NÃO ESQUECER - Editora Saraiva
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N OÇÕES INTRODUTÓRIAS<br />
É a ciência e arte da interpretação da linguagem jurídica, que tem por<br />
objetivo sistematizar princípios e regras. Interpretação é o processo de<br />
defi nição do sentido e alcance das normas jurídicas, tendo em vista a integração<br />
do sistema com a harmoniosa aplicação da fonte a um determinado<br />
caso concreto.<br />
Integrar = preencher lacunas<br />
Sistema dinâmico<br />
Aberto<br />
A hermenêutica visa:<br />
1) interpretar normas garantindo sua aplicabilidade;<br />
2) constatar a existência de lacunas e apresentar critérios para seu preenchimento;<br />
3) solucionar antinomias jurídicas.<br />
Não é possível confundir hermenêutica com exegese, pois, muito embora<br />
em sentido amplo as palavras se confundam, em sentido estrito a<br />
hermenêutica tem sentido fi losófi co e a exegese, sentido empírico (prático).<br />
Enquanto a hermenêutica formula preceitos, a exegese busca a solução<br />
dos casos concretos. Ainda assim, não é admissível a confusão entre a<br />
exegese e a escola da exegese; a segunda foi adotada na França do século<br />
XVIII, de cunho racionalista, buscando uma interpretação meramente gramatical<br />
ou contextual na análise do caso concreto. Não é o caso do exegeta<br />
atual (juízes, promotores e advogados), que visa à aplicação da norma,<br />
fazendo sua exegese, mas dentro de um contexto histórico e teleológico.<br />
P ROPOSIÇÃO F UNDAMENTAL<br />
Toda norma precisa de interpretação, por mais clara que seja. A parêmia<br />
in claris cessat interpretatio não tem aplicabilidade, pois tanto as normas<br />
claras quanto as obscuras precisam de interpretação. O juiz nunca pode<br />
eximir-se de sentenciar alegando que não conhece a lei. Interpreta desde<br />
a norma mais clara até a mais obscura. Evidentemente, a obscuridade traz<br />
problemas:<br />
1) A lei apresenta imprecisões.<br />
2) As palavras estão fora de seu signifi cado.<br />
3) O pensamento legal está incompleto.<br />
4) O pensamento legal está confuso.<br />
F UNÇÕES DA I NTERPRETAÇÃO<br />
<strong>NÃO</strong> <strong>ESQUECER</strong><br />
Interpretar é descobrir o sentido e alcance da norma,<br />
procurando a significação dos conceitos jurídicos.<br />
O próprio art. 5º da LICC estabelece: "Na aplicação da<br />
lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige<br />
e às exigências do bem comum". Interpretar é dar o<br />
verdadeiro significado da norma.<br />
1ª) Conferir a aplicabilidade da norma jurídica às relações sociais.<br />
2ª) Estender o sentido da norma às relações novas.<br />
3ª) Dar o alcance do preceito normativo para que corresponda às necessidades<br />
sociais.<br />
4ª) Garantir intersubjetividade. O intérprete e o legislador dão sentido a<br />
um signifi cado objetivamente válido.<br />
A tarefa do intérprete é determinar o sentido exato e a extensão da forma<br />
normativa. É preciso conhecer os conceitos jurídicos. Ex.: o que é documento<br />
e qual o seu signifi cado jurídico. Depois o intérprete precisa valorar.<br />
Deve considerar o coefi ciente axiológico e social da norma e verifi car o seu<br />
momento histórico.<br />
A interpretação não conduz a uma única solução correta, mas a várias<br />
soluções de igual valor. Normalmente uma delas se torna direito positivo<br />
no ato de escolha do órgão aplicador. É uma interpretação não autêntica.<br />
O órgão aplicador recebe informação normativa mediante normas<br />
gerais que lhe são dirigidas e escolhe uma possibilidade interpretativa. É<br />
tudo uma questão axiológica. É a expressão de uma solução fática e valorativa,<br />
uma operação que acompanha o processo de aplicação do direito<br />
pelo órgão competente. Só a interpretação pela autoridade constituída é<br />
autêntica, porque cria o direito para o caso concreto.<br />
I NTERPRETAÇÃO A UTÊNTICA<br />
Não é apenas desvendar o sentido contido atrás da expressão legal.<br />
Trata-se da arte jurídica de eleger um dentre os signifi cados possíveis albergados<br />
pela lei. É a decisão do caso concreto. "Todo magistrado é um intérprete<br />
