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Pedagógica 19.indd - Instituto Crescer para a Cidadania

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Direcional Escolas, agosto/06<br />

18<br />

ENSINO FUNDAMENTAL<br />

Ensinar Ciências <strong>para</strong> Promover a<br />

Enculturação Científica<br />

Ju Cavalheiro<br />

Por Anna Maria Pessoa de Carvalho<br />

A Proposta de Ensino<br />

Nestes últimos 30 anos, as pesquisas em ensino de Ciências vêm<br />

produzindo conhecimento e dando suporte <strong>para</strong> o planejamento<br />

de cursos cujas propostas seriam levar os alunos a produzirem<br />

conhecimento significativo não só sobre o conteúdo das disciplinas<br />

científicas como também, e principalmente, sobre o processo da<br />

construção da própria ciência.<br />

Entretanto, se de um lado os referenciais teóricos <strong>para</strong> o<br />

planejamento do ensino são aceitos por uma grande parcela da<br />

sociedade que trabalha em ensino de Ciências, os dados empíricos<br />

sobre o conhecimento realmente produzido pelos alunos nos cursos,<br />

principalmente no que se refere à aquisição do processo de construção<br />

da ciência, ou seja, a enculturação científica, ainda está sendo obtida,<br />

sendo que numerosos estudos têm mostrado que o ensino – inclusive o<br />

universitário – tem transmitido visões empírico-indutivistas da ciência<br />

que se distancia largamente de como se constroem e se produzem os<br />

conhecimentos científicos.<br />

Driver, Newton e Osborne (1999) propõem a metáfora de<br />

aprendizagem de Ciências como um processo de enculturação. A<br />

Ciência, como mostra os autores, pode ser entendida como uma cultura<br />

que tem suas regras, valores e linguagem própria e, portanto, o ensino<br />

da ciência como uma enculturação deve levar os alunos a entender e<br />

praticar essa cultura, pois é importante que o ensino leve os alunos a<br />

produzirem conhecimento significativo não só sobre o conteúdo das<br />

disciplinas científicas como também, e principalmente, sobre o processo<br />

da construção da própria ciência. É preciso, como mostra Lemke (1997),<br />

ensinar os alunos à “falar ciências”.<br />

Outros autores (Cobem e Aikenhead, 1998, Duit e Treagust, 1998) têm<br />

caminhado <strong>para</strong> a criação de meios que proporcionam a construção de<br />

explicações contextualizadas por parte dos alunos, estudando situações<br />

em que o aprendiz transpõe as fronteiras entre sua cultura cotidiana e a<br />

cultura científica. Nesse mesmo caminho encontramos trabalhos como<br />

Capecchi (2003) e Capecchi e Carvalho (2006), que identificam algumas<br />

práticas em sala de aula que facilitam as mudanças nas concepções<br />

de ciência dos estudantes, tais como: freqüentes interações professor<br />

– aluno, participação ativa dos estudantes na resolução de problemas,<br />

ênfase em questionamentos orientados pelo professor dentro de um<br />

ambiente encorajador e livre de riscos <strong>para</strong> os mesmos.<br />

No LaPEF – Laboratório de Pesquisa e Ensino de Física – estruturamos<br />

o curso de ‘Conhecimento Físico’ (Carvalho et al. 1998) <strong>para</strong> as séries<br />

iniciais do Ensino Fundamental, sendo que o nosso objetivo principal<br />

é que os alunos construam os conhecimentos específicos e que nossas<br />

aulas criem oportunidades <strong>para</strong> que estes adquiram as habilidades e<br />

atitudes próprias das ciências.<br />

Planejamos 15 atividades, que foram delineadas como problemas<br />

abertos, possibilitando a resolução pelos alunos em pequenos grupos.<br />

Nestas atividades, além de focalizarmos o conhecimento de física,<br />

procuramos também propor uma metodologia de ensino que leve em<br />

conta os conhecimentos produzidos pelas pesquisas na área de ensino<br />

de ciências.<br />

Ao propormos situações problemáticas em atividades de ensino<br />

e proporcionarmos espaço e tempo <strong>para</strong> a sistematização coletiva do<br />

conhecimento e da tomada de consciência do que foi feito, criamos<br />

oportunidade <strong>para</strong> o ‘aprender a falar ciência’ (Lemke 1997). É nessa<br />

