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O estouro da boiada - Academia Brasileira de Letras

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ou-lhe editor. O escritor era <strong>de</strong>sconhecido e o volume <strong>de</strong> tiras assustava.<br />

Os editores torciam o nariz.<br />

O Jornal do Commercio não quis a obra para folhetins.<br />

Afinal o velho Masson, <strong>da</strong> casa Laemetr, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> muito pensar<br />

e <strong>de</strong> muito vacilar, disse que ficava com o rolo <strong>de</strong> tiras.<br />

Entra o livro no prelo. Meses <strong>de</strong>pois Eucli<strong>de</strong>s, que por essa feita<br />

estava em Lorena, é chamado para vir ver a sua obra. Vem: ao chegar<br />

à Companhia Tipográfica, à Rua dos Inválidos, abrindo ao acaso<br />

um volume, lá encontra um a com uma crase intrusa, adiante uma<br />

vírgula <strong>de</strong>mais, etc., etc. Ele estava nesse tempo atacado <strong>de</strong> uma neurastenia<br />

profun<strong>da</strong>. Aquela crase, aquela vírgula, aqueles outros erros,<br />

pareceram-lhe gran<strong>de</strong>s blocos <strong>de</strong> pedra, que vinham atacar o seu<br />

nome. Que horror! E à ponta <strong>de</strong> canivete (parece mentira, mas é ver<strong>da</strong><strong>de</strong>)<br />

à ponta <strong>de</strong> canivete, em dois mil volumes, Eucli<strong>de</strong>s raspou oitenta<br />

erros. Foram cento e sessenta mil emen<strong>da</strong>s!<br />

Levou dias e dias nessa trabalheira gigantesca.<br />

Os operários <strong>da</strong> tipografia estavam assombrados com aquilo. Ele<br />

passava os dias, as noites, curvado sobre os volumes, a raspar com a<br />

pontinha do canivete.<br />

Só acabou na véspera <strong>da</strong> chega<strong>da</strong> do Barão do Rio Branco, em <strong>de</strong>zembro<br />

<strong>de</strong> 1902. O livro ia ser posto à ven<strong>da</strong> no dia seguinte.<br />

Um estranho pavor se apo<strong>de</strong>rou <strong>de</strong> Eucli<strong>de</strong>s. Tinha certeza <strong>de</strong><br />

que a obra ia ser um <strong>de</strong>sastre. E pediu ao editor que retar<strong>da</strong>sse a ven<strong>da</strong><br />

para <strong>da</strong>í a três ou quatro dias. E tocou-se para Lorena.<br />

O seu pavor tinha crescido estupen<strong>da</strong>mente, tanto que, chegando<br />

a Lorena à meia-noite, às três <strong>da</strong> manhã estava <strong>de</strong> viagem. Para on<strong>de</strong>?<br />

Sabia lá? O que ele queria era fugir, escon<strong>de</strong>r-se no fim do mundo,<br />

não ver mais ninguém, rasgar o livro, não ter notícias do <strong>de</strong>sastre. E<br />

andou oito dias a cavalo pelo interior <strong>de</strong> São Paulo sem <strong>de</strong>stino. O<br />

que lhe passava pelo espírito era curioso: via-se inteiramente achatado,<br />

a sua reputação <strong>de</strong> engenheiro por terra, o seu nome espatifado<br />

nas crônicas dos jornais.<br />

224<br />

Viriato Correia

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