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O Amor e Alteridade na Conjugalidade

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O <strong>Amor</strong> e <strong>Alteridade</strong> <strong>na</strong> <strong>Conjugalidade</strong><br />

Alcione Alves Hummel Monteiro 1 , Amanda Cristi<strong>na</strong> Serrão Pinheiro 2 , Sandra Hele<strong>na</strong><br />

Gomes 3 ,Vanusa Balieiro do Rego 4<br />

“Tolerar a existência do outro,<br />

E permitir que ele seja diferente,<br />

Ainda é muito pouco.<br />

Quando se tolera,<br />

Ape<strong>na</strong>s se concede<br />

E essa não é uma relação de igualdade,<br />

Mas de superioridade de um sobre o outro.<br />

Deveríamos criar uma relação entre as pessoas,<br />

Da qual estivessem excluídas<br />

A tolerância e a intolerância.”<br />

(José Saramago)<br />

Este estudo teórico <strong>na</strong>sceu das reflexões do Grupo de Estudos Psica<strong>na</strong>líticos<br />

Toda Quarta, que se debruça sobre a Teoria Freudia<strong>na</strong> e pós-freudia<strong>na</strong> para pensar a<br />

clínica a<strong>na</strong>lítica <strong>na</strong> atualidade. Nosso trabalho busca discutir o amor e a alteridade<br />

quando implicados com a conjugalidade.<br />

Para a psicanálise o encontro amoroso entre dois sujeitos se dá por questões<br />

inconscientes, que remetem às primeiras relações, reeditadas constantemente <strong>na</strong>s<br />

histórias de vida dos sujeitos. O passado e o presente cruzam-se e estão em contato,<br />

influenciando <strong>na</strong> maneira de fazer novos vínculos.<br />

Nos reportaremos as primeiras relações vivenciadas pela mãe e seu bebê. No<br />

começo não existia eu e o outro. Era um, único, uma relação simbiótica. Para Cabas<br />

(1982) “... a mãe seduz seu filho introduzindo-lhe símbolos, mimos, carícias, beijos,<br />

armadilhas, atrações, e outros afetos”. Esses registros marcarão o bebê e serão as<br />

referências para as futuras relações desse sujeito.<br />

Na trama pré-edipica, com a entrada do pai, um terceiro, o interceptor, que irá<br />

libertar o bebê do vínculo simbiótico, formando-se assim a triangulação Edípica. Com<br />

isso há quebra da ilusão de completude provocando uma ferida <strong>na</strong>rcísica no bebê.<br />

De acordo com Ceccarelli (2007), a figura pater<strong>na</strong> é o agente promotor de<br />

alteridade, por inserir a criança <strong>na</strong> ordem simbólica, no entanto, esta inserção provoca<br />

1


alguma dor. Bem como, mostrou Freud 1930 em o Mal-estar implicado <strong>na</strong> cultura,<br />

que de um lado lança o sujeito <strong>na</strong>s relações com os outros humanos, por outro lado,<br />

“nunca estamos tão mal protegidos contra o sofrimento como quando amamos”,<br />

(Nasio, 1997).<br />

Para Cabas (1982) “... a presença do pai interrompe a estrutura, pois exige<br />

uma atitude da mulher em relação a seu homem e uma atitude do infante quanto ao<br />

estrangeiro”. Pensando <strong>na</strong> atualidade, Nasio (2007) acrescenta que em relação ao<br />

