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Entrevista - SBCC

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ENTREVISTA<br />

6<br />

Henrique Toma<br />

Doutor em Química e professor titular<br />

do Instituto de Química da Universidade<br />

de São Paulo – USP, Hen-<br />

rique E. Toma é um dos pioneiros no<br />

Brasil no estudo da nanotecnologia. A<br />

especialização é fruto de uma evolução<br />

na sua carreira acadêmica e do contato<br />

com o professor Henry Taube, titular na<br />

Universidade de Stanford, dos Estados<br />

Unidos, e Nobel de Química em 1983<br />

por suas pesquisas em sistemas inorgânicos.<br />

“Ele acreditava que a ciência<br />

poderia ser implantada em qualquer lugar,<br />

desde que tivesse suporte e condições.<br />

E ele acabou vindo para o Brasil<br />

dentro de um programa de intercâmbio<br />

com os Estados Unidos, ainda na década<br />

de 1970. Assim, surgiu um grupo<br />

acadêmico no Instituto de Química do<br />

qual faço parte até hoje e que está voltado<br />

à nanoquímica”, explica Toma.<br />

Atualmente, Toma está focado em<br />

estudos relacionados à nanotecnologia<br />

em diversas atividades e com aplicações<br />

que impactam positivamente o dia<br />

a dia das pessoas. “Em breve, os termos<br />

‘nanoestrutura’ e ‘nanotecnologia’<br />

serão varridos da história, pois será tão<br />

Instituto de Química da<br />

Universidade de São Paulo – USP<br />

comum a aplicação desses conceitos<br />

que eles irão se incorporar quase que<br />

naturalmente à evolução tecnológica de<br />

diversas áreas das ciências. A medicina,<br />

por exemplo, já tem medicamentos<br />

e procedimentos com nanotecnologia.<br />

E eles serão apresentados à sociedade<br />

como uma evolução da própria medicina”,<br />

diz Toma. “Por exemplo, ganhamos<br />

um prêmio na Europa, em 2006, por um<br />

produto inovador: um protetor solar que<br />

contém um sensor de exposição solar<br />

e que pode ser usado como um adesivo<br />

ou cartão. Quando muda de cor, é<br />

hora de se proteger do sol. Essa é uma<br />

patente da Agência USP de Inovação,<br />

mas que será percebida pela sociedade<br />

como uma evolução do produto na<br />

área de prevenção do câncer de pele”,<br />

completa.<br />

Para comentar um pouco mais sobre<br />

esse assunto e, inclusive, avaliar o<br />

impacto e áreas limpas, o dr. Henrique<br />

Toma recebeu a Revista da <strong>SBCC</strong>.<br />

Revista <strong>SBCC</strong>: Como o grupo de estu-<br />

do se aproximou da nanotecnologia?<br />

Henrique Toma: A presença do pro-<br />

Alberto Sarmento Paz<br />

fessor Henry Taube foi decisiva, pois o<br />

grupo de estudos incorporou a visão<br />

crítica da ciência e passou a desenvolver<br />

estudos na área de bioinorgânica<br />

para entender a importância<br />

dos elementos não convencionais, ou<br />

seja, aqueles que não são carbono,<br />

hidrogênio, oxigênio e nitrogênio. Era<br />

uma postura inovadora, na época,<br />

estudar a bioquímica fora do contexto<br />

orgânico. O desafio era “copiar” a natureza<br />

e criar moléculas sintéticas que<br />

pudessem fazer a mesma função das<br />

naturais, o chamado biomimetismo. Os<br />

estudos rapidamente levaram a mais<br />

um questionamento: como funcionam<br />

os ciclos ativos do sistema biológico?<br />

Nesse momento, ficou evidente que as<br />

biomoléculas atuam como verdadeiras<br />

máquinas formadas pela junção de várias<br />

partes necessárias para que elas<br />

efetivamente funcionem. A divulgação<br />

do conceito de química supramolecular,<br />

cujo maior incentivador foi o francês<br />

Jean-Marie Lehn, abriu novos caminhos<br />

para a interdisciplinaridade entre<br />

as áreas de química, biologia, física e<br />

engenharia.<br />

Foto: Luiz Pelegrini / Estúdio Ricardo Hara


Revista <strong>SBCC</strong>: Nesse momento o gru-<br />

po não estudava nanotecnologia?<br />

Henrique Toma: O conhecimento é<br />

uma sucessão de eventos. O conceito<br />

supramolecular mostrou um contraste<br />

com a química em que as moléculas<br />

se dispõem aleatoriamente até que<br />

alguma condição dê certo e se crie um<br />

“produto”. As biomoléculas são inteligentes,<br />

pois funcionam segundo uma<br />

programação predeterminada. Isso introduz<br />

outro elemento na evolução do<br />

conhecimento, a busca por tornar e/ou<br />

criar uma molécula inteligente, ou seja,<br />

que faça uma função predeterminada.<br />

Só no início desse século começamos a<br />

juntar várias unidades moleculares para<br />