necessário e permanente da lei". Tem autoridade da coisa julgada.<br />
Só tem efeito para o caso concreto, não obrigando outro magistrado, nem o<br />
mesmo para um caso semelhante. A liberdade do Judiciário é completa, só<br />
estando limitada pela obrigatória fundamentação (art. 93, IX, da CF).<br />
T EORIA DA D ECISÃO<br />
É aquela que estabelece ser o pensamento jurídico um sistema composto<br />
de comportamentos humanos regulados normativamente, adotando-se<br />
um modelo teórico empírico. A ciência jurídica busca, portanto, obter<br />
uma decisão, ou seja, tomar incompatibilidades em teses indecidíveis e<br />
convertê-las em decidíveis. Nesse sentido, não há eliminação do confl ito,<br />
havendo apenas a conversão deste, no momento em que se apresenta<br />
uma decisão imutável. O pensamento é tecnológico, na medida em que a<br />
solução do confl ito busca a persuasão do destinatário, por meio da adoção<br />
da técnica, ou seja, do conhecimento e do domínio de meios para atingir<br />
determinado fi m. A técnica garante viabilidade para a decisão. O fi m social<br />
apresentado pelo art. 5º da LICC é aquele que permite a integração do homem<br />
e da sociedade em um universo coerente, buscando dar segurança<br />
e certeza às expectativas sociais, diminuindo as falhas do sistema jurídico.<br />
A decisão judicial, ou seja, o juízo deliberativo do juiz, é uma operação<br />
dedutiva (do todo para a parte), por meio de uma construção silogística<br />
na qual temos:<br />
Norma agendi – premissa maior;<br />
Facultas agendi (lide) – premissa menor;<br />
Juízo de concreção ou subsunção – conclusão.<br />
A construção silogística que conduz ao juízo de concreção ou subsunção<br />
passa por alguns percalços:<br />
1º) as descrições típicas da norma adotam uma linguagem popular que<br />
muitas vezes é imprecisa, contraditória, ambígua, vaga, que conduz a nenhuma<br />
ou a uma multiplicidade de possíveis incidências;<br />
2º) a premissa menor, ou seja, o fato litigioso, também tem o problema<br />
de sua verdade só poder ser atingida por meio da prova. Nem sempre<br />
é fácil a colheita da prova, ou seja, a aferição da verdade. Muitas vezes o<br />
aplicador se vale da presunção, ou seja, de um critério de probabilidade<br />
ou ilação, podendo ser absoluta (juris et de jure) ou relativa (juris tantum).<br />
Quanto<br />
ao agente<br />
a) Pública<br />
E SPÉCIES DE I NTERPRETAÇÃO<br />
b) Privada: jusperito<br />
autêntica<br />
judicial<br />
administrativa<br />
casuística<br />
I NTERPRETAÇÃO PÚBLICA AUTÊNTICA<br />
Consiste em uma interpretação legislativa ou legal, aquela em que a<br />
própria lei revela o signifi cado de outra norma jurídica. Provém, portanto,<br />
do próprio legislador, tendo como pressuposto o fato de a norma interpretadora<br />
possuir a mesma legitimação e o mesmo poder de incidência da<br />
32
norma interpretada. Ganha signifi cado na medida em<br />
que a interpretação é proveniente de fonte primária do<br />
direito e também porque o próprio elaborador da norma<br />
está apresentando seu signifi cado. A virtude dessa espécie<br />
de interpretação é que satisfaz a exigência formal<br />
da certeza do direito e garante uniformidade no tratamento<br />
jurídico das espécies de fato idênticas, removendo,<br />
ainda, as discrepâncias de múltiplos signifi cados. Por<br />
ter força obrigatória, garante maior exatidão e força de<br />
incidência. O que pode ocorrer é que, até a entrada em<br />
vigor da lei interpretativa, a lei interpretada pode gerar<br />
inúmeros efeitos contrários à orientação ainda não vigente,<br />
porém devem ser respeitados o direito adquirido,<br />
o ato jurídico perfeito e a coisa julgada.<br />
I NTERPRETAÇÃO PÚBLICA JUDICIAL<br />
É a realizada pelos órgãos do Poder Judiciário, ou<br />
seja, por juízes e tribunais. Como resultado, apresenta<br />
orientações jurisprudenciais, ou seja, direciona a interpretação<br />
da lei, no que é chamada vulgarmente de<br />
jurisprudência. Conforme já estudado, a jurisprudência<br />
tem natureza jurídica de método de interpretação da lei<br />
na quase totalidade de sua aplicação. É rara a hipótese<br />
