a dicotomia sociedade-natureza - Observatorio Geográfico de ...
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Anais do X Encontro <strong>de</strong> Geógrafos da América Latina – 20 a 26 <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 2005 – Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> São Paulo<br />
A DICOTOMIA SOCIEDADE-NATUREZA: A CRISE DE<br />
PERCEPÇÃO NO ESPAÇO MODERNO<br />
INTRODUÇÃO<br />
FREDERICO DUARTE IRIAS 1<br />
Em qual direção <strong>de</strong>veríamos seguir, por intermédio da geografia,<br />
rumo a estas transformações que estão acontecendo no mundo mo<strong>de</strong>rno?<br />
Esta é a pergunta que se coloca para gran<strong>de</strong> maioria dos geógrafos do<br />
século XXI, já que a ciência geográfica ramificou-se profundamente, quando<br />
“atingida” pelo método reducionista <strong>de</strong>rivado da física clássica, levando a<br />
geografia a difundir-se por inúmeras áreas. Esta difusão tão ampla e<br />
importante, mas ao mesmo tempo perigosa, infelizmente não é acompanhada<br />
por gran<strong>de</strong> parte dos geógrafos, que acabam retidos em suas áreas <strong>de</strong><br />
especialização, sem obter esta visão da qual a geografia se propõe a nos<br />
mostrar. E assim, a própria geografia acaba per<strong>de</strong>ndo sua maior<br />
contribuição, que é trazer a <strong>socieda<strong>de</strong></strong> uma visão integral do espaço em que<br />
vivemos.<br />
A ciência geográfica tem como foco <strong>de</strong> estudos, o espaço. Este<br />
espaço, <strong>de</strong>nominado geográfico, segundo a geografia mo<strong>de</strong>rna, se perfaz na<br />
relação dicotômica entre a <strong>socieda<strong>de</strong></strong> e a <strong>natureza</strong>. Tudo que acontece<br />
<strong>de</strong>ntro <strong>de</strong>sta relação dicotômica po<strong>de</strong> ser abordado pela geografia mo<strong>de</strong>rna.<br />
Porém, vemos que o tempo passou e a complexida<strong>de</strong> das relações na<br />
<strong>natureza</strong> aumentaram, o relacionamento do ser humano com o restante da<br />
<strong>natureza</strong> fora profundamente obscurecido. O ser humano <strong>de</strong>sta <strong>socieda<strong>de</strong></strong><br />
complexa passou a ter gran<strong>de</strong>s dificulda<strong>de</strong>s para enxergar-se como<br />
<strong>natureza</strong>, vendo somente a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> manuseio do restante <strong>de</strong>sta num<br />
papel recursivo, ou seja, vendo-a unicamente como objeto. E quando o ser<br />
humano assim se porta, ele rompe com o restante da <strong>natureza</strong>, per<strong>de</strong>ndo a<br />
perspectiva <strong>de</strong> sua vida. Esse problema do qual nos referimos perpassa toda<br />
ciência, além <strong>de</strong> diversos segmentos <strong>de</strong> nossa <strong>socieda<strong>de</strong></strong>. Po<strong>de</strong>mos ouvir<br />
com freqüência, uma palavra muito utilizada nos dias <strong>de</strong> hoje – crise. E esta<br />
crise, que está presente nas mais diversas escalas <strong>de</strong> análise, é fruto <strong>de</strong>sta<br />
visão dicotomizada, em que o ser humano postou-se separado do restante da<br />
1 PUC-RIO<br />
fredpuc@ig.com.br<br />
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<strong>natureza</strong>. Mas nos dias <strong>de</strong> hoje, vemos que alguns segmentos sociais<br />
começam a questionar esta <strong>dicotomia</strong>, rumando para uma visão mais<br />
totalizante do ambiente em que vivemos.<br />
Os primeiros ecos <strong>de</strong>sta mudança surgiram na segunda meta<strong>de</strong> do<br />
século XX, com os chamados movimentos <strong>de</strong> contracultura. Neste contexto<br />
<strong>de</strong>senvolveram-se vários movimentos em todo mundo, tais como os<br />
movimentos a favor da liberda<strong>de</strong> sexual, dos mo<strong>de</strong>los alternativos <strong>de</strong> se<br />
viver, entre muitos outros. Estes movimentos foram logo abafados pelo<br />
<strong>de</strong>senrolar dos fatos históricos, mas um sobreviveu e ainda hoje sobrevive<br />
em nossa história, assumindo forte posição política nos dias <strong>de</strong> hoje, o<br />
movimento ambientalista. Este, ao que tudo indica, começou a aparecer mais<br />
no cenário mundial como sendo um movimento <strong>de</strong> forte pressão política em<br />
meados da década <strong>de</strong> 1970. E até os dias <strong>de</strong> hoje, mostra-se com gran<strong>de</strong><br />
força, propondo soluções para muitos dos problemas que enfrentamos. A<br />
geografia, que se ocupa das transformações que ocorrem na <strong>natureza</strong> – uma<br />
relação erroneamente dicotomizada – ganha, a partir do <strong>de</strong>senrolar dos fatos<br />
históricos, um importante papel nas transformações ambientais do mundo<br />
mo<strong>de</strong>rno. Nenhuma outra ciência mo<strong>de</strong>rna apresenta-se mais apta que a<br />
geografia para tratar das questões ambientais. Isso é ao mesmo tempo bom<br />
e ruim, pois o campo ambiental é bastante amplo, assim como a geografia. É<br />
bom para os geógrafos, que sempre se empenharam em conhecer o<br />
ambiente, porém torna-se ruim a medida que o ambiental entra nas pautas<br />
<strong>de</strong> discussão política relacionadas ao po<strong>de</strong>r, obscurecendo a visão profunda<br />
do ambientalismo. Além do mais, o “meio ambiente” é um assunto bastante<br />
discutido nas agendas políticas do mundo <strong>de</strong> hoje, e isso significa que o<br />
ambientalismo tornou-se mais uma palavra trabalhada pela mídia e<br />
incorporada pelo capitalismo, do que uma postura frente aos verda<strong>de</strong>iros<br />
problemas do mundo Mo<strong>de</strong>rno.<br />
Quando pronunciamos a palavra ambiente na geografia, <strong>de</strong>vemos<br />
<strong>de</strong> imediato, tomar muito cuidado. O primeiro equívoco que <strong>de</strong>vemos<br />
<strong>de</strong>sfazer logo <strong>de</strong> início, antes que comecemos a estudar o ambiente em sua<br />
profundida<strong>de</strong>, é o <strong>de</strong> pensarmos que a geografia po<strong>de</strong> contribuir somente na<br />
direção evolutiva no que se refere a este conceito. Ao contrário do que<br />
pensamos enquanto geógrafos, enten<strong>de</strong>r o ambiente po<strong>de</strong> significar romper<br />
até mesmo com a análise proposta pela ciência mo<strong>de</strong>rna, inclusive a da<br />
própria geografia; po<strong>de</strong> significar transcen<strong>de</strong>r qualquer uma das disciplinas<br />
da ciência mo<strong>de</strong>rna. Po<strong>de</strong> significar transcen<strong>de</strong>r qualquer tipo <strong>de</strong> linguagem<br />
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humana. Isto se dá à medida que começamos a perceber que o ambiente em<br />
sua totalida<strong>de</strong>, não po<strong>de</strong> ser <strong>de</strong>limitado <strong>de</strong>ntro das categorias <strong>de</strong> espaço e<br />
tempo, construídas por nós com o advento matemático, ou seja, o principal<br />
advento da ciência mo<strong>de</strong>rna. A matemática, ao contrário do que muitos<br />
pensam, não é um conjugado <strong>de</strong> números, mas constitui-se numa ciência<br />
complexa e também abstrata que se apresenta como arcabouço conceitual<br />
para as mais diversas áreas. Ela é a base para especulações <strong>de</strong> todos os<br />
tipos. É a matemática que nos possibilita a formação <strong>de</strong> limites no ambiente<br />
em que vivemos. Ela é que possibilita a “materialização” das formas<br />
produzidas pela humanida<strong>de</strong>. Não po<strong>de</strong>mos afirmar que a matemática é uma<br />
ciência puramente objetiva ou puramente subjetiva. A matemática mo<strong>de</strong>rna<br />
nos aparece como principal instrumento para <strong>de</strong>monstrar o rompimento entre<br />
i<strong>de</strong>alismo e materialismo. O que achamos ser o mundo nos dias <strong>de</strong> hoje, ou<br />
seja, nossa visão <strong>de</strong> realida<strong>de</strong>, <strong>de</strong>ve-se quase que totalmente a evolução da<br />
matemática, pois a criação dos limites, é também a criação das coisas, dos<br />
objetos disponibilizados no restante do espaço. A matemática é a principal<br />
estruturante da linguagem humana, que por sua vez nos faz perceber o<br />
ambiente com seus respectivos limites. Mas estes limites são especulados<br />
pela matemática através <strong>de</strong> constantes. Estas constantes são frutos do<br />
pensamento humano. Assim, a matemática torna-se uma ciência responsável<br />
pela criação dos objetos, base para engenharia mo<strong>de</strong>rna. Estes objetos são<br />
pequenas extensões da <strong>natureza</strong> que ganham algum nome, por intermédio da<br />
linguagem humana, tais como as casas, as ruas, os carros e etc. E através<br />
do nome, se configura a existência do objeto tal como o conhecemos. É por<br />
isso que muitas pessoas afirmam que a matemática é uma ciência objetiva,<br />
esquecendo <strong>de</strong>ste outro lado que também faz parte <strong>de</strong>la, o lado – digamos<br />
“metafísico”.<br />
A objetivida<strong>de</strong> se utiliza da análise e do método redutivo, ambos<br />
utilizados para chegarmos ao “entendimento” dos limites na <strong>natureza</strong>; a<br />
