O Guarani - CE NESTOR VICTOR DOS SANTOS
O Guarani - CE NESTOR VICTOR DOS SANTOS
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Assim, tranqüilizado por esta idéia, ganhou a cabana, e dormiu sonhando que a lua<br />
lhe mandava um raio de sua luz branca e acetinada para dizer-lhe que protegesse sua filha<br />
na terra.<br />
E com efeito, a lua se elevava sobre a cúpula das árvores, e iluminava a fachada do<br />
edifício.<br />
Então quem se aproximasse de uma das janelas que ficavam na extrema do jardim,<br />
veria na penumbra do portal um vulto imóvel.<br />
Era Isabel que velava pensativa, enxugando de vez em quando uma lágrima que<br />
desfiava-lhe pela face.<br />
Pensava no seu amor infeliz, na solidão de sua alma, tão erma de recordações doces,<br />
de esperanças queridas. Toda essa tarde fora um martírio para ela; vira Álvaro falar a<br />
Cecília, adivinhara quase as suas palavras. Há poucos momentos tinha percebido a<br />
sombra do moço que atravessara a esplanada, e sabia que não era por sua causa que ele<br />
passava.<br />
De vez em quando seus lábios tremiam e deixavam escaparem-se algumas palavras<br />
imperceptíveis:<br />
— Se eu quisesse!<br />
Tirava do seio uma redoma de ouro, sob cuja tampa de cristal se via um anel de<br />
cabelos que se enroscava no estreito aro de metal.<br />
O que havia dentro desta redoma, de tão poderoso, de tão forte, que justificasse<br />
aquela exclamação, e o olhar brilhante que iluminava a pupila negra de Isabel?<br />
Seria um segredo, um desses segredos terríveis que mudam de repente a face das<br />
coisas, e fazem surgir o passado para esmagar o presente?<br />
Seria algum tesouro inestimável e fabuloso, a cuja sedução a natureza humana não<br />
devia resistir?<br />
Seria uma arma poderosa e invencível, contra a qual não houvesse defesa possível<br />
senão em um milagre da Providência? Era o pó sutil do curare, o veneno terrível dos<br />
selvagens. Isabel colou os lábios no cristal com uma espécie de delírio. — Minha mãe!...<br />
minha mãe!.. Um soluço rompeu-lhe o seio.<br />
X AO ALVORE<strong>CE</strong>R<br />
No dia seguinte, ao raiar da manhã, Cecília abriu a portinha do jardim e<br />
aproximou-se da cerca.<br />
— Peri! disse ela.<br />
O índio apareceu à entrada da cabana; correu alegre, mas tímido e submisso.<br />
Cecília sentou-se num banco de relva; e a muito custo conseguiu tomar um arzinho<br />
de severidade, que de vez em quando quase traia-se por um sorriso teimoso que lhe<br />
queria fugir dos lábios.<br />
Fitou um momento no índio os seus grandes olhos azuis com uma expressão de doce<br />
repreensão; depois disse-lhe em um tom mais de queixa do que de rigor:<br />
— Estou muito zangada com Peri!<br />
O semblante do selvagem anuviou-se.<br />
— Tu, senhora, zangada com Peri! Por quê?