br />

constituições fe<strong>de</strong>rais, uma promulgada em julho <strong>de</strong> 1934, com<br />

característic<strong>as</strong> liberais, e outra em <strong>no</strong>vembro <strong>de</strong> 1937, comprometida<br />

com o pensamento autoritário. 30<br />

28 VINGREN, Ivar. Gunnar Vingren: o diario do pioneiro. 2. ed. Rio <strong>de</strong> Janeiro:<br />

CPAD, 1982. p. 169.<br />

29 ANTONIAZZI, 1994, p. 82.<br />

30 Disponível em http://www.fernandodannemann.recantod<strong>as</strong>letr<strong>as</strong>.com.br/<br />

visualizar.php?idt=541651 Acesso em 5 <strong>de</strong> ago. 2010.


Azusa – Revista <strong>de</strong> Estudos Pentecostais<br />

No pla<strong>no</strong> econômico, a crise internacional <strong>de</strong> 1929 atingiu o país em<br />

todos os setores: a redução d<strong>as</strong> exportações <strong>de</strong>sorganizou <strong>as</strong> finanç<strong>as</strong><br />

públic<strong>as</strong>, diminuiu o ritmo da produção e o po<strong>de</strong>r aquisitivo dos salários.<br />

A crise da eco<strong>no</strong>mia cafeeira obrigou o <strong>no</strong>vo gover<strong>no</strong> a comprar e <strong>de</strong>struir<br />

estoques <strong>de</strong> café, tendo em vista a queda dos preços do produto <strong>no</strong> mercado<br />

internacional. Mudanç<strong>as</strong> sociais e econômic<strong>as</strong> estavam em curso <strong>no</strong> Br<strong>as</strong>il.<br />

Iniciava-se a chamada Era Varg<strong>as</strong>. 31<br />

Os po<strong>de</strong>res político-econômico e religioso não eram rivais. Nesse<br />

período, uma importante b<strong>as</strong>e <strong>de</strong> apoio do gover<strong>no</strong> foi a Igreja Católica.<br />

A colaboração entre a Igreja e o Estado se tornava mais estreita. Um<br />

marco simbólico <strong>de</strong>ssa colaboração foi a inauguração da estátua do Cristo<br />

Re<strong>de</strong>ntor <strong>no</strong> Corcovado, a 12 <strong>de</strong> <strong>no</strong>vembro <strong>de</strong> 1931, data do<br />

<strong>de</strong>scobrimento da América. Getúlio Varg<strong>as</strong> e todo o ministério<br />

concentraram-se na plataforma da estátua enquanto o Car<strong>de</strong>al Leme<br />

consagrava a nação.<br />

O <strong>pentecostalismo</strong> se estabeleceu em uma região caracterizada pelo<br />

latifúndio com uma população campesina e pré-industrial que tinha como<br />

único meio <strong>de</strong> sobrevivência o cultivo da terra. Terra que estava na mão<br />

do fazen<strong>de</strong>iro que dispunha da mesma <strong>de</strong> forma vitalícia e absoluta. Era<br />

o fazen<strong>de</strong>iro quem construía a capela, escolhia o santo <strong>de</strong> sua <strong>de</strong>voção e<br />

mandava trazer o padre para rezar a missa. 32<br />

Num contexto como esse, o p<strong>as</strong>tor, muito além <strong>de</strong> ter e exercer o<br />

po<strong>de</strong>r, ele representa o po<strong>de</strong>r; ele é, em si, símbolo <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r. E na religião,<br />

especialmente <strong>no</strong> <strong>pentecostalismo</strong>, um símbolo p<strong>as</strong>sa à realida<strong>de</strong>. Como<br />

31 A Era Varg<strong>as</strong> é o <strong>no</strong>me que se dá ao período em que Getúlio Varg<strong>as</strong> gover<strong>no</strong>u o<br />

