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Resenha - Iesb

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<strong>Resenha</strong><br />

FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir: História da Violência nas Prisões. Trad. Ligia M.<br />

Pondé Vassalo. Petrópolis. Ed. Vozes, 1987. 280 p.<br />

Jorge Henrique de Saules Nogueira<br />

Matrícula 0711010299 – 4º período<br />

A obra Vigiar e Punir: História da Violência nas Prisões de Michel Foucault relata o<br />

período histórico que marca a transição entre a utilização dos suplícios como medida efetiva<br />

de política criminal e a aplicação de sanções mais brandas, característica presente nos<br />

sistemas penais do mundo ocidental.<br />

O livro parte da análise do sistema penal correcional baseado no suplício; método irracional<br />

e desumano por natureza. Foucault utiliza-se de uma miríade de exemplos pitorescos para<br />

explicar os horrores do sistema penal assentado na punição do corpo.<br />

A forca, o patíbulo, o pelourinho, o chicote e a roda compunham o cenário de um teatro<br />

bizarro em que os personagens representam o espetáculo do desequilíbrio de forças entre o<br />

acusado e soberano. A vingança do Estado recai sobre o corpo inerme da vítima com o<br />

intuito de desestimular as condutas contrárias às determinações do poder soberano.<br />

Os defensores deste estado de coisas pugnavam que as penas severas deveriam servir de<br />

exemplo para que ficassem inscritas nos corações dos homens. A ameaça constante das<br />

guerras civis que pulularam em toda a Europa faz compreender o porquê da excessiva dureza<br />

das penas. O medo hobbesiano da morte violenta impulsionou o sistema penal em direção ao<br />

suplício como tática calculada para concretização do controle social. O suplício não<br />

restabelecia a justiça, mas apenas reativava o poder, num misto de ignorância e cálculo.<br />

Por força e obra dos operadores do direito aliados ao ideário iluminista, encetou-se a<br />

modernização das leis penais, com a supressão da exclusividade dos costumes na apreciação<br />

1


do delito. O advento do processo de codificação foi o passo seguinte para soterrar a idéia de<br />

que o corpo, por excelência, deva ser o alvo da repressão penal como meio de purgar o delito<br />

cometido.<br />

O castigo, como sugere Carnelutti, deve atingir o espírito, não o corpo do condenado. Sob<br />

essa perspectiva, o sistema penal ocidental moderno passou a se caracterizar, em grande<br />

medida, na supressão do espetáculo do suplício. Mesmo nos países onde se reconhece a pena<br />

de morte, a execução passou a ser reservada a uns poucos espectadores.<br />

A mitigação das penas desencadeou a idéia de penas analógicas que supunha relação exata<br />

entre a natureza do delito e a natureza das punições. Na opinião dos reformadores do sistema<br />

penal, as penas deveriam ser tão pouco arbitrárias quanto possível, bem como deveriam<br />

diminuir o desejo de cometer crime, o que implicaria tornar a pena temível. Outra crítica por<br />

eles formulada centrava-se na reclusão penal, para eles “cara e inútil aos olhos do povo”.<br />

Contrariamente a tais evidências, com o advento do processo histórico da codificação, a<br />

reclusão passou ao status de pena principal aplicada aos delitos.<br />

Na obra, o autor tece a gradação do suplício, partindo do castigo como representação teatral<br />

até culminar na arquitetura prisional integrada ao aparelho estatal. Lembra Foucault que o<br />

inicio do século XIX marcou o advento da prisão como a pena mais civilizada, porque<br />

alcança um bem jurídico comum a todos os indivíduos: a liberdade.<br />

Como medida de controle social, Foucault tece loas à vigilância e ordem com os exemplos<br />

da cidade pestilenta e do panoptismo benthamiano. Ambos se apresentam como mecanismos<br />

que asseguram o funcionamento sistemático do poder. O primeiro como um esquema de<br />

disciplina de exceção e o segundo como um sistema de vigilância generalizada por meio da<br />

coerção sutil.<br />

2


Até aqui vai a contribuição original do livro. Afora a riqueza dos exemplos ilustrativos<br />

retirados de documentos originais, Vigiar e Punir é um amontoado de recortes apoiados<br />

numa vasta bibliografia.<br />

Metodologicamente, a obra é de uma pobreza retumbante. Foucault defende que o sistema<br />

punitivo não pode ser “explicado unicamente pela armadura jurídica da sociedade”. Escolhe<br />

então apresentar um estudo do sistema punitivo visto como fenômeno social, dotado de<br />

