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O estouro da boiada - Academia Brasileira de Letras

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Uma entrevista com Eucli<strong>de</strong>s <strong>da</strong> Cunha<br />

– Para que me fui meter eu nisso, senhores!<br />

Ao chegar aos pousos do sertão, on<strong>de</strong> os sertanejos vinham recebê-lo<br />

ao terreiro, para hospedá-lo, as reflexões que lhe acudiam eram<br />

interessantes.<br />

– Ora veja, dizia, estes homens me tinham em tão boa conta!<br />

Ao fim <strong>de</strong> oito dias sentiu sau<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong> família. Do livro, não tinha<br />

a mais vaga notícia. Mas via-se servindo <strong>de</strong> troça nas ro<strong>da</strong>s literárias<br />

<strong>da</strong> Rua do Ouvidor, o editor <strong>de</strong>sesperado com a buxa, a mandá-lo<br />

para o inferno.<br />

Chegou a Taubaté, <strong>de</strong> volta, empoeirado, à tar<strong>de</strong>. Depois <strong>da</strong> chega<strong>da</strong><br />

do trem do Rio, seguia um expresso para Lorena. Enquanto esperava<br />

o expresso foi comer alguma cousa, no restaurante <strong>da</strong> estação.<br />

Chega o trem do Rio. Uma multidão <strong>de</strong> passageiros salta e corre<br />

para o restaurante. Entre eles um homem alto, barbado, <strong>de</strong> guar<strong>da</strong>-pó<br />

e um livro <strong>de</strong>baixo do braço. Eucli<strong>de</strong>s tem um sacolejão. Se<br />

não se enganava tinha visto Os sertões sob o braço do homem. Parece<br />

que foi alguma mola que o fez levantar-se. Chegou-se ao tipo, sacudido<br />

<strong>de</strong> emoção.<br />

– O senhor po<strong>de</strong> <strong>de</strong>ixar-me ver esse livro? – O homem fitou-o,<br />

mediu-o e sério, <strong>de</strong>sconfiado, <strong>de</strong> má vonta<strong>de</strong>, esten<strong>de</strong>u-lhe mu<strong>da</strong>mente<br />

o livro, sem largá-lo.<br />

Era mesmo o Os sertões.<br />

– Obrigado.<br />

O seu <strong>de</strong>sejo foi atirar-se ao sujeito e abraçá-lo. Mas voltou para a<br />

sua mesa. E pôs-se a pensar e repensar. O livro estaria fazendo sucesso?<br />

Teria sido bem sucedido? Os jornais o que estariam dizendo? E a<br />

figura do passageiro <strong>de</strong> guar<strong>da</strong>-pó surgia-lhe à imaginação. Aquele<br />

sujeito não tinha cara <strong>de</strong> gostar <strong>de</strong> ler. Se estava lendo seu livro é porque<br />

estava gostando. E estaria mesmo? Quem sabia se aquilo não era<br />

apenas ostentação, vai<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> mostrar-se aos outros passageiros do<br />

trem como leitor <strong>de</strong> um livro grosso! Podia ser! Mas como foi que<br />

ele comprou o livro? O volume custava <strong>de</strong>z mil réis.<br />

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