que pode ser considerada uma fonte de direito, somente<br />
tendo tal concepção se preenchidos os requisitos próprios.<br />
Qualquer julgado, ainda que sem se tornar um<br />
costume judiciário (aplicação reiterada pelos tribunais e<br />
juízes), pode ser considerado uma forma de interpretação<br />
judicial, pois a autoridade judicial interpretou a fonte<br />
do direito de determinada maneira. É possível extrair<br />
alguns efeitos da interpretação em questão:<br />
1º) por ser inadmissível o non liquet, a obscuridade, a<br />
indecisão da lei ou o seu silêncio não eximem o julgador<br />
de decidir;<br />
2º) a lei não pode excluir da apreciação do Poder Judiciário<br />
qualquer lesão ou ameaça a direito (art. 5º, XXXV,<br />
da CF);<br />
3º) a interpretação judicial só vincula as partes na lide<br />
decidida (afora as ações civis públicas e coletivas), a não<br />
ser que gere uma súmula vinculante;<br />
4º) a interpretação jurisprudencial pode afastar-se<br />
da interpretação científi ca ou doutrinária.<br />
I NTERPRETAÇÃO PÚBLICA ADMINISTRATIVA<br />
É a realizada pelos membros do Poder Executivo, ou<br />
seja, pelos membros da administração pública. Pode<br />
subdividir-se ainda em duas categorias:<br />
1) regulamentar – aquela na qual o administrador<br />
interpreta por meio de decretos, portarias, determinada<br />
fonte do direito;<br />
2) casuística – é aquela na qual o administrador apenas<br />
resolve uma pendência administrativa, ou seja, um<br />
caso concreto.<br />
I NTERPRETAÇÃO PÚBLICA CASUÍSTICA<br />
É a interpretação que vem do direito consuetudinário.<br />
Existe o costume interpretativo, ou seja, a prática reiterada<br />
e constante estabelecida em uma orientação interpretativa<br />
para determinada norma. Outra acepção da<br />
interpretação casuística está no sentido de interpretar<br />
o caso concreto para uma situação específi ca. Em nosso<br />
sistema de direito escrito, como o romano e o germânico,<br />
os costumes não têm a mesma força que no direito<br />
anglo-saxão, o que justifi ca não se dar tanta importância<br />
a essa forma de interpretação.<br />
I NTERPRETAÇÃO PRIVADA (JURISPERITO)<br />
Também denominada interpretação doutrinária ou<br />
doutrinal, está ligada ao direito científi co, como forma<br />
de expressão do direito. Vem materializada por meio<br />
de tratados, comentários, pareceres, preleções de todos<br />
os cultores do direito. A força da doutrina não está<br />
apenas na autoridade de quem a pratica, mas no caráter<br />
científi co e especulativo e da lógica envolvida. A<br />
interpretação científi ca é a mais pura, na medida em<br />
que o direito é uma ciência, de forma que seja valiosa<br />
a (a opinião comum dos doutores). Não tem a força<br />
obrigatória da interpretação autêntica; sua força está<br />
na persuasão.<br />
Quanto<br />
à natureza<br />
Gramatical – signifi cado literal<br />
da linguagem<br />
Lógica – sentido das orações<br />
e locuções<br />
Histórica<br />
Próxima – feitura da lei<br />
Remota – reminiscência<br />
do instituto<br />
Sistemática – intencionalidade da<br />
lei (teleológica)<br />
Para orientar a tarefa do intérprete há várias técnicas<br />
ou processos interpretativos. São meios lógicos para<br />
desvendar a aplicação da norma.<br />
T ÉCNICA GRAMATICAL<br />
(LITERAL, SEMÂNTICA OU FILOLÓGICA)<br />
O hermeneuta busca o sentido literal do texto normativo.<br />
Precisa estabelecer uma defi nição, já que as palavras<br />
não têm sentido unívoco. O intérprete busca uma consistência<br />
onomasiológica (teoria da designação nominal).<br />
Primeiro, portanto, se verifi ca o sentido dos vocábulos<br />
e sua correspondência com a realidade que designam.<br />
Deve-se buscar o aspecto semasiológico (signifi cação<br />
normativa da palavra). Temos as seguintes regras:<br />
1ª) As palavras não podem nunca ser examinadas isoladamente,<br />
sob pena de descontextualização e manipulação.<br />
Devem ser vistas como partes integrantes do mesmo<br />
texto. Dessa forma, o texto é autointerpretativo.<br />
2ª) Caso determinada palavra tenha um signifi cado<br />
comum distinto de seu signifi cado técnico, deve-se dar<br />
