"Veritas" - nº2 - Novembro 2011 - Paróquia de Carcavelos

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CRITÉRIOS... Os tempos de crise e também de renovação na nossa comunidade são propícios à interpelação. Nas suas homilias o Padre António questiona-nos sobre se acreditamos ou não que Deus nos tem sempre no seu coração. Será que para mim basta Deus e só Deus? Afinal o que é ser cristão hoje e, mais ainda, ser cristão para quê? 1 Neste início do advento senti-me tentado a partilhar partes de uma obra, de um autor que me tem interpelado de modo especial e me oferece respostas com que me identifico. Trata-se de Timothy Radcliffe, frade dominicano, que escreveu o livro Ser cristão para quê? , este ano editado em Portugal e cujo primeiro capítulo é sobre a ESPERANÇA, tão urgente entre nós, como nos questiona o P. António. De facto se a humanidade está destinada a tomar parte na inexprimível felicidade de Deus, então isso deverá ser o objectivo da minha vida (), pois se isso não for verdade () deverei deixar a Igreja. Porque acho que é verdade isso tem de, obrigatoriamente, reflectir-se na minha vida, duma forma que esteja para além das pa- 14 Veritas TEMPO DE ADVENTO, TEMPO DE ESPERANÇA lavras, pois Deus está para lá delas e os sinais que falam são os mais eficazes. Então, qual o sentido de ser cristão, se perante tantas contradições do mundo e da igreja apetece, por vezes, desistir? Mas, como afirma Pascásio Radberto, o desespero não tem pés para andar o caminho que é Cristo. Como acredito no que Cristo me propõe é preciso ousar ter ESPERANÇA, na qual caminharemos e peregrinaremos nesta vida, ao Seu encontro. Mas caminhamos para algum lado ou andamos às voltas como os israelitas no deserto? Olhamos () para trás, para a Criação, e para a frente, para o Reino, isto é, vimos de Deus e voltamos outra vez para Ele. É essa caminhada que exprime a nossa ESPERANÇA; precisamos caminhar juntos para um destino comum. Apesar da perda de confiança que actualmente se sente, das guerras, da violência e da crise () este é, potencialmente, um momento maravilhoso para o Cristianismo, se formos capazes de encontrar maneiras de viver e partilhar a nossa ES- Novembro - 2011 - Nº 02
PERANÇA cristã, oferecemos aquilo de que o mundo está sedento. Foi num período de crise () onde as expectativas dos apóstolos se desmoronaram completamente () que () Jesus tomou o pão, o abençoou e partiu Não lhes deu um itinerário, pelo contrário fez desaparece-lo, mas a intimidade com o Senhor cresceu () de tal modo que todos os dias celebramos esse momento. A Igreja nasceu assim de uma ESPERANÇA no meio de uma crise bem maior do que aquela por que estamos a passar agora! Então interroguemo-nos: () será que oferecemos uma história alternativa para o futuro? Acreditamos na vitória do bem sobre o mal () e na vinda do reino e no fim de todo o sofrimento e morte? Certamente, não será um cristianismo de puro entusiasmo e exaltação da experiência religiosa, como é corrente hoje, afastado da cruz, das questões da justiça dos pobres e das limitações da condição humana. A ESPERANÇA não é a convicção de que alguma coisa acabará bem, mas a certeza que alguma coisa tem sentido, independentemente do modo como acabar. É a convicção que acabaremos por descobrir que tudo aquilo para que vivemos, felicidade e desgosto, vitória e derrota, tem algum sentido e que apesar das loucuras do último século, a existência não está condenado ao absurdo. Como cristãos pomos a ESPERANÇA () na eternidade, mas esta não é o que acontece no fim dos tempos, quando já tivermos morrido. Começa agora, sempre que tomamos parte na vida de Deus, sempre que superamos o ódio com o amor. Ter ESPERANÇA é viver neste preciso momento, agora, em que alguma coisa pode acontecer. Se as pessoas vissem que os cristãos são capazes de uns gestos um pouco loucos, em vez de recuarem sempre timidamente, quer por acharem que não são capazes quer porque têm medo que os outros não apreciam o que fazem, então poderiam captar uma lufada da nossa extravagante ESPERANÇA que é algo raro e extraordinário que temos para oferecer: a ESPERANÇA despojada das suas muletas seculares, nova, fresca e desejável. O sentido do cristianismo é mostrar-nos que há um sentido para as nossas vidas, convida-nos a uma liberdade e a uma felicidade específicas, que são partilha da vitalidade própria de Deus. Os nossos sonhos são demasiado pequenos e, se Deus os desfaz, é para que nos possamos aventurar no espaço mais vasto da vida. Ele liberta-nos de pequenas ambições para que possamos aprender a ter uma ESPERANÇA mais extravagante. E quantas vezes os nossos projecto são mesmo pequeninos! E onde está a alegria e a beleza? O último salmo do Saltério diz: Louvai ao som da trombeta, louvai-o com a harpa e a cítara! Louvai-o com tambores e danças, louvaio com instrumentos de corda e flautas! Quantas vezes somos monocórdicos e sem beleza! O nosso bispo D. José Policarpo, na sua recente entrevista à Voz da Verdade 2 , diznos () que a força da Igreja é ela ser um povo, ser uma comunidade crente e que um dos contributos que ela dá à humanidade hoje é suscitar a ESPERANÇA! Mas cautela, é preciso não identificar a ESPERANÇA com as expectativas humanas. A ESPERANÇA cristã tem sempre uma raiz que é Nosso Senhor Jesus Cristo e a ES- PERANÇA de uma vida nova. E aqui é preciso vencer a rotina; tem de haver um alerta, dinamismos internos da Igreja para voltar a descobrir, adaptando ao tempo que passa, o ardor e a frescura da Verdade inicial. E como se vence a rotina? Ele próprio responde: fazendo as coisas como se fosse a primeira e a última vez, com a verdade fundamental que nos mobilizou no início. Como nos diz Timothy () podemos encontrar esta mesma liberdade e alegria entre pessoas de outras fés ou de nenhumas. Não podemos pretender ter o exclusivo na partilha da vida de Deus. E neste tempo do Advento, em que preparamos a celebração do dia em que o Filho se incarnou em Jesus, no seio de uma família em que o Espírito Santo se personalizou em Maria e em que Deus não apenas assumiu a realidade de Jesus, mas também foi assumida a paternidade humana de José (Redemptoris Custos, n. 21) 3 , um bom projecto de vida será ir ao encontro do apelo do nosso bispo. CRITÉRIOS... Parece-me matéria interessante para reflectirmos enquanto esperamos a Sua vinda. Termino com o poema de Emily Dickinson , citado por Timothy Radclifffe no final do primeiro capítulo do seu livro:: ESPEREANÇA é a coisa com penas Que se empoleira na alma E canta a melodia sem palavras E nunca para - absolutamente FF 1 RADCLIFFE, Timothy (2011) – Ser cristão para quê? Lisboa: Paulinas Editora 2D. José Policarpo em entrevista a Diogo Paiva Brandão. VOZ DA VERDADE ano 78 n.º 4004, 30 Outubro de 2011-11-09 3 BOFF, Leonardo (2005) – São José a personificação do Pai; Campinas: Versus Novembro - 2011 - Nº 02 Veritas Editora 15
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