Br<strong>as</strong>il por 15 a<strong>no</strong>s ininterruptos (<strong>de</strong> 1930 a 1945). Essa época foi um divisor <strong>de</strong> águ<strong>as</strong> na<br />

história br<strong>as</strong>ileira por causa d<strong>as</strong> inúmer<strong>as</strong> alterações que Varg<strong>as</strong> fez <strong>no</strong> país, tanto sociais<br />

quanto econômic<strong>as</strong>.<br />

32 ALENCAR, Ge<strong>de</strong>on Freire <strong>de</strong>. Todo po<strong>de</strong>r aos p<strong>as</strong>tores, todo trabalho ao povo,<br />

todo louvor a Deus: Assembléia <strong>de</strong> Deus – origem, implantação e militância (1911-<br />

1946). São Bernardo do Campo, SP: UMESP, 2000.<br />

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12<br />

Izabel Cristina Veiga Mello<br />

“ungido do Senhor” sua resposta é <strong>de</strong>finitiva, inquestionável e vitalícia.<br />

Read observa que essa mentalida<strong>de</strong> esteve presente na organização d<strong>as</strong><br />

igrej<strong>as</strong> pentecostais, uma vez que os processos <strong>de</strong>mocráticos não funcionam<br />

com uma população que não está pronta nem preparada para <strong>as</strong><br />

responsabilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong>mocrátic<strong>as</strong>. 33<br />

Para Freston, o sistema <strong>de</strong> gover<strong>no</strong> d<strong>as</strong> Assembléi<strong>as</strong> <strong>de</strong> Deus po<strong>de</strong><br />

ser caracterizado como oligárquico tendo surgido para facilitar o controle<br />

pelos missionários suecos e <strong>de</strong>pois foi reforçado pelo coronelismo<br />

<strong>no</strong>r<strong>de</strong>sti<strong>no</strong>. A socieda<strong>de</strong> e cultura <strong>no</strong>r<strong>de</strong>stin<strong>as</strong> impregnaram um<br />

autoritarismo quando a li<strong>de</strong>rança p<strong>as</strong>sou às mãos dos obreiros nacionais.<br />

Os “caciques” <strong>no</strong>r<strong>de</strong>sti<strong>no</strong>s <strong>de</strong>ixaram o seu estilo <strong>de</strong> li<strong>de</strong>rança. 34<br />

É importante também compreen<strong>de</strong>r a postura dos missionários suecos<br />

e sua influência na li<strong>de</strong>rança br<strong>as</strong>ileira.<br />

A postura política do <strong>pentecostalismo</strong> tem haver com a “subversão”<br />

da tradição sueca. Na Suécia eles não têm liberda<strong>de</strong> religiosa, já <strong>no</strong> Br<strong>as</strong>il,<br />

apesar da hegemonia católica, a Constituição do país os protege. Há<br />

inúmer<strong>as</strong> citações, tanto teóric<strong>as</strong> como prátic<strong>as</strong> (<strong>no</strong> momento em que são<br />

presos e perseguidos) do preceito constitucional da liberda<strong>de</strong> religiosa <strong>no</strong><br />

Br<strong>as</strong>il. Segundo Alencar, a motivação é <strong>de</strong> origem política, m<strong>as</strong> a prática<br />

br<strong>as</strong>ileira toma uma co<strong>no</strong>tação dogmática teológica: os crentes <strong>de</strong>vem<br />

louvar a Deus pelo gover<strong>no</strong> e apóia-lo. Isso <strong>de</strong>fine a postura política e o<br />

conceito teológico dos suecos que forjaram a conduta dos primeiros lí<strong>de</strong>res<br />

d<strong>as</strong> Assembléi<strong>as</strong> <strong>de</strong> Deus <strong>no</strong> Br<strong>as</strong>il. 35<br />

33 READ, Wilian R. Fermento religioso n<strong>as</strong> m<strong>as</strong>s<strong>as</strong> religios<strong>as</strong> do Br<strong>as</strong>il. São Paulo,<br />

