Mulheres, homens e usos do tempo - Instituto Nacional de Estatística
Mulheres, homens e usos do tempo - Instituto Nacional de Estatística
Mulheres, homens e usos do tempo - Instituto Nacional de Estatística
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
56<br />
As entrevistas realizadas mostram que os e as cientistas apresentam esta situação utilizan<strong>do</strong> uma<br />
linguagem que é simultaneamente sinónimo <strong>de</strong> liberda<strong>de</strong> e <strong>de</strong> pressão, sen<strong>do</strong> a autonomia na gestão<br />
<strong>do</strong> <strong>tempo</strong> constantemente associada ao constrangimento na gestão <strong>de</strong>sse <strong>tempo</strong>.<br />
Estes resulta<strong>do</strong>s vão ao encontro <strong>de</strong> outras pesquisas que têm incidi<strong>do</strong> sobre carreiras altamente<br />
qualificadas, segun<strong>do</strong> as quais estas são pessoas que têm po<strong>de</strong>r sobre o seu <strong>tempo</strong> mas que, no<br />
entanto, se tornam prisioneiras <strong>do</strong> <strong>tempo</strong> (ou ‘are caught in time’, como diriam Lyon e Woodward,<br />
2004).<br />
Um outro importante factor <strong>de</strong> progressão em carreiras científicas é a expectativa <strong>de</strong> mobilida<strong>de</strong> e a<br />
capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> fazer <strong>de</strong>slocações frequentes. Pesquisas anteriores (Ackers, 2005 ou Ackers e Gill,<br />
2008) têm salienta<strong>do</strong> que uma carreira científica exige uma elevada mobilida<strong>de</strong>, como forma <strong>de</strong><br />
atingir o nível <strong>de</strong> experiência internacional requeri<strong>do</strong> para progressão. Esta elevada expectativa <strong>de</strong><br />
mobilida<strong>de</strong> associada às carreiras científicas é discutida no estu<strong>do</strong> sobretu<strong>do</strong> na sua inter-relação<br />
com o estatuto familiar e parental. Os resulta<strong>do</strong>s apontam para que a mobilida<strong>de</strong> po<strong>de</strong> ser claramente<br />
constrangida pelas exigências da vida familiar. Isto é evi<strong>de</strong>nte em relação tanto a <strong>de</strong>slocações curtas,<br />
para reuniões, seminários ou conferências, como à possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ir para o estrangeiro durante<br />
perío<strong>do</strong>s <strong>de</strong> <strong>tempo</strong> mais longos, ao abrigo <strong>de</strong> bolsas ou estágios, por exemplo.<br />
A investigação neste <strong>do</strong>mínio (Ackers, 2004, 2005; Ackers e Gill, 2008) tem evi<strong>de</strong>ncia<strong>do</strong> a relevância<br />
<strong>de</strong> se tomar em consi<strong>de</strong>ração a importância <strong>do</strong> género e <strong>do</strong> ciclo <strong>de</strong> vida, conjugalida<strong>de</strong> e<br />
parentalida<strong>de</strong> em particular, para a tomada <strong>de</strong> <strong>de</strong>cisão <strong>de</strong> mulheres e <strong>homens</strong> cientistas sobre<br />
encetarem ou não um processo migratório. Este estu<strong>do</strong> contribui para explorar <strong>de</strong> forma mais<br />
<strong>de</strong>talhada como dimensões <strong>de</strong> género associadas à vida familiar, <strong>de</strong>signadamente à parentalida<strong>de</strong>,<br />
têm um impacto diverso sobre as <strong>de</strong>cisões migratórias <strong>de</strong> <strong>homens</strong> e <strong>de</strong> mulheres, bem como para<br />
analisar como a diferente capacida<strong>de</strong> para correspon<strong>de</strong>r à expectativa <strong>de</strong> mobilida<strong>de</strong> constitui um<br />
factor-chave para a compreensão <strong>do</strong>s processos <strong>de</strong> retenção e progressão das mulheres em<br />
carreiras científicas.<br />
No estu<strong>do</strong> é dada visibilida<strong>de</strong> a (algumas das) muitas formas segun<strong>do</strong> as quais o forte envolvimento<br />
<strong>de</strong> cientistas no trabalho pago, e carreiras com constrangimentos espácio-<strong>tempo</strong>rais específicos,<br />
po<strong>de</strong>m entrar em conflito com a vida familiar. A maioria <strong>do</strong>s/as cientistas que têm filhos/as, em<br />
particular das mulheres cientistas, tem <strong>de</strong> lidar com as exigências e constrangimentos <strong>de</strong>correntes<br />
<strong>do</strong> <strong>tempo</strong> para estar com a família e <strong>do</strong> <strong>tempo</strong> que têm <strong>de</strong> <strong>de</strong>dicar à prestação <strong>de</strong> cuida<strong>do</strong>s na esfera<br />
privada.<br />
Demonstra-se, assim, na esteira <strong>de</strong> outros resulta<strong>do</strong>s <strong>de</strong> pesquisa (por exemplo, Shelton, 1992)<br />
que as responsabilida<strong>de</strong>s familiares continuam a ‘intrometer-se’ <strong>de</strong> maneira diferente no <strong>tempo</strong> <strong>do</strong>s<br />
<strong>homens</strong> e no <strong>tempo</strong> das mulheres, afectan<strong>do</strong> <strong>de</strong>sproporcionadamente, em relação ao <strong>do</strong>s <strong>homens</strong>,<br />
o <strong>tempo</strong> que as mulheres <strong>de</strong>dicam ao trabalho <strong>de</strong> cuidar. Com efeito, as famílias po<strong>de</strong>m ser <strong>de</strong>finidas<br />
como ‘greedy institutions’ (Lyon and Woodward, 2004), nas quais a ‘voracida<strong>de</strong>’ das necessida<strong>de</strong>s<br />
<strong>de</strong> <strong>tempo</strong> para cuidar, sempre intensas e urgentes, é manifesta, sobretu<strong>do</strong> quan<strong>do</strong> existem crianças<br />
no agrega<strong>do</strong>.<br />
Uma das conclusões <strong>de</strong>sta pesquisa é a <strong>de</strong> que, em ciência, a <strong>de</strong>cisão <strong>de</strong> ‘pôr os/as filhos/as em<br />
primeiro lugar’ (por exemplo, reduzin<strong>do</strong> o volume <strong>de</strong> trabalho extraordinário ou <strong>de</strong> <strong>de</strong>slocações <strong>de</strong><br />
natureza profissional) e a prossecução <strong>de</strong> um maior equilíbrio entre trabalho e vida familiar<br />
comprometem a progressão na carreira. Isto é particularmente evi<strong>de</strong>nte entre as mulheres cientistas,<br />
que ten<strong>de</strong>m a apresentar uma progressão na carreira mais lenta <strong>do</strong> que os <strong>homens</strong>. Tal como<br />
outras autoras têm sugeri<strong>do</strong>, as responsabilida<strong>de</strong>s tradicionais das mulheres pelas tarefas <strong>do</strong>mésticas<br />
e pelo trabalho <strong>de</strong> cuidar, na medida em que permanecem muito marcadas pelo género, continuam<br />
a ser uma fonte significativa <strong>de</strong> <strong>de</strong>svantagem para as mulheres (Bagilhole, 2002; Bryson, 2007) bem<br />
como <strong>de</strong> ‘agency inequality’ (Crompton, 2004).<br />
Revista <strong>de</strong> Estu<strong>do</strong>s Demográficos, nº 47