criar algo inteligente, algo que execute<br />

uma ação que uma parte sozinha não<br />

é capaz de fazer. Podemos nomeá-las<br />

como máquinas moleculares. A química<br />

supramolecular passou a ser vista<br />

como nanotecnologia, basicamente<br />

por manipular diretamente coisas tão<br />

pequenas quanto átomos e moléculas.<br />

A química<br />

supramolecular<br />

passou a ser vista<br />

como nanotecnologia,<br />

basicamente por<br />

manipular coisas tão<br />

pequenas quanto<br />

átomos e moléculas<br />

Essa evolução foi propiciada também<br />

pelas técnicas e ferramentas, como a<br />

microscopia de varredura de sonda,<br />

que possibilitaram, a partir dos anos de<br />

1990, visualizar átomos e moléculas.<br />

Revista <strong>SBCC</strong>: A visualização tornou<br />

possível “atuar” em átomos como se<br />

fossem peças?<br />

Henrique Toma: Exatamente. Atualmente<br />

existem instrumentos que nos<br />

permitem visualizar, confinar e manipular<br />

átomos. Até então, sabia-se, pela teoria,<br />

que existiam átomos e moléculas,<br />

mas eles não eram vistos porque nossa<br />

visão é limitada pelo comprimento da<br />

onda da luz, que mede 400 nanômetros<br />

(um nanômetro corresponde a um<br />

bilionésimo de metro), e o mundo nano<br />

começa abaixo de 100 nanômetros,


ENTREVISTA<br />

8<br />

ou seja, quatro vezes menos. Mesmo<br />

com os melhores microscópios óticos<br />

não era possível visualizar objetos<br />

nanométricos, pois estavam fora do<br />

alcance físico da luz. É no momento<br />

em que se percebe a possibilidade de<br />

manipulação de moléculas que surge<br />

a nanotecnologia. A a meu ver esta é<br />

a fronteira com a vida, pois a química<br />

pode gerar unidades moleculares que<br />

se equiparam com os sistemas naturais.<br />

É um caminho longo, mas muito<br />

instigante.<br />

Revista <strong>SBCC</strong>: Mas não são os pro-<br />

cessadores eletrônicos o mais comple-<br />

to exemplo de aplicação de nanotecno-<br />

logia?<br />

Henrique Toma: A tecnologia nano<br />

tem, basicamente, duas abordagens. A<br />

Química, chamada de molecular, cuja<br />

proposta principal é gerar biomoléculas<br />

artificiais; e a Eletrônica e de Materiais,<br />

que buscam reduzir a dimensão<br />

dos componentes (como os chips de<br />

computadores) até chegar ao tamanho<br />

nanométrico. Então há uma ciência reducionista<br />

e outra para gerar sistemas<br />

com materiais moleculares. É claro que<br />

elas “conversam” e se cruzam.<br />

Revista <strong>SBCC</strong>: Muito se espera da<br />

tecnologia nano aplicada a novos me-<br />

dicamentos.<br />

Henrique Toma: Essa é a mais contundente<br />

aplicação, e já temos vários<br />

exemplos, desde o encapsulamento de<br />

princípios ativos para ações específicas<br />

até ações mais complexas, como a<br />

marcação de células doentes para que<br />

os medicamentos atuem apenas nelas,<br />

ou seja, é uma espécie de marcação<br />

em Braile para o medicamento que vai<br />

identificar onde deve agir; ou mesmo o<br />

uso de hipertermia, técnica que permite<br />

a um determinado antígeno identi-<br />

ficar uma célula e, ao irradiarmos luz<br />

sobre ela, aquecer a ponto de matá-la.<br />

Ficou evidente que todos os processos<br />

inteligentes do nosso organismo<br />

ocorrem em escala nano, nós somos<br />

nanomáquinas. A microeletrônica,<br />

que é centrada no chip e que mudou<br />

o mundo, tornando os computadores<br />

e outros aparelhos eletrônicos cada<br />

vez menores, caminha na direção de<br />

um computador molecular, semelhante<br />

ao nosso cérebro, que é baseado em<br />

outro tipo de lógica, a molecular. Estamos<br />

bem longe disso, pois enquanto o<br />

processador atual faz uma operação<br />

A área nano vai se<br />

expandir de tal forma<br />

que será assimilada<br />

como uma evolução<br />

científica natural<br />

relacionada à cada área<br />

aplicada<br />

por vez o nosso cérebro faz 10 elevada<br />

a 17ª potência vezes a cada segundo.<br />

Moléculas são os melhores veículos<br />

de informação, e o DNA é imbatível<br />

nesse sentido. Tudo que está dentro de<br />

nós está codificado em um DNA, isso<br />

permite reproduzir as informações e,<br />

assim, perpetuar gerações. O que se<br />

busca é reproduzir uma máquina molecular<br />

que tenha a habilidade de transformar<br />

situações de forma inteligente,<br />

sem gerar poluentes e que tenha alta<br />

eficiência. Surgem aplicações diversas,<br />

e tem-se aí um paradoxo: a área<br />

nano vai se expandir de tal forma que<br />