Imprensa metodista, 1967. p. 221 Apud ALENCAR, Ge<strong>de</strong>on Freire <strong>de</strong>. Todo po<strong>de</strong>r aos<br />

p<strong>as</strong>tores, todo trabalho ao povo, todo louvor a Deus: Assembléia <strong>de</strong> Deus – origem,<br />

implantação e militância (1911-1946). São Bernardo do Campo, SP: UMESP, 2000.<br />

34 ANTONIAZZI, 1994, p. 86.<br />

35 ALENCAR, Ge<strong>de</strong>on Freire <strong>de</strong>. Todo po<strong>de</strong>r aos p<strong>as</strong>tores, todo trabalho ao povo,<br />

todo louvor a Deus: Assembléia <strong>de</strong> Deus – origem, implantação e militância (1911-<br />

1946). São Bernardo do Campo, SP: UMESP, 2000.


Azusa – Revista <strong>de</strong> Estudos Pentecostais<br />

O a<strong>no</strong> <strong>de</strong> 1930, momento em que a expansão geográfica está<br />

b<strong>as</strong>icamente completa, é importante por mais du<strong>as</strong> razões: marcou a<br />

auto<strong>no</strong>mia da igreja em relação à Missão Sueca, e transferência efetiva da<br />

se<strong>de</strong> da <strong>de</strong><strong>no</strong>minação, <strong>de</strong> Belém para o Rio <strong>de</strong> Janeiro. A nacionalização<br />

da obra, portanto, é acompanhada pela mudança para a capital fe<strong>de</strong>ral. 36<br />

1.4 A concepção foucaultiana <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r e o sistema <strong>de</strong> gover<strong>no</strong> d<strong>as</strong><br />

Assembléi<strong>as</strong> <strong>de</strong> Deus br<strong>as</strong>ileir<strong>as</strong><br />

Des<strong>de</strong> a década <strong>de</strong> 60, reformulações radicais d<strong>as</strong> <strong>no</strong>ções do social e<br />

do cultural estimularam o repensar do lugar do indivíduo ou sujeito <strong>de</strong>ntro<br />

<strong>de</strong> estrutur<strong>as</strong> <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r e dominação. As obr<strong>as</strong> <strong>de</strong> Michel Foucault são<br />

consi<strong>de</strong>rad<strong>as</strong> importantíssim<strong>as</strong> para tais reformulações. 37 Embora<br />

importantes <strong>de</strong>finições <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r sejam esboçad<strong>as</strong> por gran<strong>de</strong>s <strong>no</strong>mes como,<br />

Max Weber e Marcela Lagar<strong>de</strong>, <strong>de</strong>ntre outros, a forma como este se<br />

estabelece é mais bem compreendida à luz <strong>de</strong> Foucault.<br />

Para Foucault o po<strong>de</strong>r é algo que necessita permanentemente <strong>de</strong><br />

negociação. Ninguém é, propriamente falando, seu titular, e, <strong>no</strong> entanto, o<br />

po<strong>de</strong>r sempre se exerce em <strong>de</strong>terminada direção, com uns <strong>de</strong> um lado e<br />

outros do outro. Não se sabe ao certo quem o <strong>de</strong>tém. Cada luta se <strong>de</strong>senvolve<br />

em tor<strong>no</strong> <strong>de</strong> um foco particular <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r. Ele conceitualiza po<strong>de</strong>r não como<br />

posse ou atributo <strong>de</strong> uma soberania militar ou governamental, como enten<strong>de</strong><br />

o pensamento jurídico, m<strong>as</strong> como um sistema complexo relacional. 38<br />

O conhecimento é o ponto essencial para se estudar o po<strong>de</strong>r, pois é<br />

através <strong>de</strong> sua apropriação e manipulação que é possível o controle exercido<br />