própria escrita somada a linguagem, em suas múltiplas formas, em fim, todas<br />
estas ferramentas construídas por nós, na verda<strong>de</strong> não po<strong>de</strong>m nos dar uma<br />
dimensão exata do que vem a ser o ambiente em sua totalida<strong>de</strong>, se é que ela<br />
existe mesmo. Devemos diferenciar dois importantes termos; a certeza e a<br />
verda<strong>de</strong>. As certezas existem, mesmo que temporariamente, até o momento<br />
em que são refutadas; mas e a verda<strong>de</strong>, o que é? Po<strong>de</strong>mos mesmo dizer que<br />
existe uma verda<strong>de</strong> única e comum a todos? Quando chegamos a esta<br />
conclusão, percebemos que toda ciência seja do passado ou do presente, é<br />
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limitada pelas variáveis <strong>de</strong> espaço e tempo. Tomando emprestadas as<br />
palavras <strong>de</strong> Heisenberg em seu livro “A parte e o todo“ (1971,227);<br />
“Toda palavra e todo conceito, por mais claros<br />
que possam parecer, tem apenas uma limitada<br />
gama <strong>de</strong> aplicabilida<strong>de</strong>”.<br />
Colocada tal situação, percebemos a limitação da ciência mo<strong>de</strong>rna<br />
enquanto único conhecimento “verda<strong>de</strong>iro”, pois esta verda<strong>de</strong> só se valida a<br />
partir <strong>de</strong>stas duas constantes criadas (espaço e tempo), o que nos da a<br />
noção “exata” <strong>de</strong> objetos movendo-se <strong>de</strong>ntro do espaço (imagem <strong>de</strong> universo<br />
<strong>de</strong> Newton). Assim enxergamos a nossa realida<strong>de</strong>. É assim que percebemos<br />
o que achamos ser real. A nossa visão <strong>de</strong> mundo, queiramos ou não, é<br />
construída pela humanida<strong>de</strong>. Ela po<strong>de</strong> ser uma certeza, mas não uma<br />
verda<strong>de</strong>.<br />
O nosso espaço geográfico também é construído <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong>ste<br />
mo<strong>de</strong>lo. Ao contrário do que muitos possam imaginar, as leis <strong>de</strong> Newton não<br />
estão só <strong>de</strong>ntro da aca<strong>de</strong>mia, e só <strong>de</strong>ntro da física, mas em nossa forma <strong>de</strong><br />
perceber o espaço geográfico, em nossas concepções <strong>de</strong> como disponibilizar<br />
as formas materiais no espaço, em nossa forma <strong>de</strong> relacionarmo-nos<br />
conosco e com os outros seres da <strong>natureza</strong>. O espaço geográfico mo<strong>de</strong>rno é<br />
produto da visão estética do pensamento newtoniano. A visão que temos do<br />
espaço geográfico, é a visão <strong>de</strong> uma unida<strong>de</strong> composta <strong>de</strong> partes que<br />
formam o todo; no entanto, nos dias atuais, é possível perceber na ciência<br />
como um todo, a complementação <strong>de</strong>sta visão. Peguemos primeiramente as<br />
transformações da ciência <strong>de</strong> maneira geral, para <strong>de</strong>pois focarmos<br />
propriamente na geografia. Assim po<strong>de</strong>mos <strong>de</strong>stacar alguns pontos<br />
importantes que merecem nossa atenção:<br />
• A teoria da relativida<strong>de</strong>, que mostrou ao mundo que o tempo e o espaço<br />
absolutos <strong>de</strong> Newton, não existem. São, pois, relativos. Temos hoje, uma<br />
tentativa <strong>de</strong> unificação da teoria quântica com a teoria da relativida<strong>de</strong>,<br />
expressada por diferentes correntes da física mo<strong>de</strong>rna, além <strong>de</strong> uma<br />
corrente da física que não distingue a consciência da matéria,<br />
reformulando assim, o que estamos acostumados a enten<strong>de</strong>r por<br />
cognição.<br />
• A mecânica quântica <strong>de</strong> Heisenberg e <strong>de</strong> Bohr que estipulou ser<br />
impossível observar o objeto sem interferir nele, pois o observador<br />
interage com o fenômeno, exatamente por estar observando.<br />
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• A matemática <strong>de</strong> Galileu, Descartes, Newton se mostra insuficiente com<br />
o <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> novas teorias matemáticas, como a teoria do caos<br />
e dos fractais.<br />
• Os avanços na microfísica, na química e na biologia, que vêm nos<br />
últimos 20 anos, <strong>de</strong>senvolvendo teorias importantes como a teoria das<br />
estruturas dissipativas; a autopoiese; a teoria da catástrofe; a teoria da<br />
matriz-s ou física bootstrap <strong>de</strong> Geoffrey Chew e o novo conceito <strong>de</strong><br />
cognição <strong>de</strong> Gregory Bateson.<br />
Estas transformações e muitas outras aqui não <strong>de</strong>stacadas nos<br />
mais variados campos da ciência e da filosofia causam importantíssimas<br />
transformações na ciência da segunda meta<strong>de</strong> do século XX. Nos convém<br />
<strong>de</strong>stacar três <strong>de</strong>stas importantes transformações:<br />
• O <strong>de</strong>terminismo causal característico do método newtoniano é<br />
substituído pelo caráter probabilístico da nova ciência que emerge.<br />
• A transferência do rigor quantitativo (objetos) é substituída, dando lugar<br />
ao qualitativo, composto por padrões e relações, estabelecendo a<br />
cooperação ao invés da competição.<br />
• A incerteza e o enigmático voltam a fazer parte do cenário científico, já<br />
que as constantes matemáticas são visualizadas por nós como sendo<br />
relativas.<br />
Todas estas transformações na ciência como um todo, foram e<br />
ainda são acompanhadas pela geografia mo<strong>de</strong>rna <strong>de</strong> perto. E é daí que<br />
surgem as diferentes abordagens do espaço geográfico, o foco <strong>de</strong> estudos<br />
da ciência geográfica. Vejamos algumas <strong>de</strong>stas:<br />
• Determinismo – On<strong>de</strong> o ambiente é a causa dos acontecimentos com os<br />
seres que o habitam.<br />
• Possibilismo – On<strong>de</strong> os seres humanos constróem possibilida<strong>de</strong>s<br />
técnicas <strong>de</strong> utilização do ambiente.<br />
• Dialética – On<strong>de</strong> o ambiental é resultado da relação contraditória entre o<br />
ambiente e o social, sendo esta relação mediada pelo trabalho.<br />
• Hermenêutica – On<strong>de</strong> não há separação entre ser (social) e ambiente.<br />
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Esta última corrente nos mostra um novo horizonte <strong>de</strong>ntro da<br />
ciência, pois quando percebemos uma separação fictícia entre ser e<br />
ambiente, percebemos também que a própria divisão entre ciências sociais e<br />
ciências naturais, ou seja, a separação entre <strong>socieda<strong>de</strong></strong> e <strong>natureza</strong> ou<br />
reduzindo esta <strong>dicotomia</strong> ao indivíduo, separando-se o sujeito do objeto, não<br />
existe <strong>de</strong> fato. É ai que percebemos uma dificulda<strong>de</strong> no que se refere à<br />
abordagem do espaço geográfico atual, estabelecendo-se, portanto,<br />
diferentes correntes <strong>de</strong> sua abordagem. A geografia é uma ciência que não<br />
contempla a completu<strong>de</strong> da visão espacial, sendo esta focada por outras<br />
ciências mo<strong>de</strong>rnas também, além <strong>de</strong> outras teorias extra científicas; mas o<br />
que há <strong>de</strong> mais importante na geografia – a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> se ver<br />
diferentes escalas e sua conseqüente dimensionalização do espaço<br />
geográfico – po<strong>de</strong> ser comprometido seriamente quando se per<strong>de</strong> a exatidão<br />
<strong>de</strong> seu foco, provocado pela separação fictícia do ser para com o restante do<br />
ambiente. E acredito que isso ocorra com a geografia mo<strong>de</strong>rna.<br />
Quando nos reportamos para o atual estágio <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento<br />
da ciência contemporânea e da complexida<strong>de</strong> do mundo mo<strong>de</strong>rno, vemos que<br />
esta <strong>dicotomia</strong> entre <strong>socieda<strong>de</strong></strong> e <strong>natureza</strong> está sendo paulatinamente<br />
<strong>de</strong>sfeita. Isto significa transformar a ciência em sua epistemologia, mexer em<br />
suas bases. A ciência técnica continua a existir, mas seus atuantes passam a<br />
ter mais responsabilida<strong>de</strong> sobre seus atos, mais ética, pois percebem-se<br />
como sendo uma extensão do restante da <strong>natureza</strong>. Isso é novo, pois a<br />
relação entre sujeito e objeto é <strong>de</strong>sfeita. Esta nova ciência está emergindo<br />
bem <strong>de</strong>vagar, se é que po<strong>de</strong>mos chamar esta nova forma <strong>de</strong> pensar <strong>de</strong><br />
ciência. Isto também nos reporta a afirmação feita no começo <strong>de</strong>sta<br />
introdução, <strong>de</strong> que a geografia não contribui só num caminho evolutivo (num<br />
sentido positivo) para interpretação do que venha a ser o ambiente, muito<br />
pelo contrário, ela ganha muito mais do que fornece, já que vemos diversas<br />
teorias, “<strong>de</strong>ntro” e “fora” da ciência mo<strong>de</strong>rna, que também dimensionam o<br />
ambiente. As transformações no mundo mo<strong>de</strong>rno se intensificaram tanto nas<br />