Édipo, basta que a mãe direcione seu desejo a um outro, mesmo que não se trate de<br />

um pai enca<strong>na</strong>rdo para que a “majestade o bebê” deixe de rei<strong>na</strong>r. Segundo o mesmo<br />

autor: “Em suma, há Édipo a partir do momento que a mãe deseja um terceiro entre<br />

ela e o filho. Eis o pai!”<br />

Podemos pensar com Lasch (1983) que cada sociedade produz num<br />

determi<strong>na</strong>do tempo uma cultura própria, e cabe a esta resolver o que o autor<br />

denominou como “crise universal da infância”, esta muito tem haver com a sensação<br />

de abandono vivida pelo bebê em decorrência da separação da mãe.<br />

No texto de 1930, Freud destaca que as relações estabelecidas pelos humanos<br />

constituem uma expressiva ameaça, pois “o sofrimento oriundo dessa fonte é talvez<br />

mais duro para nós do que qualquer outro”. Green (2008) acrescenta que o Mal-estar<br />

apontado por Freud vem se agravando <strong>na</strong> medida em que a cultura modifica-se,<br />

embora tenhamos pouco conhecimento teórico das questões que se apresentam <strong>na</strong><br />

clínica em relação às novas formas de vinculação que carecem ainda de análise.<br />

Vemos que com a liberação dos costumes e outras supressões de recalque que no<br />

século XIX pesavam sobre a cultura, hoje observamos com Bauman (2004) uma<br />

liquidez dos laços sociais, dos costumes, dos valores, pois trata-se de uma pós-<br />

modernidade, <strong>na</strong> qual, a comunicação e vinculação estão fugazes, insipientes,<br />

confusas.<br />

Para a grande maioria dos habitantes do líquido mundo moderno,<br />

atitudes como cuidar da coesão, apegar-se às regras, agir de acordo<br />

com precedentes e manter-se fiel à lógica da continuidade, em vez<br />

de flutuar <strong>na</strong> onda das oportunidades mutáveis e de curta duração,<br />

não constituem opções promissoras. (Bauman, 2005, p.60)<br />

Nesta configuração de sociedade, os vínculos conjugais apresentam-se de<br />

forma efêmera, isto é, sentimentos e relacio<strong>na</strong>mentos são descartáveis. Essas<br />

fragilidades nos laços lançam os sujeitos num paradoxo, pois estes de um lado buscam<br />

incessantemente uma estabilidade e desejo de tor<strong>na</strong>r o laço intenso, e por outro lado,<br />

2


deixá-lo desprendido.<br />

Diante desse dilema com Feres-Carneiro (2010) questio<strong>na</strong>mos:<br />

... duas individualidades e uma conjugalidade, ou seja, de o casal<br />

conter dois sujeitos, dois desejos, duas inserções no mundo, duas<br />

percepções do mundo, duas histórias de vida, dois projetos de vida,<br />

duas identidades individuais que, <strong>na</strong> relação amorosa, convivem<br />

com uma conjugalidade, um desejo conjunto, uma história de vida<br />

conjugal, um projeto de vida de casal, uma identidade conjugal.<br />

Como ser dois sendo um? Como ser um sendo dois?<br />

No mundo líquido sem a necessidade de homogeneidade conjugal o individual<br />

é o imperativo, isto é, insuflam-se as questões individuais, porém, a identidade<br />

individual também seja uma construção transitória. (Bauman, 2005)<br />

Atentamos para a sugestão de Passos & Polak (2004) de ''não tomar a família<br />

como um grupo estático, mas como uma cadeia cuja metamorfose permanente exige,<br />

do sujeito, a expressão de suas faces distintas e, às vezes, paradoxais''.<br />

A clínica nos leva a observar diferentes arranjos conjugais <strong>na</strong> sociedade que<br />

tem fomentado discussões a cerca das subjetividades que emergirão a partir de então.<br />

Ceccarelli (2007) enumera algumas formas de ligações afetivas <strong>na</strong>s quais podem<br />

existir ou não a parentalidade que foge aos padrões tradicio<strong>na</strong>is: “famílias<br />

monoparentais, homoparentais, adotivas, recompostas, concubinárias, temporárias, de<br />

produções independentes, e tantas outras.”.<br />

Algo de uma ordem incognoscível pulsa no humano, deixando-o vulnerável<br />

dentro de seu próprio corpo. Freud (1917) pontuou “três severos golpes” sofridos pelo<br />

