15.04.2013 Views

Abril - Câmara Municipal de Setúbal

Abril - Câmara Municipal de Setúbal

Abril - Câmara Municipal de Setúbal

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

6capa<br />

Na rota do fascismo<br />

Naquela quarta-feira <strong>de</strong> <strong>Abril</strong> <strong>de</strong> 1974, <strong>Setúbal</strong>,<br />

como o resto do país, acordara, uma vez mais,<br />

pardacenta, apesar <strong>de</strong> ser Primavera, que o “Estado<br />

Novo”, mesmo a cair <strong>de</strong> velho, ainda atemorizava,<br />

censurava, prendia, torturava.<br />

Naquela manhã do dia 24, o capitão Almeida,<br />

censor da imprensa local, dava repouso à vista<br />

cansada pelo trabalho do dia anterior: <strong>de</strong>scobrir,<br />

em linhas e entrelinhas, nas provas que lhe chegavam<br />

dos jornais antes <strong>de</strong> serem publicados,<br />

palavras que beliscassem o bom-nome do “Portugal,<br />

uno e indivisível, do Minho a Timor”. Em<br />

suma, numa sala da Legião Portuguesa, no mesmo<br />

edifício da PSP, na esquina das avenidas Luísa<br />

Todi e 22 <strong>de</strong> Dezembro, ele <strong>de</strong>cidia o que em<br />

<strong>Setúbal</strong> se podia ou não ler.<br />

Em tempo folgado – no dia seguinte não se publicavam<br />

jornais na cida<strong>de</strong> –, porventura, afiava o<br />

lápis, azul e grosso, amputador <strong>de</strong> textos, para<br />

lhe dar uso na quinta-feira, 25 <strong>de</strong> <strong>Abril</strong>. Enquanto<br />

isso, escribas, bajuladores do sistema, imaginavam<br />

loas ao regime que os sustentava em dinheiro<br />

e favores. Militantes da União Nacional – já,<br />

então, Acção Nacional Popular (ANP) – partido<br />

do regime, único autorizado pelo sistema, provavelmente,<br />

telefonavam-se para troca <strong>de</strong> opiniões<br />

sobre a reunião seguinte, quiçá para combinarem<br />

qualquer “manifestação espontânea” <strong>de</strong> apoio à<br />

ditadura.<br />

“Cumpriu-se o Mar,<br />

e o Império se <strong>de</strong>sfez.<br />

Senhor, falta cumprir<br />

Portugal!”<br />

Fernando Pessoa<br />

Nas instalações da polícia política, que mudara o<br />

nome <strong>de</strong> PIDE para DGS e passara-se <strong>de</strong> armas<br />

e bagagens das proximida<strong>de</strong>s do Mercado do<br />

Livramento para o Bairro Salgado, na certa atendiam-se<br />

<strong>de</strong>núncias <strong>de</strong> bufos, que enxameavam<br />

o País. Até porque o 1.º <strong>de</strong> Maio estava à porta.<br />

Perto, na Avenida Manuel Arriaga, na Mocida<strong>de</strong><br />

Portuguesa – no prédio que foi, <strong>de</strong>pois, o primeiro<br />

Centro <strong>de</strong> Trabalho do PCP em <strong>Setúbal</strong> –, a<br />

azáfama não seria gran<strong>de</strong>. Criada para preparar<br />

crianças e jovens (era obrigatória dos 7 aos 25<br />

anos) que servissem os i<strong>de</strong>ais fascistas, nunca<br />

colheu gran<strong>de</strong> entusiasmo da parte daqueles. O<br />

grosso das suas fileiras era formado por estudantes<br />

ameaçados <strong>de</strong> reprovarem se faltassem, mais<br />

<strong>de</strong> três vezes por ano, a marchas e outras activida<strong>de</strong>s<br />

paramilitares. Aos que não iam à escola,<br />

arranjaram-lhes, na Avenida Luísa Todi, um Centro<br />

Extra-Escolar. Em prédio substituído pelo das<br />

Águas do Sado. Era 24 <strong>de</strong> <strong>Abril</strong> <strong>de</strong> 1974.<br />

No dia seguinte Portugal acordava livre. Chegavam<br />

ao fim 48 anos <strong>de</strong> ditadura. Estas páginas –<br />

com sinalização <strong>de</strong> alguns locais que constituem<br />

marcos do fascismo em <strong>Setúbal</strong> – são pequeno<br />

contributo para adormecer esquecimentos e acordar<br />

memórias, 34 anos passados sobre o 25 <strong>de</strong><br />

<strong>Abril</strong> <strong>de</strong> 1974. Como lembrava, recentemente, no<br />

Diário <strong>de</strong> Notícias, o jornalista e escritor Baptista-<br />

-Bastos, o “processo <strong>de</strong> amnésia histórica possui<br />

bases i<strong>de</strong>ológicas”.

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!