últimas décadas, que a ciência passou a ser mais uma das muitas formas <strong>de</strong><br />
conhecer o ambiente em que vivemos. Po<strong>de</strong> ser que a própria geografia,<br />
assim como todas as outras ciências em separado, percam seu valor na<br />
condição particular e unitária. Isto também não significa que o foco que cada<br />
ciência adota – e é exatamente por este motivo que se constituem<br />
separadamente das outras ciências – <strong>de</strong>ixe <strong>de</strong> ser importante, muito pelo<br />
contrário, o que se preten<strong>de</strong> na ciência contemporânea, é reunir justamente<br />
os diferentes focos, mas sem que um seja <strong>de</strong>terminante ou prevaleça em<br />
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<strong>de</strong>trimento dos outros. Vislumbrar o ambiente é justamente a possibilida<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> contemplarmos as conexões entre os diversos campos da ciência,<br />
juntamente com outras visões, sejam elas quais forem, fazendo a conexão da<br />
ciência com as múltiplas visões <strong>de</strong> ambiente enxergadas pela humanida<strong>de</strong><br />
em sua totalida<strong>de</strong>, e não só pelas teorias científicas.<br />
E a hermenêutica, ao meu ver, é a corrente on<strong>de</strong> melhor se encaixa<br />
o foco geográfico, pois é a única que estabelece o rompimento da <strong>dicotomia</strong><br />
entre <strong>socieda<strong>de</strong></strong> e <strong>natureza</strong>, e por conseqüência direta estabelece também<br />
na geografia, o rompimento da abordagem ser/ambiente, divulgando a<br />
percepção <strong>de</strong> que não há na verda<strong>de</strong> um e outro, mas uma unida<strong>de</strong> sem<br />
limites precisos. Esta corrente se coloca inteiramente <strong>de</strong>ntro do projeto da<br />
ciência contemporânea, <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong>ste novo paradigma que vem emergindo,<br />
chamado por muitos <strong>de</strong> ecológico ou holístico, on<strong>de</strong> não só a ciência, mas<br />
também a nossa visão sobre o que enten<strong>de</strong>mos por realida<strong>de</strong> vêm se<br />
modificando. Neste momento, é importante <strong>de</strong>ixar claro que alguns autores<br />
que estudam a complexida<strong>de</strong> consi<strong>de</strong>ram positiva a relação parte/todo,<br />
advogando que o todo está em cada parte, sendo a soma <strong>de</strong> suas partes,<br />
maior que o próprio todo. Dentro <strong>de</strong> uma visão holística ou hermenêutica,<br />
esta visão parte/todo <strong>de</strong>saparece por completo, pois não se po<strong>de</strong> verificar os<br />
limites <strong>de</strong>ste todo. Como po<strong>de</strong>mos dizer então que o todo é maior que a<br />
soma <strong>de</strong> suas partes se não conhecemos com exatidão os limites <strong>de</strong> cada<br />
parte? A palavra hermenêutica é originada do grego, significando algo que<br />
tenha difícil compreensão, po<strong>de</strong>-se também ser i<strong>de</strong>ntificado com a palavra<br />
“hermético”, que significa algo que seja impenetrável. É também utilizada<br />
para interpretação <strong>de</strong> textos religiosos ou sagrados. É por isso que o<br />
enigmático volta a fazer parte da ciência. No exato momento em que as<br />
ciências que estudam a estrutura da matéria, reconhecem a inexistência <strong>de</strong><br />
algo sólido ou compacto a nível subatômico. É também por isso que –<br />
compartilhando da opinião <strong>de</strong> Capra (1996) – vejo a maior crise dos tempos<br />
atuais, não como uma crise da <strong>socieda<strong>de</strong></strong>, das instituições, ou do mo<strong>de</strong>lo<br />
vigente, mas uma crise <strong>de</strong> nossa própria percepção, quando percebemos o<br />
restante da <strong>natureza</strong> como sendo um gran<strong>de</strong> objeto. A visão espacial <strong>de</strong><br />
Newton gera para nosso entendimento, a percepção <strong>de</strong> nossa pele, como<br />
sendo um limite, que estabelece um interior e um exterior; e é exatamente<br />
isso que constitui-se num erro, segundo o pensador holista, pois este não se<br />
vê como parte, mas como extensão do restante da <strong>natureza</strong>. O pensador<br />
holista se vê como uma pequena transformação do gran<strong>de</strong> todo. Uma<br />
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totalida<strong>de</strong> sem limites precisos. A diferença sutil é que o pensador holista vê<br />
conexões <strong>de</strong>le com tudo mais que exista.<br />
A geografia, a partir do momento citado anteriormente – ao que<br />
tudo indica – ao invés <strong>de</strong> adotar o estudo dicotômico entre ser e ambiente –<br />
po<strong>de</strong>ria optar pelo estudo das diferentes formas da <strong>natureza</strong>, vendo-as como<br />
uma continuação <strong>de</strong> nossos próprios corpos. Assim, o espaço não se<br />
caracterizaria mais como objetivo ou subjetivo. A relação entre <strong>socieda<strong>de</strong></strong> e<br />
<strong>natureza</strong> não mais existiria, pois não haveria um e outro, não haveria partes<br />
no todo, mas um todo (ou uma unida<strong>de</strong>) que não para <strong>de</strong> se transformar. O<br />
que é visto por nós como “parte” po<strong>de</strong>ria ser substituído pela idéia dinâmica<br />
<strong>de</strong> individualida<strong>de</strong>, que é, sutil, mas diferente. Isso não é negativo, pois o<br />
ambiente é vivo, tudo é vivo, o universo <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong> ser visto como um gran<strong>de</strong><br />
caixote contendo <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> si, partes que se chocam umas contra as outras<br />
numa dinâmica conflituosa, assim como o espaço geográfico <strong>de</strong>ixaria <strong>de</strong> ser<br />
conflituoso no que diz respeito as suas relações cotidianas, para então se<br />
tornar cooperativo, como ocorre com o restante da <strong>natureza</strong>. Deixa também<br />
<strong>de</strong> ser morto e sem nexo – pelo fato <strong>de</strong> não sabermos on<strong>de</strong> começa e<br />
termina, da mesma forma que a <strong>de</strong>scrição do espaço geográfico <strong>de</strong>ixaria <strong>de</strong><br />
se <strong>de</strong>ter a <strong>de</strong>scrição minuciosa e cansativa do restante da <strong>natureza</strong> (vista<br />
como objeto – incluindo não só a geografia física como também a geografia<br />
humana), rompendo assim com esta visão do restante da <strong>natureza</strong> como<br />
sendo algo apenas recursivo. O ambiente po<strong>de</strong> ser visto numa outra ótica,<br />
sendo auto organizador (Maturana, Varela e Bateson), criativo, recriando-se<br />
em novas formas num diálogo infinito (Prigogine). Assim tudo é feito <strong>de</strong> um<br />
mesmo estofo, da mesma substância essencial, diferenciando-se apenas<br />
pela forma que ganha a partir <strong>de</strong> cada olhar individualizado. Se a<br />
cooperação existe no espaço geográfico, o restante da <strong>natureza</strong>, por<br />
intermédio da dinâmica, se encarregaria <strong>de</strong> reequilibrar a teia que<br />
<strong>de</strong>sequilibramos com a nossa noção <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m (sem consi<strong>de</strong>rarmos as<br />
flutuações). Nossa própria visão do que venha a ser o caos é equivocada<br />
(Gleick). Não <strong>de</strong>vemos também <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> salientar a importância das<br />
individualida<strong>de</strong>s no todo. Passamos a abordar <strong>de</strong>s<strong>de</strong> então, as formas ou os<br />
padrões. As individualida<strong>de</strong>s são formas diferenciadas da <strong>natureza</strong>, mas não<br />
são partes estanques <strong>de</strong>sta, não estão separadas, mas inseridas na<br />
dinâmica transformadora do restante <strong>natureza</strong>. Isto também significa dizer<br />
que a forma não é algo em separado do restante da <strong>natureza</strong>, <strong>de</strong>sfazendo-se<br />
por este motivo, a <strong>dicotomia</strong>; e que, portanto, organiza-se e <strong>de</strong>sorganiza-se<br />
infinitas vezes. O fato <strong>de</strong> a forma ser individualizada no restante da<br />
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<strong>natureza</strong>, não significa necessariamente que esta seja uma parte,<br />
materialmente falando (visão clássica da matéria), separada da <strong>natureza</strong>. Ela<br />
é apenas uma transformação individualizada do todo. Para visualizarmos<br />
isso facilmente, vejamos uma bela metáfora da vida no livro “Emergência<br />
Espiritual” <strong>de</strong> Stanislav Grof (1989,247), médico nascido em praga:<br />
“(...) a consciência universal é comparada a um<br />
oceano; uma massa fluida não diferenciada. E<br />
o primeiro estágio <strong>de</strong> criação assemelha-se à<br />
formação das ondas. Uma onda po<strong>de</strong> ser vista<br />
como uma entida<strong>de</strong> distinta e, no entanto, é<br />
óbvio que uma onda é o oceano e o oceano,<br />
uma onda. Não há nenhuma separação<br />
<strong>de</strong>finitiva. O estágio seguinte da criação seria o<br />
<strong>de</strong> uma onda quebrando nas pedras e<br />
