O Guarani - CE NESTOR VICTOR DOS SANTOS
O Guarani - CE NESTOR VICTOR DOS SANTOS
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— Pois aqui tens! Tu não as deixarás nunca porque são uma lembrança de Cecília,<br />
não é verdade?<br />
— Oh! o sol deixará primeiro a Peri, do que Peri a elas.<br />
— Quando correres algum perigo, lembra-te que Cecília as deu para defenderem e<br />
salvarem a tua vida.<br />
— Por que é tua, não é, senhora?<br />
— Sim, porque é minha, e quero que a conserves para mim.<br />
O rosto de Peri irradiava com o sentimento de um gozo imenso, de uma felicidade<br />
infinita; meteu as pistolas na cinta de penas e ergueu a cabeça orgulhoso, como um rei<br />
que acabasse de receber a unção de Deus.<br />
Para ele essa menina, esse anjo louro, de olhos azuis, representava a divindade na<br />
terra; admirá-la, fazê-la sorrir, vê-la feliz, era o seu culto; culto santo e respeitoso em que<br />
o seu coração vertia os tesouros de sentimentos e poesia que transbordavam dessa<br />
natureza virgem.<br />
Isabel entrou no jardim; a pobre menina tinha velado toda a noite, e o seu rosto<br />
parecia conservar ainda os traços de algumas dessas lágrimas ardentes que escaldam o<br />
seio e requeimam as faces.<br />
A moça e o índio nem se olharam; odiavam-se mutuamente; era uma antipatia que<br />
começara desde o momento em que se viram, e que cada dia aumentava.<br />
— Agora, Peri, Isabel e eu vamos ao banho.<br />
— Peri te acompanha, senhora?<br />
— Sim, mas com a condição de que Peri há de estar muito quieto e sossegado.<br />
A razão por que Cecília impunha esta condição, só podia bem compreender quem<br />
tivesse assistido a uma das cenas que se passavam quando as duas moças iam banhar-se,<br />
o que sucedia quase sempre ao domingo.<br />
Peri, com o seu arco, companheiro inseparável e arma terrível na sua mão destra,<br />
sentava-se longe, à beira do rio, numa das pontas mais altas do rochedo ou no galho de<br />
alguma árvore, e não deixava ninguém aproximar-se num raio de vinte passos do lagar<br />
onde as moças se banhavam.<br />
Quando algum aventureiro por acaso transpunha esse círculo que o índio traçava<br />
com o olhar em redor de si, Peri na posição sobranceira em que se colocara o percebia<br />
imediatamente.<br />
Então se o descuidado caçador sentia o seu chapéu ornar-se de repente com uma<br />
pena vermelha que voava pelos ares sibilando; se via uma seta arrebatar-lhe o fruto que<br />
ele estendia a mão para colher; se parava assustado diante de uma longa flecha<br />
emplumada que despedida por elevação vinha cair-lhe a dois passos da frente como para<br />
embargar-lhe o caminho e servir de baliza: não se admirava.<br />
Compreendia imediatamente o que isto queria dizer; e pelo respeito que todos<br />
votavam a D. Antônio de Mariz e à sua família, arrepiava caminho; e voltava lançando<br />
uma jura contra Peri que lhe crivara o chapéu e o obrigara a encolher a mão de susto.<br />
E fazia bem em voltar, porque o índio com o seu zelo ardente não duvidaria<br />
vazar-lhe os olhos para evitar que chegando-se à beira do rio, visse a moça a banhar-se<br />
nas águas.<br />
Entretanto Cecília e sua prima tinham o costume de banhar-se vestidas com um trajo<br />
feito de ligeira estamenha que ocultava inteiramente sob a cor escura as formas do corpo,<br />
deixando-lhes os movimentos livres para nadarem.