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D8 <strong>Haiti</strong><br />
o <strong>Estado</strong><br />
Sábado, 4 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 2010<br />
CADERNO ESPECIAL - GUERREIROS PELA VIDA<br />
Apren<strong>de</strong>r uma arte<br />
e ensinar a viver<br />
Lucia Morel<br />
Apren<strong>de</strong>r uma arte. Essa<br />
é a motivação <strong>de</strong> mais <strong>de</strong><br />
3 mil crianças e jovens<br />
que participam dos projetos da<br />
ONG (Organização Não governamental)<br />
Viva Rio, no <strong>Haiti</strong>. Do<br />
outro lado estão os instrutores<br />
e professores, que doam seu<br />
tempo e conhecimento para ensina-los<br />
a viver num país que sobrevive<br />
em meio ao caos. Esses<br />
mestres, com todo seu esforço e<br />
<strong>de</strong>dicação, também tentam fazer<br />
brotar a esperança <strong>de</strong> que essas<br />
crianças comecem a contar uma<br />
história mais bonita para suas<br />
próprias vidas.<br />
Em uma tar<strong>de</strong> <strong>de</strong> quartafeira,<br />
cerca <strong>de</strong> 500 crianças<br />
e adolescentes faziam aula <strong>de</strong><br />
capoeira e outras 30 aprendiam<br />
a dançar ao som <strong>de</strong> música<br />
folclórica haitiana. Professores<br />
brasileiros li<strong>de</strong>ravam os grupos<br />
com animação e força. Na aula<br />
<strong>de</strong> capoeira, o mestre Flávio<br />
Soares tocava e cantava enquanto<br />
os pequenos mostravam<br />
e rodopiavam as coreografias da<br />
dança, que chegou ao Brasil com<br />
seus ancestrais africanos.<br />
Na roda <strong>de</strong> capoeira, mesmo<br />
quem não fazia parte da aula<br />
era bem recebido e motivado<br />
a bater palmas ao som do berimbau.<br />
Bebeto Dorsainvil, 13<br />
anos, e o amigo Peterson Lalan,<br />
da mesma ida<strong>de</strong>, foram convidados<br />
por um outro colega a<br />
conhecer o espaço. Encantados,<br />
eles olhavam a roda e pouco<br />
<strong>de</strong>pois foram chamados pelo<br />
mestre a fazer parte do grupo.<br />
“Quero participar porque aqui<br />
tem alegria”, disse Bebeto, já<br />
às palmas.<br />
No piso superior à sala on<strong>de</strong><br />
acontecia a aula <strong>de</strong> capoeira, a<br />
professora <strong>de</strong> dança Aíla Machado,<br />
28 anos, ensinava os<br />
passos <strong>de</strong> danças folclóricas do<br />
Aulas <strong>de</strong> capoeira juntam mais <strong>de</strong> 500 crianças todos os dias na entida<strong>de</strong><br />
<strong>Haiti</strong>. Crianças e jovens dançavam<br />
ao som <strong>de</strong> tambores e<br />
violão, mostrando que conheciam<br />
os passos e queriam apren<strong>de</strong>r<br />
ainda mais. “As danças são<br />
fortes e para dar mesmo essa<br />
conotação chamamos o grupo <strong>de</strong><br />
“Asham Crioule”, que significa<br />
“Dá licença””, contou Aíla. Ela é<br />
carioca e dispensou um trabalho<br />
como bailarina na Turquia para<br />
se <strong>de</strong>dicar às aulas <strong>de</strong> dança<br />
com as crianças no <strong>Haiti</strong>.<br />
Entre seus alunos está a<br />
pequena Eliana Briganol, 11<br />
anos. A menina que parece ter<br />
menos ida<strong>de</strong> do que realmente<br />
tem conta que gosta da dança<br />
porque lá encontra amigos e<br />
esquece dos problemas. “Meus<br />
pais confiam nos professores<br />
aqui porque sabem que po<strong>de</strong>m<br />
fazer alguma coisa por mim”,<br />
diz. A amiguinha Woodline Joseph,<br />
<strong>de</strong> 12, fala que nas aulas <strong>de</strong><br />
dança, realizadas todos os dias,<br />
apren<strong>de</strong> muitas coisas novas e<br />
Lucia Morel<br />
tem a oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> melhorar<br />
<strong>de</strong> vida.<br />
Para fugir da miséria, sonho <strong>de</strong><br />
crianças é viver e ter paz no Brasil<br />
As duas disseram, sem pestanejar,<br />
mas com a inocência que<br />
apenas as crianças têm, que não<br />
gostam do país em que vivem e<br />
que o sonho <strong>de</strong>las era morar no<br />
Brasil. “Aqui tem muita gente<br />
ruim que atira nas outras pessoas<br />
e muitos pais não po<strong>de</strong>m pagar<br />
a escola dos filhos e nem comer<br />
bem”, contou Eliana. Woodline<br />
concordou e disse que “o <strong>Haiti</strong> não<br />
tem bons presi<strong>de</strong>ntes e as pessoas<br />
sofrem muito”, e enfatizou que<br />
“queria ir morar um tempo no<br />
Brasil, na verda<strong>de</strong> queria ficar lá<br />
pra sempre porque lá é limpo”,<br />
disse aos risos. As duas moram<br />
em IDPs.<br />
Já com maturida<strong>de</strong> e as emoções<br />
mais controladas, Katsu<br />