espirrando gotículas <strong>de</strong> água no ar, gotículas<br />
que existirão como entida<strong>de</strong>s distintas por um<br />
pequeno tempo, antes <strong>de</strong> serem tragadas<br />
novamente pelo oceano. Um estágio mais<br />
complexo, seria o <strong>de</strong> uma onda que bate num<br />
paredão rochoso e <strong>de</strong>ixa pequenas poças<br />
d’água empossadas, po<strong>de</strong>ndo levar mais tempo<br />
para vir uma nova onda e levar a água <strong>de</strong>stas<br />
poças <strong>de</strong> volta ao oceano. Durante este tempo<br />
a poça d’água é uma entida<strong>de</strong> separada, sendo,<br />
no entanto, uma extensão do oceano. Num<br />
estágio um pouco mais complexo, imagine a<br />
água evaporando e formando uma nuvem.<br />
Agora a unida<strong>de</strong> original fica um pouco mais<br />
obscurecida <strong>de</strong>vido a sua gama <strong>de</strong><br />
transformações, mas a nuvem é oceano e o<br />
oceano é nuvem. A separação final, em que o<br />
elo com a fonte original parece ter sido todo<br />
perdido é a cristalização <strong>de</strong> um floco <strong>de</strong> neve,<br />
provindo da água da nuvem, que antes<br />
pertencia ao oceano. Parece agora que o<br />
cristal <strong>de</strong> neve é uma entida<strong>de</strong> separada e fica<br />
difícil perceber suas origens, mas o floco <strong>de</strong><br />
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neve ainda é oceano e o oceano é floco <strong>de</strong><br />
neve.”<br />
O importante <strong>de</strong>sta citação, é notar que a percepção da dinâmica<br />
natural, <strong>de</strong>sfaz a noção <strong>de</strong> entida<strong>de</strong> sólida e estática (o objeto <strong>de</strong> Newton)<br />
na <strong>natureza</strong>. Não há como i<strong>de</strong>ntificarmos com exatidão, a transformação do<br />
oceano em floco <strong>de</strong> neve. Aqui nesta metáfora simples, <strong>de</strong>stacamos algumas<br />
etapas <strong>de</strong>sta transformação (isso são as conexões), mas po<strong>de</strong>ríamos<br />
<strong>de</strong>stacar outras muitas. O que importa a nós perceber, é que a<br />
transformação acontece. É como o por do sol, sabemos que ele se põe, mas<br />
o momento em que ele se põe é relativo, <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> <strong>de</strong> quem o observa.<br />
Passamos então a enxergar a <strong>natureza</strong> na perspectiva <strong>de</strong> um diálogo; sendo<br />
este diálogo inesgotável. Um diálogo mediado pelo nosso olhar frente ao<br />
restante da <strong>natureza</strong>.<br />
Aqui, também po<strong>de</strong>mos ver exatamente a bifurcação <strong>de</strong> dois<br />
pensamentos distintos:<br />
• Um que postula o universo como sendo lógico e matemático, sendo este<br />
passível <strong>de</strong> ser <strong>de</strong>cifrado pelas nossas faculda<strong>de</strong>s mentais.<br />
• Um que postula um enigma in<strong>de</strong>cifrável, sendo este enigma a gran<strong>de</strong><br />
fonte da existência. Este pensamento postula que <strong>de</strong>vemos apenas nos<br />
sujeitar ao efeito, e não tentar <strong>de</strong>scobrir a <strong>natureza</strong> da causa.<br />
Em minha opinião, <strong>de</strong>vemos ter um equilíbrio entre todas as formas<br />
<strong>de</strong> pensamento. O fato curioso, é que ambas as formas <strong>de</strong> pensamento não<br />
<strong>de</strong>ixam <strong>de</strong> advogar a favor <strong>de</strong> algo. Isso faz <strong>de</strong>stas formas uma busca<br />
constante. Isso é importante. É claro que estou sendo reducionista e<br />
novamente dicotômico, concluindo, portanto, que <strong>de</strong>vem existir diversas<br />
outras maneiras <strong>de</strong> enten<strong>de</strong>rmos o processo da vida, seja por intermédio da<br />
ciência ou não. A vida é muito mais contemplativa que meras palavras ou<br />
formas <strong>de</strong> pensamento. Po<strong>de</strong> ser que cada indivíduo tenha uma forma <strong>de</strong><br />
pensar, que cada forma tenha a sua maneira <strong>de</strong> expressar-se. E é por esse<br />
motivo que <strong>de</strong>vemos fugir dos pares dicotômicos, pois a vida brinca com<br />
suas formas, não mostra on<strong>de</strong> irão ocorrer as bifurcações, e este é o seu<br />
gran<strong>de</strong> enigma. É importante também mostrar a finalida<strong>de</strong> <strong>de</strong>ste estudo para<br />
geografia. Em minha opinião, aprofundar-se nesta forma <strong>de</strong> pensar,<br />
rompendo com a <strong>dicotomia</strong> ser/ambiente, <strong>de</strong>senvolve em cada pessoa uma<br />
nova percepção embuída <strong>de</strong> novos valores, na estética, na ética, na arte, na<br />
filosofia, na religião, na própria essência e na maneira <strong>de</strong> encarar a vida.<br />
7028
Anais do X Encontro <strong>de</strong> Geógrafos da América Latina – 20 a 26 <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 2005 – Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> São Paulo<br />
Pensar o ambiente é perceber a sua intangibilida<strong>de</strong>. Pensar o ambiente na<br />
acepção da palavra, é senti-lo. É neste sentido que esta nova forma <strong>de</strong><br />
pensar se apresenta como uma gran<strong>de</strong> contribuição para ciência geográfica.<br />
É esta a visão mais profunda que o pensamento ambientalista po<strong>de</strong> nos<br />
fornecer.<br />
Antes que comecemos a falar <strong>de</strong>ssa nova forma <strong>de</strong> pensar, <strong>de</strong>ve-se<br />
fazer uma distinção importante no que diz respeito ao ecologismo e ao<br />
ambientalismo – ou, mais propriamente, ao ambiente. O primeiro, a ecologia,<br />
refere-se à parte mais técnica, mais direcionada para a implementação <strong>de</strong><br />
projetos relacionados à conservação <strong>de</strong> florestas, parques, reservas, ou<br />
seja, refere-se mais a fauna e a flora.... esta costuma mesclar o setor<br />
burocrático e legislativo com as áreas da biologia. A ecologia é bastante<br />
utilizada para as questões <strong>de</strong> curto prazo, <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> um certo pragmatismo,<br />
sendo muito usual nos países periféricos.<br />
Já a temática ambiental, refere-se às questões mais amplas, que<br />
perfazem o pensar <strong>de</strong> longo prazo, não estando ligada somente à parte<br />
técnica, mas também as outras áreas do segmento da <strong>socieda<strong>de</strong></strong>, tais como<br />
a economia, a política, a própria ecologia, a cultura com seus valores, a<br />
arte, a estética, a ética, o <strong>de</strong>senvolvimento, a filosofia, o misticismo e<br />
outros. O ambientalismo é bastante discutido nos países <strong>de</strong>senvolvidos, pelo<br />
simples fato <strong>de</strong>stes já terem ultrapassado somente questões <strong>de</strong> curto prazo.<br />
Isso também não significa dizer que estes países não as tenham, mas suas<br />
preocupações referem-se a uma dimensão mais ampla, relacionada ao<br />
direcionamento do futuro da humanida<strong>de</strong>. Então, <strong>de</strong>vemos, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> já,<br />
distinguir o ecologismo do ambientalismo, percebendo as diferentes escalas<br />
<strong>de</strong> abordagem que estas duas correntes nos proporcionam.<br />
A proposta <strong>de</strong>ste trabalho, por se tratar <strong>de</strong> uma abordagem teórica<br />
sobre o <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong>sta nova forma <strong>de</strong> pensar e suas possíveis<br />
contribuições para geografia, preten<strong>de</strong> situar-se mais em torno da temática<br />
ambiental, em <strong>de</strong>trimento do ecologismo. A temática ambiental tem uma<br />
profunda filosofia por trás <strong>de</strong> seus questionamentos – o que certamente fará<br />
<strong>de</strong>ste trabalho um ensaio filosófico do espaço – no que se refere a todos os<br />
segmentos da <strong>socieda<strong>de</strong></strong>. Sem dúvida alguma este é o século da ciência da<br />
vida, da vida entendida numa dimensão mais ampla; o século que busca uma<br />
nova forma <strong>de</strong> relacionamento da espécie humana com o restante do<br />
cosmos. O século das conexões. E a própria ciência já começa a dar sinais<br />
<strong>de</strong> mudanças na direção <strong>de</strong>stas conexões. A <strong>socieda<strong>de</strong></strong> do século XXI vem se<br />
7029
Anais do X Encontro <strong>de</strong> Geógrafos da América Latina – 20 a 26 <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 2005 – Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> São Paulo<br />
mobilizando para estas mudanças que parecem estar ganhando os seus<br />
primeiros ecos. O processo <strong>de</strong> criação da vida é muito diferente do que<br />
pensávamos. Ele tem tantos princípios subjacentes que po<strong>de</strong>mos consi<strong>de</strong>rálo<br />
uma lógica, a lógica da brinca<strong>de</strong>ira; na verda<strong>de</strong>, gostaríamos <strong>de</strong> chama-lo<br />
<strong>de</strong> “lógica da vida” (wheatley, 1996). Os elementos principais <strong>de</strong>ssa “lógica”<br />
se evi<strong>de</strong>nciam na obra recente <strong>de</strong> vários cientistas que investigam o modo<br />
como a vida vem a ser (wheatley,1996,14):<br />