36 ANTONIAZZI, 1994, p. 82.<br />

37 MOORE, Henrietta L. Fant<strong>as</strong>i<strong>as</strong> <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r e fant<strong>as</strong>i<strong>as</strong> <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>: gênero, raça<br />

e violência. Disponível em <<br />

http://www.pagu.unicamp.br/files/cadpagu/Cad14/n14a02.pdf > Acesso em 10 mar. 2010.<br />

38 FOUCAULT, Michel. Microfísica do po<strong>de</strong>r. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Graal, 2001. p. 180-<br />

181.<br />

13


14<br />

Izabel Cristina Veiga Mello<br />

<strong>de</strong> alguns indivíduos sobre outros. Foucault se b<strong>as</strong>eia na história do<br />

pensamento para <strong>de</strong>monstrar a maneira pela qual o po<strong>de</strong>r se instala e se<br />

modifica com o p<strong>as</strong>sar do tempo.<br />

Foucault convida a penetrar a re<strong>de</strong> constitutiva d<strong>as</strong> <strong>relações</strong> sociais<br />

que individualizam em níveis e patamares a fim <strong>de</strong> <strong>de</strong>tectar “[…] como<br />

funcionam <strong>as</strong> cois<strong>as</strong> <strong>no</strong> nível do processo <strong>de</strong> sujeição ou dos processos<br />

contínuos e ininterruptos que sujeitam os corpos, dirigem os gestos, regem<br />

os comportamentos, etc.” 39<br />

Assim, é possível analisar como <strong>as</strong> <strong>relações</strong> <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r são estabelecid<strong>as</strong><br />

n<strong>as</strong> Assembléi<strong>as</strong> <strong>de</strong> Deus <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> seu complexo sistema relacional.<br />

Aos poucos, a Assembléia <strong>de</strong> Deus foi se tornando uma igreja<br />

br<strong>as</strong>ileira. O crescente número <strong>de</strong> comunida<strong>de</strong>s e <strong>de</strong> li<strong>de</strong>ranç<strong>as</strong> nacionais<br />

foi criando um quadro em que a administração <strong>de</strong>sloca-se, paulatinamente,<br />

d<strong>as</strong> mãos dos suecos para a dos br<strong>as</strong>ileiros, concretamente, <strong>de</strong> <strong>no</strong>rtist<strong>as</strong> e<br />

<strong>no</strong>r<strong>de</strong>sti<strong>no</strong>s, geralmente <strong>de</strong> origem rural. 40<br />

As <strong>relações</strong> <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r existentes na Assembléia <strong>de</strong> Deus po<strong>de</strong>m então<br />

ser melhores analisad<strong>as</strong> a partir do coronelismo e militarismo. Como o<br />

<strong>pentecostalismo</strong> ligado a esta igreja tenha surgido em meio ao ciclo da<br />

borracha, <strong>as</strong>similou boa parte do coronelismo presente n<strong>as</strong> fazend<strong>as</strong> <strong>de</strong><br />

borracha <strong>no</strong> <strong>no</strong>rte e <strong>de</strong> outros cultivos <strong>no</strong> <strong>no</strong>r<strong>de</strong>ste br<strong>as</strong>ileiro. 41<br />

39 FOUCAULT, 1979, p.182.<br />

40 PASSOS, 2005, p. 91.<br />

41 Até 1918 a borracha é o segundo produto mais importante <strong>no</strong> Br<strong>as</strong>il, representando<br />

em 1910, auge da produção, 25,7% d<strong>as</strong> exportações. A partir daí houve um <strong>de</strong>clínio<br />

quando a Ásia entrou <strong>no</strong> mercado. A Região amazônica, que <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 1890 a 1900 teve<br />

uma migração líquida <strong>de</strong> mais 110 mil pesso<strong>as</strong> vind<strong>as</strong> principalmente do Ceará, a partir<br />

<strong>de</strong> então, tem um retraimento <strong>de</strong> extração <strong>de</strong> borracha. Os missionários suecos chegaram<br />

ao Br<strong>as</strong>il <strong>no</strong> início da queda <strong>de</strong> produção. A partir daí começa todo um processo<br />

migratório <strong>de</strong> retor<strong>no</strong> para seus Estados <strong>de</strong> origem, e a mensagem pentecostal os acompanha.<br />

ALENCAR, Ge<strong>de</strong>on Freire <strong>de</strong>. Todo po<strong>de</strong>r aos p<strong>as</strong>tores, todo trabalho ao<br />

povo, todo louvor a Deus: Assembléia <strong>de</strong> Deus – origem, implantação e militância<br />

(1911-1946). São Bernardo do Campo, SP: UMESP, 2000.