variadas facetas. Contudo, afirmar que um fenômeno social não deva ser explicado com<br />

auxílio de uma seqüência causal única e universal é apenas afirmar o óbvio. Proclamar que<br />

um fenômeno não deva ser explicado com o auxílio de uma única faceta é renegar toda e<br />

qualquer explicação monocausal. Com isso, Foucault descarta as explicações reducionistas<br />

de cunho estritamente jurídico.<br />

Para Foucault, os regimes punitivos são determinados pelos sistemas de produção<br />

correspondentes aos períodos históricos nos quais estão imersos. Nas civilizações antigas, a<br />

escravidão era tida como punição; no feudalismo, havia os castigos corporais; na economia<br />

comercial, as manufaturas penais. Foucault não deixa dúvida de que seu ponto de partida<br />

metodológico está substantivamente ancorado no materialismo histórico, tendo Marx como<br />

influência decisiva na conformação de seu pensamento. Nada ilustra melhor essa afirmação<br />

do que a seguinte passagem: “o sistema punitivo seria um subsistema social garantidor do<br />

sistema de produção da vida material, cujas práticas punitivas consubstanciam uma<br />

economia política do corpo para criar docilidade e extrair utilidade das forças corporais".<br />

Foucault não pretende explicar o fenômeno punitivo pela armadura jurídica da sociedade,<br />

mas o encerra na armadura reducionista do método marxista, segundo o qual todos os<br />

eventos sociais convergem para uma explicação de relações de classe com fundamentos<br />

econômicos. Foucault usa e abusa da monocausalidade marxista ao tempo que diz fazer o<br />

contrário. É uma flagrante contradição; é o paradoxo foucaultiano.<br />

3


A crítica metodológica persiste em relação à defesa da idéia de que o micro explica o macro.<br />

O autor aborda a questão da disciplina com esse viés e a extrapola para um a realidade mais<br />

ampla, sem, contudo, demonstrar os vínculos que as conectam. Na idealização de sua<br />

microfísica de poder, as construções arquitetônicas (fábricas, hospitais, edifícios etc) das<br />

quais infere terem sido erguidas para a vigilância permanente, nada mais são do que o<br />

preâmbulo da dominação capitalista. Para Foucault, as construções circulares “exprimiam<br />

uma certa utopia política”. Utopia de dominação capitalista, de matriz judaico-cristã. Aqui<br />

temos mais uma inconsistência lógica, dessa vez operada via falsificação dos fatos.<br />

Foram os defensores da alternativa ideológica por ele escolhida que levaram às ultimas<br />

conseqüências o projeto de vigilância mais restritivo que a história da humanidade já teve<br />

notícia, não o contrário. O “[o]lho perfeito a que nada escapa” não é propriamente uma<br />

invenção do capitalismo, mas de seu rival ideológico: o comunismo. George Orwell<br />

imortalizou, em obra intitulada 1984, o patrulhamento dos regimes comunistas com a figura<br />

do Grande Irmão, uma paródia que remete aos expurgos stalinistas da ex-União Soviética.<br />

A ironia é que o projeto alternativo com o qual o autor se identifica, levou o problema às<br />

vias de fato, conformando um mecanismo de restrições individuais sem precedente na<br />

história da humanidade. Basta lembrarmos dos Gulags e das inúmeras outras atrocidades<br />

perpetradas em nome do comunismo.<br />

Nas palavras do próprio Foucault, o capitalismo propiciou o controle do tempo e do<br />

movimento, assim como o aumento da produtividade, da riqueza e da propriedade. O<br />

capitalismo, amparado numa ideologia voltada para o desenvolvimento do<br />

empreendedorismo humano, contribuiu, de fato, para alterar a forma de vigiar e de punir as<br />

ações do homem. Sem correr o risco de apontar qualquer correlação direta entre<br />

desenvolvimento do capitalismo e humanização das penas, deixo as palavras para o próprio<br />

autor que acrescenta que os crimes, com o advento das práticas capitalistas, passaram a<br />

4


crimes contra o patrimônio, menos cruéis que os de outrora, caracterizados como crimes<br />

irracionais e inumanos.<br />

A originalidade da obra de Michel Foulcault está na ampla pesquisa empírica desenvolvida<br />

pelo autor. Contudo, em termos metodológicos, Foucault opera uma fraude histórica,<br />

invertendo os conceitos em prol de uma ideologia insubsistente e há muito amplamente<br />

refutada.<br />

5

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