não vai mais ser perceptível; ela será<br />

assimilada como uma evolução científica<br />

natural relacionada à cada área aplicada.<br />

Encapsular princípios ativos em<br />

nanoestruturas para aplicação cosmética<br />

ou farmacêutica será tão comum e<br />

deverá ser incorporado à evolução da<br />

própria medicina, por exemplo.<br />

Revista <strong>SBCC</strong>: Qual a importância das<br />

áreas limpas nesse contexto?<br />

Henrique Toma: A produção farmacêutica<br />

e cosmética mais sofisticada<br />

vai exigir controle de contaminação<br />

mais efetivo. Todo o encapsulamento,<br />

por exemplo, vai exigir áreas limpas,<br />

com tudo muito controlado. A área cosmética,<br />

que ainda não precisa usar áreas<br />

limpas em praticamente toda a sua<br />

produção, também será obrigada a incorporar<br />

a tecnologia de áreas limpas.<br />

Além disso, existem as implicações na<br />

própria área limpa, proporcionadas pelos<br />

avanços dos revestimentos, filtros,<br />

tecidos e materiais antibacterianos.<br />

Revista <strong>SBCC</strong>: Que tipo de aplicações<br />

nano podem ser vislumbradas nas áre-<br />

as limpas?<br />

Henrique Toma: As técnicas de monitoramento<br />

de áreas limpas trabalham<br />

com detecção na faixa de parte por<br />

milhão ou por bilhão, porém a nanotecnologia<br />

tem capacidade para deslocar<br />

essa escala em 24 “zeros”, até chegar<br />

à detecção de uma única molécula.<br />

Isso vai impactar, sem dúvida, no<br />

sensoriamento ambiental. Pode-se,<br />

por exemplo, desenvolver marcadores<br />

ambientais que detectam moléculas,<br />

por análise de espalhamento da luz<br />

(efeito Raman) em níveis impensáveis.<br />

Essa é uma aplicação que será usada<br />

inexoravelmente pela indústria de áreas<br />

limpas. Já fazemos isso no Instituto<br />

de Química, mas ainda em escala de<br />

bancada. Outra aplicação, que estamos<br />

desenvolvendo para a Petrobras,<br />

são nanopartículas absorventes que<br />

podem ser lançadas no ar ou em locais


de risco, como em reatores, onde os<br />

gases são contaminados com enxofre.<br />

Essa nanopartícula pode ser programada<br />

para reagir com o enxofre, que<br />

é um sério contaminante, e pode ajudar<br />

na sua remoção, ao ser “grudado”<br />

em uma tela magnética. O processo é<br />

semelhante ao de um purificador de<br />

ambiente, simples de ser aplicado.<br />

Revista <strong>SBCC</strong>: Existem outras aplica-<br />

ções já conhecidas dirigidas ao contro-<br />

le de contaminação?<br />

Henrique Toma: Várias aplicações de<br />

controle de contaminação, não relacionadas<br />

às áreas limpas, são conhecidas.<br />

Por exemplo, também estamos<br />

desenvolvendo para a Petrobras, nanopartículas<br />

que atuam como diminutos<br />

imãs magnéticos. Existem grandes<br />

aplicações, sendo a principal delas a<br />

aglutinação de materiais em manchas<br />

de óleo no mar. Nossa ideia inicial era<br />

usar esse material como um fluido de<br />

perfuração para evitar o calor no local<br />

do atrito. A aplicação de nanopartículas<br />

de prata também deve ser destacada,<br />

pois quando colocada em qualquer<br />

material ela gera uma ação antibacteriana.<br />

O pote de água, introduzido pelo<br />

professor Hottinger no início do século<br />

passado, é um exemplo. Apesar de não<br />

se saber o mecanismo de ação naquela<br />

época, a pintura da parte interna do<br />

filtro com prata eliminava efetivamente<br />

as bactérias da água. Hoje podemos<br />

aplicar prata em qualquer material e<br />

propiciar ação antibactericida. Na Europa,<br />

por exemplo, os materiais hospitalares<br />

já contêm nanopartículas de<br />

prata em sua composição. Portanto, se<br />

as empresas de áreas limpas precisam<br />

de soluções antibacterianas deveriam<br />

seriamente levar em conta as soluções<br />

a partir desse conhecimento. E uma<br />

aplicação que me parece razoável seria<br />

na confecção de dutos, filtros e mesmo<br />

em vestimentas para serem usados em<br />

ambientes hospitalares. Finalmente,<br />

também estamos pesquisando janelas<br />

autolimpantes, semelhantes ao produto<br />

já desenvolvido pela empresa Pilkington.<br />

A janela recebe um tratamento<br />

com dióxido de titânio e o contato da<br />

luz com a superfície do vidro faz com<br />

que a sujeira se decomponha. Enfim,<br />

as possibilidades são inúmeras e as<br />

empresas devem estar atentas para<br />

as possíveis aplicações que se abrem<br />

com a nanotecnologia.

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