Azusa – Revista <strong>de</strong> Estudos Pentecostais<br />

No entanto, é preciso lembrar que <strong>no</strong> <strong>pentecostalismo</strong>, a autorida<strong>de</strong> é<br />

transferida também ao crente pela ênf<strong>as</strong>e pentecostal, uma vez que todos<br />

têm “po<strong>de</strong>r”. Conforme Mendonça:<br />

É uma recuperação do po<strong>de</strong>r perdido socialmente, uma vez<br />

que a sua relação com a socieda<strong>de</strong> abrangente é <strong>de</strong><br />

subordinação e marginalização. Como essa recuperação do<br />

po<strong>de</strong>r não se esten<strong>de</strong> à socieda<strong>de</strong>, [...] ela se manifesta <strong>no</strong><br />

reconhecimento da congregação através <strong>de</strong> prestígio e acesso<br />

às li<strong>de</strong>ranç<strong>as</strong>. Ao me<strong>no</strong>s num universo restrito a recuperação<br />

do po<strong>de</strong>r é real. 42<br />

M<strong>as</strong>, a tradição pentecostal <strong>de</strong> organizar-se <strong>de</strong> maneira carismática a<br />

partir dos dons que emergem na comunida<strong>de</strong> vai adaptar-se à cultura<br />

br<strong>as</strong>ileira tradicional. 43 E, como observa Freston, “o po<strong>de</strong>r tradicional,<br />

fundado na autorida<strong>de</strong> patriarcal, vai raptar o po<strong>de</strong>r carismático fundado<br />

<strong>no</strong> dom pessoal que marcou <strong>as</strong> origens da AD”. 44<br />

A inserção na socieda<strong>de</strong> e cultura <strong>no</strong>r<strong>de</strong>stin<strong>as</strong> contribuiu para a<br />

consolidação <strong>de</strong> uma organização marcada por um forte autoritarismo, em<br />

que o po<strong>de</strong>r legitima-se pela tradição. O fato da nacionalização d<strong>as</strong><br />

Assembléi<strong>as</strong> <strong>de</strong> Deus ter ocorrido quando a igreja ainda era muito <strong>no</strong>rtista/<br />

<strong>no</strong>r<strong>de</strong>stina, contribuiu para sedimentar uma característica que subsiste até<br />

hoje. Por exemplo, a sala <strong>de</strong> espera do gabinete p<strong>as</strong>toral da Igreja <strong>de</strong> São<br />

Cristóvão, Rio <strong>de</strong> Janeiro, conserva o retrato <strong>de</strong> todos os p<strong>as</strong>tores<br />

presi<strong>de</strong>ntes da igreja <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a sua fundação. Até certo momento, <strong>as</strong><br />

fisio<strong>no</strong>mi<strong>as</strong> são nórdic<strong>as</strong>, <strong>de</strong>pois, são típic<strong>as</strong> do Norte e Nor<strong>de</strong>ste<br />

br<strong>as</strong>ileiros. Uma proporção alta da cúpula nacional é <strong>de</strong> <strong>no</strong>r<strong>de</strong>sti<strong>no</strong>s,<br />

geralmente <strong>de</strong> origem rural.<br />

42 MENDONÇA, Antônio Gouvêa; VELASQUES FILHO, Prócoro. Introdução ao<br />

protestantismo <strong>no</strong> Br<strong>as</strong>il. São Paulo: Loyola, 1990. p. 247.<br />