• Tudo está num processo constante <strong>de</strong> <strong>de</strong>scoberta e criação:<br />
Tudo está mudando o tempo todo. As pessoas, os sistemas, os ambientes, as<br />
regras, os processos evolutivos. Até a mudança muda. Cada organismo<br />
reinterpreta as regras, cria exceções para si mesmo, cria novas regras.<br />
• A vida usa a <strong>de</strong>sor<strong>de</strong>m para chegar a soluções bem or<strong>de</strong>nadas:<br />
A vida não parece compartilhar do nosso do nosso <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> eficiência e<br />
esmero. Ela se vale da redundância, da imprecisão, <strong>de</strong> <strong>de</strong>nsas teias <strong>de</strong><br />
relacionamentos e <strong>de</strong> uma incansável ca<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> tentativas e erros para<br />
<strong>de</strong>scobrir o que realmente funciona.<br />
• A vida quer <strong>de</strong>scobrir o que funciona, não o que é “certo”:<br />
O importante é a capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> continuar encontrando soluções; toda<br />
solução é temporária. Não há respostas permanentes. O que mantém o<br />
organismo vivo é a capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> continuar mudando, <strong>de</strong> <strong>de</strong>scobrir o que<br />
funciona no momento.<br />
• A vida cria mais possibilida<strong>de</strong>s a medida que trabalha com<br />
oportunida<strong>de</strong>s:<br />
Não existem “golpes <strong>de</strong> sorte”, estreitíssimos rasgos no tecido do espaçotempo<br />
que logo se fecham e <strong>de</strong>saparecem para sempre. As possibilida<strong>de</strong>s<br />
geram mais possibilida<strong>de</strong>s; elas são infinitas.<br />
• A vida ten<strong>de</strong> a or<strong>de</strong>m:<br />
Ela experimenta até <strong>de</strong>scobrir como formar um sistema capaz <strong>de</strong> manter<br />
diversos membros. Os seres experimentam uma gran<strong>de</strong> gama <strong>de</strong><br />
relacionamentos possíveis para <strong>de</strong>scobrir se são capazes <strong>de</strong> organizar-se<br />
num sistema que sustenta a vida. As explorações continuam até a<br />
<strong>de</strong>scoberta <strong>de</strong> um sistema. Então o sistema da estabilida<strong>de</strong> a seus membros,<br />
<strong>de</strong> modo que os seres sofram menos os efeitos bruscos da mudança.<br />
7030
Anais do X Encontro <strong>de</strong> Geógrafos da América Latina – 20 a 26 <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 2005 – Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> São Paulo<br />
• A vida se organiza em torno da i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>:<br />
Todo ser vivo busca <strong>de</strong>senvolver-se e preservar-se. A i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> é o filtro<br />
usado por todos organismos ou sistemas para compreen<strong>de</strong>r o mundo. Novas<br />
informações, novos relacionamentos, mudanças no ambiente – todas estas<br />
coisas são interpretadas através <strong>de</strong> um sentido <strong>de</strong> “eu”. Essa tendência <strong>de</strong><br />
auto-criação é tão forte que chega a criar um aparente paradoxo: O<br />
organismo muda para manter a própria i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>.<br />
• Tudo participa na criação e evolução do que tem a sua volta:<br />
Não existem seres isolados e impassíveis. Não existe sistema que <strong>de</strong>termine<br />
as condições <strong>de</strong> outro sistema. Todos participam juntos na criação <strong>de</strong> suas<br />
condições <strong>de</strong> inter<strong>de</strong>pendência.<br />
Nosso papel – sabendo que estamos passando por uma transição<br />
cultural sem prece<strong>de</strong>ntes – é o <strong>de</strong> tentar enten<strong>de</strong>r da melhor maneira<br />
possível, se assim po<strong>de</strong>mos <strong>de</strong>signar, esta nova maneira <strong>de</strong> percebermos a<br />
nossa ligação individual com o restante da <strong>natureza</strong>. Seja esta feita por<br />
intermédio da ciência, da religião, da filosofia, do misticismo ou por outra<br />
forma qualquer <strong>de</strong> conhecimento existente da <strong>natureza</strong> humana.<br />
A proposta objetivada na elaboração <strong>de</strong>ste artigo é a <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>monstrar a importância do entendimento do espaço estrutural – termo<br />
criado por mim, com intuito único <strong>de</strong> percebermos as transformações das<br />
concepções novas acerca da estrutura da matéria – na configuração <strong>de</strong> uma<br />
nova visão sobre o que chamamos <strong>de</strong> espaço geográfico. O termo espaço<br />
estrutural será ainda citado no <strong>de</strong>correr <strong>de</strong>ste trabalho. Mas o que me refiro<br />
quando falo <strong>de</strong> espaço estrutural, está relacionado a ciência da vida,<br />
<strong>de</strong>scrito nos sete tópicos acima. Muitas ciências naturais da atualida<strong>de</strong> estão<br />
convergindo para investigação <strong>de</strong> como a vida funciona, e não mais na<br />
direção <strong>de</strong> como ela surgiu. A esta investigação, eu <strong>de</strong>i o nome <strong>de</strong> espaço<br />
estrutural. Meu intuito principal é mostrar a importância <strong>de</strong>ste espaço<br />
estrutural na configuração do enten<strong>de</strong>mos por espaço geográfico. Assim<br />
esperamos que este trabalho possa contribuir um pouco <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong>sta gran<strong>de</strong><br />
mudança que está ocorrendo na casa Terra.<br />
AS DICOTOMIAS E A DICOTOMIA SOCIEDADE-NATUREZA: UMA CRISE DE<br />
NOSSA PERCEPÇÃO<br />
7031
Anais do X Encontro <strong>de</strong> Geógrafos da América Latina – 20 a 26 <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 2005 – Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> São Paulo<br />
Václav Havel<br />
“O tipo <strong>de</strong> esperança sobre a qual penso<br />
freqüentemente, é acima <strong>de</strong> tudo, um<br />
estado da mente, não um estado do<br />
mundo. Ou nós temos a esperança ou<br />
não temos. Ela está em nossa dimensão<br />
e não <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> necessariamente <strong>de</strong> uma<br />
<strong>de</strong>terminada visão <strong>de</strong> mundo ou <strong>de</strong><br />
qualquer avaliação da situação atual. A<br />
esperança não é a convicção <strong>de</strong> que as<br />
coisas vão dar certo, mas a certeza <strong>de</strong><br />
que elas tem sentido, como quer que<br />
venham a terminar.”<br />
A esperança, ou mais propriamente a perspectiva, é algo extinto<br />
ha muito tempo <strong>de</strong>ntro da aca<strong>de</strong>mia ou da própria ciência como um todo.<br />
Talvez o motivo pelo qual isso ocorre é a incapacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> lidarmos com<br />
questões, que <strong>de</strong> tão complexas que se tornaram, acabaram por confundirnos<br />
cada vez mais, ao invés <strong>de</strong> nos fornecer diretrizes e perspectivas. O que<br />
a acaba ocorrendo, <strong>de</strong> maneira generalizada, é exatamente a falta <strong>de</strong><br />
perspectivas quanto a ciência e a realida<strong>de</strong> em que vivemos. Assim, a ética,<br />
a estética, a arte, as instituições em geral, a maneira <strong>de</strong> nos relacionarmos<br />
entre nós e com o restante da <strong>natureza</strong>, acabam sendo afetados pela forma<br />
como pensamos o mundo <strong>de</strong> hoje. Tudo isso vem sendo colocado em pauta<br />
<strong>de</strong> discussões no que estamos acostumados a enten<strong>de</strong>r como complexida<strong>de</strong>,<br />
novo paradigma ou ainda teoria dos sistemas dinâmicos. Nas palavras <strong>de</strong><br />
E.F. KELLER (apud SCHNITMAN, 1994);<br />
7032<br />
“A ciência, os processos culturais estão<br />
socialmente construídos, recursivamente<br />
interconectados: constituem um sistema aberto.<br />
Precisamente <strong>de</strong>stas interfaces, <strong>de</strong> suas<br />
<strong>de</strong>scentralizações e conflitos surgem aquelas<br />
configurações científico-culturais complexas<br />
que conformam e caracterizam o espírito que<br />
atravessa uma época. Sem dúvida, essas<br />
configurações transversais são<br />
multidimencionais; não são nem homogêneas
Anais do X Encontro <strong>de</strong> Geógrafos da América Latina – 20 a 26 <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 2005 – Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> São Paulo<br />
E ainda;<br />
nem estáticas, e sim apresentam polarizações<br />
antinômicas e <strong>de</strong>nsida<strong>de</strong>s diversas.”<br />
“...or<strong>de</strong>m era o que podia ser classificado,<br />
analisado, incorporado no discurso racional; a<br />
<strong>de</strong>sor<strong>de</strong>m estava ligada ao caos e, por<br />
<strong>de</strong>finição, não podia ser expressada, exceto<br />
mediante generalizações estatísticas. Os<br />
últimos 20 anos assistiram a uma reavaliação<br />
radical <strong>de</strong>ssa perspectiva, já que na ciência, na<br />
cultura e na terapia contemporâneas, o caos, a<br />
<strong>de</strong>sor<strong>de</strong>m e a crise foram conceitualizados<br />
muito mais como informações complexas do<br />
