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o poeta árabe como calígrafo do mundo. - voltar

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REVISTA LUMEN ET VIRTUS<br />

ISSN 2177-2789<br />

VOL. I Nº 2 MAIO/2010<br />

quase permanente que rege a obra de Tahar Ben Jelloun, <strong>poeta</strong> de nosso estu<strong>do</strong>, deriva de seu<br />

mo<strong>do</strong> de perceber o mun<strong>do</strong>, mun<strong>do</strong> este onde estão grafadas as diversas formas caligráficas.<br />

A formulação fenomenológica sobre o desejo, enquanto revela<strong>do</strong>ra da imersão <strong>do</strong> homem<br />

no mun<strong>do</strong> e suas ânsias originais, traz uma compreensão importante <strong>do</strong>s processos e<br />

principalmente da motivação da composição elegíaca que é, entre outras, a da poesia sobre os<br />

mártires da guerra. Portanto, ela revelará de qual maneira o contexto literário é cria<strong>do</strong> a partir da<br />

imersão no mun<strong>do</strong> deste ser nasci<strong>do</strong> com a dupla sina de a ele pertencer e dele se apartar, em um<br />

moto perpétuo vital. A literatura é, portanto, uma das telas onde se projeta a imersão humana e<br />

sua apreensão <strong>do</strong> mun<strong>do</strong>.<br />

E se a literatura guarda esta posse, este mo<strong>do</strong> de recepção <strong>do</strong> mun<strong>do</strong>, é, entre outros,<br />

porque a literatura contém o desejo da linguagem. De forma que a religião e a arte caligráfica<br />

<strong>árabe</strong>s mostram ser também um meio através <strong>do</strong> qual a imersão <strong>do</strong> <strong>poeta</strong> se realiza e o faz<br />

apropriar-se internamente de sua realidade, de sua essência, reestruturan<strong>do</strong> na obra os mun<strong>do</strong>s <strong>do</strong>s<br />

quais deriva e está incluí<strong>do</strong> e toma<strong>do</strong>, inclusive no senti<strong>do</strong> religioso.<br />

A história das religiões é exemplar quan<strong>do</strong> lembra a ambivalência de certas divindades<br />

antigas que possuíam tanto a forma graciosa e amável quanto a aparência terrível. É o caso <strong>do</strong>s<br />

deuses indianos Vrtra e Varuna, <strong>do</strong>s quais os textos védicos trazem preces freqüentes <strong>do</strong> gênero<br />

“Quan<strong>do</strong> me livrarei de Varuna?”, por exemplo, e mais adiante preces <strong>do</strong> tipo “Quan<strong>do</strong> estarei<br />

com Varuna?”, são exemplos de que esta mesma ambivalência divina é herdada pelo humano que<br />

busca e rejeita a totalidade. (ELIADE, 1962, p.130)<br />

No islamismo, religião de Tahar Ben Jelloun, na qual o Verbo significa Deus, a união com<br />

o Ser chega a ser representada, entre muitos outros motivos, por sinais alfabéticos <strong>como</strong> a<br />

conjunção copulativa “e” , ou em <strong>árabe</strong>: “ َو “, grafada de forma monumental na mesquita de<br />

Bursa, na Turquia, simbolizan<strong>do</strong> a União. A letra Alif, a primeira <strong>do</strong> alfabeto <strong>árabe</strong> e que significa<br />

a letra A <strong>do</strong> alfabeto latino, simboliza o próprio Cria<strong>do</strong>r.<br />

O Alif é, aliás, um símbolo grandemente evoca<strong>do</strong> em muitos trata<strong>do</strong>s sufi (CORBIN,<br />

1983), com conotações múltiplas de grande complexidade. Ou seja, os símbolos, entre eles as<br />

formas caligráficas, revelam algo de mais profun<strong>do</strong> e mais fundamental, não sen<strong>do</strong> meros<br />

“decalques” da realidade, mas significan<strong>do</strong> ascensão, União ao Ser e pela via mística.<br />

Os princípios fenomenológicos nos amparam mostran<strong>do</strong> que tanto o contexto religioso<br />

de onde provém Ben Jelloun (o livro corânico caligrafa<strong>do</strong> e permea<strong>do</strong> de iluminuras), o contexto<br />

social (a urbe islâmica e seu traça<strong>do</strong>), o contexto artístico (a arte caligráfica <strong>árabe</strong> antiga e<br />

moderna), o contexto histórico (as guerras e ocupações belicosas) e finalmente literário, são os<br />

Cláudia Falluh Balduino Ferreira

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