14.04.2013 Views

Imagens ecológicas na poesia de Manuel de Barros

Imagens ecológicas na poesia de Manuel de Barros

Imagens ecológicas na poesia de Manuel de Barros

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

10 FUXICO Nº 23<br />

Maio a julho <strong>de</strong> 2012<br />

extasia-se com o ínfimo: vagalume,<br />

pássaro, sapo, formiga,<br />

lata e suas hierofanias. O minúsculo<br />

nos seus fenômenos é entida<strong>de</strong><br />

que faz ligação com a divinda<strong>de</strong>:<br />

“Todas as coisas apropriadas<br />

ao abandono me religam a<br />

Deus. / Senhor, eu tenho orgulho<br />

do imprestável!” (BARROS, 2010,<br />

p. 342).<br />

Como afirma Roberval Pereira<br />

(2000, p. 30), “a <strong>poesia</strong> mo<strong>de</strong>r<strong>na</strong><br />

opera um processo <strong>de</strong> ressacralização”.<br />

O retorno <strong>de</strong>sse elemento<br />

sacro está ligado à necessida<strong>de</strong><br />

histórica i<strong>na</strong>diável<br />

da <strong>de</strong>scentralização do logos.<br />

A centralida<strong>de</strong> da razão<br />

fria produz uma vivência<br />

contabilista e pragmática<br />

que mutila as relações<br />

e c o - h u m a<strong>na</strong>s. <strong>Barros</strong><br />

(2010, p. 342), transgredindo<br />

essa rota processual<br />

vigente, vê milagre <strong>na</strong> inutilida<strong>de</strong><br />

das máqui<strong>na</strong>s (produto<br />

da razão huma<strong>na</strong>), no<br />

imprestável, on<strong>de</strong> po<strong>de</strong> <strong>de</strong>sabrochar<br />