que ausência <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m.”<br />
Estes estudos <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> complexida<strong>de</strong>, o novo paradigma ou<br />
como prefiro chamar em meu trabalho – o espaço estrutural – são <strong>de</strong> vital<br />
importância para geografia, no que diz respeito a uma profunda modificação<br />
epistemológica que encaminha nós geógrafos para novas formas <strong>de</strong> enxergar<br />
o mundo. Percebemos que se há uma crise na ciência, sendo a geografia um<br />
segmento <strong>de</strong>sta ciência, não po<strong>de</strong>mos continuar a produzir<br />
<strong>de</strong>senfreadamente ignorando esta crise, <strong>de</strong>vemos, pois, prestar atenção para<br />
as modificações na configuração <strong>de</strong> uma renovada base científica que<br />
começa a aparecer no início do século XX, se esten<strong>de</strong>ndo até o presente<br />
século XXI. Uma verda<strong>de</strong>ira mudança <strong>de</strong> paradigma segundo Kuhn (1962,<br />
87)<br />
É este espaço estrutural, precisamente, que se constitui como<br />
base para que a ciência continue na vanguarda da <strong>socieda<strong>de</strong></strong> atual,<br />
resgatando a ética para com o restante da <strong>natureza</strong>, resgatando nossa<br />
perspectiva enquanto cientistas e enquanto pessoas, pois foi exatamente a<br />
visão do universo como uma gran<strong>de</strong> máquina que nos levou a gran<strong>de</strong><br />
fragmentação – especialmente a científica. De nada adianta estarmos<br />
sentados frente aos quadros <strong>de</strong> nossas universida<strong>de</strong>s (que pelo menos no<br />
nome, <strong>de</strong>veria nos fornecer conhecimentos universais) sem saber o real<br />
motivo pelo qual o fazemos. É evi<strong>de</strong>nte que as humanida<strong>de</strong>s já remontam a<br />
idéia <strong>de</strong>ste novo paradigma há muito tempo, mas o fato curioso e<br />
transformador, é que as ciências, ditas exatas, começam a ce<strong>de</strong>r ao<br />
7033
Anais do X Encontro <strong>de</strong> Geógrafos da América Latina – 20 a 26 <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 2005 – Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> São Paulo<br />
enigmático, reconfigurando por inteiro toda forma <strong>de</strong> fazermos ciência. E<br />
mais curioso ainda, é que estas ciências exatas são as gran<strong>de</strong>s<br />
responsáveis pela visão <strong>de</strong> mundo estruturada a partir do Renascimento<br />
Cultural e do Iluminismo. Isto significa uma mudança <strong>de</strong> postura fundamental<br />
no reor<strong>de</strong>namento <strong>de</strong> nossas idéias, valores e perspectivas.<br />
Temos que ter perspectivas, saber o motivo pelo qual estamos<br />
neste lugar, saber exatamente em que sentido po<strong>de</strong>mos e <strong>de</strong>vemos<br />
contribuir, pois é isso que nos mostra caminhos, que nos fornece vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
viver. Nas palavras <strong>de</strong> John Berger (apud Wheatley, 2002, 27);<br />
“Não há continuida<strong>de</strong> entre as ações, não há<br />
pausas, caminhos, padrões, nem passado ou<br />
futuro. Apenas o caminho do presente<br />
fragmentado. Há surpresas e sensações em<br />
toda parte, mas não há saída e lugar nenhum.<br />
Nada flui; tudo obstrui.”<br />
Partindo exatamente <strong>de</strong>ste princípio – <strong>de</strong> que <strong>de</strong>vemos resgatar<br />
nossas perspectivas – estudaremos aqui os pares dicotômicos a luz <strong>de</strong>sta<br />
nova visão do espaço estrutural, que contemplam diversas teorias, teorias<br />
estas que remontam uma gran<strong>de</strong> transformação da percepção da “realida<strong>de</strong>”<br />
em que vivemos. Não nos cabe aqui partir em <strong>de</strong>fesa <strong>de</strong> alguma teoria em<br />
específico, mas, literalmente, atacar e <strong>de</strong>sconstruir essa visão clássica que<br />
nos permitiu enxergar a vida como uma máquina por muito tempo. Creio eu<br />
que seja esta contribuição um espaço bastante reduzido para dialogar a<br />
respeito do restante da <strong>natureza</strong>, mas já me sinto grato por fazê-lo, pois as<br />
mudanças ocorrem <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> processos. E temos todos que ter plena<br />
convicção <strong>de</strong> que somos este processo. Precisamos romper com a visão<br />
dicotômica entre nós e o restante da <strong>natureza</strong>, precisamos construir uma<br />
nova forma <strong>de</strong> pensar que nos traga novas perspectivas, que nos traga<br />
novamente o orgulho <strong>de</strong> sermos humanos, <strong>de</strong> sermos pessoas que pensam a<br />
própria vida em suas jornadas, que reflitam a respeito do que é bom para o<br />
mundo em que vivemos. Segundo Moreira (2004,31);<br />
7034<br />
“Nunca nos perguntamos se po<strong>de</strong>mos conceber<br />
a <strong>natureza</strong> <strong>de</strong> um outro modo, embora não é
Anais do X Encontro <strong>de</strong> Geógrafos da América Latina – 20 a 26 <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 2005 – Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> São Paulo<br />
difícil percebermos que isto é plenamente<br />
possível. O fato que a própria história da<br />
ciência nos ensina é que cada época histórica<br />
cria sua própria concepção <strong>de</strong> <strong>natureza</strong>, uma<br />
vez que toda época é orientada pela concepção<br />
<strong>de</strong> <strong>natureza</strong> que melhor se vincula as<br />
necessida<strong>de</strong>s culturais do melhor<br />
relacionamento dos homens com seu mundo.”<br />
E ainda;<br />
“A concepção <strong>de</strong> <strong>natureza</strong> atual é a que nasce<br />
relacionada ao projeto histórico da construção<br />
da base material, técnica, do capitalismo.<br />
Evoluindo, sem mudar sua substância.”<br />
É também evi<strong>de</strong>nte que quando estudamos este espaço estrutural,<br />
nosso intuito não é criar uma outra categoria, mas apenas incluir esta<br />
percepção no espaço geográfico. Apenas mostrar a importância <strong>de</strong>sta nova<br />
forma <strong>de</strong> enxergarmos a vida e o restante da <strong>natureza</strong>, inserindo-as no<br />
espaço geográfico <strong>de</strong> nosso cotidiano, como espécie humana que habita o<br />
restante do universo.<br />
Falaremos <strong>de</strong> mais alguns pares dicotômicos neste trabalho, até<br />
chegarmos a <strong>dicotomia</strong> entre <strong>socieda<strong>de</strong></strong>-<strong>natureza</strong>. Na parte 4 <strong>de</strong> meu<br />
trabalho completo) encaixaremos os “frutos” <strong>de</strong>sta discussão nos conceitos<br />
fundamentais que compõem o espaço estrutural. Na parte 4 (não incluída<br />
neste artigo) trataremos diretamente do espaço estrutural – com as teorias<br />
abaixo <strong>de</strong>stacadas – mostrando as repercussões do espaço estrutural no<br />
espaço geográfico:<br />
• Teoria das estruturas dissipativas, <strong>de</strong> Ilya Prigogine.<br />
• Teoria da autopoiese e cognição, <strong>de</strong> Humberto Maturana e Francisco<br />
Varela.<br />
• Os escritos <strong>de</strong> Gregory Bateson sobre uma nova maneira <strong>de</strong> se perceber<br />
a cognição.<br />
• A teoria da matriz <strong>de</strong> espalhamento, ou matriz S (do inglês scattering<br />
matrix), ou ainda física bootstrap (nome mais mais conhecido e<br />
divulgado).<br />
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Anais do X Encontro <strong>de</strong> Geógrafos da América Latina – 20 a 26 <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 2005 – Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> São Paulo<br />
• Teoria do Caos e fractalida<strong>de</strong>.<br />
Não é <strong>de</strong> meu intuito reavaliar os conceitos já existentes na<br />
geografia, mas tentar fazer algumas analogias das teorias que compõem o<br />
espaço estrutural para <strong>de</strong>pois aplicarmos no nosso espaço geográfico. Por<br />
questões apenas didáticas, separaremos aqui neste capítulo outros<br />
importantes pares dicotômicos, fazendo uma analogia com algumas teorias<br />
colocadas acima.<br />
A <strong>dicotomia</strong> espírito e matéria – On<strong>de</strong> está a religião?<br />
O que será que constitui o corpo humano? Porque estamos aqui?<br />
De on<strong>de</strong> viemos? Para on<strong>de</strong> iremos? Estas são questões que nos intrigam.<br />
Temos medo da morte. Não, na verda<strong>de</strong> temos medo do nada, pois o nada<br />
nos faz pensar na morte. Então pensamos que <strong>de</strong>vemos construir algo, que<br />
não nos faça pensar no nada ou na morte. Devemos, pois, nos tornar fixos<br />
no restante do ambiente. Somos nôma<strong>de</strong>s, precisamos nos <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r das<br />
intempéries e dos aci<strong>de</strong>ntes. Pensamos primeiramente em continuar vivos,<br />
<strong>de</strong>vemos ter alimentos. Plantemos os mesmos alimentos ao nosso lado ao<br />
invés <strong>de</strong> caçarmos como os outros animais. Pronto, eis que surge a<br />
revolução agrícola. Agora que temos o alimento, <strong>de</strong>vemos criar condições <strong>de</strong><br />
