Apenas um contratempo - Livraria Martins Fontes
Apenas um contratempo - Livraria Martins Fontes
Apenas um contratempo - Livraria Martins Fontes
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
<strong>Apenas</strong> <strong>um</strong> <strong>contratempo</strong>...<br />
Fazia frio naquela noite. Saí de casa bem agasalhado, com<br />
medo de ficar resfriado, e com <strong>um</strong>a pilha de envelopes na mão. No<br />
caminho de casa até meu carro, estacionado no outro lado da rua,<br />
tive de suportar <strong>um</strong> vento gelado batendo em meu rosto.<br />
De nada adiantavam as luvas de lã que usava, o frio congelava<br />
minhas mãos. Nunca havia sentido <strong>um</strong> frio tão grande como aquele.<br />
Meus ossos doíam, meus dentes lutavam <strong>um</strong> contra o outro, o queixo<br />
não conseguia parar de tremer.<br />
Tentei abrir a porta do carro, mas percebi que tinha esquecido as<br />
chaves em casa. Então, tive que voltar para buscá-las.<br />
– Este frio não está me deixando pensar em nada – eu resmungava,<br />
andando.<br />
Entrei em casa correndo e percebi que tinha esquecido a televisão<br />
ligada. Passava o telejornal local, que anunciava <strong>um</strong>a temperatura<br />
recorde para aquela noite: dois graus abaixo de zero. Mas de nada<br />
adiantava saber a temperatura, eu tinha de encontrar as chaves e<br />
voltar correndo para o carro.<br />
Revirei a casa inteira, mas não as achei. Estava começando a ficar<br />
irritado. A porta entreaberta permitia que <strong>um</strong> vento frio entrasse,<br />
fazendo a casa ficar cada vez mais gelada.<br />
A muito custo encontrei a chave no lugar mais óbvio possívelÇ<br />
<strong>um</strong>a latinha de refrigerante, da qual eu havia retirado a tampa e agora<br />
usava como guarda-pertences.<br />
Desliguei a televisão e saí de casa. Caminhava rapidamente pela<br />
rua, mas com cuidado, para não deixar que os envelopes, com fotos<br />
de trabalho, fossem levados pelo vento. O movimento na rua era pouco,<br />
mas esperei o sinal fechar para atravessá-la.<br />
Abri rapidamente a porta e joguei os envelopes no banco do<br />
carona. Estendi a mão para ligar o aquecedor do carro, e, de repente,<br />
percebi que alguém batia na janela. Era <strong>um</strong> senhor, mas o vidro<br />
embaçado não permitia que eu enxergasse direito seu rosto. Pensei<br />
que fosse alg<strong>um</strong> mendigo pedindo esmola ou <strong>um</strong> assaltante. Liguei o<br />
carro e arranquei com ele. Os pneus patinaram no asfalto molhado e<br />
o velho, assustado, caiu no chão.<br />
Estava muito atrasado, não podia perder aquele jantar, era a minha<br />
chance de arr<strong>um</strong>ar <strong>um</strong> emprego mais bem remunerado e em <strong>um</strong>a<br />
agência mais conceituada.<br />
Liguei o rádio para ouvir <strong>um</strong>a música que me fizesse relaxar.<br />
Mais alg<strong>um</strong> estresse e eu explodiria. Estava correndo muito, só reduzia<br />
quando havia alg<strong>um</strong> cruzamento, até que <strong>um</strong>a forte chuva começou<br />
a cair e minha visão ficou totalmente prejudicada. Não conseguia<br />
enxergar <strong>um</strong> palmo à minha frente. Era muito perigoso continuar dirigindo,<br />
mas não havia outra alternativa.<br />
Mais à frente pude sentir que a pista estava muito escorregadia.<br />
Ultrapassei <strong>um</strong> caminhão dos bombeiros que, parado, socorria <strong>um</strong>a<br />
vítima de acidente.
Reduzi a velocidade, morrendo de medo que acontecesse alg<strong>um</strong>a<br />
coisa. Preferia chegar atrasado a chegar morto.