vida: “Prefiro as<br />

máqui<strong>na</strong>s que servem para<br />

não funcio<strong>na</strong>r: quando cheias<br />

<strong>de</strong> areia <strong>de</strong> formiga e<br />

musgo – elas po<strong>de</strong>m um dia milagrar<br />

<strong>de</strong> flores.”<br />

Essa postura do poeta no seu<br />

ato letral revela uma relação intimista<br />

com tudo que se insurge<br />

em vida, dando-lhes condição <strong>de</strong><br />

sacralida<strong>de</strong>, assim como o fez<br />

Pessoa (2012, p. 11 e 12):<br />

Mas se Deus é as flores e<br />

as árvores<br />

E os montes e o sol e o luar,<br />

Então acredito nele,<br />

Então acredito nele a toda<br />

hora,<br />

E a minha vida é toda<br />

uma oração e uma missa,<br />

E uma comunhão com os<br />

olhos e pelos ouvidos.<br />

Deslocamento do poeta<br />

Somente <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> teres<br />

<strong>de</strong>ixado a cida<strong>de</strong><br />

verás a que altura suas<br />

torres<br />

se elevam<br />

acima das casas<br />

Nietzsche<br />

Deslocamento, como afirma<br />

Aleilton Fonseca (2000), é a palavra<br />

que melhor <strong>de</strong>fine a condição<br />

do poeta oci<strong>de</strong>ntal mo<strong>de</strong>rno.<br />

Assim o é Manoel <strong>de</strong> <strong>Barros</strong><br />

que, através do seu olhar poético,<br />

se coloca à parte para uma<br />

incisiva inserção <strong>na</strong>s coisas: “O<br />

privilégio insetal <strong>de</strong> ser uma<br />

borboleta me atraiu. Por certo<br />

eu iria ter uma visão diferente<br />

dos homens e das coisas.”<br />

(2010, p. 393).<br />

Deste modo, o poeta se <strong>de</strong>s-<br />

loca à condição <strong>de</strong> inseto para<br />

ser – paradoxalmente – melhor<br />

partícipe do processo <strong>de</strong> ressignificação<br />

da humanida<strong>de</strong> e do<br />

mundo. Ele não se limita às visões<br />

míopes e embaçadas promovidas<br />

pelos óculos do status<br />

quo, sua íris carrega lágrimas<br />

<strong>de</strong> <strong>poesia</strong> insurgente.<br />

Educação ambiental e<br />

Literatura<br />

Para reorganização do espaço<br />

e do respeito do ser humano<br />

com o planeta, se faz necessário<br />

trabalhar os sentidos, a reedução<br />

para a sensibilida<strong>de</strong> e<br />

consciência eco-huma<strong>na</strong> no trato<br />

com o meio ambiente, vendo<br />

-o não como bem <strong>de</strong> consumo,<br />

mas como extensão <strong>de</strong> nós<br />

mesmos. Segundo Sato & Passos<br />

(2002), <strong>de</strong>veríamos congregar<br />

nossa singularida<strong>de</strong> no plural<br />

por um projeto <strong>de</strong> todos, agindo<br />

criticamente sobre o<br />

mundo. Essa necessida<strong>de</strong> é ur-<br />

gente, pois os processos <strong>de</strong> individualismo<br />

e massificação homogeneizante<br />

se alastram <strong>de</strong> modo<br />

feroz, impactando o planeta,<br />

nosso Oikos.<br />

A Literatura tem como essência<br />

a fruição, mas não se po<strong>de</strong><br />

alijar <strong>de</strong> si seu caráter político<br />

(que está presente em quase todos<br />

os atos da vida huma<strong>na</strong>).<br />

Oliveira (2010, p. 43) afirma que<br />

o diálogo entre Educação Ambiental<br />

e Literatura po<strong>de</strong> possibilitar<br />

uma compreensão mais fértil<br />

sobre as questões ambientais,<br />

e quanto estas<br />

questões estão intrincadas<br />

no caminhar humano.<br />

Assim, então, é possível<br />

rever os passos <strong>de</strong><br />

fora pelo caminhar <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>ntro, por uma poética<br />

que gera sensibilida<strong>de</strong> e<br />

intervenção cuidante do<br />

mundo.<br />

Sensibilida<strong>de</strong> poética,<br />

Sustentabilida<strong>de</strong><br />

planetária<br />

O lixo produzido pelo<br />

Caroli<strong>na</strong> Belmondo<br />

nosso luxo é cada vez<br />

mais (e sempre) uma agressão à<br />

vida. Uma absur<strong>de</strong>z: não ouvimos<br />

os gritos do nosso próprio<br />

absurdo. Por isso, afirma o poeta<br />

Manoel <strong>de</strong> <strong>Barros</strong> (2010, p.<br />

215): “[...] o gran<strong>de</strong> luxo <strong>de</strong><br />

Ber<strong>na</strong>rdo é ser ninguém. [...] É<br />

ser que não conhece ter. Tanto<br />

que inveja não se acopla nele.”.<br />

Ber<strong>na</strong>rdo é o alter-ego do escritor,<br />

perso<strong>na</strong>gem que caminha<br />

contra a maré da normalida<strong>de</strong><br />

imposta pelo capital. Que não<br />

limita nem rege sua vida pelos<br />

ditames do consumismo, pois<br />

sua maior ambição é a invisibilida<strong>de</strong><br />

nesse sistema.<br />

Uma das lógicas mais agressivas<br />

do modo consumista <strong>de</strong> ser<br />

é a <strong>de</strong>scartabilida<strong>de</strong>. Esta prática<br />

<strong>de</strong> mercado, impulsio<strong>na</strong>da pelo<br />

mundo do marketing, resulta no<br />

lucro <strong>de</strong> poucos e <strong>na</strong> <strong>de</strong>gradação<br />

da vida <strong>de</strong> muitos, nesta casa<br />

chamada Terra. Nesse cenário<br />

<strong>de</strong> opressão (<strong>de</strong> seres humanos<br />

em relação a si mesmos, e <strong>de</strong>stes<br />

em relação à <strong>na</strong>tureza e seus

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!