sobrevivência, <strong>de</strong> sobrevivência que nos habilite a viver cada vez mais, pois<br />
somos frágeis como o restante da <strong>natureza</strong>. Devemos nos proteger do<br />
“resto”, do que nos cerca. O valor fundamental é a vida. Temos que<br />
permanecer vivos <strong>de</strong> qualquer maneira, a qualquer custo, pois não sabemos<br />
o que é a morte, não sabemos porque estamos aqui, logo <strong>de</strong>vemos<br />
aproveitar a vida. É <strong>de</strong>finitivamente bom estarmos vivos. Então façamos uma<br />
revolução a favor da vida. Façamos então a revolução científica. Valorizemos<br />
então cada vez mais a vida! Cada vez mais. O intuito único é estar aqui o<br />
máximo <strong>de</strong> tempo possível. Devemos aproveitar a vida, pois não sabemos<br />
para on<strong>de</strong> iremos, muito menos <strong>de</strong> on<strong>de</strong> viemos. Aproveitemos então a vida,<br />
pois ela tem um fim. É limitada, dura pouco. Devemos então prolonga-la.<br />
Evitar ao máximo o seu fim. Mas para isso <strong>de</strong>vemos nos proteger cada vez<br />
mais do “resto da <strong>natureza</strong> ”. Façamos então a revolução industrial. Será que<br />
há um fim? Não sabemos. O que representa o fim para nós? E o começo?<br />
Nos perguntamos então o que significa estar aqui, simplesmente estar aqui<br />
vivendo? Mas e o nada? Aceitamos o nada? Não basta somente estar aqui?<br />
Isso é muito pouco! Estar aqui sem fazer absolutamente nada? Como iremos<br />
permanecer parados se sabemos que iremos morrer? Nós somos os únicos<br />
que sabemos que iremos morrer! Não temos respostas para tantas<br />
7036
Anais do X Encontro <strong>de</strong> Geógrafos da América Latina – 20 a 26 <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 2005 – Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> São Paulo<br />
perguntas. Então <strong>de</strong>vemos viver da melhor maneira possível. E percebemos<br />
que <strong>de</strong>vemos nos relacionar uns com os outros cada vez mais. Devemos<br />
melhorar nossas relações. Mas como? É neste momento que <strong>de</strong>scobrimos<br />
que há terras a <strong>de</strong>svendar, novas relações são possíveis. Então <strong>de</strong>vemos<br />
<strong>de</strong>scobrir formas mais evoluídas <strong>de</strong> nos movimentar-mos no espaço. E<br />
po<strong>de</strong>mos fazer isso? Nossas respostas para com as questões referentes a<br />
morte são breves, vagas, incertas. Mas sabemos disso, temos “plena<br />
certeza” <strong>de</strong> que iremos morrer um dia. Então façamos a realida<strong>de</strong> da maneira<br />
como queremos. Façamos da breve vida algo <strong>de</strong> esplêndido prazer. Façamos<br />
uma revolução na forma <strong>de</strong> nos movimentarmos. Façamos a revolução<br />
energética. Façamos então a realida<strong>de</strong>. Vamos construí-la! Façamos as<br />
casas, as ruas, os carros, os prédios, façamos a arte. Façamos da nossa<br />
razão a verda<strong>de</strong>, a realida<strong>de</strong>. Façamos da nossa verda<strong>de</strong> o real, e do que<br />
não temos certeza, o não real. Mas qual a origem <strong>de</strong> tudo? Qual é a<br />
essência? O que é Tudo? Damos uma resposta <strong>de</strong> imediato. Deus? Ele nos<br />
cria? Nos fornece o espírito, a força para lutarmos pela vida? Nos faz<br />
matéria dotada <strong>de</strong> força para viver? Também não sabemos nada sobre Deus.<br />
Não sabemos do que somos feitos. Somos apenas matéria? Não, isso é<br />
muito simples! Vamos procurar então a origem da matéria. Reduzamos então<br />
nossos corpos a pequenos fragmentos. E busquemos cada vez mais a origem<br />
<strong>de</strong>stes pequenos fragmentos. Eureca! Descobrimos o DNA. Descobrimos os<br />
cromossomos. Descobrimos os genes, as moléculas, os átomos, os elétrons.<br />
Façamos então uma revolução genética. Pronto. Brincaremos <strong>de</strong> Deus? A<br />
criatura <strong>de</strong>scobre-se como criador? A ciência triunfa? Mais <strong>de</strong> on<strong>de</strong> veio o<br />
DNA, os genes, tudo que existe?<br />
Será que a ciência triunfa? Sabemos que algo macabro e<br />
impenetrável existe, mesmo não sabendo se este algo realmente existe da<br />
forma como enten<strong>de</strong>mos a própria existência. E parece contraditório. Sim, é<br />
contraditório mesmo. Então a vida é uma contradição? Sim, <strong>de</strong>scobrimos que<br />
a vida se estabiliza a partir do metabolismo, das conexões não lineares<br />
geradas pelas inúmeras ligações químicas. É a <strong>de</strong>sor<strong>de</strong>m que nos mantém<br />
vivos? Ou esta <strong>de</strong>sor<strong>de</strong>m po<strong>de</strong> ser a or<strong>de</strong>m do “resto da <strong>natureza</strong>”?<br />
O fato é que há diversas questões que certamente intrigam a<br />
todos os seres humanos, uns mais, outros menos. Mas <strong>de</strong> fato, todos nós<br />
passamos por uma fase evolutiva no que diz respeito a estas idéias<br />
colocadas acima e muitas outras. Evolutiva, não no sentido positivo ou<br />
negativo, mas no sentido <strong>de</strong> pensarmos nestas idéias, questionando-as<br />
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sempre. O ser humano sempre irá se questionar. Ele <strong>de</strong>ve respon<strong>de</strong>r suas<br />
questões? Sim, precisamos das certezas. Mas existem certezas? Sim,<br />
existem certezas! Mas as certezas são falsas verda<strong>de</strong>s. Então não existem<br />
verda<strong>de</strong>s? Não. Será que <strong>de</strong>vemos nos perguntar, nos questionar diante <strong>de</strong><br />
tudo? Será que sabemos viver? Sim, sabemos! Será que sabemos morrer?<br />
Não, creio que estamos começando a apren<strong>de</strong>r a morrer.<br />
Esse par dicotômico, espirito/matéria, tem uma profunda difusão<br />
no pensamento oci<strong>de</strong>ntal, influenciando toda filosofia e mais recentemente,<br />
nossa ciência. Nossa cultura oci<strong>de</strong>ntal tem gran<strong>de</strong>s dificulda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> crer em<br />
algo não material que influencie a nossa vida. Mas há bastante motivos para<br />
começarmos a acreditar no que não estamos enxergando ou tocando. Nossa<br />
vida é completa. E se questionássemos que até mesmo nascer e morrer<br />
po<strong>de</strong>m ser breves categorias filosóficas criadas por nós para validar nossa<br />
importância enquanto entida<strong>de</strong>s particulares(ego) neste mundo? Não<br />
po<strong>de</strong>ríamos também ver o nascer e o morrer como uma simples transição?<br />
Afinal, o aparecimento e o <strong>de</strong>saparecimento da Lua, do Sol, das estrelas,<br />
não são <strong>de</strong> forma alguma um sinal <strong>de</strong> interrupção. O vazio é apenas<br />
aparência, não é <strong>de</strong> maneira alguma o nada. Nada po<strong>de</strong> se anular. E o rio?<br />
Corre incessantemente, mas por que a água não se acaba?<br />
Neste sentido, e só nele, <strong>de</strong>vemos <strong>de</strong>sfazer um equívoco. Dizer<br />
que “nada existe” não é o mesmo que dizer que “as coisas não existem”.<br />
Talvez a primeira afirmação seja equivocada, mas a segunda não. On<strong>de</strong> está<br />
a religião? Nas conexões ocultas (Capra,2002) a nossos olhos. O mágico e o<br />
belo surgem aos nossos olhos no exato momento em que <strong>de</strong>svendamos<br />
novas conexões. Mas a separação é ilusão. As conexões são obras <strong>de</strong> nosso<br />
pensamento. Uma frase <strong>de</strong> Lao Tsé (apud Watts, 1975,117) um sábio taoísta,<br />
nos mostra isso:<br />
“Na origem da distinção, fez-se o nome. Com o<br />
nome, a existência. Com a existência o saber e<br />
o limite.”<br />
Neste sentido e só nele, <strong>de</strong>vemos ser religiosos (do grego<br />
religare). Pois não sabemos da completu<strong>de</strong> da vida em sua essência mais<br />
íntima. O que ainda esta por vir. E isto que ainda esta por vir é um gran<strong>de</strong><br />
mistério, in<strong>de</strong>cifrável a priori. In<strong>de</strong>cifrável para nós humanos, para toda<br />
condição <strong>de</strong> vida existente. Mas também não <strong>de</strong>vemos confundir esta<br />
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religiosida<strong>de</strong> acima com a religiosida<strong>de</strong> institucional. A das igrejas, das<br />
mesquitas, das sinagogas e dos templos por mais diversos que sejam. Esta<br />
religiosida<strong>de</strong> <strong>de</strong>scrita acima refere-se a introspecção. Mas o olhar para<br />
<strong>de</strong>ntro, não é olhar para o interior, pois quando se olha para nossa condição<br />
essencial, vemos que somos muito mais do que pensamos ser, não existindo<br />
limites nem mesmo entre interior ou exterior. Até mesmo nossas palavras e<br />
nossa linguagem, tornam-se breves, incompletas e impróprias para revelarnos<br />
sobre nossa essência. E é exatamente neste momento que respon<strong>de</strong>mos<br />
a pergunta do subtítulo; “On<strong>de</strong> está a religião?” Está na forma particular <strong>de</strong><br />
cada pessoa em ver o mundo. Está nas respostas que cada pessoa encontra<br />
para respon<strong>de</strong>r suas inquietações. Eis que vos apresento então a<br />
complexida<strong>de</strong> da vida em sua beleza. Um oceano <strong>de</strong> possibilida<strong>de</strong>s.<br />