prevalência à ideia técnica, na medida em que o direito<br />
tem a sua própria linguagem.<br />
3ª) Caso haja contradição entre o sentido puramente<br />
gramatical e o lógico, deve prevalecer o lógico ou contextual.<br />
4ª) Caso o legislador empregue linguagem comum e<br />
não técnica, deve-se dar o sentido comum do texto, principalmente<br />
para adaptá-lo à realidade social.<br />
5ª) O uso impróprio ou impreciso das palavras comuns<br />
ou técnicas deve levar o intérprete a reconstruir<br />
o preceito segundo a natureza da relação jurídica<br />
contemplada.<br />
6ª) A interpretação gramatical é apenas o primeiro<br />
momento no processo de interpretação e integração.<br />
DICA SALVADORA<br />
Muito se questiona a veracidade<br />
da parêmia in claris cessat<br />
interpretatio, ou seja,<br />
que a norma clara prescinde de<br />
interpretação, bastando para tanto<br />
mera análise literal-gramatical.<br />
Por mais clara que seja a norma,<br />
jamais prescindirá de interpretação.<br />
Primeiro porque clareza é uma<br />
noção relativa, segundo porque o<br />
T ÉCNICA LÓGICA<br />
32<br />
tempo muda a visão dos institutos e,<br />
portanto, sua interpretação.<br />
Dessa forma, não há norma tão clara<br />
que não necessite de interpretação,<br />
na medida em que a clareza é um valor<br />
e passou, pelo menos, por uma<br />
interpretação gramatical para<br />
chegar a uma conclusão.<br />
O que se pretende é buscar o sentido e o alcance da<br />
norma, dentro do seu contexto. É possível adotar os seguintes<br />
procedimentos:<br />
1º) atitude formal – usar os três princípios (hierárquico,<br />
cronológico e da especialidade) para resolver a antinomia<br />
de normas;<br />
2º) atitude prática – evitar incompatibilidade utilizando<br />
a equidade;<br />
3º) atitude diplomática – o intérprete precisa inventar<br />
uma solução, ainda que provisória, para os confl itos.<br />
O processo lógico pode-se dividir em três fases:<br />
Processo<br />
1. Lógico-analítico<br />
2. Lógico-sistemático<br />
3. Lógico-jurídico<br />
• Processo lógico-analítico<br />
É aquele que apreende conceitos, criando uma relação<br />
de identidade ou não, de conveniência ou não, e<br />
produz um juízo, ou seja, uma afi rmação ou negação,<br />
por meio de uma proposição. A partir daí se inicia um<br />
raciocínio, ou seja, a combinação de dois ou mais juízos,<br />
dando origem ao silogismo. O processo em questão visa,<br />
em última análise, buscar a verdade das proposições, ou<br />
seja, seu real sentido, dentro do contexto, e atribuindo<br />
real signifi cado à conjugação das proposições.<br />
• Processo lógico-sistemático<br />
Trata-se de um processo comparativo, introduzindo<br />
no texto elementos estranhos, confrontando um texto<br />
com outro da mesma lei, ou entre leis do mesmo ramo<br />
do ordenamento, a fi m de estabelecer uma relação. O<br />
pensamento contido em uma sentença é mais bem<br />
avaliado quando confrontado com outras disposições,<br />
desde que todas tenham afi nidades de princípios.<br />
• Processo lógico-jurídico<br />
É aquele que investiga a ratio legis, ou seja, a razão da<br />
norma, e a ocasio legis, isto é, o momento histórico que<br />
determinou a criação do preceito, somadas essas duas<br />
noções à vis, ideia de virtude normativa do preceito, efetividade<br />
da norma. O tripé ratio legis, ocasio legis e vis<br />
deve conduzir o intérprete a encontrar o signifi cado da<br />
norma.<br />
T ÉCNICA HISTÓRICA<br />
Consiste em esclarecer e interpretar a norma mediante<br />
a reconstituição do seu conteúdo signifi cativo<br />
original e no momento em que foi elaborada. A interpretação<br />
histórica, baseada na aferição dos antecedentes<br />
da norma, é uma continuação da interpretação gramatical<br />
e lógica e visa dar um conhecimento mais consistente<br />
da ciência jurídica, que é parte das ciências sociais.<br />
As leis, os costumes e os princípios gerais de direito são<br />
fontes formais que se condensaram ao longo do tempo,<br />
por meio de conceitos amadurecidos nas vicissitudes da<br />
vida social das diversas comunidades históricas.