43 PASSOS, 2005, p. 91.<br />

44 ANTONIAZZI, 1994, p. 78.<br />

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16<br />

Izabel Cristina Veiga Mello<br />

A mentalida<strong>de</strong> d<strong>as</strong> Assembléi<strong>as</strong> <strong>de</strong> Deus carrega <strong>as</strong> marc<strong>as</strong> <strong>de</strong>ssa dupla<br />

origem: da experiência sueca d<strong>as</strong> primeir<strong>as</strong> décad<strong>as</strong> do século, <strong>de</strong><br />

marginalização cultural, e da socieda<strong>de</strong> patriarcal e pré-industrial do Norte/<br />

Nor<strong>de</strong>ste dos a<strong>no</strong>s 30 a 60. 45<br />

CONCLUSÃO<br />

Todo diálogo sobre a temática d<strong>as</strong> <strong>relações</strong> <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r <strong>de</strong>ve levar<br />

em consi<strong>de</strong>ração a i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> pentecostal forjada <strong>no</strong> calor <strong>de</strong> sua<br />

história. Toda estrutura <strong>de</strong> li<strong>de</strong>rança e po<strong>de</strong>r seja <strong>no</strong> <strong>pentecostalismo</strong><br />

br<strong>as</strong>ileiro ou em outra esfera trará consigo ambiguida<strong>de</strong>s. Sempre<br />

será alvo <strong>de</strong> questionamentos, mudanç<strong>as</strong> e, até mesmo, tentativ<strong>as</strong> <strong>de</strong><br />

eliminação da estrutura. Assim, o mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> li<strong>de</strong>rança n<strong>as</strong><br />

Assembléi<strong>as</strong> <strong>de</strong> Deus com sua formação cultural do período d<strong>as</strong><br />

oligarqui<strong>as</strong> é cada vez mais <strong>de</strong>safiado principalmente por p<strong>as</strong>tores<br />

jovens que são produto, não da escada <strong>de</strong> aprendizado prático, m<strong>as</strong><br />

da rota alternativa da formação teológica em seminários e faculda<strong>de</strong>s<br />

teológic<strong>as</strong>.<br />

No entanto, é preciso reconhecer que tentativ<strong>as</strong> <strong>de</strong> mudança <strong>de</strong><br />

qualquer estrutura <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r po<strong>de</strong>m até mesmo ser ilusóri<strong>as</strong> uma vez<br />

que tentam ser feit<strong>as</strong> através da anarquia. O caos na realida<strong>de</strong> gera<br />

45 O auge da presença sueca foi <strong>no</strong>s a<strong>no</strong>s 30, com cerca <strong>de</strong> vinte famíli<strong>as</strong> missionári<strong>as</strong>.<br />

Depois <strong>de</strong> 1950, o fluxo praticamente cessou. Segundo Freston, naquela altura o Br<strong>as</strong>il<br />

já tinha a terceira comunida<strong>de</strong> pentecostal do mundo. Suecos ocuparam a presidência da<br />

Convenção Geral até 1951. N<strong>as</strong> últim<strong>as</strong> décad<strong>as</strong>, o maior contato internacional d<strong>as</strong> Assembléi<strong>as</strong><br />

<strong>de</strong> Deus tem sido com os Estados Unidos. O auge da presença americana foi<br />

<strong>no</strong>s a<strong>no</strong>s 70, com cerca <strong>de</strong> vinte famíli<strong>as</strong> missionári<strong>as</strong>, que tiveram <strong>de</strong> aceitar <strong>as</strong> <strong>no</strong>rm<strong>as</strong><br />

do trabalho br<strong>as</strong>ileiro. A influência americana se faz sentir principalmente na área da<br />

educação teológica. ANTONIAZZI, 1994, p. 84-85.