homem no seu “amor próprio”, no seu “<strong>na</strong>rcisismo universal”. O primeiro ocorreu<br />

com Copérnico, o “golpe cosmológico”, pelo qual a terra deixou de ser o centro do<br />

universo. O segundo, com Darwin, o “golpe biológico”, neste a humanidade deixou<br />

de ter uma ascendência divi<strong>na</strong> sobre os animais, sendo mero resultado do processo<br />

evolutivo <strong>na</strong>tural. E o terceiro, com a descoberta freudia<strong>na</strong> do Inconsciente, que<br />

desencadeou um “golpe psicológico”, apontando o desconhecimento humano sobre si<br />

mesmo, condição em que o homem não é sequer senhor de sua própria morada.<br />

Luiz Cláudio Figueiredo (1998) nos mostra que quanto mais próximo de nós,<br />

o outro, causa estranhamento e espanta, lidamos com isso da maneira de que nos é<br />

possível; negando esta proximidade, mantendo longe o estranho e/ou ignorando sua<br />

diferença. É fundamental para o sujeito interrogar-se sobre os laços que o constitui,<br />

para que seus relacio<strong>na</strong>mentos deixem de ser mera repetição.<br />

O investimento individual de nossa época está presente <strong>na</strong>s relações onde o<br />

3


sujeito investe excessivamente em si, dificultando a aceitação da diferença, do<br />

estranho. Para Kristeva (1994), “... o estrangeiro habita em nós ele é a face oculta da<br />

nossa identidade, o espaço que arruí<strong>na</strong> a nossa morada, o tempo que se afundam o<br />

entendimento e a simpatia.” O que se ama no outro é a si mesmo, o que se tem horror<br />

do outro é de si mesmo.<br />

A estranheza causa angústia que gera conflito. Pensando <strong>na</strong>s relações da<br />

conjugalidade contemporânea, os casais são confrontados pela alteridade. Existe a<br />

necessidade de haver um investimento libidi<strong>na</strong>l 1 <strong>na</strong> conjugalidade, que seria a<br />

realidade comum do casal, os desejos e projetos conjugais. É necessário ainda o<br />

investimento <strong>na</strong> singularidade, que seriam os ideais de individualidade de cada um,<br />

que estimulam a autonomia dos cônjuges.<br />

Todo encontro com o outro é semeado de obstáculo. O laço<br />

social se apresenta, desde o inicio, como um laço trágico. E ele nos<br />

obriga a compreender que os outros existem não como objeto<br />

possíveis de nossa satisfação, mas como sujeito de seus desejos e de<br />

seus atos. São também tão suscetíveis de nos rejeitar e odiar quanto<br />

de nós amar, de manifestar uma vontade contrária a nossa, de<br />

apresentar perigos permanentes não ape<strong>na</strong>s para o nosso <strong>na</strong>rcisismo,<br />

mas igualmente para a nossa simples sobrevivência. (Eugéne<br />

Enriquez, p.37).<br />

Por fim, nos incli<strong>na</strong>mos aos apontamentos de Freud (1930), com qual Nasio<br />

(1997), Green (2008) e outros psica<strong>na</strong>listas, compartilham a aposta de que Eros<br />

promove o encontro do um, dos dois, dos três, da família e da grande unidade da<br />

cultura, embora saibamos que Eros tenha constantes batalhas travadas contra Tâ<strong>na</strong>tos,<br />

mesmo assim, com o mestre de Vie<strong>na</strong> percebemos que “nessa luta consiste toda a<br />

vida”.<br />

1 Segundo Freud: “... a sabedoria popular nos aconselhe a não buscar a totalidade de nossa satisfação numa só<br />

aspiração”. Freud, S. (1996). O Mal-estar In S. Freud, Edição Standard brasileira das obras psicológicas completas<br />

de Sigmund Freud (vol. 21, pp. 91) – Rio de Janeiro: Imago. (trabalho origi<strong>na</strong>l publicado em 1930)<br />