A <strong>dicotomia</strong> mente e corpo – será que po<strong>de</strong>mos aprisionar a mente no<br />
cérebro?<br />
Pensamos que o cérebro seja o gran<strong>de</strong> local on<strong>de</strong> a mente<br />
funciona. Mas será que já pensamos sobre os limites do cérebro? Será que<br />
sabemos on<strong>de</strong> começa ou termina uma informação em nossos corpos? Não<br />
seria mais plausível imaginar a informação como processo? Afinal, ela está<br />
em todas as nossas células, e não só em um único orgão <strong>de</strong> nosso corpo – o<br />
cérebro.<br />
A infinitu<strong>de</strong> do pensamento humano não nos incita a criar limites?<br />
Acreditamos sempre na distinção entre mente e corpo, como se um fosse<br />
não físico e outro físico. Mas não <strong>de</strong>veríamos imaginar a mente como um<br />
processo informacional que vem dar consistência mais <strong>de</strong>nsa as partículas e<br />
a tudo que existe, incluindo a própria matéria? Se po<strong>de</strong>mos afirmar que a<br />
mente existe, não <strong>de</strong>veríamos perguntar on<strong>de</strong> ela está? Po<strong>de</strong>ríamos até<br />
afirmar que a informação acontece sobre a forma <strong>de</strong> <strong>de</strong>scargas elétricas que<br />
as ligações químicas fazem entre si. Mas o que seriam então estas ligações<br />
químicas? O que seriam estas moléculas que fazem ligações químicas? Não<br />
seriam átomos, ou mais precisamente elétrons? Ou quantuns? E numa<br />
escala cada vez menor, não chegaríamos a condição <strong>de</strong> algo não material,<br />
como um complexo emaranhado <strong>de</strong> ondas? E nesse momento, não<br />
po<strong>de</strong>ríamos nos perguntar on<strong>de</strong> estão os limites entre a informação e o local<br />
que armazena esta informação? Será mesmo que existe um momento exato<br />
em que algo que não existe passa a existir? Ou seria mais plausível afirmar<br />
que a mente é um processo que se con<strong>de</strong>nsa e se <strong>de</strong>scon<strong>de</strong>nsa num<br />
processo?<br />
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Neste momento não estaríamos invertendo o pensamento <strong>de</strong> que<br />
somos corpos sólidos dotados <strong>de</strong> mente, para o pensamento <strong>de</strong> que somos<br />
um processo mental que se materializa em diferentes formas num ciclo <strong>de</strong><br />
novas relações? Não seria o corpo (no sentido mais amplo <strong>de</strong> objeto) o<br />
“produto final” do processo <strong>de</strong> criação da informação? Afinal, o próprio corpo<br />
não é completamente instável sob o ponto <strong>de</strong> vista estrutural? Nós<br />
precisamos da instabilida<strong>de</strong> das nossas reações metabólicas para nos<br />
mantermos vivos. Este pensamento invertido não nos leva a crer que a vida<br />
é algo parecido com uma constante transição disfarçada em diferentes<br />
formas? Po<strong>de</strong>mos mesmo dizer qual é o limite preciso entre a mente e o<br />
corpo? Po<strong>de</strong>mos mesmo dizer que há um e outro? Será que a mente se<br />
restringe ao cérebro ou ao restante das materializações con<strong>de</strong>nsadas no<br />
restante da <strong>natureza</strong>? Devemos mesmo perguntar por isso? E mais, <strong>de</strong>vemos<br />
mesmo respon<strong>de</strong>r a essa questão?<br />
A <strong>dicotomia</strong> sujeito e objeto – Nós somos mesmo sujeitos racionais<br />
diante do gran<strong>de</strong> objeto <strong>natureza</strong>?<br />
Como é que surge o sujeito? E a própria noção <strong>de</strong> objeto? O que<br />
representa um e outro? A razão é o que diferencia o ser humano dos outros<br />
animais? O que Descartes queria nos dizer quando afirmou com sua frase<br />
famosa – “penso, logo existo”? É o fato <strong>de</strong> pensar que o faz existir? Ou seria<br />
ao contrário? Não é o fato <strong>de</strong> existir que o faz pensar? Não. Isso também é<br />
dicotômico! Não estamos procurando limites para algo imensurável? Penso<br />
que ao tentarmos <strong>de</strong>svendar cada palavra <strong>de</strong> nossa linguagem vamos<br />
inevitavelmente ao encontro <strong>de</strong> todas as outras já existentes. Pois a<br />
linguagem <strong>de</strong>senvolvida por nós é em sua totalida<strong>de</strong> conectada, é uma re<strong>de</strong>,<br />
mas uma re<strong>de</strong> finita a observação <strong>de</strong>senvolvida (estritamente) pelos seres<br />
humanos.<br />
É exatamente isso que ocorre com o par sujeito/objeto. Quando<br />
tentamos <strong>de</strong>svendar o que é o objeto, percebemos que não há limites<br />
precisos entre este (o objeto) e nós (os sujeitos <strong>de</strong>sta investigação). Mas e<br />
se pensamo-nos como extensão <strong>de</strong>ste gran<strong>de</strong> objeto imaginado por nós? Não<br />
veríamos que na verda<strong>de</strong> não existe um ou outro, mas sim um processo, algo<br />
que continua a transformar-se incessantemente? E não seria este algo o<br />
processo informacional? Não po<strong>de</strong>ríamos resgatar Goethe? “sinto, logo<br />
existo”. Não importa o que sentimos e sim que estamos aqui para sentir.<br />
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Socieda<strong>de</strong> e Natureza – Das categorias filosóficas para os conceitos<br />
científicos.<br />
É evi<strong>de</strong>nte para nós que o espaço geográfico não po<strong>de</strong> ser<br />
<strong>de</strong>finido com exata precisão. Se alguém duvida, então diga-me qual é o seu<br />
limite! É <strong>de</strong>sta perspectiva que os geógrafos <strong>de</strong> hoje encontram sérias<br />
dificulda<strong>de</strong>s ao tentar explicar o que é o espaço geográfico, o “objeto” <strong>de</strong><br />
nossos estudos. Aliás, qualquer teoria científica que se preze nos dias mais<br />
recentes, não se afirma como verda<strong>de</strong>ira. É <strong>de</strong>ste ponto fundamental que<br />
<strong>de</strong>senvolveremos, daqui para frente, a tentativa <strong>de</strong> mostrar a importância do<br />
espaço estrutural na nossa visão do espaço geográfico. Não po<strong>de</strong>mos ver o<br />
espaço geográfico como um sistema fechado, como um objeto limitado. E é<br />
exatamente por este motivo que se faz necessário o estudo do espaço<br />
estrutural. Um espaço estrutural que ganha duplo sentido. Primeiramente o<br />
<strong>de</strong> mostrar a evolução do pensamento matemático na ciência como um todo,<br />
posteriormente o <strong>de</strong> mostrar as sérias transformações <strong>de</strong>senca<strong>de</strong>adas nas<br />
ciências a medida que este pensamento se modifica e também evolui. Há, é<br />
claro, rupturas paradigmáticas, mas é também evi<strong>de</strong>nte a evolução científica,<br />
no sentido <strong>de</strong> se reconstruir novas or<strong>de</strong>ns, novas maneiras <strong>de</strong> se enxergar o<br />
“real” construído por nós. Neste momento po<strong>de</strong>mos ver duas diferentes<br />
perspectivas <strong>de</strong>ntro da ciência. Duas perspectivas que não se excluem:<br />
• Uma que continua encaminhando suas discussões vendo a diferença<br />
fundamental entre o concreto e o simbólico, num eventual movimento<br />
dialético que consi<strong>de</strong>ra didaticamente importante a explicação por<br />
intermédio das dualida<strong>de</strong>s originadas da razão instituída no<br />
Renascimento Cultural e no Iluminismo.<br />
• E outra que encaminha suas discussões em direção ao rompimento <strong>de</strong>sta<br />
diferença fundamental entre o concreto e simbólico. É exatamente aqui<br />
que entra o espaço estrutural, ou as novas perspectivas do pensamento<br />
matemático.<br />
Consi<strong>de</strong>rações finais<br />
Como já dito mais acima, não estudaremos o espaço estrutural aqui<br />
neste trabalho. Simplesmente pela limitação do espaço oferecido para<br />
publicação. Mas a proposta ou objetivo principal foi justamente introduzi-los<br />
ou familiarizai-los com os diversas pares dicotômicos do pensamento<br />
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oci<strong>de</strong>ntal, além da tentativa <strong>de</strong> trazer <strong>de</strong> volta a perspectiva perdida pelos<br />
muitos estudantes <strong>de</strong> geografia da ciência mo<strong>de</strong>rna.<br />
Nossa metodologia permeou diferentes correntes referentes ao<br />
estudo do espaço geográfico. Optamos, pois, pela hermenêutica, não<br />
invalidando os outros métodos. Pelo contrário, vemos uma importância<br />
fundamental no que se refere a fazer conexões. Isso se dá também pelo fato<br />
<strong>de</strong> não consi<strong>de</strong>rarmos a hermenêutica como método restrito a<br />
fenomenologia. Não preten<strong>de</strong>mos fazer uma abordagem do espaço<br />
geográfico por intermédio da fenomenologia, assim como também não<br />
preten<strong>de</strong>mos abordá-lo pelo materialismo. Acreditamos – exatamente por<br />
intermédio da hermenêutica – que existe a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> sérias limitações<br />
quando se prioriza uma <strong>de</strong>ssas duas correntes. Nem mesmo acreditamos que<br />
elas sejam completas em si mesmas ou que exista uma e outra. É aqui que<br />
nasce o novo paradigma.<br />
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