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A <strong>GRAÇA</strong> <strong>DE</strong> <strong>CRER</strong><br />
DOM EDUARDO BENES <strong>DE</strong> SALES ROBRIGUES<br />
ARCEBISPO METROPOLITANO <strong>DE</strong> SOROCABA - SP<br />
Se a existência humana se mostra como abertura para o mistério, então acolher na fé esse<br />
mistério é graça e, ao mesmo tempo, suprema realização da inteligência e da liberdade.<br />
Estamos naturalmente falando da revelação de Deus, à porta de quem a inteligência<br />
humana, pesquisando seus vestígios na natureza e na própria existência, vem postar-se na<br />
suplicante expectativa de que essa porta lhe seja aberta pela misericordiosa bondade<br />
daquele mesmo que a fez assim, faminta da suprema verdade. É nesse sentido que a carta<br />
encíclica “Fé e Razão” afirma que “uma implica a outra” (nº 17).<br />
A revelação só é possível se a razão humana for capaz de recebê-la e reconhecê-la como<br />
manifestação livre, pessoal e generosa daquela Verdade que essa mesma razão sabia<br />
presente, embora oculta, como fundamento transcendente da própria existência e da<br />
existência da totalidade do universo. A fé, como resposta obediente á revelação divina,<br />
pressupõe, pois, que a razão humana, debruçando-se sobre a realidade criada, seja capaz de<br />
chegar ao conhecimento da existência e da bondade do Criador, estando por isso<br />
permanentemente aberta a uma possível revelação pessoal de Deus.<br />
Por ser resposta à livre revelação de Deus, a fé é graça, fruto do sopro interior do Espírito<br />
na inteligência e no coração do ser humano: “a verdade que a Revelação nos dá a conhecer<br />
não é o fruto maduro ou o ponto culminante dum pensamento elaborado pela razão. Pelo<br />
contrário, aquela se apresenta com a característica da gratuidade, obriga a pensá-la, e pede<br />
para ser acolhida, como expressão de amor” (Fé e Razão, nº 15).Sem profunda humildade<br />
não se pode chegar a fé.<br />
A razão nos leva à soleira do mistério. Pela revelação o mistério insondável de Deus se abre<br />
para nós como puro dom, revelando-se a nós e revelando para nós a razão última da<br />
grandeza e da dignidade de nossa inteligência: poder entrar na posse pessoal da verdade do<br />
próprio Deus. Esse encontro com a revelação abre para a razão um horizonte novo,<br />
inesperado e surpreendente, pois introduz-nos no inesgotável mistério da infinita e suprema<br />
verdade.<br />
A fé jamais pode ser pensada como negação da inteligência; pelo contrário, ela é um ato de<br />
entrega amorosa e agradecida do ser humano ao mistério da verdade suprema, sua razão de<br />
ser e razão de sua incessante busca. Há pessoas que se gabam de ter uma religião<br />
cientificamente fundamentada, filosoficamente fundada e plenamente dentro dos limites da<br />
razão humana, sem mistérios.
Houve uma época – aí pelo se. XVIII – que alguns pensadores imaginaram uma religião<br />
puramente natural, sem revelação, fundada tão somente na capacidade da razão humana.<br />
Deus seria tão somente o supremo arquiteto, uma figura exigida pela lógica da razão para<br />
justificar a existência do universo. Um Deus assim teria as dimensões da razão humana;<br />
não seria Deus e nem seria capaz de responder ao anseio do coração humano à procura de<br />
uma verdade superabundante na qual ele pudesse saciar sua infinita fome de ser.<br />
A verdade revelada é mistério não porque, impenetrável, lança nas trevas o entendimento<br />
humano, mas sim porque se constitui em um abismo de luz que inunda o pensar e o sentir<br />
do homem, oferecendo-se sempre de novo como resposta inesgotável ao infinito desejo da<br />
criatura finita. O ato de fé é, na terra, a realização suprema da inteligência humana feita que<br />
foi para consumar-se na posse da Verdade.<br />
Crer, entretanto, é graça somente acolhida por aqueles que buscam de todo coração o<br />
mistério de Deus. Esses são os pequeninos a que se refere Jesus: “eu te louvo, ó Pai, Senhor<br />
do céu e da terra, porque ocultastes estas coisas aos sábios e as revelastes aos pequeninos”<br />
(Mt 11, 25). Se desejamos crer, devemos cultivar um coração suplicante.