4


Referências Bibliográficas:<br />

BAUMAN, Z. <strong>Amor</strong> líquido: sobre a fragilidade dos laços humanos. Rio de Janeiro:<br />

Jorge Zahar, 2004.<br />

BAUMAN, Z. Identidade: entrevista a Benedito Vecchi. Rio de Janeiro: Jorge Zahar,<br />

2005.<br />

CABAS, A. G. Curso e discurso da obra de Jacques Lacan. São Paulo: Moraes,<br />

1982.<br />

CECCARELLI, P. R. Novas configurações familiares: Mitos e Verdades. Jor<strong>na</strong>l de<br />

Psicanálise, São Paulo, 40(72): 89-102, jun. 2007.<br />

ENRIQUEZ. E. In Koltai, C (org.). O estrangeiro: O judeu como figura<br />

paradigmática do estrangeiro. Tradução de Elia<strong>na</strong> Borges Pereira Leite. São Paulo:<br />

Escuta: FAPESP, 1998.<br />

FERES-CARNEIRO, T. <strong>Conjugalidade</strong> Contemporâneas: Um estudo sobre os<br />

múltiplos arranjos conjugais da atualidade. Disponível em:<br />

.<br />

Acesso em: 15/07/2010.<br />

FIGUEIREDO, L. C. in KOLTAI, C (org.). O estrangeiro: A questão da alteridade<br />

nos processos de subjetivação e o tema do estrangeiro. São Paulo: Escuta: FAPESP,<br />

1998.<br />

FREUD, Sigmund. (1930) O Mal-estar <strong>na</strong> civilização. In Edição standard brasileira<br />

das obras psicológicas completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago, 1996.<br />

(vol. 21, pp. 94).<br />

________________(1917). Uma dificuldade no caminho da Psicanálise. In Edição<br />

standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud. Rio de<br />

Janeiro: Imago, 1996. (vol. 16).<br />

GREEN, A. Orientações para uma psicanálise contemporânea – Rio de Janeiro:<br />

Imago, 2008.<br />

KRISTEVA, J. - Estrangeiros para nós mesmos – Rio de Janeiro: Rocco, 1994.<br />

LASCH, C. A cultura do Narcisismo: a vida america<strong>na</strong> numa era de esperanças em<br />

declínio. – Rio de Janeiro: Imago, 1983.<br />

PASSOS, M. C.; POLAK, P. M. A identificação como dispositivo da constituição do<br />

sujeito <strong>na</strong> família. Revista de Saúde mental e subjetividade da UNIPAC, Barbace<strong>na</strong>,<br />

vol.II, n.003, Nov. 2004.<br />

NASIO, J.-D. O livro da dor e do amor – Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1997.<br />

NASIO, J.-D. Édipo: complexo do qual nenhuma criança escapa - Rio de Janeiro:<br />

Jorge Zahar, 2007.<br />

5


1 Psicóloga, alu<strong>na</strong> especial do Programa de Pós­Graduação em Psicologia da UFPA. Endereço<br />

eletrônico: cy_hummel@yahoo.com.br<br />

2<br />

Psica<strong>na</strong>lista (CEP­SP), Especialista em Psicologia Hospitalar (PUC­SP), alu<strong>na</strong> especial do<br />

Programa de Pós­Graduação em Psicologia da UFPA. Endereço eletrônico:<br />

amandaserrao@yahoo.com.br<br />

3<br />

Psicóloga, Especialista em Psicologia Clínica (UFPA), alu<strong>na</strong> especial do Programa de Pós­<br />

Graduação em Psicologia da UFPA. Endereço eletrônico: shandrinha@yahoo.com.br.<br />

4<br />

Psica<strong>na</strong>lista (CEP­SP), ­SP), Especialista em Psicologia Hospitalar (HC­FMUSP), alu<strong>na</strong> especial do<br />

programa de pós­graduação em psicologia da UFPA. Endereço eletrônico:<br />

vanusarego@hotmail.com.

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