etapa que existe a possibilidade de ampliação do vocabulário dos alunos<br />

e, com a ajuda por parte do professor, da melhora na argumentação<br />

dos alunos.<br />

Procuramos, ao planejarmos nossas atividades de ensino de física,<br />

restabelecer a humanidade e as incertezas da Ciência produzida pelo<br />

homem. Foi procurando esse objetivo que organizamos o ensino <strong>para</strong><br />

que nossos alunos experimentem, hipotetizem e argumentem sobre os<br />

conceitos científicos.<br />

Depois de elaborada a Proposta de Ensino, de propormos sua<br />

divulgação em livro (Carvalho et al 1998), vídeos www.lapef.fe.br, e<br />

muitos cursos de formação continuada <strong>para</strong> professores e coordenadores,<br />

o nosso foco foi o estudo do ensino propriamente dito. Procurando<br />

saber o que realmente as nossas Atividades ensinavam, passamos a<br />

gravar as aulas e analisá-las com o objetivo de descrever os aspectos da<br />

enculturação científica que pudessem aparecer nas falas dos alunos.<br />

1- Os aspectos da enculturação científica que<br />

aparecem quando os alunos estão resolvendo o<br />

problema em pequenos grupos.<br />

Na primeira etapa, quando os alunos estão, em pequenos<br />

grupos, manipulando os objetos <strong>para</strong> resolverem o problema,<br />

pudemos observar que esta ação não se limitou a uma simples<br />

manipulação. Na discussão entre os elementos do grupo aparece<br />

a construção e o teste de suas hipóteses. Estas são levantadas a<br />

partir das observações realizadas e/ou a partir de conhecimentos<br />

prévios trazidos <strong>para</strong> o grupo, e vão direcionando a atenção dos<br />

alunos <strong>para</strong> a seleção das variáveis relevantes do fenômeno que<br />

está sendo estudado. À medida que os alunos vão testando suas<br />

hipóteses, argumentando com seus colegas sobre suas idéias,<br />

procurando justificativas <strong>para</strong> suas ações, explicando, assim, o<br />

que estão fazendo <strong>para</strong> os outros alunos do grupo, observa-se, em<br />

muitas dessas participações, o início do raciocínio compensatório.<br />

Esta etapa do trabalho prático é fundamental <strong>para</strong> a criação de<br />

um sistema conceitual coerente e nos mostra que, quando a aula<br />

propõe um problema experimental nos quais os alunos se envolvem<br />

buscando a solução, ela proporciona <strong>para</strong> estes alunos um ambiente<br />

onde encontramos o raciocínio por trás da manipulação.<br />

Muitas discussões entre os alunos visando à resolução do<br />

problema proposto são feitas nessa parte da aula, e é principalmente<br />

nessas trocas de experiências e de proposições, quando os alunos<br />

vêem suas idéias confrontadas e precisam lidar com opiniões e<br />

atitudes diferentes das suas, que se dá a construção da autonomia<br />

moral. Essa construção dos aspectos morais durante o ensino é<br />

importante <strong>para</strong> a estruturação de uma escola cidadã.<br />

2- Os aspectos da enculturação científica que<br />

aparecem quando os alunos estão respondendo<br />

ao ‘como’ e ao ‘por que’.<br />

A atribuição de conceitos nas explicações, logo no início<br />

da discussão, já denunciava o empenho dos alunos em buscar<br />

justificativas. É durante essas duas últimas etapas, a reflexão sobre<br />

o ‘como’ - a fase da tomada de consciência de suas próprias ações<br />

- e a procura do ‘por que’ - fase das explicações causais -, que os<br />

alunos têm a oportunidade de construírem a sua compreensão dos<br />

fenômenos físicos. E, quando os alunos vão contando o que fizeram,<br />

<strong>para</strong> o professor e <strong>para</strong> a classe, descrevendo suas ações, ouvindo os<br />

colegas, eles vão estabelecendo, em pensamento, as suas próprias<br />

coordenações conceituais, lógico-matemáticas e causais, como<br />

mostram as análises de nossos dados.<br />

Quando os alunos são incitados a contar como resolveram o<br />

problema, eles começam a tomar consciência das coordenações dos<br />

eventos. A tomada de consciência está, pois, longe de constituir apenas<br />

uma simples leitura: ela é uma reconstrução feita pelo aluno de suas<br />

ações e do que ele conseguiu observar durante a experiência.<br />

Pensando no que fez, <strong>para</strong> poder falar, <strong>para</strong> contar <strong>para</strong> o<br />

professor e <strong>para</strong> a classe, o aluno vai fazendo ligações lógicas do tipo<br />

Direcional Escolas, agosto/06<br />

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