Azusa – Revista <strong>de</strong> Estudos Pentecostais<br />

ditadura e, como afirma Tillich, “não é possível vencer <strong>as</strong> ambiguida<strong>de</strong>s<br />

da vida mediante a formação <strong>de</strong> um vácuo <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r”. 46<br />

O lí<strong>de</strong>r não representa apen<strong>as</strong> o po<strong>de</strong>r e a justiça do grupo, m<strong>as</strong> também<br />

a si mesmo, seu po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> ser e a justiça implícita neste. Isto se aplica não<br />

somente a ele como indivíduo, m<strong>as</strong> também ao estrato social em que se<br />

encontra e que ele, voluntariamente ou não, representa. 47 E isto sempre irá<br />

gerar ambiguida<strong>de</strong>s.<br />

É claro que nem sempre <strong>as</strong> mudanç<strong>as</strong> n<strong>as</strong> hierarqui<strong>as</strong> eclesiástic<strong>as</strong><br />

resultam d<strong>as</strong> reivindicações e da pressão daqueles que <strong>as</strong> integram. Antes<br />

parecem adaptações d<strong>as</strong> igrej<strong>as</strong> às mudanç<strong>as</strong> em curso da socieda<strong>de</strong>.<br />

Pois, a religião, ao mesmo tempo em que ajuda a construir a socieda<strong>de</strong><br />

como um todo, é também construída por ela. Porém, a cultura só po<strong>de</strong> ser<br />

compreendida <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> cada época histórica. Sob essa mesma referência<br />

teórica, encontramos a <strong>no</strong>ção <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ologia, quando os significados culturais<br />

ajudam a conservar ou, então a mudar <strong>de</strong>terminad<strong>as</strong> situações históric<strong>as</strong>,<br />

<strong>de</strong> acordo com os interesses d<strong>as</strong> cl<strong>as</strong>ses dominantes e da capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

resistência e organização d<strong>as</strong> cl<strong>as</strong>ses dominad<strong>as</strong>. 48<br />

Isso ocorre com o <strong>pentecostalismo</strong> br<strong>as</strong>ileiro. Com uma incrível<br />

capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> selecionar, ressignificar e incorporar elementos <strong>de</strong> outr<strong>as</strong><br />

tradições confessionais e da cultura política dos movimentos sociais, o<br />

<strong>pentecostalismo</strong> adquiriu uma pl<strong>as</strong>ticida<strong>de</strong> e um caráter dinâmico que<br />

parecem paradoxais ao tradicionalismo que marcou a história do<br />

movimento pentecostal. 49<br />

46 TILLICH, Paul. Teologia sistemática. 5. ed. São Leopoldo: Si<strong>no</strong>dal, 2005. p. 541.<br />

47 TILLICH, 2005, p. 541.<br />

48 PASSOS, 2005, p. 63.<br />

49 MACHADO, Maria d<strong>as</strong> Dores Campos. Representações e <strong>relações</strong> <strong>de</strong> gênero <strong>no</strong>s<br />

grupos pentecostais. Revista Estudos Feminist<strong>as</strong>, Florianópolis, n. 2, maio/ago. 2005.<br />

Disponível em Acesso em 10 mar. 2010.<br />

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18<br />

Izabel Cristina Veiga Mello<br />

Embora permaneça ainda o <strong>de</strong>safio <strong>de</strong> refletir sobre a estrutura e o<br />

estabelecimento do po<strong>de</strong>r n<strong>as</strong> Assembléi<strong>as</strong> <strong>de</strong> Deus br<strong>as</strong>ileir<strong>as</strong>, toda<br />

reflexão <strong>de</strong>verá partir da construção da i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> pentecostal em seu<br />

contexto histórico. Divorciada <strong>de</strong>ssa importante b<strong>as</strong>e <strong>de</strong> apoio, ela corre o<br />

risco <strong>de</strong> per<strong>de</strong>r sua importância e eficácia.<br />

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VINGREN, Ivar. Gunnar Vingren: o diário do pioneiro. 2. ed. Rio <strong>de</strong> Janeiro :<br />

CPAD, 1982.

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