Nazaire, 32 anos, e a jovem<br />
Além das ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong><br />
dança, a Viva Rio também <strong>de</strong>senvolve<br />
ações voltadas para<br />
o meio ambiente e educação<br />
sanitária. A entida<strong>de</strong> atua nos<br />
dois bairros mais violentos<br />
<strong>de</strong> Porto Príncipe, Citè Soleil<br />
e Bel Air, aten<strong>de</strong>ndo indiretamente<br />
ao menos 300 mil<br />
pessoas. Um dos trabalhos<br />
já realizados e que já dão<br />
frutos na comunida<strong>de</strong> são as<br />
Brigadas <strong>de</strong> Proteção Comunitária.<br />
O gerente da ONG no<br />
<strong>Haiti</strong>, Jean Philipie Espírito<br />
Santo explica que há cerca<br />
<strong>de</strong> um ano o trabalho teve<br />
início e 71 pessoas já foram<br />
capacitadas.<br />
A ação tem o objetivo <strong>de</strong><br />
preparar pessoas da própria<br />
comunida<strong>de</strong> no combate a<br />
doenças, primeiros socorros,<br />
alertas sobre o cólera, orientação<br />
quanto à higiene e<br />
também solução <strong>de</strong> conflitos.<br />
De todos os capacitados, 60%<br />
são homens e 40% mulheres.<br />
“Trabalhamos para que<br />
essas pessoas sejam multiplicadores<br />
<strong>de</strong>sses conceitos e<br />
assim possam fomentar novas<br />
práticas <strong>de</strong>ntro da comunida<strong>de</strong>”,<br />
disse.<br />
A ONG também atua nas<br />
áreas <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>, meio ambiente,<br />
resíduos sólidos, esporte<br />
e cultura e formação,<br />
com aulas <strong>de</strong> Português, Informática,<br />
Francês e Creoule.<br />
Na saú<strong>de</strong>, a entida<strong>de</strong> começou<br />
após o terremoto <strong>de</strong> janeiro,<br />
atendimento médico aos<br />
mol<strong>de</strong>s do PSF (Programa<br />
MATO GROSSO DO SUL<br />
Educação ambiental também<br />
faz parte das metas da ONG<br />
Bertine Role, <strong>de</strong> 23, falaram que<br />
amam o <strong>Haiti</strong> porque é “a terra<br />
natal” e porque acreditam que<br />
po<strong>de</strong>m fazer algo <strong>de</strong> bom pelo<br />
país. “Acredito nessas eleições<br />
para que venha um bom governo<br />
que seja capaz <strong>de</strong> ajudar”, disse<br />
Nazaire, ao que Bertine completou:<br />
“faltam muitas coisas no<br />
meu país, mas foi aqui que eu<br />
nasci e um bom dirigente po<strong>de</strong><br />
mudar as coisas”.<br />
<strong>de</strong> Saú<strong>de</strong> da Família) brasileiro,<br />
com consultas em clínica<br />
<strong>de</strong>ntro da ONG e visita<br />
<strong>de</strong> médicos e outros profissionais<br />
aos <strong>de</strong>sabrigados. A entida<strong>de</strong><br />
ainda abriu uma UTC<br />
(Unida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Tratamento <strong>de</strong><br />
Cólera) em sua se<strong>de</strong>, para receber<br />
as vítimas da doença.<br />
Nas áreas <strong>de</strong> meio ambiente<br />
e resíduos sólidos, a Viva Rio<br />
trabalha na construção <strong>de</strong> biodigestores<br />
nas comunida<strong>de</strong>s e<br />
ainda na coleta <strong>de</strong> lixo, que é<br />
praticamente inexistente no<br />
<strong>Haiti</strong>. Os biodigestores funcionam<br />
como “recicladores”<br />
<strong>de</strong> matéria orgânica, transformando<br />
as excreções em<br />
gás/energia e em água. De <strong>de</strong>z<br />
biodigestores que estavam<br />
programados para serem<br />
construídos até 2011, 60 já<br />
estão em operação.<br />
Já na parte <strong>de</strong> resíduos<br />
sólidos, a ONG dispõe <strong>de</strong> 23<br />
caçambas <strong>de</strong> coleta <strong>de</strong> lixo<br />
distribuídas na área <strong>de</strong> atuação<br />
e ainda contratou 400<br />
haitianos para trabalharem<br />
na coleta <strong>de</strong> resíduos e limpeza<br />
nos córregos tomados<br />
pelo lixo. Além da Viva Rio,<br />
outras ONGs também contrataram<br />
trabalhadores haitianos<br />
para o mesmo trabalho,<br />
oferecendo alimentação<br />
e pagamento que gira<br />
em torno <strong>de</strong> US$ 250. Muitos<br />
haitianos também trabalham<br />
com as tropas da ONU e com<br />
outras instituições que estão<br />
no país para ajuda humanitária.<br />
Os alunos fazem apresentações<br />
em escolas, nos batalhões<br />
brasileiros e também em orfanatos<br />
e ao governo. Por conta<br />
do terremoto, em janeiro, muitas<br />
ativida<strong>de</strong>s foram paralisadas.<br />
“Nossa idéia não é apenas<br />
ensina-los, mas também criar<br />
mercado com a dança e profissionaliza-los<br />
para que tenham<br />
uma oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> trabalho<br />
também”, afirmou Aíla.